CENTRO UNIVERSITÁRIO UNIVATES CURSO DE DIREITO A RESPONSABILIDADE CIVIL DO TRANSPORTADOR DE MERCADORIAS Guilherme Borghetti Lajeado, novembro de 2014 B D U – B ib lio te ca D ig ita l d a U N IV AT E S (h tt p: //w w w .u ni va te s.b r/ bd u) Guilherme Borghetti A RESPONSABILIDADE CIVIL DO TRANSPORTADOR DE MERCADORIAS Monografia apresentada na disciplina de Trabalho de Curso II, do Curso de Direito, do Centro Universitário Univates, como parte da exigência para a obtenção do título de Bacharel em Direito. Orientador: Júnior Roberto Willig Lajeado, novembro de 2014 B D U – B ib lio te ca D ig ita l d a U N IV AT E S (h tt p: //w w w .u ni va te s.b r/ bd u) AGRADECIMENTOS Agradeço em primeiro lugar a Deus pelo apoio espiritual na realização este trabalho. Agradeço a minha mãe, pela dedicação, compreensão e apoio em todas as decisões tomadas. Ao meu pai, pelo companheirismo, confiança e pelos inúmeros ensinamentos de vida. Ao professor Júnior, pela dedicação e esforço, sempre incentivando a busca da excelência pelos alunos. A todos os professores com os quais tive a oportunidade de aprender, já que, indiretamente, cada um deles tem participação neste trabalho. Aos colegas e amigos, pelo apoio, incentivo e lições de vida passadas. B D U – B ib lio te ca D ig ita l d a U N IV AT E S (h tt p: //w w w .u ni va te s.b r/ bd u) RESUMO O transporte rodoviário de cargas tem um papel fundamental na economia brasileira, movimentando anualmente milhões de toneladas de mercadorias Brasil afora. Apesar da importância que o setor possui, muitas vezes, os seus gestores não estão devidamente orientados em relação as responsabilidades que possuem durante sua operação, haja vista a quantidade de variáveis que estão envolvidas neste segmento. A partir deste cenário, este estudo tem como objetivo analisar a responsabilidade civil do transportador rodoviário pelos danos decorrentes do transporte de mercadorias. Trata-se de uma pesquisa qualitativa, realizada por meio do método dedutivo e de procedimento técnico bibliográfico e documental. Inicialmente, foi traçado um conceito geral em relação à evolução da responsabilidade civil, desde os tempos antigos até a contemporaneidade. Em seguida, abordaram-se noções gerais em relação ao contrato de transporte, sua natureza jurídica, bem como as espécies de transporte, terrestre, aéreo e marítimo. No último capítulo finaliza-se com o estudo relativo a responsabilidade do transportador rodoviário pelos danos causados as mercadorias transportadas. Neste sentido, conclui-se que a responsabilidade civil do transportador é objetiva por normatização legal, ressaltando os casos em que o mesmo não será responsável tendo em vista a incidência de uma causa excludente de responsabilidade. O transportador deve estar atento na condução de sua atividade, destacando a observância da correta contratação de seguro sobre a mercadoria transportada. Palavras-chave: Transporte. Responsabilidade Civil. Mercadorias. B D U – B ib lio te ca D ig ita l d a U N IV AT E S (h tt p: //w w w .u ni va te s.b r/ bd u) LISTA DE SIGLAS E ABREVIATURAS § Parágrafo ANTT Agência Nacional de Transportes Terrestres art. Artigo FIPE Fundação Instituto de Pesquisas Econômicas RNTRC Registro Nacional de Transportadores Rodoviários de Carga B D U – B ib lio te ca D ig ita l d a U N IV AT E S (h tt p: //w w w .u ni va te s.b r/ bd u) SUMÁRIO 1 INTRODUÇÃO ......................................................................................................... 6 2 RESPONSABILIDADE CIVIL ................................................................................ 10 2.1 Evolução histórica da responsabilidade civil ................................................. 10 2.2 Conceituação jurídica da responsabilidade civil ............................................ 15 2.3 Requisitos da responsabilidade civil............................................................... 17 2.4 Espécies de responsabilidade civil ................................................................. 21 3 NOÇÕES GERAIS ACERCA DO CONTRATO DE TRANSPORTES .................... 27 3.1 Conceito de contrato de transportes ............................................................... 28 3.2 Disposições gerais sobre contrato de transportes ........................................ 29 3.3 Natureza jurídica do contrato de transportes ................................................. 32 3.4 Espécies de transportes ................................................................................... 35 3.4.1 Transporte terrestre de mercadorias ............................................................ 37 3.4.2 Transporte aéreo de mercadorias ................................................................. 39 3.4.3 Transporte marítimo de mercadorias ........................................................... 41 4 A RESPONSABILIDADE CIVIL DO TRANSPORTADOR POR DANOS AS CARGAS ................................................................................................................... 43 4.1 Direitos e deveres do transportador de mercadorias .................................... 43 4.2 Responsabilidade por danos resultantes do transporte de mercadorias .... 44 4.3 Legislação especial no transporte de mercadorias ....................................... 47 4.4 A responsabilidade civil do transportador de mercadorias ........................... 50 4.5 Avaliação do dano e quantum indenizatório ................................................... 58 5 CONCLUSÃO ....................................................................................................... 66 REFERÊNCIAS ......................................................................................................... 69 B D U – B ib lio te ca D ig ita l d a U N IV AT E S (h tt p: //w w w .u ni va te s.b r/ bd u) 6 1 INTRODUÇÃO Obter informações sobre o andamento dos seus negócios e analisar as opções existentes para o segmento de atuação deixaram de ser opções dos administradores e passaram a ser obrigações vitais para a continuidade das organizações. Neste contexto, encontra-se também incluído o setor de transporte de mercadorias/cargas, segmento que enfrenta sazonalidades anuais e de difíceis previsões. Dentre as variáveis atinentes à atividade, o transportador precisa estar atento a responsabilidade civil que possui ao desenvolver sua atividade. A responsabilidade civil é um dos temas que mais vem se desenvolvendo e ampliando sua importância no âmbito do direito brasileiro. Nas últimas décadas, em especial após a promulgação do novo Código Civil, o instituto da responsabilidade civil por danos causados, bem como a sua reparação, tomaram maiores dimensões. Essas mudanças legislativas correspondem à crescente importância direcionado pelo direito à responsabilização do causador de danos e a sua obrigatoriedade de indenizar. A análise da responsabilidade civil do transportador rodoviário de cargas tem a qualidade de demonstrar, principalmente, aos empresários do setor os mais diversos riscos e responsabilidades às quais o mesmo está submetido, garantindo um melhor conhecimento acerca do seu negócio. Demonstrar-se-á, portanto, neste trabalho monográfico, a importância do transportador estar atento à condução do seu negócio, evitando submeter-se a riscos que não poderá arcar, tudo isso em um ramo com constantes alterações, em que se faz necessário atender o mercado e as oportunidades que são oferecidas. Tal mercado é diretamente influenciado por B D U – B ib lio te ca D ig ita l d a U N IV AT E S (h tt p: //w w w .u ni va te s.b r/ bd u) 7 fatores externos ao transportador, como as condições climáticas e o preço das commodities. A tudo isso, se junta o risco inerente à atividade, citando principalmente o de acidentes com danos às cargas transportadas, adentrando ao mérito da responsabilidade do transportador sobre tais eventos. Sob esse espectro, o presente trabalho desenvolve um modelo de análise acerca da responsabilidade civil que envolve a operação de transporte de mercadorias, demonstrando aos gestores quais as obrigações que devem arcar ao contratarem operações de transporte. Tudo isso, a partir da contextualização da responsabilidade civil e noções a respeito do contrato de transportes. Neste sentido, o estudo tem como problema de pesquisa: qual é a responsabilidade civil do transportador rodoviário de cargas por danos às cargas? Como hipótese para tal questionamento entende-se que o transportador de cargas tem como obrigações, dentre outras, receber, transportar e entregar a mercadoria ao destinatário. No ciclo que se forma durante o processo de transporte, o que importa é o resultado, o que bem mostra que, se pagou a locatio, o contratante da operação quer o cumprimento pleno do resultado. Assim, a contratação do transportador mediante contrato lhe impõe a responsabilidade de entregar mercadorias e passageiros em sua custódia no local de destino. A entrega, em perfeito estado, da mercadoria no local de destino, consiste na adimplência da obrigação contratual de resultado assumida pelo transportador. Portanto, pela natureza de resultado do contrato de transporte, decorre a responsabilidade do transportador pela incolumidade da mercadoria por ele conduzida, até a efetivação da entrega. Tendo o transportador cobrado o justo preço para o exercício desse ofício, atividade eminentemente de risco por sua natureza, deve assumir o ônus decorrente da inexecução do contrato, arcando com a responsabilidade de indenizar eventuais danos. A pesquisa quanto a abordagem é classificada como uma abordagem qualitativa, uma vez que vale-se de dados concretos extraídos da bibliografia para objeto de análise. Para Gil (1999), na pesquisa qualitativa há forte incidência do elemento subjetivo, o qual não pode ser remetido a algo exato, sendo que a interpretação é fundamental para extrair o seu significado. Quanto ao método principal utilizado para o desenvolvimento do trabalho monográfico, é o dedutivo, o qual, de acordo com Mezzaroba e Monteiro (2009), parte de fundamentação B D U – B ib lio te ca D ig ita l d a U N IV AT E S (h tt p: //w w w .u ni va te s.b r/ bd u) 8 genérica para chegar à dedução particular, o que faz com que as conclusões do estudo específico geralmente valham para aquele caso em particular, sem generalizações de seus resultados. Os instrumentos técnicos utilizados são a pesquisa bibliográfica, juntamente com a análise documental, definida por Silva e Grigolo (2002), como uma forma de pesquisa que irá valer-se de materiais que ainda não receberam nenhuma análise aprofundada. A mesma busca selecionar e interpretar a informação bruta, buscando extrair dela algum sentido e valor, destacando-se o uso de legislação, principalmente o Código Civil e a Constituição Federal de 1988, e jurisprudência de Tribunais Superiores. Dessa forma, o primeiro capítulo de desenvolvimento deste estudo tem como objetivo abordar a responsabilidade civil de forma ampla e concreta. Para fixação de seu conceito, é traçada a evolução histórica da responsabilidade civil, desde os tempos antigos até o seu conceito contemporâneo. Em seguida, é feita a sua conceituação jurídica, análise dos requisitos e a exposição de suas espécies, ponto de fundamental importância para o entendimento do capítulo seguinte. No segundo capítulo, são descritas noções gerais acerca do contrato de transportes, partindo do seu conceito e da abordagem das disposições constantes no capítulo relativo ao transporte no Código Civil. Também, é disposta a natureza jurídica do contrato de transporte, destacando sua função na relação jurídica. Como complemento, são destacadas as espécies de transporte consideradas no estudo, definindo-as e destacando características pertinentes a cada um deles, aéreo, terrestre e marítimo. Adiante, no terceiro capítulo, é apresentando um estudo da responsabilidade civil do transportador por danos as mercadorias. Dentro desta análise, são ponderados os direitos e deveres do transportador, com a observância