UNIVERSIDADE DO VALE DO TAQUARI - UNIVATES PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM AMBIENTE E DESENVOLVIMENTO CURSO DE DOUTORADO O DESENVOLVIMENTO HUMANO DOS CATADORES DE UMA ASSOCIAÇÃO DE COLETA DE RECICLÁVEIS Gustavo Carvalhal Santos Lajeado/RS, março de 2023 Gustavo Carvalhal Santos O DESENVOLVIMENTO HUMANO DOS CATADORES DE UMA ASSOCIAÇÃO DE COLETA DE RECICLÁVEIS Tese apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Ambiente e Desenvolvimento da Universidade do Vale do Taquari - Univates, como parte da exigência para a obtenção do título de Doutor em Ciências Ambientais, na área de concentração Ambiente e Desenvolvimento. Orientadora: Profa. Dra. Júlia Elisabete Barden Lajeado/RS, março de 2023 Gustavo Carvalhal Santos O DESENVOLVIMENTO HUMANO DOS CATADORES DE UMA ASSOCIAÇÃO DE COLETA DE RECICLÁVEIS A Banca examinadora abaixo aprova a Tese apresentada ao Programa de Pós- Graduação em Ambiente e Desenvolvimento, da Universidade do Vale do Taquari - Univates, como parte da exigência para a obtenção do grau de Doutor em Ambiente e Desenvolvimento, na área de concentração espaço e problemas socioambientais. Profa. Dra. Júlia Elisabete Barden - orientadora Universidade do Vale do Taquari – Univates Profa. Dra. Anny Kariny Feitosa Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Ceará-IFCE Profa. Dra. Jane Márcia Mazzarino Universidade do Vale do Taquari – Univates Prof. Dr. Daniel Pedro Auler Universidade do Vale do Taquari - Univates Lajeado, maio de 2023 Dedico este trabalho aos “guerreiros” catadores da Ascanovi, que me acolheram com alegria e respeito. AGRADECIMENTOS Em primeiro lugar, agradeço a Deus, por ter me dado a oportunidade de realizar este trabalho e, principalmente, pela força concedida, para chegar à conclusão desta etapa da minha vida. Agradeço à minha família, especialmente, à minha esposa, Talitta Guedes Viana Carvalhal, e à minha filha, Maria Luísa Viana Carvalhal, por todo o apoio e paciência durante este período. À minha mãe, Maria José Amorim Carvalhal Santos, pelas orações e pensamentos positivos; ao meu pai, Erunides Santos (in memoriam). Um agradecimento especial à minha orientadora, a Professora Dra. Júlia Elisabete Barden, por todo o conhecimento transmitido, durante as reuniões de orientação e durante todo o tempo do curso. Aos meus amigos e colegas de disciplinas, agradeço o companheirismo e o apoio, durante as aulas e os trabalhos. À Universidade Federal dos Vales do Jequitinhonha e do Mucuri, instituição à qual tenho orgulho de pertencer, pelo apoio para a realização deste trabalho. Agradecimentos à UNIVATES, aos professores das disciplinas das quais tive oportunidade de participar, enfim, a todos que contribuíram para que concluísse com êxito os meus estudos. Aos catadores e à ASCANOVI, pelas lições de vida que me proporcionaram, durante nossas conversas formais e informais. Por último, meu muito obrigado a todas as pessoas que, de forma direta ou indireta, me ajudaram, me apoiaram, me motivaram, para que eu não desistisse, em momentos de dificuldades. RESUMO No Brasil, aproximadamente 60% dos municípios ainda fazem uso de lixões. Algumas cidades já utilizam os aterros sanitários; no entanto, sete em cada dez locais destinados aos resíduos são lixões, ou seja, os materiais ficam expostos ao ar livre. Como consequência do volume de produção de resíduos sólidos, cria-se uma dificuldade enfrentada pelos municípios com relação à correta destinação desses materiais e as possibilidades de um manejo mais adequado, que possa ser utilizado de maneira responsável e que ajude na preservação do meio ambiente. Nesse cenário, surgem as associações e cooperativas de catadores de materiais recicláveis, que trabalham no processo de coleta desses materiais, executando a separação e o beneficiamento dos resíduos, com possibilidade de reutilização e reciclagem. Dessa forma, o objetivo geral desta tese é analisar como a participação dos catadores de recicláveis numa associação proporcionou melhorias nas suas condições de vida, promovendo o desenvolvimento humano. Esta pesquisa envolveu um estudo de caso numa associação de catadores de materiais recicláveis, utilizando técnicas de observação direta, além de registros fotográficos e conversas informais. Foram realizadas entrevistas semiestruturadas com os catadores, com o poder público e com a associação, bem como uma análise qualitativa e bibliográfica dos dados coletados e transcritos das entrevistas. Os resultados indicam que, no caso dessa associação que foi objeto de estudo, o desenvolvimento humano foi parcialmente atingido. Para que ele possa alcançar a totalidade, é necessária a participação do governo, com ações específicas de promoção de desenvolvimento, bem como, a participação e a contribuição da sociedade civil. Palavras-chave: Catadores de materiais recicláveis. Desenvolvimento humano. Associações. ABSTRACT In Brazil, approximately 60% of the municipalities still use dumps. Some cities already use sanitary landfills; however, seven out of ten places destined for waste are dumps, that is, the materials are exposed to the open air. As a consequence of the volume of solid waste production, municipalities face difficulties regarding the correct disposal of these materials and the possibilities of a more appropriate handling, which can be used responsibly and help preserve the environment. In this scenario, associations and cooperatives of collectors of recyclable materials appear, which work in the process of collecting these materials, performing the separation and processing of waste, with the possibility of reuse and recycling. Thus, the general objective of this thesis is to analyze how the participation of recyclable material collectors in an association provided improvements in their living conditions, promoting human development. direct observation techniques, in addition to photographic records and informal conversations. Semi-structured interviews were carried out with the collectors, the government and the association, carrying out a qualitative and bibliographical analysis of the data collected and transcribed from the interviews. The results showed that in the case of this association that was the object of study, human development was partially achieved, and for it to be able to achieve its totality, it is necessary for the government to participate, with specific actions to promote development and the participation and contribution from civil society. Keywords: Recyclable material collectors. Human development. Associations. RESUMEN En Brasil, aproximadamente el 60% de los municipios todavía utilizan vertederos. Algunas ciudades ya utilizan rellenos sanitarios; sin embargo, siete de cada diez lugares destinados a los residuos son botaderos, es decir, los materiales están expuestos a la intemperie. Como consecuencia del volumen de producción de residuos sólidos, los municipios enfrentan dificultades en cuanto a la disposición correcta de estos materiales y las posibilidades de un manejo más adecuado, que puedan ser utilizados de manera responsable y ayuden a preservar el medio ambiente. En este escenario, aparecen asociaciones y cooperativas de recolectores de materiales reciclables, que trabajan en el proceso de recolección de estos materiales, realizando la separación y procesamiento de los residuos, con posibilidad de reutilización y reciclaje. Así, el objetivo general de esta tesis es analizar cómo la participación de recolectores de materiales reciclables en una asociación proporcionó mejoras en sus condiciones de vida, promoviendo el desarrollo humano mediante técnicas de observación directa, además de registros fotográficos y conversaciones informales. Se realizaron entrevistas semiestructuradas con los recolectores, el gobierno y la asociación, realizándose un análisis cualitativo y bibliográfico de los datos recolectados y transcritos de las entrevistas. Los resultados mostraron que en el caso de esta asociación que fue objeto de estudio, el desarrollo humano se logró parcialmente, y para que pueda lograr su totalidad, es necesario que el gobierno participe, con acciones específicas para promover el desarrollo y la la participación y contribución de la sociedad civil. Palabras llave: Recolectores de material reciclable. Desarrollo humano. Asociaciones. LISTA DE FIGURAS Figura 1 – Protocolo do Estudo de Caso 83 Figura 2 - Localização da ASCANOVI 86 Figura 3 - Fluxograma da Coleta de Dados 89 Figura 4 - Atividades de lazer no fim de semana 107 Figura 5 - Local de trabalho dos catadores 108 Figura 6 - Utilização das Bags para recolhimento de materiais recicláveis 108 Figura 7 - Local de Descanso 109 Figura 8 - Construções improvisadas 110 Figura 9 - Galpão da ASCANOVI 113 Figura 10 - Participação em reuniões na prefeitura municipal 117 Figura 11 - Lei nº 7.478 de criação da “Bolsa Reciclagem” 119 Figura 12 - Logomarca do programa Recicla Teó 120 Figura 13 - Panfleto educativo da coleta seletiva 121 Figura 14 - Fluxograma do Recolhimento de lixo 124 Figura 15 - Cargas de materiais, prontas para venda 129 Figura 16 - Nuvem de palavras da seção geração de renda 132 Figura 17 - Palavras mais citadas por categorias 133 LISTA DE GRÁFICOS Gráfico 1 - Estado Civil dos Entrevistados 95 Gráfico 2 - Opção Religiosa 97 Gráfico 3 - Nível de Escolaridade dos Catadores 99 LISTA DE TABELAS Tabela 1 - Preço por quilo de material prensado 123 LISTA DE QUADROS Quadro 1 - Aspectos ou fatores que influenciam o surgimento de associações de catadores 22 Quadro 2 - Normas voltadas às associações de catadores: leis e políticas: 53 Quadro 3 - Percepções sobre desenvolvimento ao longo do tempo 60 Quadro 4 - As cinco formas de liberdades, segundo Amartya Sen 67 Quadro 5 - Autores que influenciaram a Abordagem das Capacitações de Amartya Sen 68 Quadro 6 - Conceitos centrais da Abordagem das Capacitações 73 Quadro 7 - Perfil dos Catadores, Gênero e idade 93 Quadro 8 - Profissão Anterior 96 Quadro 9 - Sentimentos positivos de bem-estar 105 Quadro 10 - Sentimentos negativos de bem-estar 106 Quadro 11 - Percepções sobre a aposentadoria 115 Quadro 12 - Conflitos e Interesses particulares na Associação 119 Quadro 13 - Percepções sobre a contribuição para o meio ambiente 126 Quadro 14 - Opiniões sobre a forma de pagamento na Associação 131 Quadro 15 - Condição de vida após a entrada na associação 134 LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS ABETRE Associação Brasileira das Empresas de Tratamento de Resíduos Sólidos e Efluentes ABRELPE Associação Brasileira de Empresas de Limpeza Pública e Resíduos Especiais AC Abordagem das Capacitações ACMR Associações de Catadores de Materiais Recicláveis - ASCANOVI Associação de Catadores Nova Vida ASMARE Associação dos Catadores de Papel, Papelão e Materiais Recicláveis CMR Catadores de Material Reciclável CMRR Centro Mineiro de Referência em Resíduos COOPAMARE Cooperativa de Catadores Autônomos de Papel, Papelão, Aparas e Materiais Reaproveitáveis FEAM Fundação Estadual do Meio Ambiente FIP Fundação Israel Pinheiro GIRS Gestão Integrada de Resíduos Sólidos IDH Índice de Desenvolvimento humano MDR Ministério do Desenvolvimento Regional MMA Ministério do Meio Ambiente MNCR Movimento Nacional dos Catadores de Recicláveis ONGs Organizações não Governamentais PERS Plano Estadual de Resíduos Sólidos PGIRS Plano de Gestão Integrada de Resíduos Sólidos PIRS Plano Integrado de Resíduos Sólidos PMRS A política municipal de resíduos sólidos PNRS Política Nacional de Resíduos Sólidos PNUD Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento RSU Resíduos Sólidos Urbanos SEMAD Secretaria de Estado de Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável SLU Superintendência de Limpeza Urbana SNIS Sistema Nacional de Informações sobre Saneamento UFLA Universidade Federal de Lavras UFV Universidade Federal de Viçosa SUMÁRIO 1 INTRODUÇÃO 15 2 O DESENVOLVIMENTO DAS ASSOCIAÇÕES DE CATADORES DE MATERIAIS RECICLÁVEIS NO BRASIL 19 2.1 Aspectos relacionados ao surgimento de associações