CENTRO UNIVERSITÁRIO UNIVATES CURSO DE DIREITO RESPONSABILIDADE CIVIL MÉDICO-HOSPITALAR POR DANOS A PACIENTES Irinéia Vettorazzi Ferla Lajeado, junho de 2015 Irinéia Vettorazzi Ferla RESPONSABILIDADE CIVIL MÉDICO-HOSPITALAR POR DANOS A PACIENTES Monografia apresentada na disciplina de Trabalho de Curso II – Monografia do Curso de Direito, do Centro Universitário UNIVATES, como parte da exigência para a obtenção do título de Bacharela em Direito. Orientador: Prof. Me. Júnior Roberto Willig Lajeado, junho de 2015 Irinéia Vettorazzi Ferla RESPONSABILIDADE CIVIL MÉDICO-HOSPITALAR POR DANOS A PACIENTES A banca examinadora abaixo aprova a Monografia apresentada na disciplina de Trabalho de Curso II, na linha de formação específica em Direito, do Centro Universitário UNIVATES, como parte da exigência para a obtenção do grau de Bacharela em Direito. Prof. Me. Júnior Roberto Willig - orientador Centro Universitário UNIVATES Prof. Me. Jorge Ricardo Decker Centro Universitário UNIVATES Dr. Guilherme Marobin Assessor Jurídico do Hospital Bruno Born Lajeado, 25 de junho de 2015 "... a Justiça continuou e continua a morrer todos os dias. Agora mesmo, neste instante em que vos falo, longe ou aqui ao lado, à porta da nossa casa, alguém a está matando. De cada vez que morre, é como se afinal nunca tivesse existido para aqueles que nela tinham confiado, para aqueles que dela esperavam o que da Justiça todos temos o direito de esperar: justiça, simplesmente justiça. Não a que se envolve em túnicas de teatro e nos confunde com flores de vã retórica judicialista, não a que permitiu que lhe vendassem os olhos e viciassem os pesos da balança, não a da espada que sempre corta mais para um lado que para o outro, mas uma justiça pedestre, uma justiça companheira quotidiana dos homens, uma justiça para quem o justo seria o mais exato e rigoroso sinônimo do ético, uma justiça que chegasse a ser tão indispensável à felicidade do espírito como indispensável à vida é o alimento do corpo..." José Saramago – Escritor Português RESUMO A responsabilidade civil é um dos temas mais interessantes e problemáticos da atualidade jurídica, tendo expansão no direito moderno e reflexos nas atividades humanas, sejam estas relações contratuais ou extracontratuais. Assim, esta monografia tem como objetivo geral analisar a forma pela qual os hospitais poderão ser responsabilizados, identificando os meios legais disponíveis em favor do paciente na busca de seus direitos. Trata-se de pesquisa qualitativa, realizada por meio de método dedutivo e de procedimento técnico bibliográfico e documental. Dessa forma, as reflexões começam por um resgate da responsabilidade civil. Em seguida, é realizado um estudo sobre a responsabilidade médica. Finalmente, examina-se a responsabilidade do estabelecimento hospitalar, iniciando pela natureza jurídica, passando pela relação médico-hospitalar, abordando inclusive algumas causas exemplificativas de responsabilização deste estabelecimento por danos causados a pacientes. Palavras-chave: Responsabilidade civil médica e hospitalar. Danos causados a pacientes. LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS AgRg Agravo no Agravo Regimental Art. Artigo Arts. Artigos CC Código Civil CDC Código de Defesa do Consumidor CF Constituição Federal Jr. Júnior STF Supremo Tribunal Federal STJ Superior Tribunal de Justiça REsp Recurso Especial SUS Sistema Único de Saúde TJ Tribunal de Justiça SUMÁRIO 1 INTRODUÇÃO ..................................................................................................................... 8 2 RESPONSABILIDADE CIVIL ......................................................................................... 10 2.1 A responsabilidade civil e a contextualização no direito brasileiro ............................. 10 2.2 Espécies de responsabilidade civil ................................................................................... 15 2.3 Pressupostos da responsabilidade civil ........................................................................... 21 3 RESPONSABILIDADE CIVIL MÉDICA ........................................................................ 32 3.1 Histórico e natureza jurídica da responsabilidade médica .......................................... 32 3.2 Pressupostos da responsabilidade civil médica ............................................................. 42 3.3 Deveres do médico ........................................................................................................... 52 4 RESPONSABILIDADE CIVIL MÉDICO-HOSPITALAR POR DANOS A PACIENTES ........................................................................................................................... 59 4.1 Natureza jurídica da responsabilidade hospitalar e a medicina coletiva ................... 59 4.2 Relações entre médico e hospital ..................................................................................... 66 4.3 Causas de responsabilidade médico-hospitalares por danos a pacientes .................... 76 5 CONCLUSÃO ...................................................................................................................... 88 REFERÊNCIAS ..................................................................................................................... 91 8 1 INTRODUÇÃO A responsabilidade civil está em constante desenvolvimento, tendo em vista o elevado número de casos que buscam, por intermédio da responsabilização dos agentes causadores do dano, uma compensação pecuniária pelo dano suportado, bem como com o intuito de penalizar o ofensor para que não venha a incidir novamente no erro. Diante deste cenário, com inúmeras possibilidades de casos e causas para análise, o presente trabalho buscou identificar pontualmente hipóteses de responsabilização dos estabelecimentos hospitalares quando estes causarem danos aos pacientes, seja por ação, seja por omissão de seus empregados, prepostos ou médicos, que prestam atendimento inadequado aos pacientes, causando-lhes danos que são passíveis de reparação. Assim, procura-se identificar e demonstrar as hipóteses de responsabilização dos hospitais, bem como os meios legais pelos quais os estabelecimentos poderão ser responsabilizados. Assim, a presente monografia pretende, como objetivo geral, analisar a forma pela qual os hospitais poderão ser responsabilizados, identificando os meios legais disponíveis em favor do paciente na busca de seus direitos. O estudo discute como ocorre a responsabilização dos hospitais quando seus pacientes sofrem danos? Como hipótese para tal questionamento, entende-se que os hospitais são responsáveis, objetivamente, pelo que ocorre aos seus pacientes por ação ou omissão de seus empregados, serviçais e prepostos, ainda que não haja culpa do empregador, bem como pode ser responsabilizado solidariamente pelos danos causados aos seus pacientes por ato de terceiro (médico), quando é exigida culpa. A pesquisa, quanto à abordagem, será qualitativa, cuja característica é o aprofundamento no contexto estudado e a perspectiva interpretativa desses possíveis dados para a realidade, conforme esclarecem Mezzaroba e Monteiro (2009). Para obter a finalidade desejada pelo estudo, será empregado o método dedutivo, cuja operacionalização se dará por meio de procedimentos técnicos baseados na doutrina, legislação e jurisprudência, relacionando, inicialmente, as noções da responsabilidade civil, passando pela responsabilidade 9 médica, para chegar ao ponto específico da responsabilidade civil dos hospitais por danos a pacientes. No primeiro capítulo de desenvolvimento deste estudo, é abordada a responsabilidade civil e sua contextualização no direito brasileiro. Após, analisam-se as espécies de responsabilidade civil. Em seguida, discorre-se sobre os seus pressupostos e as causas excludentes de responsabilidade civil. Com relação ao segundo capítulo, este aborda a responsabilidade civil médica, buscando inicialmente sua natureza jurídica. Em seguida, passa pela análise a responsabilidade civil deste profissional, o médico, quando é subjetiva ou objetiva. Também é analisada se a atividade médica, ou seja, a conduta deste profissional, tem obrigação de meio ou resultado, bem como os pressupostos para sua configuração. Além disso, são discutidos os deveres que estes profissionais possuem. No último capítulo, faz-se um estudo sobre a responsabilidade civil dos hospitais por danos causados a pacientes, considerando-se, inicialmente, a natureza jurídica dos estabelecimentos hospitalares, com a análise da medicina coletiva. Além disso, é verificada a relação existente entre médico e hospitais, e, especialmente, é examinado um rol exemplificativos de causas que podem ocasionar a responsabilidade do estabelecimento hospitalar de forma objetiva, ou ainda, solidária. Assim, espera-se que o presente trabalho possa esclarecer as causas de responsabilidade civil dos estabelecimentos hospitalares por danos a pacientes causados por empregados seus, prepostos, médicos, ou ainda estranhos a seu quadro funcional. 10 2 RESPONSABILIDADE CIVIL A responsabilidade civil surgiu como forma de restaurar o equilíbrio moral e patrimonial, suportado pelo indivíduo a quem o dano foi causado. Assim, o que gera a responsabilização civil é justamente o interesse em restabelecer a harmonia e o equilíbrio violado pelo dano (DINIZ, 2014). A responsabilidade civil será o foco central do presente trabalho. Neste primeiro capítulo, inicialmente, será enfatizada a evolução histórica e a contextualização da responsabilidade civil no Brasil. Em seguida, serão avaliadas as espécies de responsabilidade civil, verificando-se a variação e o desenvolvimento da concepção de responsabilidade civil ao longo do tempo. Ao final desta parte inicial, serão trabalhados os pressupostos da responsabilidade civil. 2.1 A responsabilidade civil e a contextualização no direito brasileiro A responsabilidade civil é um dos temas mais interessantes e problemáticos da atualidade jurídica, tendo expansão no direito moderno e reflexos nas atividades humanas, sejam estas relações contratuais, sejam extracontratuais. A responsabilidade civil teve seu marco no início da civilização humana, quando as sociedades primitivas reagiram prontamente às ofensas e lesões sofridas de forma imediata, direta e com violência, que se caracterizavam pela reação conjunta do grupo contra o agressor pela ofensa a um de seus componentes (DINIZ, 2014). Esta concepção, segundo Diniz (2014), evoluiu para uma reação individual, uma vingança privada, em que os homens faziam justiça com as próprias mãos, a chamada “Lei de Talião”, compreendida como “olho por olho, dente por dente”, na qual havia uma pequena intervenção do poder público, que estabelecia quando e como o lesado produziria no lesante o mesmo dano a que havia experimentado. 11 Posteriormente, surge o período da composição, em que a reparação do dano passou a ser pela compensação econômica, na qual ainda não se cogitava a culpa (GONÇALVES, 2014). Esta regra passou a ser obrigatória, o Estado passou a ditar o valor da pena a ser paga pelo ofensor, intervindo nos conflitos privados (DINIZ, 2014). A distinção entre a pena e a reparação passou a ser abordada somente na época dos Romanos, quando o princípio geral da responsabilidade civil começou a se formar com a Lex Aquilia1, com a descriminação dos delitos públicos e privados, assumindo o Estado tão somente a função de punir, o que fez surgir a ação de indenizar sem a distinção entre a responsabilidade civil e a penal (DINIZ, 2014). Leciona ainda Diniz (2014) que a estruturação da ideia de dolo e de culpa na Idade Média fez surgir a diferenciação da responsabilidade civil da pena. No entanto, segundo Gonçalves (2014), foi no Direito Francês que se estabeleceu um princípio geral da responsabilidade civil fazendo diferença entre a culpa delitual e contratual, influenciando nas legislações de outros povos. A responsabilidade civil, no Direito Brasileiro, também teve influência da jurisprudência francesa, em que o desenvolvimento deste diploma coube a jurisprudência e a doutrina, conforme entendimento de Gonçalves (2014), as quais forneceram subsídios para a solução dos inúmeros litígios que eram submetidos ao Poder Judiciário. No entanto, o citado autor leciona também que a responsabilidade civil em nosso país passou por vários estágios de desenvolvimento, especialmente pela modificação da legislação existente. Como exemplo, cita o Código Criminal de 1830, que se fundava na justiça e na equidade e que previa a reparação natural ou a indenização ao ofendido, quando fosse viável. Inicialmente, “a reparação civil era condicionada à condenação criminal. Posteriormente, foi adotado o princípio da independência da jurisdição civil e da criminal” (GONÇALVES, 2014, p. 27). 