da sua responsabilização, a incidência da legislação especial e o seu alcance, além de uma avaliação dos danos e sua avaliação em conjunto com a jurisprudência dos tribunais. Portanto, o estudo da responsabilidade civil do transportador de cargas é importante valia, principalmente pela especificidade do instituto e da repercussão que pode causar nos casos de reparação civil. O tema em análise merece atenção tanto em aspectos acadêmicos, se tratando do instituto do direito civil, quanto B D U – B ib lio te ca D ig ita l d a U N IV AT E S (h tt p: //w w w .u ni va te s.b r/ bd u) 9 profissionais, diante da relevância prática que poderá ser atingida, principalmente aos gestores de transporte, lhes permitindo perceber mais claramente as suas responsabilidades, quanto aos itens transportados. B D U – B ib lio te ca D ig ita l d a U N IV AT E S (h tt p: //w w w .u ni va te s.b r/ bd u) 10 2 RESPONSABILIDADE CIVIL A responsabilidade civil se destaca como um dos temas mais atuais e de maior importância para o profissional do direito. Sua relevância decorre, principalmente nos tempos atuais, por se direcionar a restituir e restaurar um bem moral ou patrimonial que sofreu dano. A sua conexão com o cotidiano das pessoas é intenso, visto que a proteção dos direitos individuais se fez presente em diversas situações, uma vez que quem pratica um ato que resulte em dano deve suportar as consequências do seu procedimento. Percebe-se, assim, que a responsabilidade é um verdadeiro fenômeno social. O instituto da responsabilidade civil evolui em diversos sentidos. No Código Civil de 1916, o mesmo tinha poucos dispositivos a seu respeito; ao contrário do atual Código, mesmo por não ser uma matéria difundida e suficientemente desenvolvida na época da elaboração do iludido diploma. Ela trata de um tema em que não há respostas fáceis, por se tratar de um ponto de constantes estudos, discussões e atualizações. Principalmente, por envolver questões subjetivas, como a proteção aos direitos individuais, que regulam os direitos e deveres recíprocos entre os cidadãos, muitas vezes se torna difícil mensurá-la. Partindo desse ponto, este capítulo terá como objetivo identificar a evolução histórica da responsabilidade civil, sua conceituação jurídica, requisitos e espécies. 2.1 Evolução histórica da responsabilidade civil Apesar da responsabilidade civil ser tema de discussões atuais por parte dos operadores jurídicos, ela se constitui em um dos institutos mais antigos do direito. B D U – B ib lio te ca D ig ita l d a U N IV AT E S (h tt p: //w w w .u ni va te s.b r/ bd u) 11 Ela acaba fazendo parte dos fatos sociais aos quais o ser humano está submetido diariamente. Conforme Ferracini (2011), para uma melhor compreensão em relação a este tema é de vital importância que seja efetuada uma análise, mesmo que breve, das origens e dos fundamentos da responsabilidade civil, dos primórdios até a sua atual formatação no ordenamento jurídico contemporâneo. Para Diniz (2007), historicamente, dominava a vingança coletiva, que tinha como preceito a reação conjunta do grupo como forma de repúdio a determinado agressor pela ofensa a um de seus componentes. A noção de vingança coletiva, segundo a autora, acabou cedendo espaço à particular, fundada na famosa Lei de Talião e suas máximas como “olho por olho, dente por dente”. Conforme Gonçalves (2008), nos primórdios da humanidade, não havia qualquer menção ao termo culpa. Qualquer dano provocado impunha reação imediata e brutal do ofendido, não havendo regras, nem limitações, uma nítida vingança privada. O poder público servia apenas para coibir eventuais abusos e determinar o modo com que a vítima poderia exercer o poder vingativo, que como regra deveria equivaler ao mesmo dano causado. Da mesma forma, Ferracini (2011) exalta a noção do conceito partindo do que se considerava no direito primitivo, quando os indivíduos da época ainda não haviam encontrado um sentido real e exato da responsabilidade civil. Para o autor, a ideia existente e predominante nesse período era a de retaliação dos integrantes de determinado grupo ante a prática de um ato lesivo por membro de outro grupo. Essa atitude passou a se denominar vingança coletiva. Dispõe Diniz (2007), que a Lex aquilia de damno estabeleceu as bases da responsabilidade extracontratual, criando uma forma pecuniária de indenização do prejuízo, com base no estabelecimento de seu valor, impondo que o patrimônio do agente causador do dano suportasse o ônus da reparação. Assim, o Estado passou a intervir nos conflitos privados, fixando valores, entre outras ações a ele pertinentes. Complementa a autora, que desde os primórdios da humanidade, a vingança coletiva reinava como a principal e direta forma de retaliação do grupo como um todo em relação ao causador de um dano. Neste contexto, a única sanção que prevalecia era a da vingança, em que o motivo da discórdia se resolvia através da força bruta, em que a ofensa acabava se estendendo a todo o grupo envolvido, representando uma espécie de responsabilidade coletiva. B D U – B ib lio te ca D ig ita l d a U N IV AT E S (h tt p: //w w w .u ni va te s.b r/ bd u) 12 Conforme refere Ferracini (2011), caso a ofensa ocorresse entre grupos, como uma forma de manutenção da integridade e honra de todo o clã envolvido, o resultado poderia ser a eliminação completa de um dos grupos, demonstrando o ponto máximo a que se podia chegar como forma de atribuir a responsabilização de determinada conduta à alguém na época, muito diferente do que se percebe atualmente. Ainda, retratando como se deu a evolução da responsabilidade civil, o autor exemplifica que a ideia de compensar o prejuízo causado a outrem, tendo como contra ponto chave a vingança coletiva, surgiu a partir da famosa Lei de Talião, na qual se pagava o mal com o mal, como “olho por olho, dente por dente”, dando a oportunidade e a possibilidade ao ofendido de cometer com o seu infrator ato igual ao por ele praticado. Esse modo veio a divergir da anterior, na qual todo o grupo sofria consequências frente ao ato individual. Mirabete (2001), por sua vez, exemplificava que se o membro do próprio grupo, na vingança coletiva, viesse a causar um dano, a punição a ele imposta seria a “expulsão da paz”, também chamada de banimento, com o mesmo ficando à mercê dos demais grupos, o que na maior parte das vezes resultava em morte. Caso a ofensa viesse a ocorrer entre grupos, como forma de manutenção da honra de todo o clã, as medidas impostas poderiam resultar na eliminação completa de um dos grupos envolvidos. De acordo com Ferracini (2011), o conceito de retribuição ao mal sofrido foi a mesma base utilizada pelo Código de Hamurabi, por volta do ano de 1.728 a. C., bem como na Lei das XII Tábuas, ficando imputada a responsabilidade unicamente ao ofensor, e não a todo o grupo do qual pertencia. Sendo assim, pode-se considerar que nessa fase vem a nascer a responsabilização individual. A Lei das XII Tábuas tem, neste contexto, uma grande importância, pois é dela que se originou o Direito Romano, sendo a mesma também utilizada como base da Constituição da República Romana, incorporando a diferença entre a responsabilidade civil e a penal. Isso representou um verdadeiro avanço, já que representava um fato novo, no qual o Estado tomava a iniciativa de punir o infrator. Foi a partir do Direito Romano, em especial da Lex Aquilia de damno, no século III a. C., que se consagrou a possibilidade de reparação extracontratual. Por volta de 2040 a. C., foi descoberto o Código de Ur-Nammu, o qual trouxe como novidade a noção de reconhecimento dos danos relacionados à honra e à imagem do indivíduo como passível de eventual e futura indenização. Da mesma forma, nessa época, as sociedades primitivas B D U – B ib lio te ca D ig ita l d a U N IV AT E S (h tt p: //w w w .u ni va te s.b r/ bd u) 13 passaram a conceder maior relevância à reparação do dano causado, atribuindo responsabilidades apenas ao ato/evento lesivo, limitando, desta forma, o dano a maiores proporções. Com o desenvolvimento da autoridade estatal, próximo ao século XIII a. C., de acordo com Chaves (2009), o legislador começou a regulamentar a ideia da indenização, vedando em um primeiro momento a vingança particular, obrigando o causador do dano a compor suas ofensas de outras formas. Mais tarde, como retrato destas iniciativas, passam a surgir novos ordenamentos que introduziram elementos novos ao conceito da responsabilidade civil, como o Alcorão e o livro de Deuteronômio. Chaves (2009) enfatiza que a indenização do prejuízo causado tendo por base a devolução de seu valor, mesmo que arbitrado ou simbólico, representou o ponto inicial para o surgimento da responsabilidade civil extracontratual. Anteriormente, no Direito Romano, considerando-se o dano injusto a alguém, o autor deveria ser punido independente de haver uma obrigação pressuposta, ou seja, além da obrigação de indenizar, o mesmo deveria custear os danos emergentes, bem como os lucros, aos quais o prejudicado deixou de auferir, os denominados atualmente lucros cessantes. Essa fase pode ser considerada como o marco da responsabilidade civil, pois trouxe contribuições consideráveis para a responsabilidade civil atual. Conforme Chaves (2009), considerando a eminente evolução tecnológica, econômica e industrial ao qual, diversos países do mundo estavam atravessando, pode-se perceber alterações nos contratos e nos princípios que regulamentam o dever de indenizar, frente a uma responsabilização. Com este desenvolvimento, é notório que a evolução e o conceito histórico da responsabilidade civil foram sofrendo constantes mudanças que oscilaram desde os ideais mais clássicos até as formas mais contemporâneas, estas, representadas principalmente nas publicações doutrinárias e nos despachos jurisprudenciais. De acordo com Noronha (2010) a evolução pela qual a responsabilidade civil passa nos tempos contemporâneos está diretamente ligada a Revolução Industrial, processo que iniciou no século XVIII na Inglaterra. Todos os países sofreram de alguma forma interferência desta revolução. Os efeitos mais sentidos foram a B D U – B ib lio te ca D ig ita l d a U N IV AT E S (h tt p: //w w w .u ni va te s.b r/ bd u) 14 explosão populacional, migração para os maiores centros, concentração capitalista e o assalariamento da maioria da população economicamente ativa, além do ingresso da mulher no mercado de trabalho. Quanto a responsabilidade civil, destaca o autor que a revolução industrial agravou enormemente os riscos as quais as pessoas estavam sujeitas, crescendo a demanda no sentido de reparar tais danos. Com a melhora na qualidade de vida e mais escolas postas a disposição, o ser humano passou a se valorizar mais, recusando determinadas desgraças e exigindo reparação de danos sofrida. Para Noronha (2010) pode-se perceber a evolução da responsabilidade civil com base na Revolução Industrial sob a análise de três pontos, a expansão dos danos suscetíveis a indenização, objetivação da responsabilidade e sua coletivização. A ampliação dos danos reparáveis, reflete-se na obrigação de indenizar danos extrapatrimoniais ou morais, caracterizando que a reparação à pessoa seja a mais abrangente possível. Inicialmente, os danos tutelados para reparação eram quase que somente os patrimoniais e os individuais. A necessidade de inverter tal lógica é que alterou a situação. Gerou-se um enorme movimento em prol da reparação dos danos extrapatrimoniais, aqueles que atingiam somente valores de ordem corporal, espiritual ou moral, em correlação aos danos patrimoniais. Em seguida, passou-se a tutelar os danos transindividuais, que são aqueles que resultam da violação dos interesses difusos e coletivos, como, por exemplo, prejuízos causados ao meio ambiente e bens da coletividade. A objetivação da responsabilidade, inibindo o instituto da culpa, para Noronha (2010) pressupõe três riscos relacionados com a atividade, o risco de empresa, o risco administrativo e o risco-perigo. Todos sintetizam a máxima de quem exerce profissionalmente uma atividade econômica, organizada para produção ou circulação de bens e serviços, deve estar ciente que pode arcar com os ônus resultantes de eventos danosos inerentes a atividade desenvolvida. Para o autor, o fundamento da teoria da responsabilidade objetiva se baseia no fato de o exercício de determinadas atividades, suscetíveis de causar danos a terceiros implicam como contrapartida aos benefícios que elas causam ao agente, o ônus de suportar danos que eventualmente venham a ser causados a outrem. Portanto, a nova responsabilidade civil acelera no sentido da responsabilidade objetiva, tendo por fundamento o risco criado, tutelando a reparação de danos de atividades perigosas, B D U – B ib lio te ca D ig ita l d a U N IV AT E S (h tt p: //w w w .u ni va te s.b r/ bd u) 15 danos por acidentes de consumo (derivados de produto ou serviço), além os danos ambientais. Além disso, a nova tendência da responsabilidade civil inclusive se caracteriza na incidência sobre grandes grupos, realizando uma socialização de riscos, diferentemente da responsabilidade do passado, que tendia a individualidade. 