de catadores de materiais recicláveis no Brasil 19 3 AS POLÍTICAS PÚBLICAS BRASILEIRAS DIRECIONADAS AOS RESÍDUOS SÓLIDOS E AO FORTALECIMENTO DAS ASSOCIAÇÕES 35 3.1 A Política Nacional de Resíduos Sólidos – PNRS 35 3.1.1 A Política Nacional de Resíduos Sólidos no Estado de Minas Gerais 42 3.1.2 A política municipal de resíduos sólidos – PMRS 46 3.2 As políticas públicas e a legislação no contexto das associações de catadores de materiais 50 4 ABORDAGENS TEÓRICO-CONCEITUAIS SOBRE DESENVOLVIMENTO E DESENVOLVIMENTO HUMANO 57 4.1 Abordagens teórico-conceituais para o termo desenvolvimento 58 4.2 Abordagens teórico-conceituais para o desenvolvimento humano 65 5 PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS 82 5.1 Caracterização da pesquisa 82 5.2 Universo da pesquisa 85 5.3 Coleta dos dados 87 6 ANÁLISE E DISCUSSÃO DOS RESULTADOS 92 6.1 Perfil dos catadores entrevistados 92 6.2 Percepções sobre a educação 98 6.3 Os Cuidados com a saúde dos catadores 101 6.4 As Relações Sociais entre os Catadores e a ASCANOVI 111 6.5 Participação Política junto à Associação e ao Poder Público 116 6.6 As Contribuições Ambientais dos Catadores 123 6.7 A Geração de Trabalho e Renda dos Catadores Associados 128 7 CONSIDERAÇÕES FINAIS 136 REFERÊNCIAS 141 APÊNDICES 153 APÊNDICE A - Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE) 154 APÊNDICE B - Roteiro das entrevistas com os catadores 157 APÊNDICE C - Roteiro de entrevista para a ASCANOVI 159 APÊNDICE D - Roteiro de entrevista com o gestor público 163 ANEXOS 164 ANEXO A - Lei nº 7.478 Incentivo financeiro aos Catadores 165 ANEXO B - Parecer Consubstanciado do CEP 167 1 INTRODUÇÃO Conforme um estudo realizado pela Associação Brasileira das Empresas de Tratamento de Resíduos Sólidos e Efluentes (Abetre), no Brasil, aproximadamente 60% dos municípios ainda fazem uso de lixões (SNIS,2019). Algumas cidades já utilizam os aterros sanitários; no entanto, sete em cada dez locais destinados aos resíduos são lixões, ou seja, os materiais ficam expostos ao ar livre. Estima-se que, por ano, cerca de setenta milhões de toneladas de resíduos sólidos urbanos (RSU) são alocados nesses locais, dos quais, aproximadamente, 78% são materiais orgânicos e secos; o restante, 22%, são rejeitos e outros (ABETRE, texto digital). Como consequência do volume de produção de resíduos sólidos, cria-se uma dificuldade enfrentada pelos municípios com relação à correta destinação desses materiais e as possibilidades de um manejo mais adequado, que possa ser utilizado de maneira responsável e que ajude na preservação do meio ambiente. Para tentar resolver esse problema, foi criada, pela lei federal nº 12.305/2010, a Política Nacional de Resíduos Sólidos (PNRS), que define as diretrizes que devem ser adotadas pelos “Estados, Distrito Federal, Municípios ou particulares, com vistas à gestão integrada e ao gerenciamento ambientalmente adequado dos resíduos sólidos” (BRASIL, 2010). No Art. 7º, com relação aos objetivos da PNRS, a Lei 12.305/2010 cita, nos incisos VI e XII, o incentivo à indústria da reciclagem, no INC. VI, e a integração dos catadores de materiais recicláveis, no INC. XII: “VI - incentivo à indústria da reciclagem, tendo em vista fomentar o uso de matérias-primas e insumos derivados de materiais recicláveis e reciclados” (BRASIL, 2010); “XII - integração dos catadores de materiais reutilizáveis e recicláveis nas ações que envolvam a responsabilidade compartilhada pelo ciclo de vida dos produtos” (BRASIL, 2010). A partir dessa Lei, o poder público passou a direcionar maior atenção a essas pessoas que trabalham com materiais reutilizáveis e recicláveis. Conforme estimativa do Movimento Nacional dos Catadores de Recicláveis (MNCR), existem aproximadamente 800 mil pessoas, entre homens e mulheres, trabalhando na atividade de catador de material reciclável no país. Desse total, cerca de 70% são do gênero feminino, que são responsáveis por 90% de todo o material reciclado no Brasil (MNCR, 2020, texto digital). Nesse cenário, surgem as associações e cooperativas de catadores de materiais recicláveis, que trabalham no processo de coleta desses materiais, executando a separação e o beneficiamento dos resíduos, com possibilidade de reutilização e reciclagem. Optou-se por realizar a pesquisa em uma associação, porque, no município não, existe uma cooperativa que trabalhe com recolhimento de materiais para a reciclagem. Desse modo, esta tese apresenta a seguinte questão: Como a adesão dos catadores de recicláveis a uma associação proporciona melhorias nas condições de vida, promovendo o desenvolvimento humano? Segundo dados do Censo realizado em 2010 (IBGE, 2021, texto digital), no Brasil, 398.348 pessoas se declararam como “Coletores de lixo”. Desse total, 56,93% informaram que eram “Coletores de lixo e de material reciclável”, o que corresponde a 226.795 pessoas. Para complementar, 164.168 pessoas nomearam-se “Classificadores de resíduos” e 7.385, como “Varredores e afins”. Não é possível mensurar a quantidade de catadores de materiais recicláveis na cidade, devido à dificuldade de localização da moradia, pelo fato de alguns deles não se fixarem na cidade, ou seja, permanecem um tempo e depois mudam para outra cidade. O fluxo de entrada e saída dessas pessoas no município é incerto. Dessa forma, são considerados apenas os catadores associados à Associação de Catadores Nova Vida (ASCANOVI). Muitos catadores de material reciclável (CMR) trabalham de forma autônoma, na região urbana, mas existem alguns que preferem fazer o recolhimento dos materiais, em áreas destinadas ao acolhimento de materiais passíveis de reciclagem, ou não, oriundos de lixos residenciais e de descartes das empresas, que são os aterros sanitários e os lixões, que geram problemas sociais e ambientais. Um desses problemas está relacionado com as pessoas que trabalham em locais destinados aos resíduos sólidos, seja pela falta de equipamentos de segurança, seja pelos riscos de contaminação de doenças ou acidentes, durante a atividade. Esses aterros sanitários, ou são lugares determinados pelo poder público para a alocação do lixo urbano, onde o solo é impermeabilizado para evitar a contaminação do lençol freático, ou são “Lixões”, onde os resíduos sólidos são depositados a céu aberto, correndo risco de contaminar o lençol freático, por causa da falta de proteção no terreno. Os catadores e catadoras de material reciclável retiram desses locais o seu sustento e o de sua família, com a venda dos materiais que podem ser comercializados para a reciclagem. Os CMR, inseridos no cenário das cidades brasileiras há algum tempo, são passíveis de preconceitos, apesar da sua contribuição, em benefício da sociedade e do meio ambiente. Para enfrentar essa realidade, muitas pessoas procuram organizar-se, de modo estratégico, em associações, para, através de ações coletivas, poderem juntar forças em busca de melhorias para a situação de falta de recursos e de acesso à saúde, à educação, à assistência social e psicológica, à participação na política e aos recursos financeiros, o que acaba sendo um limitador na vida deles. Dessa forma, o objetivo geral desta tese é analisar como a participação dos catadores de recicláveis numa associação proporcionou melhorias nas suas condições de vida, promovendo o desenvolvimento humano. Quanto à distribuição espacial desses catadores, conforme o Censo 2010, essas pessoas residem em 4.961 municípios no país, ou seja, eles estão presentes em 89% das cidades. Em termos de regiões, as duas que concentram maior índice de catadores são: a região Sudeste, com 42% das pessoas que se declaram nessa condição; e a região Nordeste, com 30% (IBGE, 2021, texto digital). Numa comparação por 100 mil habitantes, a região Nordeste fica na primeira posição, com 572 catadores, enquanto, no Brasil, o resultado corresponde a 461 catadores para um grupo de 100 mil habitantes. Os objetivos específicos desta tese são os seguintes: 1) Realizar um diagnóstico descritivo da associação; 2) Traçar um perfil dos catadores da associação; 3) Identificar as políticas públicas de apoio aos catadores e às associações, com ênfase no Plano Nacional de Resíduos Sólidos; 4) Identificar e analisar melhorias na vida dos catadores, em relação a impactos na educação, na saúde, nas liberdades políticas, na renda e em questões ambientais, incentivadas pela associação. Este estudo busca contribuir com o debate sobre as práticas que podem ajudar a resolver problemas sociais e ambientais, que vêm se acumulando ao longo dos anos, e ajudar na discussão sobre ações de políticas públicas e impactos sociais, que podem ser abordados para a compreensão e a melhoria do desenvolvimento humano de um grupo de catadores de materiais recicláveis. Nesse sentido, como hipóteses, preveem-se duas situações, quais sejam: As associações de catadores de material reciclável possibilitam gerar melhorias no desenvolvimento humano (educação, saúde, liberdades políticas, renda e questões ambientais), uma mudança social para os associados e maior integração com a sociedade. Como segunda hipótese: A implantação de políticas públicas como a política Nacional de Resíduos Sólidos facilita a atuação das associações de catadores de materiais recicláveis, gerando desenvolvimento humano. A proposta desta tese alinha-se com o Programa de Pós-graduação, stricto sensu, Ambiente e Desenvolvimento da UNIVATES, o PPGAD, cujo objetivo é trabalhar na busca de soluções de problemas relacionados com a área ambiental. Assim, considerando as linhas disponíveis no programa, essa tese está em conformidade com a linha de pesquisa Espaço e Problemas Socioambientais, que estuda, entre outros assuntos, o desenvolvimento, as formas produtivas de organização, aspectos relativos a políticas públicas, saúde, sustentabilidade, etc.; por isso, o desenvolvimento humano dos catadores pode ser melhor compreendido com as propostas interdisciplinares que o curso oferece. A organização desta tese está distribuída em sete capítulos. A introdução apresenta o tema, o problema, os objetivos, geral e específicos. No capítulo seguinte, contextualiza-se o desenvolvimento das associações de catadores no Brasil. No capítulo três, são abordadas as políticas públicas direcionadas aos resíduos sólidos e às associações. No quarto capítulo, trata-se dos conceitos de desenvolvimento e de desenvolvimento sustentável, utilizados nesta tese. Nos capítulos cinco e seis, estão descritos, respectivamente, os procedimentos metodológicos e a análise e a discussão dos resultados. Por fim, no último capítulo, as considerações finais, com o fechamento da tese defendida. 2 -O DESENVOLVIMENTO DAS ASSOCIAÇÕES DE CATADORES DE MATERIAIS RECICLÁVEIS NO BRASIL Esse capítulo aborda o surgimento das associações de catadores de materiais recicláveis no país, a fim de compreender como algumas pessoas formaram associações ou cooperativas, para resgatar sua cidadania e superar as dificuldades, em busca de uma vida melhor. As associações de catadores de recicláveis contribuem para a diminuição do lixo acumulado nas cidades e transformam esse material descartado em recursos, que são comercializados, o que gera renda e contribui para a preservação do meio ambiente. Destaca-se a importância da participação do poder público, como agente de mudança, e o apoio da iniciativa privada, com parcerias e incentivos econômicos, fiscais ou sociais, para incentivar uma maior contribuição desses agentes. 