1 “A Lex Aquilia estabeleceu a diferença entre pena e reparação. A pena deveria ser aplicada aos delitos públicos, ofensas consideradas mais graves, por serem perturbadoras da ordem pública, situação em que a pena pecuniária imposta ao réu seria recolhida aos cofres públicos. Em sentido diverso, a reparação seria aplicada aos delitos privados e o réu condenado a indenizar a vítima, sendo a única forma de punição para os delitos não criminosos. Definiu também a responsabilidade aquiliana, preceituando que, havendo culpa, por menor que fosse o grau, haveria a obrigação de indenizar. Estando vedada a aplicação da justiça pelas próprias mãos, a função de punir ficou restrita ao Estado” (QUEIROGA, 2007, p. 4/5, grifo do autor). 12 Entretanto, refere o citado autor, que foi somente no ano de 1916 que o Brasil passou a normatizar a responsabilidade civil, filiando-se a teoria subjetiva, a qual exigia prova robusta da culpa do agente causador do dano e, em determinados casos, presumindo-a. Contudo, o progresso, o desenvolvimento industrial e o elevado número de danos deram forma a novas teorias visando propiciar mais proteção ao ofendido. Foi neste contexto que a chamada teoria do risco2 ganhou força, não se exigindo a apuração da culpa para indenizar o ofendido (GONÇALVES, 2014). Entretanto, o Código Civil de 2002 ainda manteve o princípio da responsabilidade com base na culpa, possuindo previsão expressa em seu artigo 927, in verbis: Art. 927. Aquele que, por ato ilícito (arts. 186 e 187), causar dano a outrem, fica obrigado a repará-lo. Parágrafo único. Haverá obrigação de reparar o dano, independentemente de culpa, nos casos especificados em lei, ou quando a atividade normalmente desenvolvida pelo autor do dano implicar, por sua natureza, risco para os direitos de outrem. Verifica-se, da leitura do artigo citado, que os atos ilícitos constituem o fato gerador da responsabilidade civil. Por ato ilícito, entende-se a ação ou omissão do agente que agiu com culpa ou abuso de direito e causou danos a terceiros. São os atos praticados em contrariedade ao direito, possuindo previsão nos artigos 1863 e 1874 do Código Civil (SANTOS, 2008). No entanto, passando para a leitura do parágrafo único do art. 927, verifica-se que o atual Código Civil impõe a necessidade de reparação do dano causado por ato ilícito (arts. 186 e 187), inclusive com a obrigação de reparação do prejuízo, independentemente de culpa5, nos casos especificados pela lei, ou quando a atividade normalmente desenvolvida pelo autor do dano implicar, por sua natureza, risco para os direitos de outrem. 2 Em relação à teoria do risco, a mesma pode ser compreendida como “[...] todo prejuízo deve ser atribuído ao seu autor e reparado por quem o causou, independentemente de ter ou não agido com culpa. Resolve-se o problema na relação de causalidade, dispensável qualquer juízo de valor sobre a culpa do responsável, que é aquele que materialmente causou o dano”. Quanto ao risco profissional, “sustenta que o dever de indenizar tem lugar sempre que o fato prejudicial é uma decorrência da atividade ou profissão do lesado. Foi ela desenvolvida especificamente para justificar a reparação dos acidentes ocorridos com os empregados o trabalho ou por ocasião dele, independentemente de culpa do empregador” (CAVALIERI FILHO, 2010, p. 142/143). 3 Art. 186. Aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito. 4 Art. 187. Também comete ato ilícito o titular de um direito que, ao exercê-lo, excede manifestamente os limites impostos pelo seu fim econômico ou social, pela boa fé ou pelos bons costumes. 5 Trata-se da moderna teoria da responsabilidade Objetiva, a qual será revisada mais adiante. 13 No entendimento de Gonçalves (2014), o Código Civil adotou uma solução ainda mais avançada e rigorosa que o direito italiano, do qual o Brasil importou o modelo de Código Civil. Enquanto que o direito italiano prevê o exercício da atividade perigosa como fundamento da responsabilidade civil, com a inversão do ônus da prova, no direito brasileiro também adotou- se a teoria do exercício da atividade perigos, bem como o princípio da responsabilização independente da existência ou não de culpa para casos previstos em lei, tendo a responsabilidade subjetiva como regra geral, não prevendo, no entanto, a possibilidade de o ofensor, mediante a inversão do ônus da prova, ver-se exonerado de responsabilização. Para este autor, a grande inovação do Código Civil de 2002 para a responsabilidade civil está no fato de que o parágrafo único do artigo 9276, além de não ter revogado as leis especiais existentes na época e ressalvar as que foram promulgadas, possibilitou à jurisprudência que essa considere atividades já existentes e ainda as que vierem a existir, como atividades perigosas ou de risco. Assim, verifica-se que o atual Código Civil Brasileiro acolheu a teoria do risco, em determinados casos, em que o simples exercício de uma atividade perigosa impõe a obrigação de indenizar os danos eventualmente causados, sem a necessidade de comprovação da culpa do agente causador do dano (art. 927, parágrafo único). Mas, importante frisar, de maneira geral, a culpa continua a ser o fundamento da responsabilidade civil. Diante deste contexto, a evolução histórica da responsabilidade civil é marcada pela noção de reparar um mal causado a alguém, partindo inicialmente da ideia de confusão entre responsabilidade civil e criminal, com a vingança privada, até o conceito atual, subjetivo, de reparação fundada na culpa, juntamente com a tendência atual da teoria do risco, que foca no horizonte futuro um modelo de responsabilidade objetiva. Essas formas de apuração da responsabilidade, reparação fundada na culpa e na teoria do risco, no direito brasileiro, trouxeram situações problemáticas para a responsabilidade civil consubstanciada no fato de quem deverá ressarcir o dano causado e como operar-se-á a recomposição do estado anterior do indivíduo e a indenização do mesmo (DINIZ, 2014). Especialmente, porque a responsabilidade civil possui grande importância na atualidade, uma 6 Art. 927. [...] Parágrafo único. Haverá obrigação de reparar o dano, independentemente de culpa, nos casos especificados em lei, ou quando a atividade normalmente desenvolvida pelo autor do dano implicar, por sua natureza, risco para os direitos de outrem. 14 vez que dirige-se: [...] à restauração de um equilíbrio moral e patrimonial desfeito e à redistribuição da riqueza de conformidade com os ditames da justiça, tutelando a pertinência de um bem, com todas as suas utilidades, presentes e futuras, a um sujeito determinado, pois como pondera José Antônio Nogueira, o problema da responsabilidade é o próprio problema do direito, visto que ‘todo o direito assenta na ideia da ação, seguida da reação, de restabelecimento de uma harmonia quebrada’ (DINIZ, 2014, p. 21). Pondera Diniz (2014) que a fonte geradora da responsabilidade é o interesse de restaurar o equilíbrio moral e patrimonial suportado pelo indivíduo a quem o dano foi causado. No mesmo sentido, posiciona-se Gonçalves (2014), ao referir que o instituto da responsabilização civil tem por fim restaurar o equilíbrio moral e patrimonial causado pelo autor do dano. Queiroga (2007) também corrobora esse entendimento ao tratar da responsabilidade civil como uma obrigação em que um indivíduo deverá ressarcir o prejuízo que causou ao outro, seja por fato próprio, de pessoas, seja de animais. Para Santos (2008), a reponsabilidade civil está ligada à conduta do indivíduo que provoca o dano a outrem, sendo que de um lado a responsabilização civil traduz a ideia de que somos responsáveis pela nossa conduta e sujeitos a reparação do dano; por outro lado, que o indivíduo a quem o dano foi causado tem o direito de ser ressarcido de acordo com a proporção do dano suportado. Verifica-se que toda conduta humana que violar dever jurídico e causar dano a outrem é fonte geradora de responsabilidade civil. Essa violação do dever jurídico configura o ilícito, gerando um novo dever jurídico, qual seja, o de reparar o dano (CAVALIERI FILHO, 2010). O citado autor qualifica o dever jurídico em originário e sucessivo, sendo que o primeiro refere- se ao dano causado a outrem, cuja violação gera o dever jurídico sucessivo, ou seja, a reparação do prejuízo suportado pela vítima. O interesse em restabelecer o equilíbrio violado pelo dano, objetivo da responsabilidade civil, é uma realidade na nossa legislação civil, encontrando amparo nos artigos 186, 187, 389, 927, caput, e parágrafo único, do Código Civil, sendo que desses dispositivos legais extraem- se os elementos essenciais para configuração da responsabilidade civil, a qual pode ser dividida em diferentes espécies, dependendo de onde provém este dever e qual o elemento desta conduta. 15 2.2 Espécies de responsabilidade civil A responsabilidade civil possui como elemento fundamental uma conduta voluntária que viola um dever jurídico, podendo apresentar-se sob diferentes espécies, conforme a perspectiva em que se analisa. A responsabilidade, quanto à violação da norma jurídica, divide-se em civil e penal. Para Cavalieri Filho (2010), na responsabilidade penal tem-se um ilícito penal, no qual o agente infringe uma norma penal de direito público, enquanto que, na responsabilidade civil, a norma violada é de direito privado. Ambas as responsabilidades, civil e penal, importam violação de um dever jurídico. Contudo, se analisadas sob outros aspectos, a responsabilidade penal é pessoal, intransferível, respondendo o réu com a privação de sua liberdade, enquanto que, na responsabilidade civil, é patrimonial, respondendo o devedor com o seu patrimônio por suas obrigações (GONÇALVES, 2014). Direcionando o estudo para a responsabilidade civil, considera-se que ela também possui uma série de possíveis “divisões internas”. Em relação ao fundamento, a responsabilidade civil poderá ser subjetiva ou objetiva. A responsabilidade civil subjetiva justifica-se na culpa ou dolo, sendo necessária a prova da culpa do agente para que exista o dever de indenizar, conforme refere Diniz (2014). Com relação à responsabilidade civil objetiva, refere a autora, que tal responsabilidade está alicerçada no risco, exigindo tão somente o fato de causar prejuízo à vítima ou aos seus bens para que surja o dever de reparação. Da mesma forma, Santos (2008) refere que a responsabilidade civil, quanto ao fundamento, divide-se em subjetiva – fundada na conduta culposa – e objetiva, que independe de culpa, apenas sendo exigido o nexo de causalidade entre o fato e o dano. A responsabilidade civil subjetiva, para Queiroga (2007), pressupõe a existência de culpa. Contudo, o autor faz uma crítica a essa teoria, no que diz respeito à produção da prova, uma vez que, em muitos casos, a vítima fica impossibilitada de realizá-la e, consequentemente, fica irressarcida dos prejuízos. 