2.2 Conceituação jurídica da responsabilidade civil Para Cavalieri Filho (2007), violação de um dever jurídico irá configurar um ilícito, que por sua vez quase sempre acarreta um dano para outrem, gerando novo dever jurídico, o de reparar tal dano. Assim, há um dever jurídico originário ou primário, cuja violação irá acarretar em um dever jurídico sucessivo ou secundário, que se reveste na indenização ao prejuízo e que se conhece como responsabilidade civil. Neste sentido, fica clara a noção de responsabilidade civil, a qual expressa a ideia de obrigação, encargo, contraprestação. Expõem o dever que alguém possui de reparar o prejuízo decorrente da violação de outro dever jurídico, sendo assim, o dever jurídico sucessivo que nasce para recompor o dano propiciado por um dever jurídico originário. Completa o autor dizendo que toda conduta humana que vier a violar dever jurídico originário, causando prejuízo a outrem, é fonte geradora de responsabilidade civil. A ideia do instituto da responsabilidade civil está diretamente relacionada à noção de não prejudicar outro em uma relação de causa e efeito. A responsabilidade pode ser definida como a aplicação de medidas que obriguem alguém a reparar o dano causado a outrem em razão de sua ação ou omissão. Wald (2003), conceitua a responsabilidade civil como sendo a situação de quem sofre as consequências da violação de uma norma, ou como a obrigação que incumbe a alguém de reparar o prejuízo causado a outrem, pela sua atuação ou em virtude de danos provocados por pessoas ou coisas dele dependentes. Em sentido amplo, a responsabilidade civil pressupõe não deixar a vítima sem uma contraprestação plausível aos danos a que foi submetida, com vistas a restaurar seu equilíbrio moral e patrimonial. Consonante a isso, dispõe Monteiro (2003, p. 446): B D U – B ib lio te ca D ig ita l d a U N IV AT E S (h tt p: //w w w .u ni va te s.b r/ bd u) 16 [...] em face das exigências naturais da vida em sociedade, diante de uma ação ou omissão lesiva a interesse moral ou material, surge a necessidade de reparação dos danos acarretados ao lesado, porque cabe ao direito preservar ou restabelecer o equilíbrio pessoal e social. Complementando a essência, a responsabilidade civil se conceitua pela própria discrição, como sendo um instituto que retrata a resposta a alguma coisa, não deixando pessoa ou dano sem a devida reparação. É o que se observa na definição de Stoco (2007, p. 114, grifo do autor): A noção da responsabilidade pode ser haurida da própria origem da palavra, que vem do latim respondere, responder a alguma coisa, ou seja, a necessidade que existe de responsabilizar alguém pelos seus atos danosos. Essa imposição estabelecida pelo meio social regrado, através dos integrantes da sociedade humana, de impor a todos o dever de responder por seus atos, traduz a própria noção de justiça existente no grupo social estratificado. Revela-se, pois como algo inarredável da natureza humana. Doutrinariamente, a responsabilidade civil contém inúmeros conceitos. Verifica-se que eles são claros em representar e conectar a reparação civil a prejuízos causados em razão de culpa de um terceiro na relação, conforme Diniz (2006, p.40): A responsabilidade civil é a aplicação de medidas que obriguem uma pessoa a reparar dano moral ou patrimonial causado a terceiros, em razão de ato por ela mesma praticado, por pessoa por quem ela responde, por alguma coisa a ela pertencente ou de simples imposição legal. Para Rodrigues (2003), a responsabilidade civil é a obrigação que pode incumbir uma pessoa a reparar certo prejuízo causado a outra, por um fato próprio, ou por fato de pessoas ou coisas que dela dependam. Partindo deste ponto, o termo responsabilidade civil segue na linha de uma prestação assumida confrontando a sanções legais do seu não cumprimento. Dever jurídico, em que se coloca a pessoa, seja em virtude de contrato, seja em face de fato ou omissão, que lhe seja imputado, para satisfazer a prestação convencionada ou para suportar as sanções legais, que lhe são impostas. Onde quer, portanto, que haja obrigação de fazer, dar ou não fazer alguma coisa, de ressarcir danos, de suportar sanções legais ou penalidades, há a responsabilidade, em virtude da qual se exige a satisfação ou o cumprimento da obrigação ou da sanção (SILVA, 2010, p. 642). Em seu sentido jurídico, de acordo com Cavalieri Filho (2008), a responsabilidade civil está estreitamente ligada a ideia de contraprestação, encargo e obrigação. Entretanto, é importante distinguir a obrigação da responsabilidade. A B D U – B ib lio te ca D ig ita l d a U N IV AT E S (h tt p: //w w w .u ni va te s.b r/ bd u) 17 obrigação é sempre um dever jurídico originário a prestação assumida, sendo a responsabilidade um dever jurídico sucessivo consequente à violação do primeiro. Para Gonçalves (2008), responsabilidade exprime a ideia de uma restauração de equilíbrio anterior, de contraprestação, reparação de um dano causado. Portanto, sendo múltiplas as atividades humanas, diversas também serão as espécies de responsabilidade que irão abranger todos os ramos do direito, neste ponto em especial extravasando os limites do ordenamento e da vida jurídica para se conectarem com todos os domínios da vida em sociedade. A responsabilidade civil, assim, coloca o responsável em uma situação de quem, por ter violado determinada norma, estará diante de consequências não desejadas frente a sua conduta danosa, podendo ser compelido a restaurar o status quo ante. Ante a quantidade de definições existentes em relação à responsabilidade civil, cabe ressaltar que o conceito, apesar de ser histórico e pela sua nomenclatura, se mantém intacto. A doutrina é ampla na abordagem ao tema em questão, com cada autor abordando o conceito sob um enfoque principal. 2.3 Requisitos da responsabilidade civil Pela amplitude da responsabilidade civil, bem como as diversas referências doutrinárias quanto à ela, faz com que o rol de requisitos necessários à sua caracterização não seja preciso. Para Stoco (2007), no momento em que atribuímos os requisitos da responsabilidade civil, se faz necessária a demonstração de elementos essenciais, dentre eles: a conduta danosa, a culpa ou risco, o nexo de causalidade e o dano. Para caracterizar a responsabilidade civil são necessários que seus pressupostos estejam presentes. Além disso, deve-se observar a forma de indenização e, por consequência, que haja uma relação de causalidade entre os elementos presentes no fato, caracterizando o nexo antes citado. No ordenamento jurídico brasileiro, em especial no Código Civil de 2002, existem referências objetivas quanto aos requisitos para a responsabilização civil, em especial nos artigos 186 e 187, que definem o ato ilícito, bem como o artigo 927 do mesmo diploma, que remete aos artigos anteriores, demonstrando a obrigação de reparação frente a ocorrência do ato ilícito: B D U – B ib lio te ca D ig ita l d a U N IV AT E S (h tt p: //w w w .u ni va te s.b r/ bd u) 18 Art. 186. Aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito. Art. 187. Também comete ato ilícito o titular de um direito que, ao exercê-lo, excede manifestamente os limites impostos pelo seu fim econômico ou social, pela boa-fé ou pelos bons costumes. Art. 927. Aquele que, por ato ilícito (arts. 186 e 187), causar dano a outrem, fica obrigado a repará-lo. Parágrafo único. Haverá obrigação de reparar o dano, independentemente de culpa, nos casos especificados em lei, ou quando a atividade normalmente desenvolvida pelo autor do dano implicar, por sua natureza, risco para os direitos de outrem. Em relação ao que dispõe o artigo 927 do Código Civil quanto à reparação em si, percebe-se que os dois artigos, antes citados, conforme refere Diniz (2002), preveem os principais requisitos a observância da responsabilidade civil, ou seja, o ato ilícito, o dano e a relação causal entre os dois. Estes três requisitos principais formam a base teórica em relação à teoria da responsabilidade civil. Conforme Diniz (2007), do que está retratado nos artigos acima representados, pode-se extrair como pressupostos da responsabilidade civil, a culpa ou dolo, ação ou omissão, dano e nexo de causalidade. Além disso, complementam- se estes pressupostos através da análise do artigo 927 do Código Civil de 2002, o qual estabelece a hipótese da culpa presumida, devendo a vítima provar a ação ou omissão do agente causador. Sendo assim, Diniz (2007), elenca os requisitos que considera necessários a configuração da responsabilidade civil: em primeiro lugar deve existir uma ação, comissiva ou omissiva, qualificada juridicamente, isto é, que se apresente como um ato ilícito ou lícito, pois, ao lado da culpa, como fundamento da responsabilidade, temos também o risco. Por conseguinte, a ocorrência de um dano moral ou patrimonial causado à vítima por ato comissivo ou omissivo do agente ou terceiro por quem o imputado responde, ou por um fato de animal ou coisa a ele vinculada. E, finalmente, o nexo de causalidade entre o dano (resultado) e a ação (fato gerador da responsabilidade), pois a responsabilidade civil não poderá existir sem o vínculo entre a ação e o dano. De acordo com Noronha (2010, p. 468/469), os pontos que necessariamente devem estar presentes para que surja a obrigação de indenizar são: 1. que haja um fato (uma ação ou omissão humana, ou um fato humano, mas independente da vontade, ou ainda um fato da natureza), que seja B D U – B ib lio te ca D ig ita l d a U N IV AT E S (h tt p: //w w w .u ni va te s.b r/ bd u) 19 antijurídico, isto é, que não seja permitido pelo direito, em si mesmo ou nas suas consequências; 2.que o fato possa ser imputado a alguém, seja por dever a atuação culposa da pessoa, seja por simplesmente ter acontecido no decurso de uma atividade realizada no interesse dela; 3.que tenham sido produzidos danos; 4. que tais danos possam ser juridicamente considerados como causados pelo ato ou fato praticado, embora em casos excepcionais seja suficiente que o dano constitua risco próprio da atividade do responsável, sem propriamente ter sido causado por esta. Complementa Diniz (2007) afirmando que o ato ilícito praticado culposamente em desacordo com a norma jurídica vigente, que se destine a proteger interesses alheios, é o que viola direito subjetivo individual. É neste instante que o dano vem a causar prejuízo a outrem, cria-se o dever de reparar tal lesão por parte do agente causador. Portanto, todo ato ilícito que infringir a norma protetora de um direito tutelado e resultar em um dano a determinado bem jurídico, obriga o autor do ato a indenizar o prejuízo causado, ficando como garantia os bens do sujeito infrator da norma. Assim, mesmo que a vítima tenha provado a culpa do agente por violação de uma norma legal, ou mesmo provado o seu dolo, não haverá espaço