2.1 Aspectos relacionados ao surgimento de associações de catadores de materiais recicláveis no Brasil As Associações de Catadores de Materiais Recicláveis (ACMR) são entidades voltadas ao fortalecimento e à valorização do trabalho realizado pelos catadores de materiais recicláveis, com a finalidade de resguardar a atuação desses trabalhadores e oportunizar o crescimento econômico (FONTÃO; OLIVEIRA, 2020). As ACMR, de acordo com Fontão e Oliveira (2020), são constituídas a partir de um mesmo propósito e desenvolvidas mediante esforços coletivos, em favor da realização dos sonhos, desejos e esperanças dos que atuam nesse segmento de trabalho. Assim, o público-alvo principal das associações ou cooperativas de catadores de materiais recicláveis são os próprios trabalhadores, sobretudo, os que atuam nas atividades iniciais de reciclagem, ou seja, a coleta dos materiais (catação), incluindo diferentes grupos de pessoas ou famílias que atuam nas ruas, nos aterros e nos lixões, em inúmeros municípios brasileiros (FUZZI; LEAL, 2018). Essas ACMR, portanto, foram criadas com a finalidade de legitimar o trabalho realizado e garantir direitos a esses trabalhadores, a fim de eliminar a exclusão social existente no mundo, principalmente, em função do trabalho informal (BARBOSA; REIS, 2021). Além disso, as ACMR assumem compromissos similares a outras organizações. Oliveira, Luna e Campos (2019) concordam com essa afirmação e mencionam que as associações e as demais entidades compromissadas com a preservação ambiental atuam, facilitando a logística reversa, ao aumentarem os esforços na direção da reciclagem, ao reduzirem os resíduos urbanos e ao apresentarem novos modelos de negócios. Com efeito, ao garantirem a oferta adequada de emprego, as ACMR contribuem para a melhoria da qualidade de vida da sociedade contemporânea (OLIVEIRA; LUNA; CAMPOS, 2019). Nesse contexto, as associações surgem como alternativa de melhoria da qualidade de vida dos catadores de materiais, mediante a oferta de condições adequadas de trabalho e a garantia de direitos trabalhistas, cujo propósito principal é eliminar a desigualdade social e desmistificar a ideia de inferioridade atribuída ao trabalho de catação de materiais (CASTRO; LISBOA; SOUZA, 2021). De acordo com Agostini e Busato (2021), as ACMR se propõem a valorizar o trabalho dos catadores, oportunizando a geração de renda, a proteção dos recursos naturais, a educação ambiental e a inclusão social dos trabalhadores. O número de ACMR, tanto no Brasil quando no mundo, vem crescendo, em virtude do aumento do desemprego, das pessoas em situação de rua, além dos cidadãos que não encontram outra possibilidade de atuação que não seja a informalidade (AGOSTINI; BUSATO, 2021). Os dados do Panorama do Saneamento Básico no Brasil, referentes a 2021, relatados pelo Sistema Nacional de Informações sobre Saneamento - SNIS, informam que, no Brasil, em 2020, existiam 1.677 associações ou cooperativas de catadores de materiais recicláveis, que agregavam 35.670 catadores, distribuídos pelos 1.199 municípios que informaram os dados. Os números podem ser maiores, uma vez que, no Brasil, existem 5.570 municípios mais o Distrito Federal e o Distrito Estadual de Fernando de Noronha. Conforme Bastos (2021), existe, sim, essa ocorrência, ao enfatizar que o aumento vem ocorrendo de modo gradativo e se ampliou com a pandemia da Covid-191, tendo em vista as constantes perdas relativas ao acesso aos direitos sociais, o que aumentou a precarização das atividades desenvolvidas nos diversos setores informais, incluindo a catação de materiais. Do ponto de vista econômico e social, as ACMR se intensificaram mundo afora, nas últimas décadas do século XX, com o envolvimento de organizações não- governamentais, igrejas e demais instituições sociais, que passaram a valorizar o trabalho da reciclagem e o papel desempenhado pelas pessoas que trabalham na coleta, como os moradores de rua (SOUSA; PEREIRA; CALBINO, 2021). Em específico, no Brasil, de acordo com Fuzzi e Leal (2018), as primeiras associações surgiram na década de 1990, com presença marcante na região Sudeste, e se espalharam para as demais regiões do País. Diversos estudos publicados apresentam os motivos ou os aspectos que justificam o surgimento e o aumento das ACMR. Além de esses espaços inibirem a exclusão, refletem a situação econômica de boa parte da população, que vive em condições de vulnerabilidade social2, no que tange à saúde, à educação e às condições de vida e de trabalho (AGOSTINI; BUSATO, 2021). Também se configuram como ambientes de diálogo e de promoção da cidadania, por meio de iniciativas que combatem a desigualdade social, representada pelas diferenças de renda e de raças (BARBOSA; REIS, 2021). Conforme constatado no estudo de Bastos (2021), as ACMR foram influenciadas, no contexto brasileiro, pelo aumento populacional e pela elevação do 1 Doença infecciosa que se espalhou pelo mundo, causada pela disseminação do vírus SARS- CoV-2. 2 É um conceito multidimensional que se refere à condição de indivíduos ou grupos em situação de fragilidade, expostos a riscos e a níveis significativos de desagregação social (XIMENES, 2010). número de desempregados ou de pessoas vivendo na informalidade. O desemprego, no Brasil, de acordo com o mesmo autor, aumentou nos últimos anos, pois os trabalhadores recorrem a trabalhos informais como a única fonte de sustento. Para Bastos (2021), associado ao desemprego, o trabalho da catação se intensificou com o acúmulo do lixo nas grandes cidades e a necessidade de reciclá-lo, por meio da aplicação de técnicas de aproveitamento dos materiais. Com efeito, o panorama numérico coloca o País no topo das estatísticas, quanto ao número de pessoas envolvidas com a catação. O estudo de Zolnikov et al. (2018) constatou que existem aproximadamente 15 milhões de pessoas envolvidas em atividades de coleta ou de reciclagem de resíduos no mundo, dos quais, 229.568 pertencem ao Brasil, comportando todos os tipos de catadores. No Brasil, existiam, em 2020, entre associações e cooperativas de catadores identificadas, 1850 organizações, distribuídas nas cinco regiões do território brasileiro, com uma estimativa de coleta de resíduos sólidos de algo em torno de 943 mil toneladas no ano de 2020, com um faturamento de aproximadamente R$784,5 milhões, no mesmo período (ANCAT, 2021, texto digital). Conforme dados do MNCR (2020, texto digital), alguns ambientes de coleta e de comercialização são informais, ou seja, as pessoas exercem trabalho intensivo, sem regulamentação e registro, recebem salários ínfimos e trabalham em ambientes altamente perigosos. Embora o governo brasileiro tenha fechado alguns ambientes como os lixões, o despejo a céu aberto, o pior tipo de disposição de resíduos ainda ocorre em cerca da metade do País. Ainda, em quase todas as regiões, há indivíduos que trabalham como catadores de recicláveis (ZOLNIKOV et al., 2018). No entendimento de Fuzzi (2016), o processo de reestruturação produtivo do capital, com base na globalização das economias, foi responsável por inúmeras transformações no âmbito do trabalho, com consequências drásticas para diversos segmentos de atuação, o que promoveu duas ocorrências: o aumento do desemprego e o trabalho informal. Esses impactos negativos modificaram a vida dos que permaneceram na condição de desempregados ou excluídos do mercado formal de trabalho, mediante a realização de atividades informais, com o objetivo de garantir a sua subsistência e a de seus familiares. Entre essas atividades informais, destaca-se o trabalho como catador de materiais recicláveis, realizado, na grande maioria das vezes, nas ruas, nos aterros e nos lixões (FUZZI, 2016). Assim como Bastos (2021), Zolnikov et al. (2018) e Fuzzi (2016) identificaram vários fatores ou aspectos que influenciam o aumento do trabalho com a catação e, por conseguinte, o surgimento, a valorização e o desenvolvimento das ACMR. O estudo de Cândido Soulé e de Sacomano Neto (2019) também encontrou resultados semelhantes, com destaque para os seguintes fatores: crescimento da produção de resíduos urbanos e a conscientização acerca de práticas de sustentabilidade e de reciclagem. A partir desses quatro estudos, é possível distribuir os aspectos que interferiram no nascimento das associações, em quatro grandes grupos, conforme apresentado e explicado no quadro abaixo. Quadro 1 - Aspectos ou fatores que influenciam o surgimento de associações de catadores: Aspecto influenciador Breve descrição Aumento da população em situação de rua É uma ocorrência associada ao crescimento populacional urbano, provocado pelas constantes práticas de êxodo rural e, por conseguinte, o aumento do desemprego. A população não encontra outra solução, senão recorrer ao trabalho informal e submeter-se a condições precárias de sobrevivência. Desemprego É um aspecto que cresceu bastante, nas últimas décadas, tendo em vista os efeitos da globalização e da competitividade do mercado, que exige trabalhadores mais especializados. Além disso, o desemprego ocorre, na maioria das vezes, em função da grande quantidade de pessoas que buscam postos de trabalho, além de outros impactos advindos de crises econômicas, que desencadeiam o aumento da procura por emprego e a redução da oferta de postos de trabalho. Crescimento da quantidade de resíduos urbanos Nas últimas décadas, com o crescimento das cidades e o aumento populacional, a quantidade de lixo produzida pela população urbana aumentou consideravelmente. Os resíduos produzidos envolvem os de natureza orgânica e industrializada. O consumo de produtos industrializados, sobretudo, gera uma quantidade expressiva de lixo, oriundo de embalagens, rótulos, entre outros elementos que intensificam a quantidade de lixo acumulada nas cidades. Práticas de sustentabilidade Há um esforço coletivo da agenda mundial em prol da sustentabilidade ambiental, sendo o lixo urbano um dos maiores problemas que prejudicam a vida urbana, ocasionando a proliferação de doenças, enchentes, dificuldade de locomoção, dentre outros. Com essa ideia, o Brasil adota práticas de sustentabilidade, que são incentivadas por meio de políticas públicas, Aspecto influenciador Breve descrição incentivando organizações, sociedade civil e população em geral, acerca da importância da reciclagem do lixo urbano e de sua destinação adequada, de modo a promover a limpeza do espaço urbano e o reaproveitamento dos resíduos. Fonte: Adaptado de Bastos (2021), Cândido, Soulé e Sacomano Neto (2019), Fuzzi (2016) e Zolnikov et al. (2018). Analisando e confrontando os aspectos explicitados no Quadro 1, nota-se que eles se complementam, no sentido de interferir, de algum modo, no processo de catação, de reciclagem e na criação das ACMR, no Brasil. Essas correlações são justificadas a partir do modelo de funcionamento de uma associação, o Modelo de Gestão Integrada de Resíduos Sólidos (GIRS), definido como um plano integrado que indica tecnicamente a infraestrutura e o funcionamento da associação, contemplando, sobretudo, as interações sociais e a comunicação, integrando-as às questões técnicas, sociais, econômicas e políticas (FERREIRA; MELO; PADILHA, 2021). Assim, as associações surgiram a partir de um conjunto de fatores que resultaram da necessidade de legalizar o trabalho de catação, com intensa participação da comunidade trabalhadora, na gestão dessas entidades (FERREIRA; MELO; PADILHA, 2021). Na cidade de Belo Horizonte, por exemplo, conforme dados de Ferreira; Melo; Padilha (2021), as associações contribuem para melhorar as condições de trabalho e, ao mesmo tempo, participam do plano municipal de gestão dos resíduos, de modo a potencializar a preservação do espaço urbano. No que se refere ao aumento da população em situação de rua, ressalta-se que a catação de materiais recicláveis é um tipo de trabalho informal que envolve pessoas que buscam resíduos descartados, porém, os depósitos ou locais de comercialização, na maioria dos casos, não atuam como organizações, no sentido de cumprir os direitos dos trabalhadores que coletam os materiais (SOUSA; PEREIRA; CALBINO, 2021). Os autores mencionam que tais trabalhadores são representados, na maioria das vezes, por pessoas em situação de rua. Na visão de Fontão e Oliveira (2020), a facilidade de vincular-se informalmente a esses locais para prestar atividades de coleta tem levado trabalhadores desempregados ou pessoas em situação de rua a atuarem na coleta de materiais, aumentando assim a atuação e o papel desempenhados pelas ACMR. Quanto ao desemprego, o Brasil vem registrando um número