16 A responsabilidade civil possui pressupostos que variam de acordo com a espécie. No caso da responsabilidade subjetiva, Coelho (2010) aborda a necessidade de existirem três pressupostos, quais sejam: conduta culposa, dano patrimonial ou extrapatrimonial e a relação de causalidade entre a conduta e o dano. Ademais, a responsabilidade civil subjetiva baseia-se no valor da vontade, sendo tal valor a fonte de todas as obrigações. Em última instância, a imputação de responsabilidade ao culpado pelo evento danoso fundamenta-se na noção da vontade como fonte da obrigação. A ação ou omissão negligente, imprudente ou imperita ou mesmo a intenção de causar dano correspondem à conduta diversa da juridicamente exigível. A exigibilidade de conduta diversa pressupõe pelo menos duas alternativas abertas à vontade (consciente ou inconsciente) do sujeito passivo. Se o devedor agiu como não deveria, o fez por ato de vontade (COELHO, 2010, p. 273). Para Gonçalves (2014), o Código Civil Brasileiro adotou como regra a teoria da responsabilidade subjetiva, uma vez que fundamentou a obrigação de reparar o dano no dolo e na culpa, conforme exposto no artigo 1867 do Código Civil. Contudo, salienta o mesmo autor que o dever de reparar o dano dependerá do fundamento que se dê a responsabilidade, assim a culpa será ou não elemento desta obrigação. Ainda segundo Gonçalves (2014), em face da teoria clássica, a culpa era fundamento da responsabilidade; caso não houvesse culpa, não existiria o dever de reparar. No entanto, a lei em determinados casos e a certas pessoas impôs a responsabilidade independente da existência de culpa, sendo esta a responsabilidade legal ou objetiva, fundada na teoria do risco, ou seja, todo dano deve ser indenizado, devendo ser reparado por aquele que tenha causado dano a outrem e contenha nexo de causalidade. Na responsabilidade objetiva, é irrelevante a existência da culpa ou dolo do agente, bastando o nexo de causalidade entre o prejuízo suportado pela vítima e a ação do causador (DINIZ, 2014). Corroborando este entendimento, Gonçalves (2014) menciona que a responsabilidade objetiva independe da culpa, bastando tão somente a relação de causalidade entre a ação e o 7 Art. 186. Aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito. 17 dano. No entendimento de Queiroga (2007), a culpa ou o dolo não são relevantes quando tratamos de responsabilidade objetiva em razão de tal modalidade não exigir a culpa, bastando para que ocorra a responsabilização que o agente tenha dado causa ao resultado. Provada a relação de causalidade, nasce a obrigação de reparar. Entretanto, a teoria do risco busca justificar a responsabilidade objetiva: Para esta teoria, toda pessoa que exerce alguma atividade cria um risco de dano para terceiros. E deve ser obrigada a repará-lo, ainda que sua conduta seja isenta de culpa. A responsabilidade civil desloca-se da noção de culpa para a ideia de risco, ora encarada como “risco-proveito”, que se funda no princípio segundo o qual é reparável o dano causado a outrem em consequência de uma atividade realizada em benefício do responsável (ubi emolumentum,ibi onus); ora mais genericamente como “risco criado”, a que se subordina todo aquele que sem indagações de culpa, expuser alguém a suportá-lo (GONÇALVES, 2014, p. 49). Ainda segundo o autor, a tese da responsabilidade civil objetiva foi sancionada em várias leis esparsas no Brasil, tais como: Lei de Acidentes do Trabalho, Código Brasileiro de Aeronáutica, Lei nº 6.453/77, Decreto Legislativo nº 2.681, de 1912, Lei nº 6.938/81, o Código de Defesa do Consumidor, dentre outras. Pereira (apud GONÇALVES, 2014) aponta que a regra geral dita que a responsabilidade civil está fundamentada na culpa; no entanto, caso esta não seja suficiente, cumpre ao legislador fixar os casos em que a reparação ocorrerá independente deste instituto. Assim, somente quando a lei autorizar, a obrigação de reparar se abstrairá do conceito de culpa. Contudo, o parágrafo único do art. 927 do Código Civil é um avanço no que tange à responsabilidade civil, uma vez que admitiu a responsabilização sem culpa pelo exercício de atividade que, pela sua natureza, representa risco aos direitos de outrem, possibilitando ao Judiciário a ampliação dos casos em que o dano será indenizável (GONÇALVES, 2014). Analisados os fundamentos da responsabilidade civil, objetiva e subjetiva, e confirmadas ambas as situações no Direito Civil brasileiro, cumpre também analisar o fato gerador dessa responsabilidade, ou seja, se ela decorre de uma relação contratual ou extracontratual. Inicialmente, para apurar se a responsabilidade é contratual ou extracontratual, deve-se analisar se o evento danoso ocorreu em razão de uma obrigação preexistente, contrato ou 18 negócio jurídico unilateral, sendo que o dever violado será o ponto de partida para analisar se a responsabilidade é contratual ou extracontratual, independentemente de ela ser fora ou dentro de uma relação contratual (VENOSA, 2007). Para Cavalieri Filho (2010), a violação de um direito, passível de responsabilização, poderá ter como fonte uma relação jurídica preexistente, oriunda de um contrato realizado entre ambas as partes, ou, talvez, por uma obrigação imposta por um preceito geral do direito ou até mesmo pela própria legislação. Diante dessa problemática, o citado autor refere que a doutrina divide a responsabilidade civil em contratual e extracontratual, dependendo da natureza da violação. Se preexiste um vínculo obrigacional, e o dever de indenizar é consequência do inadimplemento, temos a responsabilidade contratual [..]; se esse dever em virtude de lesão a direito subjetivo, sem que entre o ofensor e a vítima preexista qualquer relação jurídica que o possibilite, temos a responsabilidade extracontratual [...] (CAVALIERI FILHO, 2010, p. 15). Numa conceituação mais ampla, assim se manifestou: [..] tanto na responsabilidade extracontratual como na contratual, há a violação de um dever jurídico preexistente. A distinção está na sede desse dever. Haverá responsabilidade contratual quando o dever jurídico violado (inadimplemento ou ilícito contratual) estiver previsto no contrato. A norma convencional já define o comportamento dos contratantes e o dever específico a cuja observância ficam adstritos. E, como o contrato estabelece um vínculo jurídico entre os contratantes, costuma-se também dizer que na responsabilidade contratual já há uma relação jurídica preexistente entre as partes (relação jurídica, e não dever jurídico, preexistente, porque este sempre se faz presente em qualquer espécie de responsabilidade). Haverá, por seu turno, reponsabilidade extracontratual, se o dever jurídico violado não estiver previsto no contrato, mas sim na lei ou na norma jurídica (CAVALIERI FILHO, 2010, p. 16). Para Gonçalves (2014), ocorre a responsabilidade extracontratual quando o agente infringe um dever legal, sendo aquela que não deriva de contrato, ressaltando que, neste caso, é aplicável o art. 186 do Código Civil, enquanto que, na responsabilidade contratual, há o descumprimento do que fora acordado. A reponsabilidade civil também é classificada como contratual e extracontratual para Queiroga (2007), que define a responsabilidade contratual como a obrigação existente entre duas pessoas, sendo que uma delas não cumpre com a sua parte no que fora acordado, causando dano ao patrimônio da outra, não se exigindo que esta obrigação seja escrita. A responsabilidade extracontratual ou aquiliana para o autor não provém de contrato. 19 Por sua vez, Lisboa (2009) conceitua a responsabilidade extracontratual como sendo aquela que deriva diretamente da lei e a contratual resulta da violação de uma obrigação acordada em um contrato jurídico. No entanto, discorda da equiparação da responsabilidade extracontratual com a responsabilidade aquiliana, defendendo que isso leva a dois equívocos: o primeiro diz respeito à limitação da responsabilidade extracontratual atrelado à culpa; o segundo, diz respeito à relação entre o gênero e à espécie, uma vez que a responsabilidade extracontratual seria o gênero, e a responsabilidade aquiliana, neste contexto, seria uma espécie. Segundo Queiroga (2007), a diferença que existe entre a responsabilidade contratual e a extracontratual é clara. Assim, enquanto na primeira o dano provém do inadimplemento de uma obrigação, na segunda não existe vínculo entre ofendido e ofensor, mas este possui responsabilidade por infringir um dever legal e causar prejuízo àquele. Para Gonçalves (2014), a responsabilidade extracontratual encontra fundamentação no atual Código Civil, nos artigos 186 a 188 e 927 a 954. Já a responsabilidade contratual encontra previsão nos artigos 389 e seguintes e 395 e seguintes do Código Civil. No entanto, cabe ressaltar que o atual Código Civil distinguiu as duas espécies de responsabilidade, mas omitiu sua diferenciação. A título de exemplificação, para uma melhor compreensão da matéria, BERALDO (2008, p. 62) cita como exemplos: “[...] a pessoa que é atropelada por um ônibus deverá ser ressarcida pelo autor do fato [...]”, qualificando a situação como de responsabilidade extracontratual; porém, “[...] caso a pessoa esteja dentro de um ônibus, viajando de Belo Horizonte para São Paulo e ocorra algum acidente, no qual ela sofra danos materiais e/ou morais [...]”, qualifica a situação como de responsabilidade contratual, por existir um contrato de transporte. Em relação à indenização, Queiroga (2007) leciona que, na responsabilidade contratual, a prestação inadimplida é substituída pela indenização, abrangendo aos danos emergentes e lucros cessantes. Já na responsabilidade extracontratual ou aquiliana, a indenização serve para pagamento de despesas efetuadas com o ofendido, além de uma pensão que pode ser equivalente ao dano sofrido. Ainda cabe referir que, quanto à prova, na responsabilidade contratual normalmente incumbe ao devedor inadimplente, enquanto que na extracontratual esta prova normalmente 20 caberá à vítima que deverá demonstrar a culpa do agente, com ressalvas no caso de responsabilidade objetiva ou de presunção de culpa (QUEIROGA, 2007). Em tempo, conforme referido acima, o atual Código Civil, nos artigos 186 e 927, traz a regra geral da responsabilidade extracontratual, enquanto que a contratual encontra previsão nos artigos 389 e 395 do mesmo diploma legal. No entanto, os adeptos da teoria monista discordam deste entendimento, ou seja, da divisão da responsabilidade civil em contratual e extracontratual. Os adeptos da teoria monista refutam essa dualidade de tratamento da responsabilidade, por entenderem que pouco importa a forma como se apresenta, pois uniformes serão sempre os seus efeitos. Dúvida não paira acerca dessa colocação, porque, tanto na responsabilidade contratual como na extracontratual, a responsabilidade civil só se configura se existirem três condições: o dano, o ato ilícito e a relação de causalidade. O Brasil, contudo, consagrou a tese dualista, embora muito combatida (QUEIROGA, 2007, p. 9). As críticas por parte dos adeptos da teoria unitária ou monista, em relação à divisão da responsabilidade civil em contratual e extracontratual, também é enfrentada por Cavalieri Filho (2010, p. 16): Os adeptos da teoria unitária, ou monista, criticam essa dicotomia, por entenderem que pouco importam os aspectos sobre os quais se apresente a responsabilidade civil no cenário jurídico, já que os efeitos são uniformes. Contudo, nos códigos dos países em geral, inclusive no Brasil, se tem acolhida a tese dualista ou clássica. Entretanto, o Código de Defesa ao Consumidor superou esta distinção entre a responsabilidade civil contratual e extracontratual no que tange à responsabilidade do fornecedor de produtos e serviços: [...] Ao equiparar ao consumidor todas as vítimas do acidente de consumo (Código de defesa do Consumidor, art. 17), submeteu a responsabilidade do fornecedor a um tratamento unitário, tendo em vista que o fundamento dessa responsabilidade é a violação do dever de segurança – o defeito do produto ou serviço lançado no mercado e que, numa relação de consumo, contratual ou não, dá causa a um acidente de consumo (CAVALIERI FILHO, 2010, p. 16). Neste contexto, seja no discurso da teoria monista, seja no da teoria dualista, a responsabilidade civil possui o condão de ressarcir o ofendido pelos danos causados por outrem, sendo que, independentemente da existência ou não de relação entre as partes, há elementos que sempre deverão estar presentes e que são conhecidos como os pressupostos da 21 responsabilidade civil. Após realizada a análise quanto às espécies de responsabilidade civil, faz-se necessária a abordagem dos seus pressupostos, uma vez que estes são essenciais para a configuração da responsabilidade e, consequentemente, o dever de reparar. 