para indenização sem ter havido restado real prejuízo como resultado o ato. A existência de dano é obrigatória para configuração do direito a indenização. Para Cavalieri Filho (2008), a existência de um dano é requisito essencial para a configuração estrita da responsabilidade civil. Não haveria sentido a busca de uma indenização ou ressarcimento sobre algo se não existisse o elemento dano, conforme o relato do autor: O ato ilícito nunca será aquilo que os penalistas chamam de crime de mera conduta; será sempre um delito material, com resultado de dano. Sem dano pode haver responsabilidade penal, mas não há responsabilidade civil. Indenização sem dano importaria enriquecimento ilícito; enriquecimento sem causa para quem a recebesse e pena para quem a pagasse, porquanto o objetivo da indenização, sabemos todos, é reparar o prejuízo sofrido pela vítima, reintegrá-la ao estado em que se encontrava antes da prática do ato ilícito. E, se a vítima não sofreu nenhum prejuízo, a toda evidência, não haverá o que ressarcir. Daí a afirmação, comum a praticamente todos os autores, de que o dano é não somente o fato constitutivo mas, também, determinante do dever de indenizar (CAVALIERI FILHO, 2008, p. 71). Para Stoco (2007), independente da teoria que se adotar, é relevante o modo como a questão irá se apresentar ao juiz, cabendo a este, analisando o caso concreto, sopesar as provas, interpretá-las como conjunto e estabelecer se houve realmente violação do direito alheio. Em seguida, comprovar que o resultado desta B D U – B ib lio te ca D ig ita l d a U N IV AT E S (h tt p: //w w w .u ni va te s.b r/ bd u) 20 violação tenha sido danoso, e finalmente se existe um nexo causal entre esse comportamento do agente e o dano verificado. Resta claro a importância do elemento dano, principalmente se comparado a responsabilidade no âmbito penal e a possível indenização sem dano, resultando a mesma em enriquecimento ilícito. Neste ponto, faz-se necessário uma pequena distinção em relação aos requisitos que devem estar presentes e que ao mesmo tempo diferenciam as responsabilidades civil e penal. Gonçalves (2014) engloba os dois conceitos em uma explanação, citando como exemplo um acidente de trânsito em que a colisão dos veículos irá importar na responsabilidade civil do culpado, que será obrigado a pagar as despesas incidentes com o conserto do outro veículo, bem como outros danos eventualmente causados. Além disso, poderá vir a ocorrer também a sua responsabilidade penal, se do fato ocorrerem lesões corporais ou até mesmo morte, condutas tipificadas penalmente. Sendo assim, uma ação ou omissão, pode acarretar a responsabilidade civil do agente, ou apenas a responsabilidade penal, bem como ambas conjuntamente. Desta forma, na responsabilidade penal, o agente está infringindo uma norma de direito público, em que o lesado é a sociedade. Por outro lado, na responsabilidade civil, o interesse lesado ora envolvido é privado, podendo o prejudicado pleitear ou não a reparação. Tal diferenciação fica evidenciada nas palavras de Dias (1997, p. 8): Assim, certos fatos põem em ação somente o mecanismo recuperatório da responsabilidade civil; outros movimentam tão somente o sistema repressivo ou preventivo da responsabilidade penal; outros, enfim, acarretam, a um tempo, a responsabilidade civil e a penal, pelo fato de apresentarem, em relação a ambos os campos, incidência equivalente, conforme os diferentes critérios sob que entram em função os órgãos encarregados de fazer valer a norma respectiva. [...] que é quase o mesmo fundamento da responsabilidade civil e da responsabilidade pena. As condições em que surgem é que são diferentes, por que uma é mais exigente do que a outra, quanto ao aperfeiçoamento dos requisitos que devem coincidir para se efetivar. Conclui Gonçalves (2014), afirmando que, quando coincidentes, tanto a responsabilidade civil como a penal proporcionam respectivas ações, uma exercível pela sociedade, tendente a punição e outra com vistas à reparação, esta sim proposta pela vítima. Outra diferenciação é quanto a responsabilização, a penal é pessoal e intransferível, respondendo o réu em caso de condenação com a sua B D U – B ib lio te ca D ig ita l d a U N IV AT E S (h tt p: //w w w .u ni va te s.b r/ bd u) 21 privação de liberdade em determinadas situações. Já a civil, possui um viés material, que consiste na possibilidade de obtenção do ressarcimento do dano ocasionado. 2.4 Espécies de responsabilidade civil Qualquer definição rígida em relação às espécies de responsabilidade civil pode soar com certo reducionismo. O tema em questão, por ser abrangente, requer o destaque das principais classificações com o objetivo de um entendimento amplo, para em seguida permitir um maior aprofundamento. Na doutrina são encontradas diversas variações sobre o tema em questão, principalmente no que se refere às espécies de responsabilidade civil existentes. Neste sentido, adiante, serão abordadas questões referentes às espécies de responsabilidade civil, suas conceituações e divisões. De acordo com Cavalieri Filho (2007), não existe uma diferença ampla entre os conceitos de ilícito civil e ilícito penal, já que em ambas as situações pressupõe- se que houve uma violação de um dever jurídico ou infração a determinada lei. A única ressalva seria o grau de gravidade do ilícito. Sendo assim, tanto a ilicitude penal quanto a civil impõe a obrigação da norma jurídica violada ao agente causador do dano, sendo que a conduta incidirá ao mesmo tempo na violação à lei civil e penal, caracterizando assim uma dupla ilicitude, sempre, considerando a situação analisada, já que em muitas situações poderá ter ocorrido somente a violação civil ou penal. Conforme Rodrigues (2003), especificamente em relação a responsabilidade civil, ela pode ser classificada em diferentes espécies, sendo a culpa considerada um elemento chave no que se refere à obrigação para reparar o dano. Neste contexto, explana o autor ser subjetiva a responsabilidade quando, a mesma, se inspira em uma ideia de culpa, e objetiva quando faz referência na teoria do risco. Ademais, Cavalieri Filho (2007) dispõem que a responsabilidade civil tem por elemento fundamental uma conduta voluntária, que na sua essência é violadora de um dever jurídico, tornando-se possível então, dividi-la em diferentes espécies, dependendo de onde provém esse dever e qual o elemento subjetivo que motivou a ação da qual resulta a responsabilidade. B D U – B ib lio te ca D ig ita l d a U N IV AT E S (h tt p: //w w w .u ni va te s.b r/ bd u) 22 A responsabilidade civil, de acordo com Diniz (2002), pode ser apresentada em diferentes espécies, dependendo da variável analisada. A autora divide a matéria em três diferentes classificações: a primeira, quanto ao seu fato gerador; a segunda, em relação ao seu fundamento, e, a última, quanto ao agente. Quanto ao fato gerador da responsabilidade civil, a doutrinadora subdivide a responsabilidade em: contratual, quando se tratar de causas de inexecução da prestação contratual, conforme o disposto no artigo 389 do Código Civil, e em extracontratual, quando se tratar de uma violação a dever geral de abstenção pertinente aos direitos reais ou de personalidade. A segunda hipótese de divisão é a relativa ao fundamento, que, em regra, é subjetiva, tomando por base a culpa ou dolo por ação ou omissão do agente que gere lesão a outrem, representada pelo artigo 927 do Código Civil, conforme segue: “Aquele que, por ato ilícito (arts. 186 e 187), causar dano a outrem, fica obrigado a repará-lo”. A responsabilidade objetiva, por sua vez, é baseada no risco inerente da atividade, conforme o disposto no parágrafo único do artigo 927 do Código Civil: Art. 927 [...] Parágrafo único. Haverá obrigação de reparar o dano, independentemente de culpa, nos casos especificados em lei, ou quando a atividade normalmente desenvolvida pelo autor do dano implicar, por sua natureza, risco para os direitos de outrem. Na terceira espécie, quanto ao agente, a responsabilidade imputada pode ser tanto direta, se o ato é proveniente do próprio imputado, quanto indireta, quando praticada por terceiro vinculado ao agente principal, sendo portanto, responsável indiretamente pelos seus atos, de acordo com Diniz (2002). Partindo para a responsabilidade civil contratual, Diniz (2006) estabelece que tal obrigação se dá através de um acordo entre as partes com cláusulas preestabelecidas que devem ser praticadas, do contrário uma indenização já pode estar prevista no instrumento. Portanto, o descumprimento desta obrigação contratual resulta em um ilícito contratual, que conforme o autor demonstra a falta de adimplemento ou da mora no cumprimento de qualquer obrigação. Nesta mesma questão, conforme Cavalieri Filho (2007), a responsabilidade civil se consistirá em um ilícito contratual se a mesma constar de um vínculo obrigacional e este vir a resultar em inadimplemento. Assim, poderão os contratantes estipular cláusulas que B D U – B ib lio te ca D ig ita l d a U N IV AT E S (h tt p: //w w w .u ni va te s.b r/ bd u) 23 diminuam ou excluam a indenização, sendo o agente causador do dano que deve provar a inexistência da culpa no fato ocorrido. Para Gonçalves (2014), a responsabilidade contratual está disciplinada principalmente pelos arts. 389 e 395 do Código Civil Brasileiro, a saber: Art. 389. Não cumprida a obrigação, responde o devedor por perdas e danos, mais juros e atualização monetária segundo índices oficiais regularmente estabelecidos, e honorários de advogado. Art. 395. Responde o devedor pelos prejuízos a que sua mora der causa, mais juros, atualização dos valores monetários segundo índices oficiais regularmente estabelecidos, e honorários de advogado. Parágrafo único. Se a prestação, devido à mora, se tornar inútil ao credor, este poderá enjeitá-la, e exigir a satisfação das perdas e danos. Além destas hipóteses, a responsabilidade contratual conforme o autor, irá abranger também o inadimplemento ou mora relativos a qualquer obrigação, mesmo que proveniente de um negócio unilateral ou da lei. Para Stoco (2007), a responsabilidade contratual é a obrigação nascida de um contrato, prejudicial à outra parte ou seus sucessores, retratando assim, o descumprimento de um dever assumido no contrato. Quanto a responsabilidade extracontratual, Gonçalves (2014) dispõem que a mesma, como o próprio nome diz, não deriva de um contrato. Assim, todo aquele que vier a causar dano a outrem, por culpa em sentido estrito ou dolo, ficará obrigado a reparar tal dano. Chama-se a responsabilidade derivada de ilícito extracontratual, também conhecida como aquiliana1. Na responsabilidade extracontratual, não irá existir nenhum vínculo jurídico entre a vítima e o causador do dano. Para Diniz (2006), o resultado de uma lesão ou infração do dever de cumprir sem um respectivo contrato, torna-se uma lesão ao direito subjetivo, pois o lesado deverá demonstrar a perda. Além disso, fundamentalmente, o lesado deverá demonstrar, para vir a obter a reparação do dano que sofrido, que o agente causador agiu com imprudência, imperícia ou negligência. Para Stoco (2007), a responsabilidade civil extracontratual irá decorrer em essência de uma violação a um dever legal estabelecido, conforme explana: 1 Trata-se de responsabilidade objetiva extracontratual. É a responsabilidade que decorre da inobservância de norma jurídica, por aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, viola direito e causa dano a outrem, ainda que exclusivamente moral (ACQUAVIVA, 2001). B D U – B ib lio te ca D ig ita l d a U N IV AT E S (h tt p: //w w w .u ni va te s.b r/ bd u) 24 Em resumo, responsabilidade extracontratual é o encargo imputado pelo ordenamento jurídico ao autor do fato, ou daquele eleito pela lei como responsável pelo fato de terceiro, de compor o dano originário do ato ilícito, ou seja, da obrigação daquele que por ação ou omissão voluntária, violar direito e causar dano a outrem (STOCO, 2007, p. 140). Quanto a