crescente de desempregados, nos últimos anos. Muitos postos de trabalho formais foram perdidos com os impactos econômicos provocados pela Covid-19. Nesse sentido, Bastos (2021) e Fuzzi e Leal (2018) destacam que essa realidade leva a buscar o trabalho informal, pois muitos trabalhadores não se caracterizam como população de rua. Esses indivíduos recorrem à catação, tendo em vista a facilidade de vinculação, bem como a alta demanda deste tipo de trabalho, sobretudo, nas últimas décadas, com o aumento da quantidade de resíduos urbanos e com a disseminação de práticas de sustentabilidade voltadas ao controle do lixo urbano. Nesse contexto, destacam-se outros aspectos ou fatores que influenciam o crescimento do mercado da catação: o surgimento, a valorização e o desenvolvimento das ACMR e o aumento da produção de resíduos. Castro, Lisboa e Souza (2021), ao investigarem o aumento dos resíduos nos centros urbanos, descobriram que há relações entre o aumento e a criação das políticas públicas e mencionam o papel desempenhado pelas ACMR. No citado estudo, foi confirmado que as associações, ao gerenciarem a produção dos resíduos, oportunizaram o desenvolvimento sustentável, com a finalidade de melhorar não apenas a gestão dos resíduos no Brasil, mas também mudanças de hábitos da população e de seus governantes. Nesse contexto, surge outro fator interferente na criação das ACMR: as práticas de sustentabilidade, as quais têm sido consideradas como ações estratégicas para a competitividade organizacional. Na visão de Cândido, Soulé e Sacomano Neto (2019), uma das medidas adotadas para a preservação ambiental da zona urbana é a adoção de práticas sustentáveis, mediante campanhas de conscientização que mudem o comportamento das pessoas e estimulem o envolvimento das organizações com a causa ambiental. As práticas de sustentabilidade, uma temática em voga no século XXI, compõem assuntos debatidos na Agenda 2030, da Organização das Nações Unidas (ONU), visando à constituição de uma sociedade mundial humanizada e preservada, para as próximas gerações. As ACMR, no entender de Lahmann et al. (2021), exercem relação indissociável com a sustentabilidade, nos planos econômico, ambiental e social. No plano econômico, o trabalho da associação possibilita a reutilização de muitos materiais como matéria-prima. Já no ambiental, a entidade tenta diminuir a quantidade de resíduos depositados na natureza. Por fim, no plano social, a associação proporciona a um grupo que convive com a desigualdade econômica, uma forma de garantir a subsistência, a partir do trabalho desenvolvido. Com o aumento da população de rua e do desemprego, aliado ao crescimento dos resíduos produzidos nas cidades e das práticas de sustentabilidade, a catação de materiais vem ganhando espaço na sociedade brasileira. O problema que permeia esse contexto de trabalho é a precariedade a que ele está submetido, visto que boa parte dos trabalhadores não encontra ocupação no mercado formal, seja pela baixa escolaridade, pela idade avançada, seja por outras condições sociais (FRIZON et al., 2021). Frizon et al. (2021) mencionam que, no Brasil, o catador de materiais é caracterizado como vendedor ambulante, sendo, portanto, um trabalho informal. No entanto, com o aumento dessa atividade em todas as grandes cidades brasileiras, a partir da década de 1980, os próprios trabalhadores sentiram a necessidade de exigir melhores condições de trabalho, além da garantia de direitos trabalhistas. Para resolver esse problema, os trabalhadores passaram a organizar-se em cooperativas ou associações, em busca de reconhecimento dessa atividade como profissão (FRIZON et al., 2021). Conforme relatado por Frizon et al. (2021), a década de 1990 é marcada por vários movimentos de catadores, na tentativa de garantir a oficialização da categoria profissional. Cavalcante et al. (2018) atestam que os movimentos alcançaram resultados positivos, embora a trajetória histórica desse segmento profissional tenha sido marcada pela humilhação, pela invisibilidade, pela exclusão social, pela baixa autoestima e pela vergonha. Em linhas gerais, esses movimentos constituem fatores ou aspectos que interferiram na criação das ACMR. A partir dos estudos de Cavalcante et al. (2018) e de Frizon et al. (2021), é possível elencar os principais movimentos dos catadores que contribuíram para o surgimento e o fortalecimento das associações, tais como: ⮚ I Congresso Nacional de Catadores de Materiais Recicláveis: realizado no ano de 2001, em Brasília. O evento foi o primeiro movimento, em nível nacional, realizado no Brasil, convergindo para outros encontros realizados localmente, como o Encontro dos Catadores de Papel, com a intenção de regularizar a profissão do catador de materiais e potencializar outras garantias. Neste Congresso, foi lançado o Movimento Nacional dos Catadores de Materiais Recicláveis (MNCR) (FRIZON et al., 2021; MOVIMENTO NACIONAL DOS CATADORES, 2022). ⮚ I Marcha da População de Rua: também realizada em Brasília, em 2006. Os catadores exigiram a criação de postos de trabalho em cooperativas e associações, sendo essas as bases orgânicas do movimento (FRIZON et al., 2021; MOVIMENTO NACIONAL DOS CATADORES, 2022). ⮚ Movimento Nacional dos Catadores de Materiais Recicláveis (MNCR): esse movimento foi lançado como produto do I Congresso, ocorrido em 2001, também em Brasília. No Congresso, foi lançada a Carta de Brasília, documento que expressa as necessidades do povo que sobrevive da coleta de materiais recicláveis. O Movimento foi instituído como forma de resistência para a garantia de direitos dos trabalhadores (CAVALCANTE et al., 2018; MOVIMENTO NACIONAL DOS CATADORES, 2022). ⮚ Fórum Nacional de Lixo e Cidadania: ocorreu em 1998, reunindo instituições nacionais e internacionais, na tentativa de propor melhores condições de trabalho e de vida para as famílias que vivem do trabalho da catação de materiais. Dentre os principais objetivos do evento, citam-se: erradicar o trabalho infantil no lixo, a inclusão dos catadores como parceiros na coleta seletiva e erradicar os lixões para aprimoramento da gestão de resíduos (CAVALCANTE et al., 2018; MOVIMENTO NACIONAL DOS CATADORES, 2022). A partir da realização desses eventos, as associações foram se fortalecendo no Brasil, sobretudo, no Governo Lula (2003 a 2011). Nesse Governo, segundo Trindade (2020), foram implementados programas e ações de apoio à formação de organizações produtivas de catadores, bem como ocorreu a inclusão do tema na agenda governamental dos municípios. Assim, de acordo com a autora, a responsabilidade foi estendida aos municípios com a intenção de instituir um modelo de desenvolvimento que visava ao crescimento econômico com distribuição de renda, como forma de combate à pobreza. Destaca-se que os movimentos dos catadores de materiais, no decorrer das décadas de 1990 e 2000, foram estimulantes para ampliar o número de ACMR, em diversas cidades brasileiras, embora as primeiras associações tivessem sido implementadas na década de 1970. Trindade (2020) relata que a primeira associação que surgiu no Brasil foi a Associação de Catadores de Material de Porto Alegre, fundada em 1970. Nos anos seguintes, segundo essa autora, foram implementadas a Cooperativa de Catadores Autônomos de Papel, Papelão, Aparas e Materiais Reaproveitáveis (COOPAMARE), na cidade de São Paulo, e a Associação dos Catadores de Papel, Papelão e Material Reaproveitável de Belo Horizonte - ASMARE, situada na capital mineira. No final da segunda década do século XXI, é cada vez mais comum, em todas as grandes cidades brasileiras, a vinculação dos catadores a cooperativas ou associações, cujos profissionais registrados representam 10% da categoria no Brasil. A estimativa é que, no Brasil, haja mais de 1.000 (Um mil) cooperativas e ACMR. Essas entidades estão devidamente registradas e em funcionamento. As cidades com maior número de associações são: São Paulo, Rio de Janeiro e Porto Alegre (TRINDADE, 2020). O trabalho de Fuzzi (2016) já havia sinalizado que o número de associações é reflexo da globalização, que aumentou o número de pessoas que recorrem à catação como única forma de sustento, apesar da precariedade do trabalho. Os resultados desse estudo identificaram que, após a década de 1990, começaram a ser formados os primeiros empreendimentos econômicos solidários de cooperativas e de ACMR. A pesquisa de Fuzzi (2016) também descobriu que o trabalho das cooperativas vem ganhando destaque e se aprimorando. O objetivo principal desses estabelecimentos é melhorar e legalizar as condições de trabalho dos catadores de materiais recicláveis. A citada pesquisa menciona a existência da formação das redes de associações, ou seja, as entidades se organizam em redes, com o intuito de promover o desenvolvimento econômico e social de seus empreendimentos e de seus cooperados e associados. As redes de associações constituem parcerias formadas entre as entidades, para que o trabalho seja compartilhado com benefícios recíprocos para as instituições cooperantes. As associações se vinculam às redes no sentido de compartilharem recursos, trocarem informações e estimularem a participação coletiva. Ao se vincularem às redes, as associações compreendem melhor os contextos em que estão inseridas, como o nível de desenvolvimento da cadeia regional de reciclagem, o avanço de políticas para os catadores e catadoras, as estruturas de participação social, entre outros resultados (CAMPOS; TEIXEIRA, 2021). Quanto ao aprimoramento das atividades realizadas pelas associações, cita- se, como exemplo, além da formação das redes de associações, o uso de tecnologias sociais para a gestão de resíduos sólidos. O estudo de Castro, Lisboa e Souza (2021), realizado na Amazônia, caracterizou essas tecnologias como a estratégia de adotar inovações nos processos de trabalho, com intensa participação dos indivíduos locais, nas diferentes etapas de sua implantação, tendo por finalidade a inclusão socioambiental que esses artefatos se propõem a resolver. Assim, a criação das tecnologias sociais é outro fator ou aspecto que influencia o trabalho das associações, no sentido de promover a adequada gestão dos resíduos sólidos, conforme reza o texto da Política Nacional de Resíduos Sólidos (PNRS3). Tais tecnologias, na visão de Castro, Lisboa e Souza (2021), constituem o movimento de ambiência social, que ganhou força e está avançando, com o objetivo de proporcionar às pessoas mais necessitadas, a melhoria da sua qualidade de vida, por meio do desenvolvimento tecnológico. Ao utilizar essas tecnologias, as associações adquirem os seguintes benefícios: a formalização do trabalho; a otimização dos processos de coleta e reciclagem; a implantação/ampliação da coleta seletiva; a correta destinação dos resíduos; a melhoria da qualidade de vida e um significativo aumento da renda dos cooperados (CASTRO; LISBOA; SOUZA, 2021). De fato, percebe-se que diversos aspectos interferiram na criação das ACMR, envolvendo fatores socioeconômicos, relativos ao desemprego, ao aumento populacional, ao aumento da produção de resíduos e a ações sustentáveis, além da ocorrência de diversos eventos para debater o tema (CAVALCANTE et al., 2018; FRIZON et al., 2021). Ademais, mais recentemente, o avanço tecnológico tem facilitado o trabalho das associações, as quais se vinculam em redes, a fim de realizar um trabalho colaborativo (CAMPOS; TEIXEIRA, 2021; CASTRO; LISBOA; SOUZA, 2021). Em linhas gerais, dentre os vários aspectos mencionados, os resultados mais promissores foram: a criação das ACMR, a institucionalização da categoria profissional e a criação de leis e de políticas voltadas ao trabalho da catação (CAVALCANTE et al., 2018; FRIZON et al., 2021). Desses resultados, Cavalcante et al. (2018) reforçam a importância das leis e das políticas implementadas, tais como o Decreto nº 5.940/2006, que institucionalizou o repasse dos materiais recicláveis das instituições públicas aos catadores de materiais recicláveis, a PNRS, de 2010, e o Programa Pró-Catador, também de 2010. 