2.3 Pressupostos da responsabilidade civil A responsabilidade civil, na concepção de Gonçalves (2014), possui quatro pressupostos essenciais: ação ou omissão, culpa ou dolo do agente, relação de causalidade e o dano experimentado pela vítima. Gonçalves explica que os elementos essenciais para configuração da responsabilidade civil possuem previsão expressa no artigo 186, do Código Civil Brasileiro: “Art. 186. Aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito”. Corroborando tal entendimento, citam-se as lições de Queiroga (2007), que também condiciona o dever de indenizar sob a existência de quatro pressupostos: ação ou omissão do agente, culpa do agente, relação de causalidade e dano experimentado pela vítima. Coelho (2010), por sua vez, afirma que os pressupostos da responsabilidade civil possuem variações que dependerão da sua espécie. Assim, para que o indivíduo seja responsabilizado subjetivamente, será necessária a existência de uma conduta culposa que provoque um dano, podendo este ser patrimonial ou extrapatrimonial, além da existência de uma relação de causalidade entre a conduta culposa do ofensor e o dano do ofendido. Continua lecionando que, para ocorrer a responsabilização do indivíduo na forma objetiva, será necessária a existência de dois pressupostos: a existência de um dano ao ofendido, podendo ser este patrimonial ou extrapatrimonial, e a relação de causalidade entre a conduta do ofensor prevista na legislação e o dano do ofendido. No entanto, Diniz (2014) menciona ser difícil a caracterização dos elementos essenciais para configuração da responsabilidade civil, tendo em vista que as doutrinas não definem com precisão esses pressupostos, havendo posicionamentos diversos quanto aos elementos necessários à caracterização da responsabilidade civil. 22 Esta problemática da conceituação dos pressupostos da responsabilidade civil vem descrita por Santos (2008), o qual demonstra que existem divergências doutrinárias a respeito: A doutrina também diverge quanto aos pressupostos da responsabilidade civil. Sílvio Rodrigues apontava quatro requisitos, a saber: ação ou omissão do agente, a culpa do agente, a relação de causalidade e o dano experimentado pela vítima (Direito civil, p. 13/14); Carlos Roberto Gonçalves apresenta a mesma configuração da responsabilidade civil (Responsabilidade, p. 32); Sérgio Cavalieri Filho aponta somente três pressupostos, a saber: a condita culposa, o dano e o nexo de causalidade (Programa, p.41); Maria Helena Diniz afirma que são três os requisitos: a ação, o dano e o nexo de causalidade (Curso, p. 42); por fim, Fernando Noronha elenca cinco pressupostos da responsabilidade civil: um fato antijurídico, o nexo de imputação, o dano causado, o nexo de causalidade e a lesão a um bem juridicamente protegido (Direito das obrigações, p. 467/477) (SANTOS, 2008, p. 32, grifo do autor). Ao se posicionar sobre o tema, no entanto, o citado autor segue o posicionamento de Maria Helena de Diniz quanto aos pressupostos da responsabilidade civil, sendo eles a ação, o dano e o nexo de causalidade, porém acrescentando o nexo de imputação citado por Fernando Noronha. Independentemente da divisão proposta por tais autores, a responsabilidade civil tem uma construção fática semelhante, sendo que a individualidade dos pressupostos é caracterizada pela forma que cada autor “quebra” essa realidade fática. Neste contexto, no presente trabalho, serão analisados os seguintes pressupostos da responsabilidade civil: ação ou omissão, culpa ou dolo do agente, relação de causalidade e o dano experimentado pela vítima. O primeiro pressuposto refere-se à ação ou omissão, que podem emanar de ato próprio, de terceiro que esteja sob a guarda do agente, de danos causados por coisas e animais, sendo aplicado a qualquer pessoa que, atuando com ação ou omissão, cause dano a outrem (GONÇALVES 2014). Tal autor, referindo-se ao ato próprio, como elemento da ação ou omissão, a título de exemplo, cita que pode ocorrer, nos casos de calúnia, injúria e difamação, de demanda de pagamento de dívida não vencida ou já paga, e de abuso de direito. Diniz (2014), entretanto, menciona a existência de uma ação comissiva ou omissiva, podendo ser lícita ou ilícita, que atrelada à culpa tem o risco, gerando a obrigação de indenizar. Santos (2008) leciona que a responsabilidade civil exige do indivíduo uma conduta que poderá ser omissiva ou comissiva, e estas condutas agregam o conceito de ato ilícito, in verbis: 23 A conduta humana exigida em sede de responsabilidade civil pode se referir tanto à prática de algum ato no sentido de atender ao valor jurídico protegido, quanto à abstenção de algum ato que contrarie a referida proteção. O próprio art. 186 do Código Civil, ao cuidar da cláusula geral de responsabilidade civil, estatui que ‘aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito e causar dano a outrem ainda que exclusivamente moral comete ato ilícito’. Portanto, tanto a conduta comissiva quanto a omissiva integram o conceito legal de ato ilícito, gerador de responsabilidade civil (SANTOS, 2008, p. 35, grifo do autor). Ainda, ao conceituar a ação omissiva e a comissiva, Santos (apud Cavalieri Filho, 2008) refere que a primeira consiste em uma inatividade de conduta do indivíduo, enquanto a segunda consiste em um comportamento positivo que causa dano a outra pessoa. Queiroga (2007) conceitua ação e omissão da seguinte maneira: Ação é ato positivo; a omissão é um ato negativo ou a ausência do ato. Na primeira hipótese, o agente pratica a ação quando é proibido de fazê-lo. É o que acontece nos casos em que mata, fere, calunia, injuria ou difama alguém, ou faz cobrança de dívida já paga etc. A responsabilidade por ação pode decorrer de ato próprio, de ato de terceiro que esteja sob a guarda do agente, e ainda de danos causados por coisas e animais. Na segunda hipótese, o agente permanece inerte, quando deveria agir. Para que se configure a responsabilidade por omissão, é necessário que haja o dever jurídico de praticar determinado ato e que se demonstre que, com a sua prática, o dano poderia ter sido evitado. O dever jurídico de agir ou de não se omitir pode ser imposto por lei (exemplo: o dever de prestar socorro às vítimas de acidente imposto a todo condutor de veículos) ou resultar de convenção (exemplo: dever de guarda, de vigilância, de custódia) (p. 16). Continua lecionando Queiroga (2007) que o ato deve ser ilícito, sendo praticado ou na sua omissão. Assim, refere que “ato ilícito é o que viola direito alheio ou causa prejuízo a outrem, por dolo ou culpa. Em outras palavras, é uma infração ao dever legal de não violar direito e não lesar outrem” Queiroga (2007, p. 16), dever este que se impõe pelos artigos 186 e 187 do Código Civil. Tal ato ilícito, conforme refere o art. 186 do atual Código Civil, pode ser doloso ou culposo, sendo o dolo e a culpa segundo pressuposto da responsabilidade civil. O dolo (ação ou omissão voluntária) caracteriza-se pela vontade de o indivíduo cometer um ato que viole o direito de forma consciente e intencional, enquanto a culpa (negligência ou imprudência) é caracterizada pela falta de cuidado. (GONÇALVES, 2014). Para Queiroga (2007, p. 19), “dolo é a vontade deliberada de cometer determinada infração; culpa é o cometimento da infração sem vontade deliberada. No dolo, há a vontade 24 consciente. Na culpa, o agente age por imprudência, negligência ou imperícia”. Refere, igualmente o autor acima, que não há distinção entre os graus de culpa e entre dolo e a culpa8, por ser independente do grau, havendo vontade intencional ou não do autor, igual será a obrigação de indenizar. Continua lecionando o autor que o atual Código Civil consagra a ideia tradicional, quando prevê em seu art. 944 que a indenização mede-se de acordo com o dano. Já, em seu parágrafo único, possibilitou ao juiz adequar o valor da indenização de acordo com a gravidade do dano ou da culpa. Art. 944. A indenização mede-se pela extensão do dano. Parágrafo único. Se houver excessiva desproporção entre a gravidade da culpa e o dano, poderá o juiz reduzir, equitativamente, a indenização. Para Monteiro (apud GONÇALVES, 2014), a culpa, segundo a teoria subjetiva, possui distinções quanto à natureza e sua extensão: [...] Culpa lata ou ‘grave’ é a falta imprópria ao comum dos homens, é a modalidade que mais se avizinha do dolo. Culpa ‘leve’ é a falta evitável com atenção ordinária. Culpa ‘levíssima’ é a falta só evitável com atenção extraordinária, com especial habilidade ou conhecimento singular. Na responsabilidade aquiliana, a mais ligeira culpa produz obrigação de indenizar (in lege Aquilia et levíssima culpa venit) (p. 53/54, grifo do autor). Cita ainda Gonçalves (2014) que existem várias espécies de culpa: culpa in eligendo, que é a decorrente da má escolha do representante ou preposto; in vigilando, que surge da ausência de fiscalização; in comittendo, que é a decorrente de uma ação; in omittendo, que nasce de uma omissão; e in custodiendo, que emana da falta de cuidados com um animal ou objeto. No entanto, nem todos os doutrinadores citam a culpa como pressuposto. Alguns, como Santos (2008), mencionam que a culpa não é pressuposto, haja vista que poderá existir responsabilização sem que exista culpa. No entanto, a culpa poderá caracterizar uma ação e ser indispensável para determinar a responsabilidade civil subjetiva, que ainda é a regra geral da legislação brasileira. Ainda, “[...] a culpa constitui, ao lado do risco, o que Fernando Noronha denomina nexo de imputação, ou seja, um critério pelo qual se relaciona a ação ao agente” (p. 36), motivo pelo qual muitos autores, como Cavalieri Filho (2010), a vinculam ao primeiro 8 Na esfera penal, a culpa é graduada diferentemente da esfera cível, haja vista que o grau de culpa do agente na esfera penal vai exercer influência na graduação da pena, enquanto que na esfera cível o grau de culpa vai ser proporcional ao dano sofrido pela Vítima (CAVALIERI FILHO, 2010). 