CENTRO UNIVERSITÁRIO UNIVATES CURSO DE DIREITO O PRINCÍPIO DA LIVRE CONVICÇÃO MOTIVADA DO JUIZ NA ANÁLISE DA PROVA PERICIAL NO ÂMBITO PENAL Sabrina Broilo Lajeado, novembro de 2016 Sabrina Broilo O PRINCÍPIO DA LIVRE CONVICÇÃO MOTIVADA DO JUIZ NA ANÁLISE DA PROVA PERICIAL NO ÂMBITO PENAL Monografia apresentada na disciplina de Trabalho de Curso II – Monografia, do Curso de Direito, como parte da exigência para obtenção do título de Bacharel em Direito. Orientador: Prof. Hélio Miguel Schauren Júnior Lajeado, novembro de 2016 Sabrina Broilo O PRINCÍPIO DA LIVRE CONVICÇÃO MOTIVADA DO JUIZ NA ANÁLISE DA PROVA PERICIAL NO ÂMBITO PENAL A Banca examinadora abaixo aprova a Monografia apresentada na disciplina de Trabalho de Curso II – Monografia, do curso de graduação em Direito, do Centro Universitário UNIVATES, como parte da exigência para a obtenção do grau de Bacharela em Direito: Prof. Hélio Miguel Schauren Júnior – orientador Centro Universitário UNIVATES Prof. Me. Fulano de Tal Centro Universitário UNIVATES Sr. Beltrano de Tal (Nome da entidade/Instituição etc. a que pertence) Lajeado, novembro de 2016 3 Dedicada à minha mãe, Delmina Dell’ Osbel Broilo, por ser fonte de puro amor e o anjo que segurou minhas mãos quando faltou-me força, impulsionando-me para a concretização deste sonho. AGRADECIMENTOS Agradeço a Deus pela força e coragem nesta caminhada e a todos que de uma forma ou outra contribuíram na concretização deste, em especial ao meu orientador, professor Prof. Hélio Miguel Schauren Junior, pelos ensinamentos prestados. 11 "Que os vossos esforços desafiem as impossibilidades. Lembrai-vos de que as grandes coisas do homem foram conquistadas do que parecia impossível”. (Charles Chaplin) RESUMO O estudo demonstra a análise do princípio da livre convicção motivada do juiz, constante no art. 93, inciso IX, da Constituição Federativa do Brasil de 1988, bem como a análise da produção de prova pericial no âmbito penal e a (in) possibilidade de aplicação do referido princípio a fim de afastar as conclusões do laudo pericial. Tal assertiva resta clara a partir de uma análise jurídico-constitucional de princípios consagrados na Constituição Federal, onde se defende a liberdade de julgamento das decisões proferidas pelo magistrado, muito embora as mesmas necessitem obrigatoriamente de pronunciamento motivado, com as respectivas justificativas do porque de determinada conclusão. Para tanto, utilizou-se como método de abordagem o dedutivo e, como técnica de procedimento, a monográfica, efetuando- se as consultas e pesquisas necessárias na doutrina, jurisprudência e principalmente na legislação de regência. A monografia encontra-se dividida em três capítulos, versando, nesta ordem, sobre o processo penal brasileiro, numa abordagem conceitual e evolutiva, alguns dos princípios norteadores do processo penal brasileiro, bem assim, o estudo dos meios de prova no processo penal, da produção de prova pericial em especial e, por fim, o foco do trabalho, a análise do principio da livre convicção motivada do juiz na análise da prova pericial no âmbito penal. Conclui o trabalho que o enfoque do tema sob o viés seguido torna possível a aplicação da livre convicção, a luz da produção da prova pericial, todavia de forma motivada e justificada, de modo a garantir a cristalização das decisões jurisdicionais, e a clareza para a compreensão dos cidadãos em geral. Palavras-chave: Livre convicção. Prova Pericial. Processo Penal. LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS ART. Artigo CF/1988 Constituição da República Federativa de 1988 CPP Código de Processo Penal N Número P Página § Parágrafo STJ Superior Tribunal de Justiça S Súmula TJ/RS Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul SUMÁRIO 1 INTRODUÇÃO ................................................................................................... 10 2 O PROCESSO PENAL BRASILEIRO ............................................................... 13 2.1 Conceito de Processo Penal ........................................................................ 14 2.2 Breve histórico do Processo Penal brasileiro ............................................ 16 2.3 Sistema processual penal brasileiro ........................................................... 18 2.4 Princípios norteadores do Processo Penal ................................................ 20 2.4.1 Princípio do devido processo legal .......................................................... 21 2.4.2 Princípio da presunção de inocência ....................................................... 