3 Criada pela Lei Federal nº12.305/2010, assunto abordado em outro capítulo. As legislações que regem o trabalho do catador de materiais e as políticas instituídas no Brasil em prol dessa categoria profissional apresentam disposições acerca da organização dos trabalhadores em associações, para que a entidade possa ser reconhecida e realize formalmente suas atividades. Esses documentos resguardam o trabalho das associações, no sentido de garantirem aos associados assessoria técnica e jurídica, a realização de assembleias de constituição e o registro em cartório dos seus estatutos (FONTÃO; OLIVEIRA, 2020). Os indicativos de desemprego em alguns países, principalmente nos emergentes como o Brasil, têm agravado a condição de quem perdeu espaço no mercado de trabalho e daqueles que nele não conseguiram entrar (ROCHA et al., 2004). No Brasil, a taxa de desempregados no 3º trimestre de 2020 chegou a 14,1 milhões de pessoas, representando um percentual de 13,1% da população (IBGE, 2021, texto digital). No Brasil, pode-se afirmar que a coleta seletiva de materiais reciclados é caracterizada por um apelo social, marcado pela desigualdade econômica dos catadores (BESEN, 2011), que já fazem parte do cotidiano das cidades, recolhendo, principalmente, materiais que podem ser reciclados, como alumínio, papel e papelão, plásticos, entre outros, com valor econômico (FRANÇA LIMA, 2008, p. 4). Esses materiais recolhidos das ruas eram comercializados por intermediários que os revendiam para as indústrias interessadas. O movimento de pessoas cuja renda exclusiva provinha do trabalho de recolhimento desses materiais começou por volta dos anos de 1950, conforme o Movimento Nacional dos Catadores de Materiais Recicláveis (MNCR) (MNCR, 2012). Em meados da década de 1980, a quantidade de pessoas que fazia esse tipo de serviço, o recolhimento de materiais recicláveis, começou a aumentar nos grandes centros, principalmente, em capitais como São Paulo – SP e Belo Horizonte – MG. Assim, a criação da Associação dos Catadores de Papel, Papelão e Materiais Recicláveis (ASMARE) tornou-se uma cooperativa de grande porte no país, (FRANÇA LIMA, 2008, p.5), realizando um trabalho social de acolhimento de ex-moradores de rua e de pessoas encaminhadas pela Justiça para o cumprimento de penas (GONÇALVES, OLIVEIRA e SILVA, 2008). Em 2019, conforme a estimativa do MNCR, “existiam cerca de 800 mil catadores e catadoras em atividade no país” (MNCR, 2020, texto digital). Esses catadores são “responsáveis pela coleta de 90% de tudo que é reciclado hoje no Brasil” (MNCR, 2020, texto digital). Algumas associações emergem da “organização de trabalhadores no sentido de resgatar, por meio do trabalho, a sua dimensão humana e a conquista da cidadania (ROCHA et al., 2004, p. 2). O MNCR, considerado o maior movimento social de atuação junto aos recicladores no mundo, é uma entidade que representa a categoria (recicladores), integrando as cinco regiões do país (BESEN, 2012, p. 390). Mobilizou-se durante a tramitação do Projeto de Lei (PL 203/91), que deu origem à Lei Federal 12.305/2010, que trata da Política Nacional de Resíduos Sólidos – PNRS (BRASIL, 2010), buscando sempre o caráter social e a valorização dos trabalhadores, bem como o cuidado com os impactos ambientais (MNCR, 2012, p. 416). O desafio do MNCR e de outras associações e cooperativas é conseguir agregar os catadores não registrados, que trabalham sem segurança, em condições desfavoráveis, sem o apoio do setor público (BESEN, 2012, p. 393). Antes da criação de associações e cooperativas, os catadores de materiais recicláveis eram tratados como marginalizados pela população, principalmente, pelo poder público, que não reconhecia a importância social e ambiental do trabalho desenvolvido por essas pessoas, chegando ao ponto de usar a força policial para retirá-los de algumas áreas da região central das cidades (KEMP, 2008). Os catadores começaram a perceber que a saída da rua em busca de um trabalho digno, que pudesse fornecer condições para uma vida melhor, somente seria possível com a parceria do poder público e de outras organizações da sociedade civil (OSC) (TORRES, 2008). Na década de 1970, deu-se início à organização dos catadores, com o apoio da Igreja Católica, através das pastorais de atendimento e de apoio aos mais necessitados. Nos anos de 1990, os catadores passaram a receber maior atenção do poder público e de organizações do terceiro setor, com a intenção de relacionar as condições econômicas dessas pessoas com uma alternativa de trabalho sustentável, buscando a inclusão social (FREITAS, 2010). A participação em movimentos associativos forma uma identidade política, criando condições sociais com base na solidariedade, alinhada ao projeto de mudança nas relações de exploração e de opressão. Nessa perspectiva, modifica-se o pensamento individualista que existia antes da organização, o que somente é possível com a ajuda dos catadores que percebem a situação e se tornam mais conscientes, participando de Organizações não Governamentais (ONGs) com viés social, bem como, do poder público, para complementar as ações (BARROS; PINTO, 2008). O trabalho das ACMR é a coleta e o posterior beneficiamento de materiais com potencial para reciclagem, agregando valor à quantidade acumulada, com a separação por categorias, como, por exemplo: plástico, papel, alumínio, entre outros produtos, que podem ser prensados para a venda, direcionada a empresas que fazem o processo de beneficiamento ou de reciclagem (ALVES; MEIRELES, 2013). O catador de material reciclável é o elemento-chave num processo muito lucrativo, mas, infelizmente, muitas vezes, não recebe um ganho significativo que lhe proporcione uma vida digna, além de trabalhar em condições não favoráveis (LEAL et al., 2002). As ACMR têm um potencial econômico que ajuda a resolver problemas ambientais e sociais, auxiliando as pessoas excluídas do mercado de trabalho, por não terem um bom nível educacional, nem capacitação profissional, para serem inseridas no mercado formal de trabalho (RATHI, 2006, ALVES; MEIRELES, 2013). Dessa forma, as ACMR podem contribuir para resolver o problema do gerenciamento dos Resíduos Sólidos Urbanos (RSU), o que tem sido um grande desafio para o poder público em todo o mundo. A geração diária de RSU em quantidades elevadas, devido ao crescimento populacional, à rápida urbanização, ao desenvolvimento e às melhorias tecnológicas e a uma melhor condição social e econômica nos países e cidades, tem se tornado um desafio (BESEN, 2011). A redução de milhões de toneladas de RSU, produzidas diariamente pela sociedade, tem sido o grande desafio do século XXI (RIBEIRO 2009; BESEN, 2007). Nesse cenário, as ACMR contribuem para a solução do problema, que está ligado à forma e ao modo de produção, a questões culturais e ao desenvolvimento das sociedades. A parcela de culpa vincula-se à incapacidade de usar a matéria-prima até o ciclo final da vida útil ou de sua obsolescência (FIORE; RUTKOWSKI, 2013). Além da redução da quantidade, outro grande desafio dos países é buscar alternativas de destinação de RSU que causem impacto ambiental mínimo (CEZAR et al., 2015). Nesse contexto, as possibilidades de redução dos impactos ambientais estão na coleta seletiva e na reciclagem (TROSCHINETZ; MIHELCIC, 2009), que é o foco de trabalho das ACMR. As atividades das ACMR evitam que muitos materiais descartados pela população prejudiquem o meio ambiente; ao contrário, contribuem para serem reaproveitados como fonte de renda para aqueles que trabalham com esse tipo de material, bem como para a resolução do problema dos RSU e da falta de geração de renda para quem não encontrou outra possibilidade de trabalho que possa gerar o seu sustento e o de sua família. Uma das alternativas para tentar resolver o problema dos resíduos descartados pela população e pelas empresas foi a criação do Plano Nacional de Resíduos Sólidos, que deve direcionar as ações do poder público e incentivar as empresas a buscarem melhores opções para resolver o problema do lixo descartado. No Brasil, a reciclagem atinge apenas 2,1% do total dos resíduos coletados (CGIRS-VJ, 2021, texto digital). Esse percentual se mantém há, pelo menos, três anos, conforme os dados do SNIS – Sistema Nacional de Informações sobre Saneamento. A justificativa para o baixo percentual de reciclagem está na dificuldade que o país enfrenta para conseguir implementar a coleta seletiva, que, em 2019, atingiu apenas 41,4% da população (CGIRS-VJ, 2021, texto digital). Para a Associação Brasileira de Empresas de Limpeza Pública e Resíduos Especiais (ABRELPE), o Brasil deixa de reciclar em torno de 12 milhões de toneladas de RSU por ano, que poderiam gerar, aproximadamente, 14 bilhões de reais (ABRELPE, 2020). Logo, existe uma quantidade significativa de material que pode ser aproveitado pelo sistema de reciclagem e pelas ACMR, como fonte geradora de renda. Os principais materiais não totalmente aproveitados são: o plástico, em torno de 6 milhões de toneladas; papel ou papelão, numa quantidade de 4,7 milhões de toneladas; o vidro, com 1 milhão de toneladas; e o alumínio, com 185 mil toneladas desperdiçadas (ABRELPE, 2020). O Plano Nacional de Resíduos Sólidos (PNRS), numa atualização feita em 2020, apontou que o Brasil pretende atingir a meta de 72,6% da população com coleta seletiva, no ano de 2040, e que 20% de todo o material coletado passe por processo de reciclagem. Considerando esse cenário e as projeções para o futuro, destaca-se a importância do PNRS como ferramenta de apoio e de direcionamento de ações, que possam contribuir para a melhoria da qualidade de vida dos catadores de materiais recicláveis, bem como para a melhoria da sociedade de maneira geral e do meio ambiente. Para resumir, este capítulo apresentou como as associações foram crescendo em tamanho, quantidade e organização pelo país, principalmente, como consequência das condições financeiras e sociais. O aumento da população urbana e o consumo cada vez maior de todos os tipos de produtos têm gerado maior quantidade de resíduos sólidos, que precisam ser alocados num lugar adequado. Dessa forma, as pessoas com dificuldades de sobrevivência encontram uma alternativa para buscar uma qualidade de vida melhor. Nesse cenário, as ACMR exercem o papel de apoiadoras, na tentativa de reduzir a desigualdade social e modificar a visão de algumas pessoas com relação ao trabalho de catação, julgando- o um trabalho inferior aos demais, devido à baixa remuneração, aos ambientes com alto grau de periculosidade e à excessiva carga horária e de trabalho. Esse capítulo também identificou que as associações conseguiram, ao longo do tempo, proporcionar dignidade às pessoas que estavam abandonadas pela sociedade e pelos governos, pois, conforme Nussbaum (2011) e Sen (2018), a dignidade faz parte da mudança social. Os catadores conquistaram essa dignidade com a ajuda da associação, que contribuiu para eles se sentirem incluídos na sociedade, sendo uma referência de participação e de trabalho para o bem da coletividade. Também foi incentivada a criação da categoria profissional dos catadoresm bem como a associação auxiliou na criação de leis e de políticas públicas direcionadas ao trabalho com a catação. Nesse sentido, com o surgimento do MNCR, foi possível integrar as regiões do país, através da representatividade perante os catadores e perante o governo, participando da tramitação que deu origem à Lei Federal 12.305/2010. O detalhamento do texto da legislação e das políticas é o tema do próximo capítulo. 