25 pressuposto, ou seja, à ação ou omissão ou, como o próprio autor refere, à conduta culposa. Por outro lado, Gonçalves (2014) disciplina que, para obter a reparação do dano, o indivíduo prejudicado, segundo a teoria subjetiva adotada pelo Código Civil, deve provar o dolo ou a culpa stricto sensu9 do agente causador do dano. Contudo, às vezes, torna-se difícil conseguir realizar essa prova; assim, o direito positivo admite, em casos específicos, a possibilidade da responsabilidade sem culpa, ou seja, a responsabilidade objetiva, com fundamento na teoria do risco, abarcando casos de culpa presumida. Portanto, a culpa é a “inobservância de um dever que o agente deveria conhecer e observar” (VENOSA, 2007, p. 22) a qual, ainda, é considerada pressuposto fundamental da obrigação de reparar (STOCO, 2004). O terceiro pressuposto refere-se à relação de causalidade, também conhecido como nexo causal que, para Gonçalves (2014, p. 54), “é a relação de causa e efeito entre a ação ou omissão do agente e o dano verificado”. Ademais, disciplina o doutrinador que, se a causa do dano não estiver relacionada com o comportamento do agente, inexiste o dever de indenizar. Com o intuito de proporcionar uma melhor compreensão a respeito da relação de causalidade, esse autor elucida: Se, verbi gratia, o motorista está dirigindo corretamente e a vítima, querendo suicidar- se, atira-se sob as rodas do veículo, não se pode afirmar ter ele ‘causado’ o acidente, pois na verdade foi um mero instrumento da vontade da vítima, esta sim responsável exclusiva pelo evento (GONÇALVES, 2014, p. 54). O nexo de causalidade é o elemento que une o dano ao fato que o gerou (SANTOS, 2008). No entendimento de Queiroga (2007), a relação de causalidade nada mais é do que o liame existente entre o fato que deve ser ilícito e o dano por este produzido. Ressalta ainda que, sem a existência desta relação de causa e efeito, não haverá obrigação de indenizar. No entanto, segundo Santos (2008), a relação de causalidade é o elo que liga o dano ao fato que o causou, sendo esta relação o requisito para que seja possível a reparação do dano 9 A culpa stricto sensu ocorre quando o prejuízo causado a vítima for decorrente de um comportamento negligente e imprudente do autor do dano, enquanto que a culpa lato sensu a atuação do agente causador do dano é procurada de forma intencional e assim alcançada, sendo elemento essencial o dolo (GONÇALVES, 2014). Contudo, aborda-se no presente trabalho tão somente a culpa stricto sensu por tratar-se da responsabilidade civil médico hospitalar em que se analisa a conduta negligente, imprudente e imperita dos mesmos. 26 com a responsabilização do indivíduo. Diniz (2005), por sua vez, entende que não existe a responsabilidade civil sem que haja uma ligação entre a ação e o dano. Ainda, reforça a autora que, para haver o dever de indenizar, é necessária a inexistência das causas excludentes de responsabilidade, ou seja, ausência de força maior, de caso fortuito ou de culpa exclusiva da vítima. As excludentes de responsabilidade, para Diniz (2005), são casos que excluem qualquer responsabilidade do causador do dano. As excludentes de responsabilidade são também consideradas “[...] casos de impossibilidade superveniente do cumprimento da obrigação não imputáveis ao devedor ou agente” (CAVALIERI FILHO, 2010, p. 66). Ainda, refere o citado autor, que essa impossibilidade ocorre nas hipóteses caso fortuito, força maior, fato exclusivo da vítima ou de terceiro. Para Queiroga (2007), existem seis causas que afastam a responsabilidade civil: o estado de necessidade; a legítima defesa; o exercício regular de um direito e o estrito cumprimento de um dever legal; caso fortuito e a força maior; a culpa exclusiva da vítima e o fato de terceiro. No entendimento de Diniz (2014), são motivos que excluem a relação de causalidade entre o dano e o fato que o ocasionou: a culpa exclusiva da vítima, a culpa concorrente, a culpa comum, a culpa de terceiro e o caso fortuito ou força maior. As principais causas que excluem o nexo causal, para Gonçalves (2014), são: o estado de necessidade, a legítima defesa, a culpa da vítima, o fato de terceiro, o caso fortuito ou força maior e a cláusula de não indenizar. No entanto, Santos (2008), ao referir sobre as excludentes de responsabilidade, cita a existência de três causas excludentes do nexo causal: o fato exclusivo da vítima, o fato de terceiro e o caso fortuito ou força maior. Corroborando os doutrinadores citados, Cavalieri Filho (2010) relata que as excludentes de responsabilidade ocorrem nos casos de caso fortuito, força maior, fato exclusivo da vítima ou de terceiro. Por fim, o citado autor afirma que não existe possibilidade de alguém vir a responder 27 por um resultado do qual não tenha dado causa, exemplificando não ser raro que pessoas sejam chamadas a responder por eventos que aparentemente deram causa; porém, quando analisada a relação de causalidade, constata-se que o dano é decorrente de outra origem. A primeira causa de exclusão da responsabilidade civil refere-se ao caso fortuito ou força maior, que possuem previsão expressa no art. 39310, do Código Civil, o qual disciplina que o devedor da obrigação não será responsabilizado por prejuízos que resultem de caso fortuito ou força maior, em razão destas excludentes afastarem a relação de causalidade, por serem estranhos a conduta do agente, ensejadora direta do evento. Atualmente, segundo Cavalieri Filho (2010), muito se discute sobre a diferença existente entre o instituto do caso fortuito e da força maior; no entanto, não existe um entendimento uniforme em relação aos conceitos, apenas que esses estão fora dos limites da culpa. Contudo, o autor entende haver diferença entre caso fortuito e força maior, sendo que refere que o primeiro ocorre quando o evento for imprevisível e consequentemente inevitável; porém, se o evento for inevitável, ainda que fosse possível a sua previsão, por fato superior às forças do agente, se estaria diante do instituto da força maior. Assim, o elemento que caracteriza o caso fortuito é a imprevisibilidade, enquanto a força maior é a inevitabilidade. Gonçalves (2014), por sua vez, apregoa que o caso fortuito é decorrente de fato ou ato alheio à vontade dos envolvidos; logo, a força maior deriva de eventos naturais. Tal autor disciplina que, havendo caso fortuito, não poderá existir culpa, pois um afasta o outro. No entanto, ressalta Cavalieri Filho (2010) que, no caso da responsabilidade objetiva, fundada no risco da atividade, existem certas hipóteses que o caso fortuito não exclui o dever de reparar, quando se trata de caso fortuito interno, ou seja, fato imprevisível e inevitável, estando relacionado com o risco do negócio, incorporando-se a atividade e não sendo possível exercê-la sem assumir o fortuito11. Outra hipótese de excludente é o fato de terceiro, segundo Aguiar Dias (apud 10 Art. 393. O devedor não responde pelos prejuízos resultantes de caso fortuito ou força maior, se expressamente não se houver por eles responsabilizado. Parágrafo único. O caso fortuito ou de força maior verifica-se no fato necessário, cujos efeitos não era possível evitar ou impedir. 11 “O fortuito externo é também fato imprevisível e inevitável, mas estranho à organização do negócio” (CAVALIARI FILHO, 2010, p. 318). 28 CAVALIERI FILHO, 2010, p. 67), “é qualquer pessoa, além da vítima e o responsável, alguém que não tem nenhuma ligação com o causador aparente do dano e o lesado”. Nas lições de Gonçalves (2014), em se tratando de matéria de responsabilidade civil, fica obrigado o causador direto do dano a repará-lo, sendo que a culpa de terceiro não exonera o autor da indenização, tendo o autor a possibilidade da ação de regresso contra o terceiro que deu causa a situação de perigo, nos termos dos artigos 929 e 930 do Código Civil12. Concluindo, Gonçalves (2014) refere que, quando a causa exclusiva do prejuízo for o ato de terceiro, desaparecerá o nexo de causalidade entre a ação ou omissão do agente e o dano. Assim, poderá ser excluída a responsabilidade do causador direto do dano. Quando, no entanto, o ato de terceiro é a causa exclusiva do prejuízo, desaparece a relação de causalidade entre a ação ou a omissão do agente e o dano. A exclusão da responsabilidade se dará porque o fato de terceiro se reveste de características semelhantes às do caso fortuito, sendo imprevisível e inevitável. Melhor dizendo, somente quando o fato de terceiro se revestir dessas características, e, portanto, equiparar-se ao caso fortuito ou à força maior, é que poderá ser excluída a responsabilidade do causador direto do dano (GONÇALVES, 2014, p. 476). Ainda, para Cavalieri Filho (2010), o fato de terceiro somente excluirá a responsabilidade quando romper a relação de causalidade entre o agente e o dano sofrido pela vítima. Nestes casos, segundo opinião dominante, o fato de terceiro será equiparado a caso fortuito ou força maior. Destaca-se, também, que o instituto da culpa exclusiva de terceiro foi incluído no Código de Defesa do Consumidor, nos artigos 12, § 3º, III, e 14, § 3º, II, entre as causas de exclusão de responsabilidade do fornecedor. No entanto, conforme Cavalieri Filho (2010), existem casos em que a própria lei, bem como a jurisprudência, não admitem o fato de terceiro como excludente de responsabilidade, citando como exemplo o contrato de transporte, cuja previsão expressa no art. 735 do Código Civil não exclui a responsabilidade do transportador por fato culposo de terceiro. 12 Art. 929. Se a pessoa lesada, ou o dono da coisa, no caso do inciso II do art. 188, não forem culpados do perigo, assistir-lhes-á direito à indenização do prejuízo que sofreram. Art. 930. No caso do inciso II do art. 188, se o perigo ocorrer por culpa de terceiro, contra este terá o autor do dano ação regressiva para haver a importância que tiver ressarcido ao lesado. Parágrafo único. A mesma ação competirá contra aquele em defesa de quem se causou o dano (art. 188, inciso I). 29 Analisada a excludente de responsabilidade por fato de terceiro, cumpre analisar a excludente de responsabilidade por culpa exclusiva da vítima, vista por Rodrigues (apud CAVALIERI FILHO, 2010) como causa que exclui o nexo causal, tendo em vista que o agente causador do dano foi apenas instrumento do acidente. Já Gonçalves (2014) aborda esse instituto expondo que, quando houver a ocorrência de um evento danoso por culpa exclusiva da vítima, desaparece a responsabilidade do sujeito ativo. Cabe ressaltar que o último autor concorda com o anterior no que tange à culpa exclusiva da vítima em relação ao causador do dano, sujeito ativo, pois ambos afirmam ser este mero instrumento do acidente. DIAS (apud CAVALIERI FILHO, 2010, p.66) refere que “admite-se como causa de isenção de responsabilidade o que se chama de culpa exclusiva da vítima. Com isso, na realidade, se alude ao ato ou fato exclusivo da vítima, pelo qual fica eliminada a causalidade em relação ao terceiro interveniente no ato danoso”. No entanto, Gonçalves (2014) afirma haver casos em que a culpa da vítima é parcial ou concorrente com o sujeito causador do dano; nesses casos, autor e vítima contribuem, ao mesmo tempo, para a configuração do evento danoso. Assim, quando houver a participação de culpa do agente e da vítima, haverá a divisão das responsabilidades, que será realizada de acordo com a parcela de culpa de cada um, nos termos do artigo 94513, do Código Civil. Da análise das excludentes de responsabilidade, conclui-se que, se elas forem reconhecidas, não será possível responsabilizar alguém por um ato que não tenha dado causa, por não haver relação de causalidade entre o dano e o agente. Concluída a análise do nexo causal e de suas excludentes, parte-se para a análise do dano – o principal pressuposto da responsabilidade civil. O dano também é pressuposto para a responsabilização civil, haja vista que a reparação civil pelos atos ilícitos causados prescinde da existência do dano, visto que não haverá ação de indenização sem a existência de um prejuízo indenizável que foi experimentado pelo lesado, 13 Art. 945. Se a vítima tiver concorrido culposamente para o evento danoso, a sua indenização será fixada tendo- se em conta a gravidade de sua culpa em confronto com a do autor do dano. 30 sendo ele patrimonial ou moral (DINIZ, 2005). Para Gonçalves (2014), não existe responsabilização civil sem que haja prova do evento danoso, especificando que existem duas espécies de dano – o material e o moral –, os quais não repercutem nas finanças do ofendido. Leciona, também Gonçalves (2014), que o Código Civil atual aprimorou o conceito de ato ilícito, exigindo para configuração do dano a violação do direito e a ocorrência do dano, enquanto no Código Civil de 1916 exigia-se tão somente para a configuração do ato ilícito a violação do direito ou a ocorrência do dano a outrem. Assim, para Gonçalves (2014), sem a existência do prejuízo ao