responsabilidade civil subjetiva, a mesma deriva, em regra, de uma lesão que é praticada mediante culpa ou dolo do agente causador do dano, sendo que o elemento subjetivo é a vontade do agente. Cavalieri Filho (2007), relata que a doutrina francesa demonstra três pressupostos que podem ser considerados os alicerces da responsabilidade civil subjetiva: a)conduta culposa do agente, o que fica pela expressão “aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imperícia”; b)nexo causal, que vem expresso no verbo causar; e c)dano, revelado nas expressões “violar direito ou causar dano a outrem” (CAVALIERI FILHO, 2007, p.18, grifo do autor). O autor ressalta que os pressupostos citados somente são ligados à responsabilidade contratual, onde a culpa deverá ser provada ou presumida, demonstrando assim que a prestação foi descumprida. Conforme Gonçalves (2014) é responsabilidade subjetiva quando a mesma esteja amparada na ideia de culpa. A prova de culpa do agente na situação-fato é pressuposto necessário do dano indenizável. Portanto, a responsabilidade do causador do dano somente irá se configurar ao passo que o mesmo tenha agido com dolo ou culpa. De acordo com Diniz (2006), a culpa irá se caracterizar por um erro de conduta, em que a mesma não deveria ter sido cometida por uma pessoa ajuizada, avisada e cautelosa. Portanto, a culpa pressupõe que o autor do dano tenha previsto os efeitos do seu ato ou podendo prevê-los, impossível que o alienado possa ter a faculdade de previsão. Dessa forma, Stoco (2007) evidencia a culpa no tocante a falta de diligência na observância da norma de conduta, em que o agente acaba se desviando da normalidade, produzindo resultado não desejados, porém previstos, incidindo na assunção do risco. Pode-se perceber isso em sua lição: Quando existe a intenção deliberada de ofender o direito, ou de ocasionar prejuízo a outrem, há o dolo, isto é, o pleno conhecimento do mal e o direto propósito de o praticar. Se não houvesse esse intento deliberado, proposital, mas o prejuízo veio a surgir, por imprudência ou negligência, existe a culpa (stricto sensu) (STOCO, 2007, p. 133). B D U – B ib lio te ca D ig ita l d a U N IV AT E S (h tt p: //w w w .u ni va te s.b r/ bd u) 25 Por outro lado, conforme Gonçalves (2014), a responsabilidade civil objetiva se configura independentemente de culpa do agente causador do dano, basta que fique demonstrada a existência de causalidade entre o dano sofrido e o ato do agente causador, surgindo o dever de indenizar. Para o autor, a teoria que justifica a responsabilidade objetiva é a teoria do risco. Para ela, toda pessoa que exerça alguma atividade acaba criando um risco de dano para terceiros e acaba sendo obrigada a reparar tal dano mesmo que sua conduta foi isenta de culpa. Acaba havendo um deslocamento da noção de culpa para a ideia de risco, que se funda no princípio segundo o qual é reparável o dano causado a outrem em consequência de uma atividade realizada em benefício do responsável. A teoria objetiva no campo da responsabilidade civil vem se destacando pelas constantes aplicações técnicas contemporâneas, como se pode perceber nas lições de Vieira (2004, p. 88): A responsabilidade objetiva sustenta em si a noção de seguridade geral, pelo controle do fato tido como causa do dano, para que todos possam suportar os prejuízos que venham a recair sobre qualquer um de nós, a título de riscos da vida em uma sociedade desenvolvida, massificada e com crescente aumento dos acidentes de trabalho, de transito e de transporte de consumo, das atividades estatais, ambientais, minerais, dentro outras. Fica retratado que a responsabilidade objetiva não substitui a subjetiva, mas, por sua vez, fica circunscrita aos seus justos limites. Neste sentido, é plausível a lição de Pereira (1990, p. 507): [...] a regra geral, que deve presidir a responsabilidade civil, é a sua fundamentação na ideia de culpa; mas, sendo insuficiente esta para atender às imposições do progresso, cumpre ao legislador fixar especialmente os casos em que deverá ocorrer a obrigação de reparar, independentemente daquela noção. Não será sempre que a reparação do dano se abstrairá do conceito de culpa, porém quando o autorizar a ordem jurídica. É neste sentido que os sistemas modernos se encaminham, como, por exemplo, o italiano, reconhecendo em casos particulares e em matéria especial a responsabilidade objetiva, mas conservando o princípio tradicional da imputabilidade do fato lesivo. Insurgir-se contra a ideia tradicional da culpa é criar uma dogmática desafinada de todos os sistemas jurídicos. Ficar somente com ela é entrave para o progresso. Portanto, a reparação do dano sofrido pela vítima está intimamente ligada a ideia de garantia, seja pela indenização individual ou pela socialização dos riscos existentes na sociedade. Para Gonçalves (2014), tanto a responsabilidade objetiva quanto a subjetiva são formas de responsabilidade que se conjugam e se dinamizam. Segundo o autor, é primordial reconhecer como norma a B D U – B ib lio te ca D ig ita l d a U N IV AT E S (h tt p: //w w w .u ni va te s.b r/ bd u) 26 responsabilidade subjetiva, uma vez que o indivíduo primeiramente deverá ser responsabilizado por sua ação ou omissão, culposa ou dolosa. Por outro lado, atentando para a estrutura do negócio jurídico, não pode-se deixar de considerar a responsabilidade objetiva. No que diz respeito à responsabilidade civil direta e indireta, Diniz (2007) considera como ato de responsabilidade civil direta, o ato danoso que é praticado pelo próprio agente na respectiva situação. Por outro lado, quando se trata da indireta, irá se considerar o ato praticado por um terceiro vinculado ao agente, sendo o mesmo responsável indiretamente pelos seus atos. Portanto, por fim, percebe-se que o conceito de responsabilidade civil é bastante amplo e conexo, podendo abranger variáveis legalmente dispostas. Dentre as variáveis estudadas, importante referir que na sociedade, atualmente, destacam- se o aspecto contratual e o objetivo. Os mesmos, através do ordenamento jurídico, buscam abranger a responsabilidade decorrente do transporte de mercadorias, tema específico deste trabalho, demonstrando a responsabilidade objetiva que o transportador terá na relação contratada com o seu cliente, restando claro o nexo causal entre o agente causador e o dano decorrido. Esta relação ficará mais clara quando aplicada ao contrato de transporte, tema a ser desenvolvido no próximo capítulo. B D U – B ib lio te ca D ig ita l d a U N IV AT E S (h tt p: //w w w .u ni va te s.b r/ bd u) 27 3 NOÇÕES GERAIS ACERCA DO CONTRATO DE TRANSPORTES O Código de Civil de 2002 constitui um importante instrumento normativo quando o assunto é contrato de transportes. Até então, havia legislações específicas, principalmente em relação ao transporte ferroviário, aéreo e marítimo, como, por exemplo, as convenções internacionais que regulam os princípios básicos e norteadores do transporte aéreo, bem como os direitos e deveres das partes e a responsabilidade dos envolvidos. O art. 732 do Código Civil reconhece que, na sua omissão, deve-se adotar quando couberem os preceitos da legislação especial. O que o novo Código Civil proporcionou foi a regulação do tema em um capítulo próprio, estabelecendo regras gerais que deverão ser prioritariamente obedecidas. Conforme Diniz (2007), o antigo Código Civil (1916) não contemplava em seu texto matéria referente ao contrato de transportes. Isso se deve em razão de ter sido o projeto elaborado por Clóvis Beviláqua na última década de 1800, quando o transporte coletivo estava começando a obter o seu desenvolvimento no Brasil. Durante a tramitação do projeto do Código Civil Brasileiro no Congresso, o transporte coletivo foi se perfazendo, fazendo-se necessária a elaboração de uma lei que o regulamentasse. Além de não ser regulamentado pelo Código Civil de 1916, o tema também era pouco disciplinado no Código Comercial, com referências nos artigos 99 a 118, aos condutores de gêneros e comissários de transporte. Assim, este capítulo terá o objetivo de descrever noções gerais sobre o contrato de transportes, como o seu conceito, espécies e modalidades. B D U – B ib lio te ca D ig ita l d a U N IV AT E S (h tt p: //w w w .u ni va te s.b r/ bd u) 28 3.1 Conceito de contrato de transportes O conceito de contrato de transportes pode ser embasado pelo disposto no art. 730 do Código Civil: “Pelo contrato de transporte alguém se obriga, mediante retribuição, a transportar, de um lugar para outro, pessoas ou coisas”. Gonçalves (2008) define como o contrato pelo qual alguém se vincula, mediante retribuição, a transferir de um lugar para outro pessoa ou bens. Já para Venosa (2008), a distância maior ou menor não lhe é essência: o transporte pode ser de um pavimento para outro ou de um cômodo de edifício para outro. A evolução técnica modifica os instrumentos de transporte, por terra, mar e ar. O autor complementa definindo o mesmo como um negócio jurídico pelo qual um sujeito assume a obrigação de entregar coisa em algum local ou percorrer um itinerário a algum lugar para uma pessoa. A empresa de transporte possui a capacidade desse tipo particular de prestação de serviços, seja por via terrestre, aquática ou aérea, e independente da distância, através de contratos celebrados com os respectivos usuários/contratantes. Venosa (2008, p. 491), ainda, complementa neste sentido: Deve distinguir-se o contrato de transporte propriamente dito, que é o ato negocial cujo objetivo principal é o traslado de uma coisa ou pessoa, da relação de transporte acessório de outro contrato. O contrato de transporte traduz-se pelo deslocamento da coisa ou pessoa como fundamento do negócio jurídico. No entanto, a relação de transporte pode estar presente em outros negócios, como acessório, tal como na venda na qual o vendedor obriga-se a entregar coisa no domicílio do comprador. Nessa hipótese, o vendedor não se qualifica como transportador, não se submetendo a seus riscos específicos; a sua responsabilidade restringe-se às norma que se aplicam à compra e venda. De acordo com Fiuza (2011), transporte é, em poucas palavras, o contrato pelo qual uma parte se obriga a levar coisas ou pessoas de um local a outro. A pessoa transportada se denomina passageiro ou viajante e aquele que entrega as coisas para o transporte se chama expedidor. Não é parte contrate o eventual destinatário das coisas transportadas, a não ser que seja ele o próprio expedidor. Ainda, complementa afirmando, em relação ao transporte, que pode ser de pessoas ou coisas, estas animadas ou inanimadas. Ao longo dos anos, a evolução na maneira de deslocamento de pessoas e mercadorias, principalmente com o aprimoramento dos meios de transporte, exigiu o estabelecimento de normas próprias para este tipo de contrato. Assim, o mesmo se B D U – B ib lio te ca D ig ita l d a U N IV AT E S (h tt p: //w w w .u ni va te s.b r/ bd u) 29 apresenta tendo o deslocamento físico de pessoas ou mercadorias de um local para o outro sob sua responsabilidade como característica principal. Gonçalves (2008) ainda destaca o aspecto da geração, para o transportador, da obrigação de resultado, seja ela de transportar o passageiro em segurança ou de entregar a mercadoria sem avarias. Cumpri-las é garantir o adimplemento da obrigação, que, do contrário, importará em responsabilidades pelos eventuais danos causados. Conforme Cavalieri Filho (2007), no contrato de transporte há obrigação de resultado, respondendo o transportador por tudo que se suceder com a mercadoria ou carga, a menos que ocorra fato excludente da responsabilidade do mesmo. O artigo 749 do Código Civil dispõe acerca do tema, nestes termos: Art. 749. O transportador conduzirá a coisa ao seu destino, tomando todas as cautelas necessárias para mantê-la em bom estado e entregá-la no prazo ajustado ou previsto. Portanto, fica evidenciada a responsabilidade objetiva sobre eventuais danos ocorridos, pressuposto derivado da obrigação de resultado atribuída ao transportador. 