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A cura pela palavra

Postado em 06/09/2016 09h26min

Por Elise Bozzetto

Muitas cicatrizes fazem parte da vida de Vitalina L., que durante 30 anos sofreu com a violência doméstica. Sorridente e comunicativa, Vitalina, hoje com 50 anos, aprendeu a escrever para contar sua história e para ler as histórias de outras mulheres que, assim como ela, foram marcadas por relacionamentos abusivos. Seu resgate à vida aconteceu quando decidiu buscar ajuda e encontrou, no Grupo Recomeçar, do Serviço de Assistência Jurídica (Sajur) da Univates, o apoio de que precisava para ser protagonista de uma nova história: de liberdade, de respeito e de amor.
 
Aos 14 anos, “morando na roça” como ela mesma diz, Vitalina casou-se com seu primeiro marido. “Quando casamos, éramos crentes. Mas meu marido começou a beber e saiu da igreja. Com a bebida, ele ficava agressivo e começou a me bater, me xingar, me agredir. Eu, com três filhos pequenos para criar, sem trabalhar, não tinha como sair de casa e me sustentar. Aguentei”, lembra. Mulher, sem renda, sem experiência, com filhos pequenos e sem apoio da família: “minha mãe era doente, eu cuidava dela, e minha sogra ficava do lado de meu marido”. Os anos se passaram e a violência dentro de casa aumentava. O filho mais velho de Vitalina incentivou a mãe a se divorciar. “Ele me dizia: 'a senhora não merece essa vida, mãe, vive de olho roxo, o pai te bate, por que não te separa?'. Eu não reagia, tinha medo. Fiquei com ele por causa dos meus filhos. Eles cresceram vendo o pai deles me bater. Ele não tinha hora para me espancar, chegava em casa e já ia me chutando, dando socos e me xingando”. 
 
Com os filhos mais velhos, já seguindo suas vidas, Vitalina conseguiu se separar. Mas, em seguida, entrou em outro relacionamento abusivo. “Quando casei de novo, não imaginava que tudo iria se repetir. Estava cansada de uma vida de agressão, eu sabia que não merecia viver assim. Foi quando fui em busca de ajuda. Fiz um boletim de ocorrência e fui até o Sajur. No grupo de mulheres, contei minha história e ouvi as histórias das outras, todas de violência. Sabe, a gente vê todo dia no noticiário gente matando, mães matando filhos, pais matando filhos, homens matando as mulheres, não podemos aceitar a violência. Não podemos ficar quietas, a gente precisa procurar ajuda”, pontua Vitalina.
 
Uma das atividades do grupo de apoio era escrever cartas para contar suas experiências, medos, expectativas. Mas Vitalina, analfabeta, não conseguia escrever. Foi quando resolveu voltar para a escola para poder escrever sua caminhada. “Para mim foi muito importante aprender a escrever. Poder ler, assinar documentos. Eu chegava nos lugares e tinha que colocar o dedão… Todos ficavam olhando. Agora não, quando chego nos lugares eles me pedem para colocar o dedão e eu faço questão de dizer: ‘dá uma caneta aí que eu mesma assino meu nome!’”, relata orgulhosa a dona de casa. “A minha carta está lá (referindo-se ao Sajur) para que outras pessoas possam lê-la”, celebra.
 
Sobre o que espera para o futuro, a senhora de profundos olhos castanhos não titubeia na resposta: “Eu não quero ficar sozinha. Mas não quero mais apanhar. Hoje estou casada de novo e finalmente com alguém que me respeita e me trata com carinho. A gente fica velho e vai aprendendo as coisas. Se fosse hoje, eu não ia nem esperar me bater para denunciar ou buscar ajuda. As mulheres precisam saber que sozinha a gente não consegue. Nós precisamos de apoio”, constata Vitalina. Para ela, agora é momento de viver o amor e a harmonia. “Uma família tem que ser feliz, tem que ter respeito. Não quero que meus filhos repitam a história que eu vivi, quero que eles lembrem sempre de que uma família deve ser feliz. Eles não tiveram um bom exemplo em casa do que é ser um casal, então sempre repito para eles buscarem um caminho diferente. Hoje estamos bem, meus filhos estão casados, tenho netos, me dou bem com meu ex-marido, não brigamos, tenho um casamento feliz”, relata.
 
 
Finalizando a entrevista, Vitalina diz que, se pudesse deixar um recado para quem vive uma história parecida com a dela, diria para procurar apoio e ajuda. “Conversar sobre meu problema, conhecer outras pessoas me ajudou a sair da violência”.
 
Saiba mais sobre o projeto
 
O Projeto Recomeçar, assim batizado pelo grupo de mulheres que dele participa, foi criado em 2014, por meio do projeto de extensão “Ações de Suporte à Lei Maria da Penha”. Vinculado ao Serviço de Assistência Jurídica (Sajur), o projeto é realizado pelas disciplinas de estágio do curso de Psicologia da Univates. Todas as semanas, um grupo de estagiárias faz a mediação do encontro de mulheres em situação de violência doméstica. Até hoje, cerca de 80 mulheres já contaram suas histórias, apoiaram-se e encontraram no grupo um recomeço para suas vidas.
 
Como você pode ajudar: as mulheres que passam por situações de violência e participam do grupo recebem atestados de participação para validarem em suas empresas. O atendimento é feito somente durante o dia, período no qual a maioria das mulheres participantes trabalha. Incentive as empresas a aceitarem o atestado para validar essa uma hora de encontro.
 
Mais informações podem ser obtidas de terça a quinta-feira, das 8h às 12h e das 13h30min às 17h30min, pelo telefone (51) 3714-7038 ou pelo e-mail sajur@univates.br.
 
Esta reportagem faz parte da última edição da Revista Univates.
 
Texto: Elise Bozzetto

Elise Bozzetto

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