ofendido, não haverá o dever de indenizar, ainda que existam a violação de um dever jurídico, culpa ou mesmo dolo do ofensor. Por tal razão, somente haverá a obrigação de indenizar quando houver, simultaneamente, a violação de um direito e a existência do dano. Para Cavalieri Filho (2010), o dano é o grande vilão da responsabilidade civil, pois sem ele não se falaria em indenização, tão pouco em ressarcimento. O autor refere ainda a existência da responsabilidade civil sem culpa, mas não sem o dano, ponderando ser o dano elemento predominante da responsabilidade civil objetiva. Na responsabilidade objetiva, qualquer que seja a modalidade do risco que lhe sirva de fundamento – risco profissional, risco proveito, risco criado etc. –, o dano constitui o seu elemento preponderante. Tanto é assim que, sem dano, não haverá o que reparar, ainda que a conduta tenha sido culposa ou até dolosa. Se o motorista, apesar de ter avançado o sinal, não atropela ninguém, nem bate em outro veículo; se o prédio desmorona por falta de conservação pelo proprietário, mas não atinge nenhuma pessoa ou outros bens, não haverá o que indenizar (CAVALIERI FILHO, 2010, p. 73). Ressalta ainda o autor que o dano é tão importante que, sem a sua existência, pode-se ter até a responsabilidade penal, mas não haverá responsabilização na esfera civil, pois neste caso a reparação importaria enriquecimento ilícito. [...] Sem dano pode haver responsabilidade penal, mas não há responsabilidade civil. Indenização sem dano importaria enriquecimento ilícito; enriquecimento sem causa para quem a recebesse e pena para quem a pagasse, porquanto o objetivo da indenização, sabemos todos, é reparar o prejuízo sofrido pela vítima, reintegrá-la ao estado em que se encontrava antes da prática do ato ilícito. E, se a vítima não sofreu nenhum prejuízo, a toda evidência, não haverá o que ressarcir. Daí a afirmação, comum praticamente a todos os autores, de que o dano é não somente o fato constitutivo mas, também, determinante do dever de indenizar (CAVALIERI FILHO, 2010, p. 73). 31 Venosa (2007) leciona que o dano consiste no prejuízo sofrido pela vítima, moral ou material, sendo essencial a existência do dano para que ocorra a indenização. Em se tratando de danos materiais, para que surja o dever de indenizar, exige-se lesão concreta ao patrimônio da vítima, sendo indispensável a prova da sua existência e a extensão do dano. Quanto aos danos morais, exige-se lesão ao direito de personalidade, lesão esta que repercuta no seu interesse pessoal (DINIZ, 2014). Quando o ressarcimento do dano moral não era admitido, o conceito de dano era a efetiva diminuição do patrimônio da vítima. No entanto, em razão do novo posicionamento da doutrina e da jurisprudência a respeito do dano moral, em razão da sua natureza não patrimonial, o dano passou a ser conceituado como sendo “a subtração ou diminuição de um bem jurídico, qualquer que seja a sua natureza, quer se trate de um bem patrimonial, quer se trate de um bem integrante da própria personalidade da vítima, como a sua honra, a imagem, a liberdade etc.” (CAVALIERI FILHO, 2010, p. 73). Em síntese, a responsabilidade civil implica a obrigação de indenizar, em que tal indenização prescinde da existência de um dano a ser reparado. Analisadas as espécies de responsabilidade civil e seus pressupostos, no próximo capítulo será abordada a responsabilidade civil médica, sua natureza jurídica, espécies, pressupostos de configuração, bem como os deveres do profissional médico. 32 3 RESPONSABILIDADE CIVIL MÉDICA No primeiro capítulo, abordou-se o tema responsabilidade civil em seus aspectos gerais, um tema atual e de muita importância tanto para estudiosos quanto para operadores do direito. Segundo Gonçalves (2014), dirige-se “[...] à restauração de um equilíbrio moral e patrimonial desfeito e à redistribuição da riqueza de conformidade com os ditames da justiça, tutelando a pertinência de um bem com todas as suas utilidades, presentes e futuras, a um sujeito determinado”. Considerando o foco do presente trabalho, a responsabilidade médica, um ramo da responsabilidade civil, neste capítulo, será analisado, em um primeiro momento, a contextualização histórica, bem como a natureza jurídica da responsabilidade destes profissionais. Em seguida, serão trabalhados os pressupostos e as causas excludentes da responsabilidade civil médica. Ao final deste capítulo, serão abordados os deveres relativos a estes profissionais. 3.1 Histórico e natureza jurídica da responsabilidade médica A responsabilidade médica teve seu marco nos nossos antepassados e foi evoluindo com o tempo, haja vista que as doenças e os males surgiram juntamente com o homem, que tentou combatê-los desde os primórdios, época em que se preconizava unicamente a cura – e não o estudo – das patologias, recaindo à culpa sobre o feiticeiro caso não ocorresse a cura, que por sua vez era acusado de incapaz e imperito (VENCONE apud KFOURI NETO, 1998). Fundamentado nesse posicionamento, Kfouri Neto (1998) refere que a responsabilidade médica atrelada à culpa e à sanção pelo procedimento mal sucedido pelo profissional médico vem sendo aplicada desde os antepassados. Tal entendimento também vem esboçado nas lições de Couto Filho (2001), quando refere que, na época de talião, a reparação do dano causado ao paciente acontecia mediante 33 retaliações, havendo duplicidade de danos, respondendo os médicos com a própria vida pelos danos que causassem a seus pacientes. Neste período, o médico era considerado um mago ou sacerdote com poderes sobrenaturais, e não um especialista (KFOURI NETO, 1998). Queiroga (2007) também segue referido posicionamento. Contudo, ressalta que, ao final do século XIX e início do século XX, o médico passou a ser visto como profissional, passando a ser médico da família, amigo e conselheiro, sendo o ato médico resumido à relação de confiança do paciente e de consciência do médico. O Código de Hamurabi, de 1790-1770, antes de Cristo, foi o primeiro documento a abordar sobre o erro médico. Tal código continha normas sobre a atividade médica, abordando que, quando o paciente sofria lesões ou vinha a falecer em decorrência de imperícia ou má prática, o médico deveria ressarcir o dano quando não fosse curado um escravo ou animal, sendo que as penas iam até amputação da mão do médico em razão da imprudência (KFOURI NETO, 1998). Refere, ainda Kfouri (1998, p. 33) que: [...] inexistia o conceito de culpa, num sentido jurídico moderno, enquanto vigorava responsabilidade objetiva coincidente com a noção atual: se o paciente morreu em seguida à intervenção cirúrgica, o médico o matou – e deve ser punido. Em suma, naquela época, o cirurgião não podia dizer, com uma certa satisfação profissional, como o faz hoje: a operação foi muito bem-sucedida, mas o paciente está morto. Na atualidade, Queiroga (2007) menciona que o médico da família morreu e deu lugar a um especializado que desempenha suas funções de forma fria e impessoal, voltado para os meios extraordinários que a tecnologia atual oferece. Surgindo, assim, o médico de plantão ou de turno obrigado a adaptar-se ao sistema de normas compatíveis com a realidade atual, que nem sempre se adaptava a sua consciência e determinação. A relação que existia entre médico e paciente em decorrência da quantidade de atendimento aos poucos foi distanciada, conforme afirma Rosado (apud QUEIROGA, 2007, p. 142). 34 As relações sociais massificaram-se, distanciando o médico do seu paciente. A própria denominação dos sujeitos da relação foi alterada, passando para usuário e prestador de serviços, tudo visto sob a ótica de uma sociedade de consumo, cada vez mais consciente de seus direitos, reais ou fictícios, e mais exigente quanto aos resultados. As expectativas do doente não só por isso se ampliaram: a seguridade social estendeu o uso dos serviços médicos. E o doente, que também é um segurado, confunde facilmente o direito à seguridade com o direito à cura; se esta não ocorre, logo suspeita de um erro médico. Acrescente-se a isso a disposição da mídia de transformar em escândalo o infortúnio, e facilmente encontraremos a explicação para o incremento do número de reclamações judiciais versando sobre o nosso tema, ações facilitadas porque não dependem da quebra de uma relação de respeito e afeto que existia com o médico de família, pois muitas vezes, hoje, o reclamante não teve relação com o médico, ou a teve muito superficial. Nesse contexto e com as inovações trazidas pelo art. 95114, do Código Civil Brasileiro, o médico passou a ser responsabilizado ao agir com imprudência, imperícia ou negligência e causar dano a outrem, sendo obrigado a reparar o dano, devendo o profissional reparar o dano se assim agiu (QUEIROGA, 2007). No mesmo sentido, posicionou-se o Código de Defesa do Consumidor, em seu artigo 14, § 4º15, ao disciplinar que a responsabilidade destes profissionais será apurada mediante a verificação da culpa. Para Gonçalves (2014), fazer a prova da negligência, imperícia e da imprudência do profissional é tarefa externamente difícil à vítima. No entanto, por ser o médico um prestador de serviços, a sua responsabilidade, embora seja subjetiva, está sujeita ao Código de Defesa do Consumidor, que em seu art. 6º, VIII, permite que o juiz inverta o ônus da prova em favor do consumidor, devendo, assim, o médico provar que não agiu com negligência, imperícia e imprudência. Refere ainda o autor que esta hipossuficiência não é somente econômica, mas também técnica, cujo profissional possui melhores condições de apresentar aos autos os elementos, as provas necessárias para que se realize a análise da responsabilidade. 14 Art. 951, CC. O disposto nos arts. 948, 949 e 950 aplica-se ainda no caso de indenização devida por aquele que, no exercício de atividade profissional, por negligência, imprudência ou imperícia, causar a morte do paciente, agravar-lhe o mal, causar-lhe lesão, ou inabilitá-lo para o trabalho. 15 Art. 14, CDC. O fornecedor de serviços responde, independentemente da existência de culpa, pela reparação dos danos causados aos consumidores por defeitos relativos à prestação dos serviços, bem como por informações insuficientes ou inadequadas sobre sua fruição e riscos. [...] § 4° A responsabilidade pessoal dos profissionais liberais será apurada mediante a verificação de culpa. 35 A inversão do ônus da prova na apuração da responsabilidade médica, quando a parte lesada for hipossuficiente, vem sendo adotada Pelo Judiciário, conforme se observa, por exemplo, nas decisões do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul: APELAÇÃO CÍVEL. RESPONSABILIDADE CIVIL. ERRO MÉDICO. TRATAMENTO PARA HIDROCELE. POSTERIOR AZOOSPERMIA. NEXO CAUSAL NÃO DEMONSTRADO. PERICIA TÉCNICA CONCLUSIVA. 1. AGRAVO RETIDO. INVERSÃO DO ÔNUS DA PROVA. INCIDÊNCIA DO CDC. Conhecido o agravo retido, porquanto postulado expressamente em apelação seu conhecimento por esta Corte, conforme ônus imposto pelo artigo 523, caput e § 1°, do Código de Processo Civil. O fundamento da inversão do ônus da prova está no art. 6° inciso VIII, do Código de Defesa do Consumidor, que faculta ao Magistrado, presente a verossimilhança das alegações e a hipossuficiência da parte autora, a facilitação da prova. Recurso prejudicado em face da realização da prova pericial. O descontentamento do autor em relação à conclusão pericial não autoriza a inversão do ônus da prova, de modo a se exigir do réu a produção de prova negativa. 