3.2 Disposições gerais sobre contrato de transportes A intensificação dos deslocamentos de pessoas e mercadorias, com a evolução do comércio e com o aprimoramento dos meios de transporte, conduziu a uma especialização da atividade, sob o ponto de vista econômico e jurídico, exigindo o estabelecimento de normas próprias para o contrato de transporte, que, assim, se desligou dos princípios da empreitada e da locação de serviços, aos quais se interligava mesmo que indiretamente antes de haver uma disposição própria. Assim, aplica-se aos contratos de transporte o preceito do art. 730 do Código Civil, no qual, pelo contrato de transporte, alguém irá se obrigar, mediante retribuição, a transportar, de um lugar para outro, pessoas ou coisas. Diante deste espectro, a relação de transporte pode se apresentar como acessória de outro negócio jurídico, como, por exemplo, na compra e venda, em que o vendedor se obriga a entregar a coisa no domicílio do comprador. Além disso, o Código Civil B D U – B ib lio te ca D ig ita l d a U N IV AT E S (h tt p: //w w w .u ni va te s.b r/ bd u) 30 remete as disposições referentes ao transporte para outros diplomas normativos, como dispõem o seu art. 732: Art. 732. Aos contratos de transporte, em geral, são aplicáveis, quando couber, desde que não contrariem as disposições deste Código, os preceitos da legislação especial e de tratados e convenções internacionais. Portanto, conforme refere Gonçalves (2008), fica ressalvada a legislação especial em situações especiais. Neste ponto, incluem-se o Código de Defesa do Consumidor e o Código Brasileiro de Aeronáutica, por exemplo. No que se refere à legislação especial, cabe destacar a Lei nº 9.611/98, que disciplina o transporte multimodal de cargas. A mesma disciplina a responsabilidade civil do transportador nesta modalidade de transporte, imputando-lhe, conforme o disposto no seu art. 11, a responsabilidade por perdas, danos e avarias às cargas sob sua custódia. Além disso, ressaltada as hipóteses em que o transportador estará excluído de responsabilidade, bem como que a mesma irá recair sobre o valor da mercadoria declarado no conhecimento de transporte multimodal, acrescido do frete e seguro correspondente. Para Gonçalves (2008), o novo Código Civil disciplinou o contrato de transporte em capítulo próprio, dividindo-o em três seções, intituladas: "Das disposições gerais", "Do transporte de pessoas" e "Do transporte de coisas", abrangendo desde o art. 730 até o art. 756 do Código Civil. O transporte é, portanto, de pessoas e de coisas, e pode ser terrestre, aéreo e marítimo. A diferença consiste no meio de deslocação de um local para outro. O transporte de bagagens é acessório do contrato de transporte de pessoas. Assim, o viajante, ao adquirir a sua passagem, assegura o direito de transportar consigo a bagagem que possui. Da mesma forma, o transportador irá assumir, mesmo que tacitamente, a obrigação de efetuar tal transporte. Conforme o autor, na seção em que se encontram as disposições gerais, o novo Código traçou regras comuns a todos os contratos de transporte, fazendo, porém, duas ressalvas. A primeira consta do art. 731, o qual dispõe que o transporte exercido em virtude de autorização, permissão ou concessão, rege-se pelas normas regulamentares e pelo que for estabelecido naqueles atos, sem prejuízo ao que dispor o Código Civil. Assim, sempre que o transporte for privativo do Poder Público, pode este conferir sua exploração a particulares por meio dos institutos do direito público, como a autorização, a B D U – B ib lio te ca D ig ita l d a U N IV AT E S (h tt p: //w w w .u ni va te s.b r/ bd u) 31 permissão e a concessão. O transporte obedecerá, prioritariamente, ao que for estabelecido nesses atos, especificamente quanto as obrigações, itinerários, tarifas, prazos e normas regulamentares. Gonçalves (2008), conforme mencionado acima, reforça o disposto no art. 732 do Código Civil, que manda aplicar os preceitos constantes da legislação especial e de tratados e convenções internacionais, quando couber, e desde que não venham a contrariar as disposições do Código Civil. O dispositivo em apreço procura compatibilizar as normas deste capítulo com a legislação especial referente a transportes, vindo a repercutir principalmente no transporte aéreo, que é objeto de tratados internacionais ratificados pelo Brasil. De acordo com Gonçalves (2008), as normas de direito internacional público vigoram na ordem interna com a mesma relevância das normas do direito interno, desde logo quanto à subordinação à Constituição, sendo, pois inconstitucionais se infringirem as normas da Constituição ou seus princípios. As convenções internacionais em matéria de transporte são recepcionadas como lei federal de forma que no que forem conflitantes com a Constituição Federal de 1988 tem-se como revogado o tratado. Além disso, o Código Civil também disciplina a responsabilidade civil do transportador, tornando nulas as cláusulas que excluem está responsabilidade, conforme prevê o seu artigo 734: Art. 734. O transportador responde pelos danos causados às pessoas transportadas e suas bagagens, salvo motivo de força maior, sendo nula qualquer cláusula excludente da responsabilidade. Conforme Cavalieri Filho (2007), a legislação é clara no sentido de coibir qualquer cláusula que implique na isenção de responsabilidade do transportador, considerando as mesmas como nulas. O artigo 734 é claro em impor a responsabilidade objetiva, desconsiderando legislação que não venha a reconhecer a mesma, excetuando conforme o diploma legal, os motivos de força maior. B D U – B ib lio te ca D ig ita l d a U N IV AT E S (h tt p: //w w w .u ni va te s.b r/ bd u) 32 3.3 Natureza jurídica do contrato de transportes De acordo com Gonçalves (2008), o contrato de transporte se reveste em um típico contrato de adesão, já que as partes não discutem de forma ampla as suas cláusulas. Em um contrato de adesão, as cláusulas são previamente estipuladas por uma das partes, ao passo que a outra simplesmente adere, havendo evidentemente uma prevalência de vontade por um dos contratantes, como, por exemplo, o passageiro que adentra um ônibus ou qualquer outro meio de transporte, nesse momento ele está celebrando tacitamente um contrato de adesão com a empresa transportadora. Gonçalves (2008) ainda atenta para as demais características do contrato, sendo ele bilateral, consensual, oneroso, comutativo e não solene. Bilateral por gerar obrigações recíprocas, em equivalência para ambas as partes, e consensual, por se aperfeiçoar muitas vezes de forma tácita, como no aceno do passageiro ao ônibus. Oneroso, ao passo que o transportador assume tal obrigação mediante remuneração que lhe é devida, e comutativo, pelas prestações serem certas e determinadas, sendo antevindas as vantagens e os sacrifícios que podem advirem as partes, e, finalmente, não solene, por não depender de forma prescrita em lei, valendo a celebração verbal. Para Diniz (2007), devemos partir da bilateralidade ou sinalagma dos contratos, uma vez que, conforme a autora, o contrato de transporte é essencialmente bilateral, pois importa em obrigações recíprocas ao contratante e contratado. Consequentemente, o transportador deverá remover coisa ou pessoa de um lugar para outro, e o passageiro ou expedidor terá o dever de pagar o preço ajustado contratualmente, que comumente é a passagem ou frete. Neste mesmo sentido, Tartuce (2011) anota que o contrato de transporte será bilateral ou sinalagmático, pois irá gerar direitos e deveres proporcionais para ambas as partes envolvidas. Isso tanto para o transportador, que deverá conduzir a coisa ou pessoa de um lugar para outro, quanto para o passageiro ou expedidor, que terá a obrigação de pagar o preço convencionado pelas partes. Complementa ainda Venosa (2009) que o contrato de transporte se constitui em um negócio jurídico bilateral, consensual, oneroso, típico conforme o atual Código Civil, de duração, B D U – B ib lio te ca D ig ita l d a U N IV AT E S (h tt p: //w w w .u ni va te s.b r/ bd u) 33 comutativo, não formal. Será ainda bilateral, ao passo que gera obrigações para ambas as partes. O autor destaca: De início, muito se discutiu acerca de sua natureza jurídica: locação de serviços, empreitada, depósito, misto de locação e depósito. Cuida-se evidentemente de contrato com princípios próprios, embora, alguns comuns a outros negócios contratuais. Sua afinidade com o depósito é palpável, tanto que, o art. 751 do atual Código Civil estabelece que a coisa depositada ou guardada nos armazéns do transportador, em virtude de contrato de transporte, reger-se-á, no que couber, pelas disposições relativas ao depósito (VENOSA, 2009, p. 493). Portanto, fica clara a doutrina dominante em relação ao caráter de bilateralidade dos contratos de transporte. Conclui-se assim, pois a uma das partes incumbe-se o ônus de remunerar, passo em que, a outra parte, recai o dever de transportar a coisa ou a pessoa de um local para outro previamente ajustado. Passando a análise dos termos do art. 730 do atual Código Civil, tem-se em regra, que o contrato de transportes será oneroso, ao passo que pelo mesmo alguém se obriga, mediante retribuição, a transportar, de um lugar para outro, pessoas ou coisas. De acordo com Diniz (2007), a onerosidade nos contratos de transportes pode ser exemplificada da seguinte forma: Onerosidade, por haver vantagens para ambos os contraentes. Tal onerosidade lhe é essencial, pois o serviço de transporte é atividade econômica de fim lucrativo. Se porventura for gratuito, ter-se-á contrato, mas a responsabilidade do transportador obedecerá à norma diversa, entendendo-se que, havendo dano, a presunção de culpa será tão-somente “Juris tantum” (DINIZ, 2007, p.469, grifo do autor). Desta forma, percebe-se claramente que a autora sustenta o entendimento de que, a retribuição deva ser econômica, pois é inerente a atividade e ao setor, tendo em vista o mercado contemporâneo e que o objetivo será o lucro. Para Venosa (2009), tal modelo de contrato será geralmente oneroso, uma vez que as partes buscam vantagens recíprocas, ou seja, o destino para a coisa ou para o passageiro e o preço para o transportador. De maneira esporádica, o transporte pode ser gratuito, pois a onerosidade não lhe é essencial. O autor ainda é claro ao reproduzir o exemplo do indivíduo que transporta em seu veículo um amigo ou um pacote a pedido dele, ordinariamente não esperando o pagamento do preço pelo serviço prestado. No que se refere ao contrato gratuito, cabe destacar a Súmula nº 145 do STJ, que dispõem a respeito dos casos de transporte de simples cortesia ou B D U – B ib lio te ca D ig ita l d a U N IV AT E S (h tt p: //w w w .u ni va te s.b r/ bd u) 34 desinteressado, modalidades que o transportador só será civilmente responsável pelos danos causados ao transportado quando incorrer em dolo ou culpa grave. Portanto, conforme a doutrina resume, o elemento onerosidade no contrato de transporte não é acidental, pois a presunção pertinente à atividade é que deva existir uma contraprestação, ou seja, toda atividade de transporte realizada deve ter uma contraprestação equivalente, sob pena de configurar-se o enriquecimento sem causa. Conclui-se assim, que o contrato de transporte em sua essência é oneroso, constituindo a forma gratuita em uma exceção. Para Diniz (2007), o contrato de transporte será comutativo, uma vez que as prestações de ambas as partes contratantes já estão definidas, não ficando na dependência de algum evento futuro e incerto. Assim, os contraentes de antemão conhecem os encargos assumidos para a perfeição do contrato. Em essência, a obrigação do contrato é efetuar o transporte da coisa ou pessoa para o local determinado, ao passo que, o contratante tem a obrigação de retribuir, mediante pagamento, os serviços de transporte prestado, pelo preço previamente acertado. Venosa (2009) mantém a mesma linha de raciocínio, afirmando ser o