22 2.4.3 Princípio do juiz natural ............................................................................. 23 2.4.4 Princípio da publicidade ............................................................................ 24 2.4.5 Princípio da verdade real ........................................................................... 26 2.4.6 O princípio do livre convencimento .......................................................... 27 2.4.7 Princípio da oficialidade ........................................................................... 29 2.4.8 Princípio da legalidade .............................................................................. 30 3 DAS PROVAS NO PROCESSO PENAL ........................................................... 31 3.1 Conceito de Prova ......................................................................................... 31 3.2 Meios de prova admitidos no Direito Processual Penal ............................ 33 3.2.1 Exame de corpo de delito e outras perícias ............................................. 35 3.2.2 Interrogatório do acusado ......................................................................... 36 3.2.3 Perguntas ao ofendido ............................................................................... 37 3.2.4 Testemunhas .............................................................................................. 38 3.2.5 Reconhecimento de pessoas e coisas ..................................................... 40 3.2.6 Acareação ................................................................................................... 41 3.2.7 Documentos ................................................................................................ 42 3.2.8 Busca e apreensão ..................................................................................... 42 3.2.9 Indícios ........................................................................................................ 43 3.3 Origem e conceito da prova pericial ............................................................ 44 3.4 Da produção de prova pericial ..................................................................... 45 4 PRINCÍPIO DA LIVRE CONVICÇÃO MOTIVADA DO JUIZ NA ANÁLISE DA PROVA PERICIAL ................................................................................................ 47 4.1 Da valoração da prova pericial no Sistema Processual Penal Brasileiro. 48 4.2 Limitações à livre convicção motivada ....................................................... 49 4.3 Regra do in dubio pro reo ............................................................................. 54 CONSIDERAÇÕES FINAIS .................................................................................. 57 REFERÊNCIAS ..................................................................................................... 60 10 1 INTRODUÇÃO Ao magistrado é conferida a liberdade de extrair a prova em sua essência, avaliando o conjunto probatório exposto, a fim de que se possa alcançar a veracidade dos fatos e solucionar a lide. Tal medida é de extrema importância para o ordenamento jurídico, visto permitir ao magistrado o livre convencimento motivado para a solução de conflitos. Embora tal conduta dependa por vezes do estado de espírito do julgador, a este cabe a necessidade de maiores esclarecimentos quanto à veracidade dos fatos, para que possa proferir julgamentos justos. Visto isto, a Constituição Federal de 1988, em seu art. 93, inciso IX, dispõe que todos os julgamentos dos órgãos do Poder Judiciário serão públicos e fundamentados, sob pena de nulidade. Dessa forma, é receptiva a ideia de que a prova trazida aos autos é instrumento de fundamentação do magistrado a fim de proferir decisões, sempre de forma motivada e transcendendo ao formalismo. Dentre os diversos meios de provas que podem ser produzidas, tem-se a prova pericial, que é a complementação técnica trazida aos autos através de um exame, realizado por meio de um perito oficial, para que se tenha clareza quanto à materialidade e/ou autenticidade do delito. Conforme o art. 158 do Código de Processo Penal, quando a infração deixar vestígios, é indispensável a realização do exame de corpo de delito, ou seja, da perícia criminal. Após o recebimento do laudo pericial nos autos do processo, cabe ao juiz apreciá-lo livremente, determinando, desde que de forma motivada, se o defere na 11 íntegra ou em parte, bem como, se o indefere na mesma proporção. Conforme se verá, a questão não é tão pacífica quanto aparenta, uma vez que se discute quanto à