2. AUSÊNCIA DE NEXO DE CAUSALIDADE. DEVER DE INDENIZAR NÃO CONFIGURADO. Ausente o nexo de causalidade entre o procedimento realizado pelo autor para o tratamento da hidrocele e seu posterior quadro de azoospermia total, inviável se mostra a responsabilização pretendida. Prova pericial conclusiva neste sentido. Precedentes. Sentença de improcedência mantida. AGRAVO RETIDO PREJUDICADO. APELAÇÃO DESPROVIDA. (Apelação Cível Nº 70062367479, Sexta Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Luiz Menegat, Julgado em 29/01/2015). APELAÇÃO CÍVEL. RESPONSABILIDADE CIVIL. ALEGAÇÃO DE NEGLIGÊNCIA NO ATENDIMENTO. AUSÊNCIA DE NEXO CAUSAL ENTRE A CONDUTA MÉDICA E AS SEQUELAS. DEVER DE INDENIZAR INOCORRENTE AGRAVO RETIDO. INVERSÃO DO ÔNUS DA PROVA. POSSIBILIDADE. Viabilidade da inversão do ônus da prova em se tratando de apuração de responsabilidade civil por erro médico, em razão de a parte autora ser manifestamente hipossuficiente tecnicamente. Inteligência do artigo 6º, VIII, do Código de Defesa do Consumidor. Precedentes desta Corte. RESPONSABILIDADE CIVIL DA CLÍNICA RÉ. É cediço que os hospitais e clínicas médicas, na qualidade de prestadores de serviços, respondem independente de culpa pelo serviço defeituoso prestado ou posto à disposição do consumidor, responsabilidade que é afastada sempre que comprovada a inexistência de defeito ou a culpa exclusiva do consumidor, ou de terceiro, ex vi do art. 14, § 3º do CDC. ERRO MÉDICO. INOCORRÊNCIA. Assente no caderno probatório a inexistência de erro no procedimento adotado pelo preposto da clínica ré durante o atendimento médico prestado à autora, inviável o reconhecimento do dever de indenizar da parte ré, ante a ausência de prova do alegado erro médico. Laudo médico que afirma a correção nos procedimentos adotados pelos profissionais da casa de saúde, bem como a inexistência de nexo causal entre a conduta médica e os danos reclamados. Sentença de improcedência mantida. AGRAVO RETIDO DO RÉU DESPROVIDO. APELAÇÃO DESPROVIDA. (Apelação Cível Nº 70059544890, Décima Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Paulo Roberto Lessa Franz, Julgado em 31/07/2014). Cavalieri Filho (2010) também compartilha deste entendimento, referindo que o médico é um prestador de serviços, embora a sua responsabilidade seja subjetiva, está sujeito ao Código 36 de Defesa do Consumidor, autorizando ao Judiciário a inversão do ônus da prova em favor do consumidor: [...] Pode o juiz, em face da complexidade técnica da prova da culpa, inverter o ônus da dessa prova em favor do consumidor, conforme autoriza o art. 6º, VIII, do Código Defesa do Consumidor. A hipossuficiência de que ali fala o Código não é apenas econômica, mas também técnica, de sorte que, se o consumidor não tiver condições econômicas ou técnicas para produzir a prova dos fatos constitutivos de seu direito, poderá o juiz inverter o ônus da prova a seu favor, como observa oportunamente o insigne Nélson Nery Júnior (p. 391). Continua lecionando Cavalieri Filho (2010) que os profissionais liberais não possuem nenhum regime privilegiado pelo Código de Defesa do Consumidor, este apenas os excluiu da responsabilidade objetiva; no entanto, por serem fornecedores de serviços, estão submetidos aos princípios e regras do CDC, entre eles a inversão do ônus da prova quando a obrigação for de resultado. Em relação à natureza jurídica da responsabilidade médica, ela é definida como contratual, segundo Gonçalves (2014), por haver entre o paciente e o profissional que o atende um legítimo contrato. Da mesma forma, posicionou-se Diniz (2014), ao definir a responsabilidade médica de natureza contratual e qualificando-a como uma obrigação de meio e não de resultado, respondendo o profissional somente se agir com culpa em uma das modalidades: negligência imperícia ou imprudência. Contudo, Dias (2006, p. 330) refere que “o fato de se considerar como contratual a responsabilidade médica não tem, ao contrário do que poderia parecer, o resultado de presumir a culpa”. Queiroga (2007), no entanto, ressalta que o fato gerador da responsabilidade médica é de natureza contratual ou extracontratual, sendo que a responsabilidade será contratual quando derivar de um contrato que seja estabelecido pela livre vontade das partes, enquanto a extracontratual não deriva de contrato, sendo imputada ao profissional somente a título de culpa. Sobre a natureza extracontratual da responsabilidade médica, afirma Rosado (apud Queiroga, 2007, p. 146) que “[...] o médico somente responde pelos danos causados ao lesado 37 se ficar provado que agiu com culpa nas modalidades de imprudência (agir com descuido), negligência (deixar de adotar as providências recomendadas) e imperícia (descumprimento de regra técnica de profissão)”. Cavalieri Filho (2010) menciona que a divergência existente em razão da natureza jurídica do contrato não altera a responsabilidade do profissional da medicina, tendo em vista que em se tratando de responsabilidade contratual, o que importará saber é se esta obrigação gerada pelo acordo é de meio ou de resultado. A obrigação será de meio ou de resultado dependendo do resultado a ser exigido pelo paciente, conforme Lisboa (2009), o qual define obrigação de meio como aquela que exige apenas determinado comportamento do médico, não importando se foi ou não alcançado o resultado esperado pelo paciente, pois a forma de responsabilização é mediante culpa. Na obrigação de resultado, pontua ser aquela que exige do médico o alcance do resultado pretendido pelo paciente, respondendo pelo risco de sua atividade. A responsabilidade contratual também poderá ser ou não presumida, isso dependerá se o médico comprometeu-se com determinado resultado ou apenas a conduzir-se de certa forma (GONÇALVES, 2014). Por culpa presumida, Cavalieri Filho (2010) entende que é uma presunção relativa da culpa na qual se inverte o ônus da prova. Assim, segundo o autor, o fundamento do dever de indenizar é a culpa, porém a vítima ficará exonerada do ônus probandi. Assim, “o objeto do contrato médico não é a cura, obrigação de resultado, mas a prestação de cuidados conscienciosos, atentos, e, salvo circunstâncias excepcionais, de acordo com as aquisições da ciência” (DIAS, 2006, p. 332). A obrigação que o médico assume, para Cavalieri Filho (2007), é de proporcionar todos os cuidados, não se comprometendo com a cura, mas de prestar os serviços de acordo com as regras e os métodos da profissão, incluindo cuidados e conselhos. Por mais competência que possua o médico, ele não pode garantir a cura de uma doença ou salvação do paciente que está em estado grave, pois a medicina possui inúmeras limitações, e a obrigação assumida pelo médico é proporcionar ao paciente todo o cuidado que, para Cavalieri Filho (2007), a obrigação assumida pelo profissional é de meio, e não de resultado, 38 haja vista que o fato do tratamento realizado não ter produzido o efeito esperado, não gera por si só o inadimplemento contratual. Por tal razão, a responsabilidade médica é subjetiva e com culpa provada, embora possua natureza contratual, na qual o paciente ou seus familiares devem demonstrar que o profissional agiu com negligência, imperícia ou imprudência para o resultado funesto (CAVALIARI FILHO, 2007, p. 361). Aplica-se, assim, o art. 951, do Código Civil de 2002, que, segundo Kfouri Neto (1998), adotou a teoria da culpa em relação à responsabilidade médica, uma vez que existindo dano, morte, ferimento ou incapacidade do paciente, ele deverá este provar que o profissional agiu com negligência, imprudência ou imperícia para que seja ressarcido. Tanto o Código Civil como o Código de Defesa do Consumidor adotam a teoria da responsabilidade subjetiva, em razão de atrelarem à responsabilidade civil a existência de culpa, independentemente da culpa ser grave ou leve, pois, estando presente o dano, haverá o dever de reparação (GONÇALVES, 2014). Tanto a obrigação de meio quanto a de resultado exigem o pressuposto culpa (lato sensu), naquela, o paciente deverá provar que o médico não agiu adequadamente na execução do contrato; nesta, presume-se que o resultado ocorreu em decorrência da atuação inadequada ou culposa do contratado (STOCO, 2004). Contudo, para apurar se a obrigação é de meio ou de resultado, busca-se na teoria do resultado a melhor interpretação a respeito, a qual, segundo Stoco (2004, p. 467/468) possui três conclusões sobre o seu alcance: a primeira defende que “a teoria do resultado não rompe com a teoria da culpa”, na qual se impõe a existência da culpa presumida ou demonstrada; a segunda menciona que a “construção doutrinária da teoria da responsabilidade em razão do exercício de uma atividade de meios ou de resultado é inerente à responsabilidade contratual”; já a terceira refere “que a teoria do resultado encontra aplicação plena aos profissionais liberais” de acordo com o § 4º, do art. 14, do CDC, que reafirmou a responsabilidade pessoal mediante culpa. A teoria do resultado é aplicada como regra nas relações contratuais entre particulares, profissionais e prestadores de serviços. No entanto, na obrigação de meio, apesar do contratado realizar o procedimento com todo cuidado, dedicação e atenção, não visará a um resultado, 39 enquanto na obrigação de resultado o contratado deverá utilizar corretamente os meios para que o resultado esperado seja obtido (STOCO, 2004). Ressalta ainda o autor que, independentemente da obrigação assumida pelo médico, a responsabilidade fundamenta-se na culpa, respondendo na obrigação de meio pelo erro de percurso, nunca pelo resultado, cabendo ao contratante demonstrar a culpa do contratado. Já, na obrigação de resultado, o contratado responderá pelo erro de percurso e pelo resultado caso não seja alcançado, sendo a culpa do contratado presumida. Neste caso, o contratado poderá se eximir da obrigação de reparar desde que demonstre não ter agido com culpa, ocorrência de força maior ou culpa exclusiva do contratante. Busca-se, assim, distinguir a obrigação de meio da obrigação de resultado da atividade médica. Para Demogue (apud STOCO, 2004, p. 466), a distinção está em estabelecer a quem compete o ônus da prova, referindo que a obrigação será de meio, “[...] quando a própria prestação nada mais exige do devedor do que pura e simplesmente o emprego de determinado meio sem olhar o resultado”; já, na obrigação de resultado, o médico “[...] se obriga a alcançar determinado fim sem o qual não terá cumprido sua obrigação”, arcando o prestador de serviço com as consequências caso o objeto do contrato não seja alcançado. Tal entendimento também vem referenciado por Aguiar Júnior (1995, texto digital): A obrigação é de meio quando o profissional assume prestar um serviço ao qual dedicará atenção, cuidado e diligência exigidos pelas circunstâncias, de acordo com o seu título, com os recursos de que dispõe e com o desenvolvimento atual da ciência, sem se comprometer com a obtenção de um certo resultado. A obrigação será de resultado quando o devedor se comprometer a realizar um certo fim, como, por exemplo, transportar uma carga de um lugar a outro, ou consertar e pôr em funcionamento uma certa máquina (será de garantia, se, além disso, ainda afirmar que o maquinário atingirá uma determinada produtividade). O médico a assume, por exemplo, quando se compromete a efetuar uma transfusão de sangue ou a realizar certa visita. Assim, para que fique caracterizado o descumprimento contratual, quando a obrigação for de resultado, bastará ao credor do direito demonstrar a existência de um contrato e a não obtenção do resultado esperado; já, ao devedor da obrigação, caberá provar a ocorrência de caso fortuito ou força maior, hipótese que não será responsabilizado (STOCO, 2004). Na obrigação contratual, conforme o citado autor, o contratado assumirá obrigação de meio quando se comprometer a trabalhar com boa-fé, empenho, dedicação, técnica e prazo sem 40 a garantia de um resultado, enquanto que, na obrigação de resultado, o profissional garantirá o resultado contratado ao paciente. Independentemente da obrigação assumida pelo médico, de meio ou resultado, se agir com culpa para a ocorrência do evento danoso ou não atingir o resultado a que se comprometeu, na obrigação de resultado, o profissional fica obrigado a reparar o dano, cujos pressupostos da