contrato comutativo aquele em que as partes conhecem as obrigações respectivas desde o início do cumprimento, não dependendo de evento futuro e incerto. Para Fiuza (2011), o contrato de transporte é pré-estimado, uma vez que as prestações das partes são de antemão conhecidas. Diniz (2007) ainda classifica o contrato de transporte como sendo consensual. É considerado como tal uma vez que o mesmo é aperfeiçoado mediante a manifestação de vontade das partes, ou seja, não depende de forma específica ou solenidade. A consensualidade é eminente ao passo que tal contrato se aperfeiçoa pelo mútuo consentimento dos contraentes, admitindo qualquer meio de prova permitido em direito. No transporte de coisas, o meio hábil de provar o recebimento da mercadoria por parte do transportador será o conhecimento de frete e, no de pessoas, o bilhete de passagem, expedido pelo transportador. De acordo com Tartuce (2011), o contrato é consensual, pois tem aperfeiçoamento apenas com a manifestação de vontade dos contratantes, independentemente da entrega da coisa ou do embarque do passageiro. Sendo B D U – B ib lio te ca D ig ita l d a U N IV AT E S (h tt p: //w w w .u ni va te s.b r/ bd u) 35 assim, a entrega da coisa ou o embarque do passageiro interessam somente a execução do contrato e não ao seu aperfeiçoamento ou validade. Neste contexto, Venosa (2009) classifica o contrato de transporte como consensual porque o mesmo se aperfeiçoa com o simples acordo de vontades. A entrega da coisa ou embarque do passageiro irá configurar a execução do contrato e não sua conclusão. No direito contratual, a consensualidade é regra geral, não sendo da essência desse negócio transferência de coisa ou embarque de passageiro. Conforme Tartuce (2011), sob o prisma do Código Civil de 2002, o contrato de transporte passou a ser um contrato típico e nominado. Para o autor, o contrato será típico, sempre que, encontrar previsão legal expressa em algum dispositivo, como, por exemplo, o contrato de compra e venda. Complementa que para serem considerados contratos nominados ou inominados deve-se ponderar quando a figura negocial constar ou não em lei. Por outro lado, a expressão contratos típicos e atípicos serve para apontar se o contrato tem ou não um tratamento legal mínimo. Desta forma, somente a previsão legal, não é o suficiente para tornar o contrato típico ou atípico, mas apenas para nomeá-lo ou não. O contrato, em sua concepção, será típico ou atípico, quando houver algum dispositivo legal que lhe dispensar trato mínimo. Atualmente, o contrato de transporte é essencialmente típico e nomeado, pois foi previsto e disciplinado em lei, mais especificamente no Código Civil, do art. 730 até o 756. Portanto, quanto à análise da natureza jurídica do contrato de transporte desenvolvida nesse item, conclui-se que o mesmo é bilateral ou sinalagmático, oneroso, comutativo, consensual, típico e nominado. 3.4 Espécies de transportes O novo Código Civil disciplina o contrato de transporte como um capítulo autônomo, dividindo o mesmo em disposições gerais, do transporte de pessoas e do transporte de coisas. Para Gonçalves (2008), o transporte é em essência de pessoas e de coisas, podendo ser terrestre, aéreo e marítimo ou fluvial, sendo que o terrestre ainda se divide em ferroviário e rodoviário. Ainda, em relação a extensão de B D U – B ib lio te ca D ig ita l d a U N IV AT E S (h tt p: //w w w .u ni va te s.b r/ bd u) 36 cobertura, o transporte pode se dividir em urbano, intermunicipal, interestadual e internacional. Podendo ser, ainda, coletivo e individual. Conforme Gonçalves (2008), o conceito de transporte rodoviário de cargas remete à logística em um plano mais amplo, em que a mesma tem um fundo histórico e remete às operações de guerra, como na ocupação de novos territórios e na construção das Pirâmides do Egito. De acordo com o Conselho dos Profissionais de Gestão da Cadeia de Suprimentos (2005), pode-se conceituar logística da seguinte forma: Logística é a parte do processo da cadeia de suprimentos que planeja, implementa e controla, de forma eficiente e eficaz, a expedição, o fluxo reverso e a armazenagem de bens e serviços, assim como do fluxo de informações relacionadas, entre o ponto de origem e o ponto de consumo, com o propósito de atender às necessidades dos clientes. Para Mendonça e Keedi (2000), transporte significa a atividade de circulação de mercadorias, de um ponto a outro de um município, estado ou país, podendo portanto, ser nacional ou internacional. A evolução humana foi acompanhando o desenvolvimento do sistema de transportes, sempre se adaptando à sua necessidade através do tempo. Especialmente no final do século XIX, conforme Valente (1997), com o forte desenvolvimento da indústria automobilística, principalmente com a evolução do segmento de caminhões, completou-se a revolução do transporte por terra. Assim, pontos de grandes distâncias terrestres, antes sem contato qualquer, passaram a ser interligados sobre rodas permitindo um forte desenvolvimento de determinadas regiões. As mesmas passaram a ter nas conexões com as outras regiões o elemento necessário para alavancar o seu progresso. Adiante passarão a serem analisadas as espécies de transporte de forma individualizada. Para efeito da responsabilidade do transportador na movimentação de cargas serão trabalhadas as espécies de transporte terrestre, aéreo e marítimo. Será abordado um breve histórico, conjuntura atual, tipos de carga transportadas e análise dos pontos de vantagem e desvantagem de cada espécie. B D U – B ib lio te ca D ig ita l d a U N IV AT E S (h tt p: //w w w .u ni va te s.b r/ bd u) 37 3.4.1 Transporte terrestre de mercadorias No Brasil, o modelo logístico que abrange o transporte terrestre de cargas é, especialmente, o rodoviário, sendo que ainda existem o ferroviário, o fluvial e o aeroviário, que são utilizados em menor escala. Atualmente, o modelo rodoviário é utilizado no Brasil em larga escala frente aos demais, sendo que diversos estudos já foram realizados buscando novas opções a ele. Existem alternativas claras, mas quase todas esbarram em dificuldades de implantação, custos excessivos, interesses privados e governamentais, entre outros. Conforme a Fundação Instituto de Pesquisas Econômicas (FIPE, 2014), o modelo rodoviário de transportes de cargas por terceiros movimentou em julho de 2014 mais de 48 (quarenta e oito) milhões de toneladas transportadas. De acordo com Lima (2011), o transporte de carga rodoviário no Brasil chama a atenção por faturar mais de R$ 40 (quarenta) bilhões e movimentar 2/3 (dois terços) do total de carga do país. Por outro lado, destaca-se por ser palco de várias greves e impasses, quase sempre com um motivo comum, o valor do frete pago ao transportador. Isso acontece principalmente em virtude do alto grau de pulverização desse setor, que opera com mais de 350 (trezentos e cinquenta) mil transportadores autônomos, 12 (doze) mil empresas transportadoras e 50 (cinquenta) mil transportadores de carga própria. O autor destaca ainda como principal razão dessa pulverização a relativa facilidade de entrada de competidores no setor, em virtude da baixa regulamentação e da facilidade de financiamentos. Isso acaba repercutindo no aumento da oferta de serviços de transporte rodoviário e assim a concorrência faz com que os preços sejam reduzidos ao máximo possível, especialmente nos períodos de baixa oferta, chegando muitas vezes a valores inferiores ao seu preço de custo, forçando o transportador a operar, visto a necessidade de faturamento ante as despesas assumidas. Conforme Faria e Costa (2005), o modelo rodoviário tem a vantagem de poder ser utilizado para cargas pequenas e médias, para curtas e longas distâncias, com ampla cobertura e versatilidade, atendendo as necessidades do cliente muito mais do que os outros modos. Ainda, segundo Fleury et al. (2000), as rodovias B D U – B ib lio te ca D ig ita l d a U N IV AT E S (h tt p: //w w w .u ni va te s.b r/ bd u) 38 proporcionam facilidade de movimentação do ponto de origem ao destino, além de as mesmas serem construídas com fundos públicos, exigindo assim, baixos custos fixos. Evidentemente, o modal rodoviário possui diversas desvantagens em sua utilização. Rodrigues (2007) afirma que as principais desvantagens consistem no alto e constante investimento necessário em infraestrutura, maior custo operacional e menor capacidade de carga, além do elevado fluxo de veículos de grande porte nas rodovias em períodos de safra e consequente desgaste da malha rodoviária. Para Filho e Martins (2001), as ferrovias, fortemente usadas no século XIX, perderam a concorrência com as rodovias, por estas terem menor tempo de construção e menor custo de implantação. Além disso, as ferrovias eram direcionadas do interior para os portos; hoje, com o desenvolvimento do mercado interno em uma nova ordem econômica, se faz necessário um transporte rápido e porta a porta. Lopez (2000) destaca que a opção definitiva do Brasil pelas rodovias se deu no final da década de 50, quando a indústria automobilística se consolidou no Brasil e logo as empreiteiras perceberam a possibilidade de grandes lucros com a construção de estradas, obras de grande porte para a época. Assim, a rodovia passou a ser associada com a ideia de modernidade, enquanto a estrada de ferro se tornou símbolo de um país ultrapassado, caindo em constante desuso. Ainda, conforme Vargas (2008), no Brasil, o sistema de transportes rodoviários é regulamentado e fiscalizado pela Agência Nacional de Transportes Terrestres (ANTT), que tem como atribuições específicas a promoção de estudos e levantamentos relativos à frota de caminhões, empresas e cooperativas constituídas, além de operadores autônomos. Também é função da ANTT organizar e manter um Registro Nacional de Transportadores Rodoviários de Carga (RNTRC), de forma a organizar e fiscalizar de forma mais próxima a categoria, sendo que este registro identifica o transportador junto a agência. Para Lima (2011), o crescimento econômico do Brasil na última década, principalmente no que diz respeito a produção de grãos, alavancou o setor de transporte rodoviário. Forma esta que é a mais utilizada para o deslocamento de tais matérias-primas, tendo em vista a precariedade de outros modais, como o ferroviário B D U – B ib lio te ca D ig ita l d a U N IV AT E S (h tt p: //w w w .u ni va te s.b r/ bd u) 39 e o naval. Diferentemente do que acontecia no passado, hoje existem inúmeras montadoras de caminhões pesados instalados no Brasil, o que deixa o mercado constantemente abastecido, além das interessantes linhas de crédito para financiamentos. Conforme o autor, com mais oferta de caminhões no mercado, automaticamente os fretes tendem a cair. A dificuldade de encontrar motoristas devidamente capacitados para conduzir um veículo de grande porte, faz com que se chegue ao patamar de o motorista poder escolher o caminhão, marca e modelo que deseja. Apesar de o salário ser atraente, o tempo longe de casa e a falta de uma estrutura de qualidade nas estradas, é fator preponderante para tal debandada. De acordo com Vargas (2011), na mão oposta, situam-se os custos da atividade, cada vez maiores. O insumo básico do caminhão, que é óleo diesel, tem aumentos constantes em decorrência do consumo cada vez maior de petróleo na alavancagem da economia internacional. Os custos referentes a manutenção são outro item que merece atenção, veículos cada vez mais modernos e confortáveis exigem na mesma forma manutenção à altura, bem como diversas exigências quanto ao meio ambiente. Além disso, encargos trabalhistas e a carga tributária brasileira são outros fatores que se mantém a longo prazo e de fato somente oneram a atividade. Por outro lado, conforme o autor, não se pode deixar de mencionar causas que também contribuíram com o transportador. Como, por exemplo, a regulamentação ao longo dos anos de veículos articulados e com maior capacidade de carga colaboraram para aumentar o faturamento por quilômetro rodado. Novas tecnologias aplicadas no agronegócio fizeram com que a produção crescesse em larga escala nos últimos anos e com isso absorver boa parte dos novos veículos que começaram a rodar. Outro fator que colaborou com o transportador foi um período de estabilidade econômica e os créditos oferecidos, com juros muito atraentes, isso foi um fator de destaque para que grande parte da frota pudesse ser renovada e também em certo ponto aumentada. 