34 3 AS POLÍTICAS PÚBLICAS BRASILEIRAS DIRECIONADAS AOS RESÍDUOS SÓLIDOS E AO FORTALECIMENTO DAS ASSOCIAÇÕES Este capítulo aborda as determinações normativas voltadas aos resíduos sólidos e a relação deles com as ACMR. O propósito do capítulo é reforçar a interferência do poder público na organização do trabalho com a catação de materiais, à medida que institui leis e políticas públicas que viabilizem investimentos na gestão dos resíduos sólidos. O resultado desse investimento é a melhoria da qualidade de vida e do trabalho realizado pelos catadores, o fortalecimento das instituições apoiadoras, como as associações ou cooperativas, e a garantia da sustentabilidade ambiental no espaço urbano. Já os subcapítulos abordam, na sequência, o conteúdo de alguns documentos normativos gerenciados pelo poder público, relacionando-os com as ACMR, bem como aprofunda-se o conteúdo da PNRS, instituída em 2010, citando, como exemplo prático, a Política de Resíduos do Estado de Minas Gerais. Essa política é especificada pela forte influência exercida na gestão dos resíduos sólidos, num dos maiores estados brasileiros, oportunizando alguns avanços na preservação ambiental, apesar da existência de muitos desafios a serem solucionados. 3.1 A Política Nacional de Resíduos Sólidos – PNRS A PNRS congregou diversos elementos já dispostos em legislações anteriores 35 e voltados à garantia da preservação ambiental, no Brasil. Como exemplo, cita-se o conceito de logística reversa, que estabelece o fluxo físico dos produtos, processo esse já exposto na Lei sobre Agrotóxicos (Lei 7.802/1989), mas que ganhou maior notoriedade ao ser considerado uma estratégia de preservação dos impactos ambientais (FERREIRA; MELO; PADILHA, 2021). Os resíduos sólidos urbanos gerados pelas cidades são depositados em aterros sanitários ou em lixões, causando impacto social, tendo em vista o acúmulo de pessoas que sobrevivem dos materiais recolhidos e vendidos nesses locais para reciclagem, bem como o impacto ambiental, com a possível contaminação do solo e da água do lençol freático (ADEDIPE, 2005; IPCC, 2007). Conforme o Sistema Nacional de Informações sobre Saneamento (SNIS) (SNIS, 2019), vinculado ao Ministério do Desenvolvimento Regional, e o programa Lixão Zero – Resíduos Sólidos Urbanos, desenvolvido pelo Ministério do Meio Ambiente (MMA), em sua Agenda Nacional de Qualidade Ambiental Urbana, uma pessoa gera, por dia, cerca de 950 gramas de resíduos. Dessa forma, no Brasil, é coletada, em média, a quantidade de 166 mil toneladas de resíduos diários (SNIS, 2019, texto digital). Considerando a quantidade de resíduos sólidos urbanos produzidos, alguns municípios, num total de 1.254, começaram a fazer a coleta seletiva. Desse total, 45% depositam os seus RSU de maneira inadequada; 55% depositam os RSU em aterros sanitários; e 5% não declararam (SNIS, 2019). Uma pesquisa realizada anualmente pelo SNIS, que é o Diagnóstico de Manejo de Resíduos Sólidos, fornece informações sobre o andamento da coleta seletiva realizada no Brasil, mas não considera alguns indicadores que poderiam ampliar os dados e melhorar o entendimento, como, por exemplo, a quantidade de associações/cooperativas de catadores, a relação legal e as condições de trabalho entre a prefeitura e essas organizações (BESEN et al., 2014). A maioria dos materiais descartados pelos brasileiros é lixo orgânico, que representa 50% da composição do lixo domiciliar; plástico, 13%; vidro, 3%; metal, 3%; papel e papelão, 9%; e outros tipos, 22% (MMA, 2019). A adoção de uma política pública que realize um trabalho de prevenção para que não ocorram danos ao meio ambiente e à saúde pública deve ser buscada como forma de amenizar comportamentos que possam prejudicar a sociedade e o meio ambiente (MACHADO, 2012). Dessa maneira, no caso dos RSU, essa prevenção 36 concretiza-se com o desenvolvimento e a consequente implantação de um PNRS. Nesse contexto, foi aprovada, em 2010, a Lei Federal 12.305/2010, que instituiu a Política Nacional de Resíduos Sólidos (PNRS), que lança os desafios para a correta gestão desses resíduos por parte dos municípios, seguindo um processo gradativo de redução da quantidade de resíduos sólidos, separando os que podem ser reciclados e que, no dia a dia, são alocados nos aterros sanitários e lixões. Foram estipuladas metas nacionais que iniciaram cinco anos após a aprovação da lei: um percentual de redução de 22% para o ano de 2015; 28%, para 2019; aumentando para 34%, em 2023; para 2027, a meta é de 40%; e um percentual final de 45%, para o ano de 2031. A PNRS faz referência à importância de uma gestão integrada de resíduos sólidos (GIRS) e do seu papel como desenvolvedora de ações para solucionar os problemas referentes aos resíduos sólidos, considerando aspectos políticos, econômicos, ambientais, culturais e sociais, em busca de desenvolvimento sustentável (BRASIL, 2010). No Brasil, conforme o relatório do IBGE (2017), 45,2% dos municípios não possuem uma GIRS, ou seja, 2.517 municípios com 61 milhões de habitantes, o que representa 29,4% da população. Já o percentual de municípios que possuem uma GIRS é de 54,8%, isto é, 3.053 municípios, com uma população de 146,7 milhões de habitantes. Em cerca de 15,8% dos municípios não foi identificada a utilização, ou não, da GIRS. Outro aspecto que a PNRS busca estimular e fortalecer é a coleta seletiva, com a integração dos catadores de materiais recicláveis. Apesar de a gestão ser realizada pelos municípios, a PNRS disponibiliza recursos para os municípios que seguem suas diretrizes. Conforme dados do IBGE (2010), no Brasil, existiam 994 municípios que faziam a coleta seletiva, 18% das cidades do país. Desse total, 65,7% contavam com a participação de catadores organizados em cooperativas ou em associações. Os dados citados anteriormente explicam que o PNRS tem uma proposta de inclusão social para os catadores de materiais recicláveis, com incentivo à implantação de políticas públicas que possam agregar valor. Além disso, possibilita a inclusão social, através da ajuda e da inserção da economia solidária e das ações das associações e cooperativas de catadores, que promovem a integração, através da coleta seletiva dos municípios, confirmando assim o que alguns autores já diziam antes da aprovação da lei (SINGER, 2002, PACHECO; RIBEIRO, 2009). A PNRS, no capítulo II, Art. 6º inc. VIII, reconhece que o resíduo sólido pode 37 ser reaproveitado com valor econômico e social, gerando trabalho e renda para as pessoas, nesse caso, catadores de materiais recicláveis, e promovendo cidadania: “VIII – o reconhecimento do resíduo sólido reutilizável e reciclável como um bem econômico e de valor social, gerador de trabalho e renda e promotor de cidadania” (BRASIL, 2010). Outro aspecto da Lei Federal 12.305/2010 diz respeito às microrregiões e suas atividades de reciclagem dos RSU, ou seja, orienta os estados e municípios a criarem os seus planos de resíduos sólidos, considerando que “o plano microrregional de resíduos sólidos deve atender ao previsto para o plano estadual e estabelecer soluções integradas para a coleta seletiva, a recuperação e a reciclagem” (BRASIL, 2010). Ainda, o Art. 16, §3º, determina o correto “tratamento e destinação final dos resíduos sólidos urbanos, a gestão de resíduos de construção civil, de serviços de transporte, de serviços de saúde, agrossilvopastoris ou outros resíduos, de acordo com as peculiaridades microrregionais” (Art. 16, §3, Lei 12.305/2010). O Plano Estadual de Resíduos Sólidos (PERS), conforme o Art. 17, “será elaborado para vigência por prazo indeterminado, abrangendo todo o território do Estado, com horizonte de atuação de 20 (vinte) anos e revisões a cada 4 (quatro) anos” (Art. 17, Lei 12.305/2010). Deve-se fazer uma previsão das metas para a reutilização e a reciclagem, com a intenção de reduzir o quantitativo de resíduos e rejeitos que são encaminhados para sua destinação final, de maneira ambientalmente adequada (Lei 12.305/2010). Já o Plano Municipal deve realizar a gestão Integrada de resíduos sólidos e, em continuidade com o PNRS e o PERS, estipular “metas de redução, reutilização, coleta seletiva e reciclagem, entre outras, com vistas a reduzir a quantidade de rejeitos encaminhados para disposição final ambientalmente adequada” (Art. 19, XIV, da Lei 12.305/2010). Para que tudo isso funcione, é preciso compreender que a “responsabilidade compartilhada é essencial para o avanço da gestão de resíduos no país” (DEMAJOROVIC; MIGLIANO, 2013, p. 68). Ainda, os autores afirmam que “a destinação adequada dos resíduos depende do trabalho de todos os atores envolvidos na cadeia, incluindo, além dos fabricantes, o setor público, o comércio e os consumidores” (DEMAJOROVIC; MIGLIANO, 2013, p. 68). Assim, a PNRS criou o marco regulatório, que estabelece para a sociedade como devem ser definidas as responsabilidades para os ciclos de vida de vários 38 produtos, ou seja, os “planos, programas, objetivos e prazos que obrigam os principais agentes do mercado – governo, indústria, comércio, importadores, serviços e consumidores – a prover uma destinação adequada dos resíduos sólidos” (DEMAJOROVIC; MIGLIANO, 2013). Outra situação que a lei considerou foi o reconhecimento dos “grupos de catadores de materiais recicláveis como atores fundamentais da cadeia de reciclagem e estimula a inserção deles nas diversas iniciativas para a expansão da coleta e da destinação dos resíduos” (DEMAJOROVIC; MIGLIANO, 2013, p. 68). Dessa forma, o Plano Nacional de Resíduos Sólidos destaca-se pela maneira como superou “um dos obstáculos que era a inexistência de uma norma de âmbito nacional que tivesse como foco principal gerenciar os resíduos, atribuir responsabilidades aos seus geradores, consumidores e ao poder público” (REVEILLEAU, 2011, p. 164). Outro aspecto que o PNRS considera é a implementação, a criação e a ampliação das associações e cooperativas de catadores de materiais recicláveis, com o desenvolvimento de estratégias que possam agregá-las ao sistema de coleta de materiais. Dessa maneira, a intenção é “difundir a educação ambiental visando à segregação dos resíduos na fonte geradora, para facilitar a coleta seletiva com a participação de associações e cooperativas de catadores” (MMA, 2012, p. 61). Entre as estratégias desenvolvidas pelo PNRS para a redução da geração de resíduos sólidos urbanos, destaca-se o papel das associações como ferramentas de apoio, no sentido de estimular “cooperativas e associações de catadores a ampliarem seu portfólio de produtos e serviços sustentáveis, induzindo, com essa dinâmica, a ampliação de atividades reconhecidas como ‘economia verde’ (greeneconomy) ou de baixo carbono” (MMA, 2012, p. 68). O papel das associações no PNRS é contribuir com a redução da quantidade de resíduos sólidos que podem ser reaproveitados, participando, dessa forma, do processo da logística reversa. Para que isso aconteça, o PNRS deve “instituir incentivos fiscais, financeiros e creditícios, voltados à separação dos resíduos na fonte geradora, ao incremento de coleta, à criação, melhoria e qualificação de centros de triagem, de reutilização e reciclagem, preferencialmente, com a participação de cooperativas e associações de catadores (MMA, 2012, p. 70). O PNRS também propõe ações que devem “contribuir com a emancipação das organizações de catadores, promovendo o fortalecimento das cooperativas, 39 associações e redes, incrementando sua eficiência e sustentabilidade” (MMA, 2012, p. 70). A Política assumiu uma abrangência de interesse público, tendo em vista a grande importância que foi atribuída à necessidade de uma atuação preventiva por parte da sociedade, elencando responsabilidades dos cidadãos e das organizações públicas e privadas com a preservação do meio ambiente (FERREIRA; MELO; PADILHA, 2021). Esses autores ainda mencionam que o propósito principal da Política é antecipar a ocorrência de danos ambientais e possibilitar um maior grau de efetividade à proteção do meio ambiente. A Política também enfatiza a preocupação ambiental, social e econômica dos resíduos sólidos, valorizando o papel a ser desempenhado pelos catadores e pelas cooperativas ou associações (FERREIRA; MELO; PADILHA, 2021). Essa mesma Política foi instituída com a intenção de solucionar os impasses relacionados aos resíduos sólidos, atribuindo aos estados e municípios, a responsabilidade de criar e de executar planos específicos de gestão de resíduos sólidos (SANTOS; LORENZO, 2018). Segundo esses autores, tal processo precisa ser realizado de modo integrado, mediante um fluxo de trabalho participativo entre todos os membros da sociedade, de modo a contemplar os requisitos a céu aberto, embora esses não tenham sido mencionados como obrigatórios. Quanto aos Planos Estaduais de Gestão Integrada de Resíduos Sólidos, o artigo 16 determina que a elaboração desse documento seja condição para os Estados terem acesso a recursos da União ou serem por ela controlados. Tais recursos, segundo o texto legal, são destinados a empreendimentos e serviços relacionados à gestão de resíduos sólidos, ou para serem beneficiados por incentivos ou financiamentos de entidades federais de crédito, ou que promovam ações dentro dos propósitos ambientais (BRASIL, 2010b). Semelhante à elaboração dos Planos Estaduais, os Planos Municipais também são elaborados, considerando a realidade dos municípios e os recursos necessários para o gerenciamento dos resíduos. A redação do artigo 18, da Lei nº. 12.305, dispõe que o Plano Municipal precisa conter os seguintes elementos: diagnóstico da situação dos resíduos; identificação de áreas favoráveis para a coleta e a destinação dos materiais; identificação de possibilidades de parcerias com outros municípios; indicadores de desempenho operacional e ambiental dos serviços públicos de limpeza urbana e de manejo de resíduos sólidos, dentre outros (BRASIL, 2010b). 