responsabilidade civil médica serão analisados no tópico seguinte. Diante de tal contexto, os profissionais da medicina comprometem-se a tratar com cuidado seus pacientes, utilizando-se dos meios adequados, sem a obrigação de curá-los. A responsabilização civil destes profissionais se dará quando ficar comprovada qualquer das modalidades de culpa: imperícia, negligência e imprudência (GONÇALVES, 2014). A responsabilidade civil do profissional da área da medicina, embora possua natureza jurídica contratual, é caracterizada como subjetiva, ou seja, a culpa deste profissional deve ser provada, uma vez que não decorre do insucesso do diagnóstico ou do tratamento dado ao paciente, cabendo ao mesmo ou aos familiares fazer prova de que o profissional agiu com imprudência, imperícia ou negligência (CAVALIERI FILHO, 2007). Coelho (2010) considera o profissional liberal como prestador autônomo especializado em serviços, cuja execução a lei exige além de formação em curso superior que esteja sujeito à fiscalização de órgão de classe, sendo responsabilizado pelos danos que causar aos indivíduos que os contratarem. O caráter subjetivo da responsabilidade médica vem elencado no art. 951, do Código Civil Brasileiro: Art. 951 – O disposto nos arts. 948, 949, e 950 aplica-se ainda no caso de indenização devida por aquele que, no exercício de atividade profissional, por negligência, imprudência ou imperícia, causar a morte do paciente, agravar-lhe o mal, causar-lhe lesão, ou inabilitá-lo para o trabalho. Quanto à responsabilidade civil do profissional liberal, o Código de Defesa do Consumidor disciplina, no seu artigo 14, §4º, como sendo de natureza subjetiva: A lei define expressamente como subjetiva a responsabilidade civil do profissional liberal: “a responsabilidade pessoal dos profissionais liberais será apurada mediante a verificação de culpa” (CDC, art, 14, § 4º). Na aplicação deste preceito, deve-se pesquisar a presença do elemento econômico de identificação do profissional liberal. 41 Se cometido o erro médico por profissional empregado do hospital ou OPPAS, a responsabilidade por indenizar o paciente é do empregador; é, ademais, objetiva (cf, Stoco, 1995). Se cometido por profissional liberal, é dele apenas a responsabilidade civil; e subjetiva (COELHO, 2010, p. 332). Refere Coelho (2010) que o profissional liberal responde na forma subjetiva pelos danos causados a pacientes por serem excluídos da atividade empresarial, consoante o disposto no parágrafo único, do artigo 96616, do Código Civil Brasileiro. Embora seja o médico um prestador de serviços, cuja responsabilidade poderia possuir um caráter objetivo, donde a culpa não necessita ser provada pelo interessado para que este seja responsabilizado, Cavalhieri Filho (2007) ressalta a exceção a essa regra contida no § 4º, do artigo 1417, do Código de Defesa do Consumidor, o qual prevê que a responsabilidade do profissional liberal será verificada mediante culpa, ou seja, o paciente deverá provar que o profissional agiu com imprudência, imperícia ou negligência, para que seja obrigado a reparar o dano, o que caracteriza a responsabilidade subjetiva do profissional. Dita exceção, segundo o autor, só faz referência à responsabilidade pessoal do profissional liberal não se estendendo a pessoa jurídica para a qual ele trabalhe ou até mesmo tenha sociedade. Assim, no caso de ser pessoa jurídica, a responsabilidade será objetiva, independentemente da existência ou não de culpa por parte do profissional. Contudo, alerta para os casos em que os profissionais liberais cadastrados no hospital e que não forem empregados, mas que utilizam o ambiente hospitalar para realizarem procedimentos e causarem danos aos pacientes, somente este responderá pelos danos e na forma subjetiva. Mas, se o dano decorrer de defeito do serviço, tais como equipamentos inadequados, erro por parte de empregos que estão auxiliando o profissional liberal, o profissional responde tão somente pela parte que lhe caberia. 16 Art. 966, CC: [...] Parágrafo único – não se considera empresário quem exerce profissão intelectual, de natureza científica, literária ou artística, ainda com o concurso de auxiliares ou colaboradores, salvo se o exercício da profissão constituir elemento de empresa. 17 Art. 14, CDC. O fornecedor de serviços responde, independentemente da existência de culpa, pela reparação dos danos causados aos consumidores por defeitos relativos à prestação dos serviços, bem como por informações insuficientes ou inadequadas sobre sua fruição e riscos. [...] § 4° A responsabilidade pessoal dos profissionais liberais será apurada mediante a verificação de culpa. 42 Após verificado o contexto histórico e a natureza jurídica da responsabilidade médica, faz-se necessária a análise doutrinária dos seus pressupostos, o que será abordado no próximo tópico. 3.2 Pressupostos da responsabilidade civil médica Considerando sua natureza jurídica, referida no subtítulo anterior, verifica-se que, para que seja configurada a responsabilidade civil médica, é necessária a presença de quatro requisitos: ação ou omissão do agente, relação de causalidade, dano e culpa ou dolo do agente (MINODA, 2006). Para o autor, a existência do dever de reparar está ligada à existência de uma ação ou omissão que praticada ou não pelo profissional, tenha nexo de causalidade com o prejuízo experimentado pela vítima, que este prejuízo exista e que o agente tenha atuado com dolo ou culpa para a ocorrência do evento. A falta de um destes pressupostos não gera o dever de indenizar. Matielo (2001) também segue este posicionamento ao estabelecer que a responsabilidade civil possui como elementos básicos: a ocorrência do dano, a conduta viciada por culpa do agente e o nexo de causalidade entre o ato executado e o resultado danoso. Refere o citado autor que o nosso ordenamento jurídico prefere a teoria da responsabilidade subjetiva, uma vez que existe a necessidade de demonstrar o nexo de causalidade entre a conduta e o resultado danoso, sendo de responsabilidade do autor a comprovação de culpa do agente a quem foi imputada a prática do evento danoso. A responsabilidade médica, segundo Queiroga (2007, p. 144), “tem como pressuposto específico o ato praticado com a violação de um dever médico, imposto pela lei, pelos costumes ou pelo contrato, e que causa o dano patrimonial ou extrapatrimonial a outrem”. A demonstração da culpa no âmbito da responsabilidade civil médica é defendida pela doutrina: No que concerne à responsabilidade civil dos médicos, segue-se a regra geral da imprescindibilidade da demonstração da culpa do agente, amenizadas as exigências quanto à prova inarredável e profunda de sua ocorrência ante os termos consignados na legislação, quando a natureza da demanda ou as circunstâncias concretas 43 apontarem para a responsabilidade mediante a produção de elementos de convicção mais singelos como saída adaptada à realidade processual (MATIELO, 2001, p. 70). Abordando, ainda, que a responsabilidade médica regida pelo regime contratual, relação médico/paciente, a infringência a uma das cláusulas implícitas ou explícitas demandará prova consistente, sendo a culpa fator preponderante para que haja o dever de indenizar. A culpa médica, para Cavalieri Filho (2007, p. 362), pressupõe “uma falta de diligência ou de prudência em relação ao que era esperável de um bom profissional escolhido como padrão”. Os médicos, segundo Gonçalves (2014), comprometem-se a utilizar todos os meios adequados ao tratamento de seus pacientes, porém não estão obrigados a curá-los, em razão de ser de meio a sua obrigação. Para o citado autor, tais profissionais poderão ser responsabilizados somente se restar provada a culpa em qualquer das modalidades imperícia, imprudência ou negligência. A culpa, defendida por Matielo (2001), aparece em três modalidades: imprudência, negligência e a imperícia. A primeira é a mais comum em erro médico, pois decorre do orgulho do profissional, em que este age precipitadamente em relação aos procedimentos normais do dia a dia do médico. Em relação à segunda modalidade, comprova-se à medida que o médico deixar de observar ao paciente de um dever imprescindível que impeça o aparecimento de uma lesão. A terceira modalidade se caracteriza quando o profissional aplica mal a sua técnica, ou seja, quando o despreparo é evidenciado. Em qualquer das modalidades de culpa, o autor cita que se devem analisar os fatores externos e objetivos que deixam vislumbrar a vontade do agente no momento da consumação do dano. Para que exista o dever de recompor, é necessária a existência culpa. O comportamento doloso produz efeitos idênticos, ou seja, conduz a restauração de tudo o que foi atingido pela lesão. O dolo é a conduta direcionada a obtenção de um resultado lesivo, o agir qualificado pela consciência, fazendo a lesão parte do desenrolar dos fatos sendo assumida de forma voluntária pelo agente na ideia de risco (MATIELO, 2001). 44 Devido à dificuldade de realização da prova nas modalidades negligência e imperícia, refere Gonçalves (2014), que por ser o médico um prestador de serviços, embora sua responsabilidade seja subjetiva, este sujeita-se ao previsto no CDC, que de acordo com o art. 6º, VIII, permitirá ao juiz a inversão do ônus da prova em favor do paciente. Ainda, para o citado autor, a hipossuficiência não ocorre em relação à situação econômica do paciente, mas sim em relação à técnica, em razão de possuir o médico melhores condições de trazer ao Judiciário as provas necessárias para a análise da sua responsabilidade. A culpa é fator determinante da responsabilidade civil médica, salvo exceções previstas em lei, segundo Matielo (2001), por entender que na obrigação de indenizar deve haver a existência do nexo de causalidade que nada mais é do que o vínculo que tem que existir entre a conduta culposa e o dano produzido a vítima. Ainda, de acordo com o autor citado, a existência do nexo causal é fator fundamental da responsabilidade civil, entretanto, devido à dificuldade da análise dos elementos que conduzem ao dano, muitas vezes tornam-se imperceptíveis em razão dos eventos que antecederam a lesão, necessariamente precisam ser analisadas através de uma investigação mais minuciosa. O nexo de causalidade é fator fundamental para que ocorra a responsabilização do agente causador do dano, ou do responsável pela atividade, no entanto, refere Melo (2008), que existem situações onde mesmo que o agente tenha envolvimento no evento danoso, mas que a este não tenha dado causa, estará isento da responsabilização e consequentemente do dever de repará-lo. No entanto, existem causas que excluem a responsabilidade civil do médico, uma vez presentes impossibilitam a existência do nexo de causalidade entre a conduta culposa e o dano gerado a vítima, sendo estas: o fato exclusivo da vítima, o caso fortuito ou força maior, e ainda, o fato de terceiro. As causas excludentes de responsabilidade do médico, segundo Couto Filho (2001, p. 30-31), são “elementos que, uma vez presentes, simplesmente impossibilitam a existência da relação de causalidade entre a conduta do agente e o dano”, elementos estes caracterizados como fato exclusivo da vítima, caso fortuito ou força maior e o fato de terceiro. No entendimento de Gagliano (2012, p. 171), as causas que excluem o nexo de causalidade “de responsabilidade civil devem ser entendidas todas as circunstâncias que, por 45 atacar um dos elementos ou pressupostos gerais da responsabilidade civil, rompendo o nexo causal, terminam por fulminar qualquer pretensão indenizatória”. Sobre as excludentes de responsabilidade médica, Giostri (2002) afirma que, em primeiro lugar, devem ser analisados uma série de elementos que poderiam interferir na responsabilização do profissional, tais como: os meios que o profissional utilizou para alcançar o resultado pretendido; quais os cuidados de que