3.4.2 Transporte aéreo de mercadorias A mobilidade de pessoas, mercadorias e matérias-primas no mundo, foi viabilizada em virtude de evoluções e inovações ocorridas nos meios de transportes, B D U – B ib lio te ca D ig ita l d a U N IV AT E S (h tt p: //w w w .u ni va te s.b r/ bd u) 40 como no transporte aéreo, por exemplo. De acordo com Mendonça e Keedi (2000), o transporte aéreo permite a locomoção de pessoas e determinadas mercadorias pelo ar, por meio de aeronaves, como aviões e helicópteros. O uso desse tipo de transporte se intensificou após a Segunda Guerra Mundial, com a expansão do comércio internacional e das empresas multinacionais e/ou transnacionais. Esse é o meio de deslocamento em massa mais rápido, isso pelo fato de percorrer grandes distâncias em tempo reduzido se comparado com o transporte marítimo, por exemplo. Conforme Keedi (2000), através do transporte aéreo todos os tipos de carga podem ser transportadas, desde que não ofereçam riscos à aeronave, passageiros, aos operadores, a quaisquer outros envolvidos e às outras cargas transportadas. Assim, podem ser transportados animais vivos, cargas comuns secas, congeladas, armamentos, enfim, qualquer carga, porém as restrições às cargas perigosas são muito intensas, tendo em vista a segurança do voo. Ainda de acordo com Keedi (2000), o transporte aéreo comercial de carga é documentado através de um Conhecimento de Embarque Aéreo, que poderá pertencer à companhia ou ao próprio agente. O conhecimento de embarque tem a finalidade de provar que a carga foi entregue pelo embarcador ao transportador, servindo como um recibo de entrega da mercadoria. Uma segunda função do Conhecimento de Embarque Aéreo é evidenciar a existência de um contrato de transporte entre o usuário e o transportador. No Brasil, conforme Keedi (2000), por sua extensão territorial e desequilíbrios regionais, a aviação comercial sempre foi fator de desenvolvimento. Contribuiu para a consolidação do seu mercado interno, o desbravamento de novas fronteiras de produção e a ocupação do território. De acordo com o autor, é notório que houve uma forte evolução tecnológica e organizacional no setor, principalmente no que se refere à modernização dos sistemas de segurança e proteção ao voo e as estruturas aeroportuárias que ainda carecem de melhorias tendo em vista o aumento de fluxo. De acordo com o autor, este tipo de modal apresenta várias vantagens, dentre as quais o uso eficaz no transporte de amostras, ideal para transporte de mercadorias com urgência na entrega, além de os aeroportos, normalmente estarem localizados próximos dos centros de produção, industrial ou agrícola, já que se B D U – B ib lio te ca D ig ita l d a U N IV AT E S (h tt p: //w w w .u ni va te s.b r/ bd u) 41 encontram em grande número e distribuídos praticamente por todas as cidades importantes do mundo ou por seus arredores. Por outro lado, como desvantagens, o autor destaca o valor do frete relativamente alto em relação aos demais modais, a capacidade de carga reduzida em relação aos outros modais, a impossibilidade de transporte de carga a granel, como por exemplo, minérios, petróleo, grãos e químicos, o custo elevado da sua estrutura, além da existência de severas restrições quanto ao transporte de artigos perigosos. 3.4.3 Transporte marítimo de mercadorias Conforme Carvalho (2002), dentre os meios de transportes existentes, o mais antigo é o transporte marítimo, pois o mesmo é utilizado desde a Antiguidade. Apesar disso, o seu real incremento aconteceu após o término da Primeira Grande Guerra, resultado de grandes inovações no campo tecnológico, as quais resultaram em significativas evoluções desta forma de transporte. Dentre as mudanças, podemos destacar a melhora em relação à capacidade de carga a ser transportada nos navios, além da criação de embarcações específicas, especializadas no transporte de um determinado tipo de carga. De acordo com o autor, o transporte marítimo é o tipo de transporte aquaviário realizado por meio de embarcações para deslocamentos de passageiros e mercadorias utilizando o mar aberto como via. De acordo Martins (2013), o transporte marítimo representa mais de noventa e cinco por cento do transporte internacional de mercadorias em nível mundial. Em decorrência disso, o setor de navegação marítima é um dos que mais vem apresentando crescimento nos últimos anos. Para o autor, o Brasil tem importante representatividade neste comércio, uma vez que possui altos níveis de exportações de mercadorias, apesar da estrutura ainda defasada de portos. Ele destaca que o transporte marítimo é o principal tipo de transporte nas comercializações internacionais, podendo transportar diversos tipos de produtos como veículos, cereais, petróleo, alimentos, minérios, combustíveis, etc. Tem como vantagens a possibilidade de deslocar cargas de maior tamanho e em maior quantidade com menores custos associados em comparação com o transporte aéreo ou terrestre para deslocações intercontinentais, além do custo reduzido do frete. Por outro lado, B D U – B ib lio te ca D ig ita l d a U N IV AT E S (h tt p: //w w w .u ni va te s.b r/ bd u) 42 como desvantagens, pode-se citar a pouca flexibilidade da carga, a baixa velocidade desenvolvida pelos navios, a necessidade dos produtos transitarem nos portos e alfândega, implicando em um maior tempo de descarga, bem como a distância dos portos aos principais centros de produção. Destaca ainda o autor, as modalidades do contrato marítimo, o qual como instrumento de afretamento pode ser por viagem, por tempo ou a casco - nu. Por viagem, o navio fica disponível somente por uma viagem, por tempo, estará por determinado período não importando se por uma ou mais viagem e a casco – nu o navio estará contratado por tempo, totalmente desguarnecido, ou seja, sem combustível, lubrificante e tripulação, por exemplo. Portanto, cada espécie de transporte possui características que as diferenciam entre si. Cabe ao contratante do serviço de transporte escolher a opção que lhe seja mais viável para o produto que tem a transportar e a rota a desenvolver, considerando as vantagens e desvantagens que cada um irá lhe oferecer. Desta forma, este capítulo tratou com maior ênfase do contrato de transportes, a partir de noções gerais, iniciando no seu conceito e natureza jurídica chegando até as espécies de transporte, destacando cada uma e como se adapta no transporte de mercadorias. No próximo capítulo, será tratada de forma mais direta a responsabilidade que o transportador de cargas possui por danos as cargas, abordando os modais terrestre, aéreo e marítimo. B D U – B ib lio te ca D ig ita l d a U N IV AT E S (h tt p: //w w w .u ni va te s.b r/ bd u) 43 4 A RESPONSABILIDADE CIVIL DO TRANSPORTADOR POR DANOS AS CARGAS O Brasil, dada a sua extensão territorial, possui uma extensa malha rodoviária distribuída por todos os seus Estados. Sendo assim, se deu privilégio ao transporte de mercadorias através de rodovias. Neste sentido, para suportar tamanha demanda, elevou-se demasiadamente a frota de veículos de transporte rodoviários de cargas, tornando-se fácil deduzir que o trafego de veículos extrapesados em nossas rodovias atingiram patamares até então nunca imagináveis. O transportador de mercadorias, no exercício de sua atividade fim, está sujeito a responsabilidade contratual e extracontratual. A responsabilidade contratual é aquela que se refere ao contrato formal celebrado entre as partes intervenientes na prestação do serviço de transporte, como no caso de avaria na mercadoria. Já a responsabilidade extracontratual engloba aquelas situações que atraem a responsabilidade do transportador para casos alheios ao contrato de prestação de serviço, como, por exemplo, os danos causados a terceiros em acidentes de trânsito. 4.1 Direitos e deveres do transportador de mercadorias O contrato de transportes se reveste em um instrumento em que o transportador terá direitos e deveres a cumprir na relação negocial com o contratante do serviço de transporte. Assim, conforme Diniz (2004) pode-se destacar como principais deveres atribuídos ao transportador de mercadorias: B D U – B ib lio te ca D ig ita l d a U N IV AT E S (h tt p: //w w w .u ni va te s.b r/ bd u) 44  Receber, transportar e entregar as mercadorias no tempo e lugar convencionados;  Transportar as mercadorias com diligência;  Expedir o conhecimento do frete ou de carga, contendo os requisitos exigidos por lei;  Seguir o itinerário ajustado;  Aceitar variação de destino pelo destinatário;  Assumir a responsabilidade pelas perdas, furtos ou avarias nas mercadorias transportadas, exceto se oriundas de vício próprio, força maior ou caso fortuito. Conforme Gonçalves (2008), o transportador de mercadorias tem o direito de:  Exigir o pagamento do preço ajustado;  Estabelecer normas disciplinadoras da viagem. Assim, na relação do contrato de transportes, ficam evidenciados os direitos e os deveres que o transportador possui para a execução plena do acordado. Destaca-se que, desde o momento da entrega da mercadoria, o transportador assume o dever de recebimento, transporte e entrega da mercadoria, responsabilizando-se por perdas, furtos ou avarias, desde que não provocadas por causas que excluam sua responsabilidade. Da mesma forma, o transportador tem o direito de disciplinar o itinerário de viagem como desejar, bem como exigir o recebimento do preço ajustado da operação de frete contratada. 4.2 Responsabilidade por danos resultantes do transporte de mercadorias É notório, conforme dispõe Dias (1997), que determinadas atividades mercantis carregam em sua essência, de modo intrínseco, o elemento risco, sujeitando-se naturalmente ao perigo de perdas materiais aqueles que delas necessitam. De acordo com o autor, a ocorrência de danos pessoais e patrimoniais aos contratantes de certas espécies de mercadorias e serviços é evento que segue uma periodicidade tal que permite aos respectivos fornecedores ou prestadores B D U – B ib lio te ca D ig ita l d a U N IV AT E S (h tt p: //w w w .u ni va te s.b r/ bd u) 45 dessas atividades a previsão e consequente minoração, ou até mesmo o total afastamento, dos resultados danosos delas advindos. No caso do transporte rodoviário, o principal risco na atividade está na ocorrência de acidentes que envolvam a perda total ou parcial das cargas transportadas. Os setores empresariais, dentre eles o do transporte de cargas, tem ao longo de sua trajetória no ramo efetuado acompanhamentos que vem permitindo a identificação das circunstâncias de risco mais frequentes, além das razões de sua ocorrência, permitindo, desta forma, o afastamento significativo de sua incidência e em especial dos seus resultados, através da atuação preventiva dos agentes do mercado e da contratação, em escalas cada vez mais expressivas, de seguros de responsabilidade civil. Ressalta Dias (1997) que o transportador possui absoluto conhecimento das características inerentes à sua atividade, já que na maioria das situações a atuação no setor é proveniente de um histórico familiar. Para o autor, não se deve tratar o roubo de carga como um evento inesperado, imprevisível ou desconhecido pelo transportador. Pelo contrário, é fato observado num percentual certo, em condições absolutamente previsíveis e que portanto não podem exonerá-lo do cumprimento da obrigação que adquiriu mesmo conhecendo os riscos a ela inerentes. Isso deriva de sua obrigação, já que se comprometendo a efetuar o transporte de determinado bem, responsável se torna o agente pela entrega segura do