40 Os Planos Estaduais e Municipais são desdobramentos da PNRS, constituindo ações práticas a serem desempenhadas em contextos locais. Ao estudarem o Plano Municipal da Cidade do Rio de Janeiro, Silva, Tagliaferro e Oliveira (2021) descobriram que a implementação desses Planos garante muitos benefícios, como o acesso a linhas de crédito, de modo a impedir o desgaste político do gestor e evitar a judicialização e eventuais condenações. Ademais, os gestores públicos precisam integrar os antigos catadores no desenvolvimento dos Planos Estaduais e Municipais, especializando a mão de obra, para a formação das cooperativas e a implementação da coleta seletiva dos resíduos (SILVA, TAGLIAFERRO e OLIVEIRA (2021). Destaca-se que os Planos Municipais e Estaduais precisam fazer a gestão integrada dos resíduos sólidos, que é definida como sendo a somatória de ações voltadas para a busca de soluções para os resíduos sólidos, com o objetivo de abranger as diversas esferas sociais, isto é, nos planos político, econômico, ambiental, cultural e social, tendo em vista o controle social, alicerçada no fundamento da sustentabilidade (BRASIL, 2010b). A gestão é integrada, segundo o texto legal, no sentido de que as ações não podem ser realizadas de modo individual, mas devem envolver a participação coletiva, na tentativa de garantir a utilização racional dos recursos ambientais, o combate a todas as formas de desperdício e a minimização da geração de resíduos sólidos. A gestão integrada, portanto, é um dos aspectos mais importantes e inovadores da PNRS. A literatura apresenta diversos estudos sobre a temática. Para Reis, Friede e Lopes (2017), a gestão integrada envolve todo o ciclo de vida dos resíduos, desde sua origem, perpassando pelo consumo, pelo descarte e pela reciclagem. Esse processo exige a mudança de comportamento dos agentes envolvidos, no caso, produtores, distribuidores, consumidores, catadores, recicladores, entre outros. Silva, Tagliaferro e Oliveira (2021) corroboram esse resultado, ao enfatizarem que a conscientização da sociedade a respeito das questões ambientais exige uma atuação mais incisiva dos administradores públicos, cujo compromisso com a gestão dos resíduos é um dever de todos, para assegurar o cumprimento da gestão integrada. Com efeito, percebe-se que a PNRS projetou melhorias para o cenário da catação, no Brasil, sobretudo, no que tange à inclusão de catadores e à educação ambiental, em diferentes estados brasileiros (OLIVEIRA; GALVÃO JUNIOR, 2016). No entanto, muitos desafios ainda carecem de solução, tal como acontece no estado de Minas Gerais, em específico, na Região Metropolitana de Belo Horizonte, cujos 41 municípios ainda não estabeleceram um fluxo de destinação final adequada dos resíduos, de modo a integrar o trabalho dos catadores e das associações (OLIVEIRA, 2020). O detalhamento da Política Nacional de Resíduos em Minas Gerais é descrito no subcapítulo seguinte. 3.1.1 A Política Nacional de Resíduos Sólidos no Estado de Minas Gerais A Política Nacional de Resíduos Sólidos no Estado de Minas Gerais foi criada em 2009, um ano antes da oficialização da PNRS, cujas determinações foram elencadas na política mineira, que considera as disposições estabelecidas nas leis federais e que culminaram na consolidação da Política Nacional. Assim, a Lei nº. 18.031, de 12 de janeiro de 2009, dispôs sobre a Política Estadual de Resíduos Sólidos, a ser desenvolvida em sintonia com as políticas estaduais de meio ambiente, de educação ambiental, de recursos hídricos, de saneamento básico, de saúde, de desenvolvimento econômico e urbano e de promoção da inclusão social (MINAS GERAIS, 2009). A Política Estadual de Resíduos Sólidos – PERS do Estado de Minas Gerais tornou-se um aliado dos municípios para poderem enfrentar o desafio de conseguir efetuar a correta destinação do lixo produzido em suas cidades (SEMAD, 2021, texto digital). A Lei, com 57 artigos, tem como finalidade direcionar as ações de políticas públicas relacionadas aos resíduos sólidos, reunindo em seu texto as normas legais que auxiliaram na construção e no desenvolvimento de ações para tentar resolver o problema dos RSU. A Lei também determina as condições para que os municípios usufruam dos benefícios de incentivos fiscais do Estado, como, por exemplo, a aquisição de equipamentos a serem utilizados na limpeza urbana, a transferência de recursos financeiros para projetos de destinação adequada do lixo, entre outros (SEMAD, 2021, texto digital). O Plano Estadual de Resíduos Sólidos – PERS é parte integrante da Política Nacional de Resíduos Sólidos - PNRS e estabelece que é “condição para os Estados terem acesso a recursos da União, ou por ela controlados, destinados a empreendimentos e serviços relacionados à gestão de resíduos sólidos, ou para serem beneficiados por incentivos ou financiamentos de entidades federais de crédito” (BRASIL, Lei 12.305/2010). 42 A lei também estabelece que os entes públicos editem normas com o objetivo de conceder incentivos fiscais, financeiros e até creditícios, para os programas de GIR - Gestão Integrada de Resíduos, que integrem, em suas ações, a parceria com organizações de catadores de material reciclável e determina aos municípios, que, caso ocorram atividades de catação de materiais em torno de lixões, que o município seja obrigado a apresentar propostas, para que aconteça a inserção social das famílias desses catadores (ALMG, 2021, texto digital). Essas propostas deverão incluir programas de ressocialização de adultos, adolescentes e crianças, incentivando-os a frequentarem a escola (SEMAD, 2021, texto digital). Além desses programas de incentivo à ressocialização, o governo desenvolveu, antes da implantação efetiva da Política Estadual de Resíduos Sólidos, em 2003, o Programa Ambientação, que foi o início das ações voltadas à mudança de comportamento dos servidores públicos em seus órgãos de lotação, de modo que esses servidores assumissem a corresponsabilidade pela gestão de resíduos, em seus locais de trabalho, com a redução e o reaproveitamento de materiais, a separação e a correta identificação de materiais recicláveis, com a finalidade de destinar, de forma adequada, os resíduos produzidos no ambiente de trabalho, contribuindo assim com a geração de trabalho e renda e o consequente resgate da cidadania dos catadores de materiais recicláveis, através da doação desses materiais separados e recolhidos (AMBIENTAÇÃO, 2014). Em 2007, o governo mineiro inaugurou o Centro Mineiro de Referência em Resíduos (CMRR), gerenciado pela Secretaria de Estado de Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável (SEMAD) e pela Fundação Estadual do Meio Ambiente (FEAM). Estes órgãos firmaram uma parceria com o Serviço Voluntário de Assistência Social (SERVAS), para apoiarem os municípios e os cidadãos na condução de uma Gestão Integrada de Resíduos – GIRS, divulgando informações e promovendo capacitações técnicas e cursos profissionalizantes, com o objetivo de gerar trabalho e renda e, como consequência, uma qualidade de vida melhor para a população (FEAM, 2019). Essas ações do governo, dentre outras, serviram de base para a criação da Política Estadual de Resíduos Sólidos do Estado de Minas Gerais, Lei 18.031, de 2009, que fomenta e otimiza a gestão dos RSU (FEAM, 2019). 43 Apesar de ter sido instituída antes da Política Nacional de Resíduos Sólidos, a PERS – Política Estadual de Resíduos Sólidos do Estado de Minas Gerais - direcionou seus objetivos e instrumentos no sentido de atender a PNRS, que já estava em andamento para ser aprovada. Nesse sentido, a PERS é orientada pelos princípios da não geração, da prevenção de geração, da redução de geração, da reutilização e do reaproveitamento, da reciclagem, do tratamento, da destinação final ambientalmente adequada e da valorização dos resíduos sólidos (FEAM, 2019, texto digital). No artigo 17º, a Lei 18.031/2009 proíbe a destinação de resíduos sólidos lançados a céu aberto, “in natura”, sem o devido tratamento, seja em áreas urbanas ou em locais considerados rurais. Também proíbe a queima desses materiais a céu aberto, bem como a utilização de recipientes, instalações ou qualquer outro tipo de equipamento não autorizado e não licenciado para essa atividade, salvo, em casos de emergência sanitária devidamente identificada e autorizada por órgão ou por autoridade competente (MINAS GERAIS, art. 17 da Lei 18.031/2009). Também esclarece que é proibido lançar esses RSU em lagoas, em terrenos baldios, em redes de drenagem de águas pluviais, em cursos d’água, em galerias de esgotos, em áreas com possibilidades de inundações e, principalmente, em áreas de proteção ambiental (MINAS GERAIS, art. 17 da Lei 18.031/2009). Com relação aos catadores de materiais recicláveis, a PERS, no Art. 7º, inciso VII, reconhece o seu trabalho e determina a “integração, a responsabilidade e o reconhecimento da atuação dos catadores nas ações que envolvam o fluxo de resíduos sólidos, como forma de garantir-lhes condições dignas de trabalho” (Lei 18.031/2009). Para estimular e auxiliar a gestão dos resíduos sólidos no Estado, a Lei 18.031/2009 considerou, no art. 9º, inciso III, alínea i), fomentar a “formação de organizações, associações ou cooperativas de catadores dedicados à coleta, à separação, ao beneficiamento e à comercialização dos resíduos sólidos” (Lei 18.031/2009) e estimula a inclusão social dos catadores, na alínea o). Com relação às associações ou cooperativas de catadores de materiais recicláveis, o governo Minas Gerais criou o programa “Bolsa Reciclagem”, através da Lei estadual nº 19.823, que foi regulamentada com o Decreto 45.975, de 2012, cuja finalidade é conceder incentivo financeiro pelos serviços de reciclagem, que minimizem os impactos gerados pelo acúmulo de rejeitos no meio ambiente, em 44 concordância com a Lei 18.031, de 2009 (FEAM, 2019). O texto da Política Estadual de Minas Gerais contempla vários aspectos recomendados pela PNRS, tais como: a necessidade de classificação dos resíduos sólidos; os princípios, diretrizes e instrumentos da Política; o processo de gestão integrada; as proibições; os Planos Estaduais; a logística reversa; as obrigações e as responsabilidades, dentre outros. O documento tem a intenção de estimular a gestão de resíduos sólidos no território do Estado, no sentido de incentivar, fomentar e valorizar a não-geração, a redução, a reutilização, o reaproveitamento, a reciclagem, a geração de energia, o tratamento e a disposição final adequada dos resíduos sólidos, dentre outros propósitos relacionados (MINAS GERAIS, 2009). Quanto ao trabalho dos catadores, o texto normativo menciona a necessidade de valorizar esses cidadãos e de amparar suas famílias. Ou seja, os municípios do Estado precisam apresentar proposta de inserção social para as famílias de catadores, incluindo programas de ressocialização para crianças, adolescentes e adultos e a garantia de meios para que passem a frequentar a escola, medidas que passarão a integrar o Plano Municipal. Além disso, a Política assegura o papel das associações, ao propor que um dos objetivos seja a formação de organizações, associações ou cooperativas de catadores, dedicados à coleta, à separação, ao beneficiamento e à comercialização dos resíduos sólidos (MINAS GERAIS, 2009). Constata-se que a Política de Resíduos Sólidos de Minas Gerais alinha-se à Política Nacional, direcionando medidas a serem implementadas pelos municípios, haja vista a realidade de cada um, com o propósito de garantir a gestão dos resíduos em prol da preservação do meio ambiente. A Política desse Estado tem oportunizado diversos benefícios para o desenvolvimento social, com destaque para a qualidade de vida e a saúde das populações, podendo afetar, inclusive, a formação de capital humano dos municípios (MENDES et. al., 2020). A legalização do trabalho dos catadores se apresenta como um resultado positivo, uma conquista das constantes lutas das associações (ALVES; VELOSO, 2018). A literatura apresenta alguns estudos empíricos desenvolvidos no contexto dos municípios de Minas Gerais, tais como os de Oliveira (2020) e Silva (2017), que consideram os reflexos das políticas para a gestão de resíduos sólidos. Na Região Metropolitana de Belo Horizonte, por exemplo, as determinações dos Planos Municipais têm sido seguidas, sobretudo, no que diz respeito ao envolvimento dos catadores com o processo de gestão de resíduos, embora ainda exista o 45 distanciamento do papel desses trabalhadores com os gestores públicos locais (OLIVEIRA, 2020). De modo semelhante, ao investigar a Região da Zona da Mata Mineira, Silva (2017) descobriu que a ação coletiva das organizações de catadores é importante e contribui de forma positiva para o gerenciamento dos resíduos recicláveis; no entanto, são ineficientes no sentido de alterar estruturalmente os mecanismos para o cumprimento da Política Estadual e Nacional, prevalecendo os interesses econômicos e políticos dos gestores públicos locais. Há evidências de que muitos municípios mineiros estão desarticulados em seus planos de gestão com a PNRS. A microrregião de Lavras, por exemplo, não possui estrutura organizacional, institucional e legislativa adequada para consolidar a gestão de resíduos sólidos (SILVA; LEÃO; SANTOS, 2019). Esse estudo constatou a falta de planejamento ambiental e que a questão ambiental não é uma prioridade do poder público. A negligência com a questão ambiental, além de infringir as leis e políticas dos resíduos sólidos, contribui para o enfraquecimento da economia local, aumenta os níveis de pobreza e de desigualdade social, bem como prejudica a qualidade de vida dos municípios, conforme pontua o estudo de Baldim, Guedes e Camarini (2020). Nesse contexto, evidencia-se a importância da PNRS e dos seus desmembramentos em Políticas e Planos Estaduais e Municipais, para garantir o desenvolvimento sustentável das regiões (BALDIM; GUEDES; CAMARINI, 2020). É importante ressaltar, com base nesses autores, que tal desenvolvimento não se limita apenas ao fator ambiental, mas contempla outros fatores humanos e sociais, tais como qualidade de vida e geração de emprego e renda, respectivamente. O conjunto desses fatores garante o desenvolvimento integral da sociedade, nos Estados e Municípios. No próximo tópico, trata-se da Política de Resíduos Sólidos dos municípios. 3.1.2 A política municipal de resíduos sólidos – PMRS Desde 1989, vêm aumentando no país, experiências de gestão compartilhada dos RSU, desenvolvidas por programas municipais que utilizam a coleta seletiva, com o auxílio de associações e cooperativas de catadores de material reciclável (RIBEIRO et al., 2009). A preocupação inicial dos gestores dos resíduos sólidos era apenas coletar e separar os resíduos que ficavam expostos no solo, sofrendo a ação do tempo. Esses 46 locais passaram a ser conhecidos como “lixões” e, posteriormente, foram modificados para aterros. A preocupação atual está no reaproveitamento dos resíduos que podem ser direcionados para ações de reciclagem, agregando valor e gerando ganhos financeiros, bem como, melhorias para a sociedade e para o meio ambiente (BRANDÂO, 2006). Dessa forma, “compete ao Município brasileiro a organização e a execução dos serviços que presta à população. Dentre esses serviços, destaca-se, por sua natureza estritamente local, a limpeza urbana e a coleta e disposição final de resíduos” (BRANDÃO, 2006, p. 5). A Política Nacional de Resíduos Sólidos – PNRS incentiva os municípios a compartilharem as ações de planejamento, de regularização, de fiscalização e de prestação de serviços, referentes à gestão dos resíduos, com a formação de associações intermunicipais, denominados como “Consórcios intermunicipais de resíduos sólidos urbanos” (JACOBI; BESEN, 2006). Esses consórcios públicos, conforme o Art. 45 da Lei 11.107 de 2005, objetivam descentralizar a prestação de serviços relacionados aos resíduos sólidos, dando prioridade aos recursos disponibilizados pelo Governo Federal (BRASIL, Lei 11.107/2005). A priorização de recursos, financiamentos e incentivos para esses empreendimentos voltados para a gestão de RSU será concedida aos Estados que definirem as microrregiões que integram as ações desenvolvidas pelos municípios, que optarem por participar das propostas criadas pelos consórcios intermunicipais ou que façam a opção voluntária por planejamentos elaborados pelas microrregionais estaduais de resíduos sólidos, devidamente constituídas na forma da Lei 11.107/2005 (BRASIL, 2005), para o atingimento de objetivos que são de interesse comum (PORTAL DE RESÍDUOS SÓLIDOS, 2013). Em Minas Gerais, os municípios são apoiados, desde 2003, pela parceria da Fundação Estadual do Meio Ambiente (FEAM), por algumas universidades como a Universidade Federal de Lavras (UFLA), a Universidade Federal de Viçosa (UFV) e pela Fundação Israel Pinheiro (FIP), com a implantação de sistemas de disposição e de tratamento ambiental adequado, com a coleta seletiva e com o incentivo à formação de consórcios para executar uma gestão compartilhada do RSU (FEAM, 2015). Em 2012, o governo mineiro lançou o programa “Ação 2031 – Redução e 47 Valorização de Resíduos”, que propôs o escalonamento das metas estipuladas para o sistema de disposição correta dos RSU no ambiente, para minimizar os impactos sobre a população dos municípios, principalmente, os que residam em área urbana (FEAM, 2015). Para ajudar no processo de informação e da divulgação de dados relativos aos RSU, o Ministério do Meio Ambiente (MMA), a partir de 2013, faz, anualmente, uma consulta aos órgãos estaduais para coletar dados, com o intuito de elaborar um panorama da realidade dos Planos de Resíduos Sólidos, tanto os Estaduais como os Municipais, para identificar como está sendo feita a disposição final dos RSU coletados. A informação declarada pelos estados e municípios passa a integrar o Sistema Nacional de Informações sobre Saneamento (SNIS), vinculado ao Ministério do Desenvolvimento Regional (MDR), e contribui com a pesquisa sobre as informações básicas municipais (IBGE, 2017). As informações sobre a Logística Reversa passaram a fazer parte do levantamento de informações, a partir de 2017. Essas informações ajudam na avaliação e no monitoramento das ações determinadas pela PNRS e servem de subsídio para reformular os objetivos do MMA, no sentido de promover uma gestão ambiental adequada dos RSU, no país (SNIR, 2021, texto digital). Esse levantamento, realizado a partir de 2017, apontou que mais da metade dos municípios brasileiros, isto é, 54,8%, possui um Plano Integrado de Resíduos Sólidos (PIRS). As informações também apontaram que, quanto maior for o porte populacional, maior é a quantidade de municípios com o PIRS. Em municípios com mais de 500 mil habitantes, o percentual chega a 83,3%, com o PIRS, enquanto em municípios entre cinco e dez mil habitantes, o percentual chega a apenas 49,1% (SINIR, 2021, texto digital). Com relação às regiões do país, os dados apontam que alguns estados com alta densidade populacional, como Rio de Janeiro e Minas Gerais, estão abaixo da média nacional, com 43,5%, o Rio de Janeiro, e com 43,7%, o estado de Minas Gerais. A região com o índice mais elevado foi a região Sul, com 78,9%, seguida do Centro- Oeste, com 58,5%, e o Sudeste, com 56,6%. Nas outras regiões, o percentual ficou abaixo da média nacional, a região Norte, com 54,2%, e o Nordeste, com 36,3%. Os dois estados com os maiores índices são o Mato Grosso do Sul, com 86,1%, e o Paraná, com 83,1%. Já os dois menores percentuais ficaram em 22,1%, para a Bahia, 48 e 17,4%, para o Piauí (SINIR, 2021, texto digital). Com base nas informações e nos dados apresentados, percebe-se que é necessário que o município desenvolva o seu Plano de Gestão Integrada de Resíduos Sólidos (PGIRS), para atender a exigência da Lei Federal 12.305/2010, para fins de recebimento de recursos e outros benefícios. Para exemplificar as informações anteriores, citam-se os municípios de Belo Horizonte e São Paulo, que desenvolveram seus PGIRS, considerando as informações e orientações do PNRS. No dia 30 de março de 2017, a Superintendência de Limpeza Urbana (SLU), da prefeitura de Belo Horizonte, apresentou o Plano Municipal de Gestão Integrada de Resíduos Sólidos do município, o PMGIRS-BH. Para elaborá-lo, foram criados, em 2014, o Comitê Diretor e o Conselho Consultivo, que realizaram várias fases, como o diagnóstico dos resíduos sólidos. Posteriormente, foram identificadas as possibilidades de uma gestão associada e, por último, o planejamento de ações para terminar o PMGIRS-BH e apresentá-lo à sociedade (PBH, 2020, texto digital). O PMGIRS-BH é “um instrumento de planejamento estratégico, para um horizonte de 20 anos, que contempla diretrizes e ações para a gestão ambientalmente adequada e sustentável dos resíduos sólidos” (PBH, 2020, texto digital). Esse planejamento deve considerar e incluir a etapa de geração do RSU municipal até a sua disposição final, observando “aspectos técnicos, operacionais, econômicos, sociais, ambientais e de participação da população” (PBH, 2020, texto digital). Devido à localização geográfica, o município considerou “as influências e interferências da gestão dos resíduos provenientes da Região Metropolitana de Belo Horizonte, destacando-se as regiões limítrofes” (PBH, 2020, texto digital). Para a cidade de São Paulo, o Plano de Gestão Integrada de Resíduos Sólidos do Município de São Paulo – PGIRS foi apresentado no dia 2 de abril de 2014, aprovado pelo decreto nº 54.991/2014, seguindo as diretrizes estipuladas pelo PNRS. O plano determina como princípios e diretrizes fundamentais, “a não geração, redução, reutilização, reciclagem, tratamento dos resíduos sólidos e a disposição final ambientalmente adequada dos rejeitos, materiais que não apresentam nenhuma possibilidade de reaproveitamento” (PSP, 2020, texto digital). Algumas ações estratégicas foram implementadas com a articulação, o envolvimento e a adesão do governo, de empresas e de cidadãos, impulsionando uma mudança na cultura e na forma como é realizado o manejo dos resíduos (PSP, 2020, texto digital). 49 Além disso, foi prevista a implementação de um plano municipal de educação ambiental, com o intuito de conscientizar e orientar a população e grandes geradores, a respeito da não geração e da reutilização e reciclagem dos materiais (PSP, 2020, texto digital). Da mesma maneira que Belo Horizonte, São Paulo e outras cidades brasileiras desenvolveram ou estão em processo de desenvolvimento de seus PMRS. O município de Teófilo Otoni começou a elaboração