limitação da aplicabilidade do princípio da livre convicção motivada do juiz, bem como o conhecimento técnico-científico oportunizado pelo perito, compromissado a auxiliar a justiça. Nesse sentido, o presente trabalho pretende, como objetivo geral, analisar a (im) possibilidade da aplicação do princípio da livre convicção motivada do juiz na área penal. O estudo discute como problema: O magistrado pode fazer uso do princípio do livre convencimento motivado para julgar contrariamente às conclusões periciais? Como hipótese para tal questionamento, entende-se que para solucionar a lide, o magistrado, ao receber o laudo pericial, pode deferi-lo todo ou em parte, como também, pode indeferi-lo na mesma proporção, pois ao juiz é dada a liberdade de decidir conforme sua convicção íntima. Desse modo, o magistrado, ao achar oportuno, pode afastar as conclusões apresentadas no laudo pericial. Todavia, deverá fundamentar de forma motivada o porquê de tal decisão. A pesquisa, quanto à abordagem, será qualitativa, meio de pesquisa que consiste no levantamento de dados acerca de determinado assunto, o qual se deseja estudar, conforme esclarecem Mezzaroba e Monteiro1 (2014). Para obter a finalidade desejada pelo estudo, será empregado o método dedutivo, cuja operacionalização se dará por meio de procedimentos técnicos baseados na doutrina, legislação e jurisprudência, relacionados, inicialmente, a uma abordagem acerca da contextualização histórica e os princípios norteadores do direito penal, passando pelo conceito de prova, meios de prova admitidos no processo penal e da produção de prova pericial, para chegar ao ponto específico que é o exame da (im) possibilidade da aplicação do princípio da livre convicção motivada do juiz, em desacordo com as conclusões periciais apresentadas no laudo produzido pelo perito. Dessa forma, no primeiro capítulo deste estudo, será apresentada uma breve contextualização histórica do processo penal brasileiro, abordando-se a 1 MEZZAROBA, Orides; MONTEIRO, Cláudia Servilha. Manual de metodologia e pesquisa no direito. 6ª ed. São Paulo. Ed. Saraiva, 2014, p. 136. 12 evolução das normas, as formas de aplicabilidade do direito penal através do direito processual penal vigente, bem como os princípios norteadores do processo penal, com enfoque no princípio da livre convenção motivada do juiz. No segundo capítulo, serão descritos conceitos de prova, meios de provas admitidas no ordenamento jurídico brasileiro e as suas possibilidades de aplicação diante do fato concreto, assim como a produção de prova pericial. Haja posto, para compreender a importância da prova, num primeiro momento, faz-se necessário identificar o que ela é para depois abordar as possibilidades de aplicação permitidas pela lei. Adiante, no terceiro capítulo, far-se-á um estudo teórico sobre a (im) possibilidade da aplicação do princípio da livre convicção motivada do juiz na análise da prova pericial, produzida por perito dotado de conhecimento técnico-científico. Além disso, será estudada a valoração atribuída às provas periciais e as limitações impostas aos magistrados no momento da apreciação das provas. E por fim, também será abordada a regra do in dubio pro reo. Sendo assim, o sistema da livre convicção caracteriza a prova fática da evolução do sistema jurisdicional, que passou a admitir a livre apreciação das provas apresentadas, desde que esta apreciação seja devidamente fundamentada em dispositivos legais. O sistema de fundamentação da decisão tem por objetivo o convencimento das partes e do público de modo geral e também, como forma de controle de decisão, aplicar aos praticantes de ilícitos a penalidade cabível que se mostrar mais adequada. Dessa forma, acredita-se na importância do desenvolvimento do presente trabalho, a fim de se delimitar quais são as (im) possibilidades da aplicação do princípio da livre convicção motivada do juiz no âmbito penal. 13 2 O PROCESSO PENAL BRASILEIRO O Processo Penal Brasileiro é o meio utilizado para aplicação do Direito Penal. Basicamente, trata-se de um conjunto de normas/leis e princípios com o objetivo de tornar concretas as normas estabelecidas no Código Penal Brasileiro, tirando do abstrato as leis estabelecidas no Código Penal e aplicando-as na prática, através do processo penal, por intermédio de um ente estatal. A fim de suprir as demandas litigiosas penais, além do Código de Processo Penal, existem também as leis extravagantes, que são um complemento ao CPP, as quais são expressas na forma de leis esparsas, não integradas no Código de Processo Penal. De forma geral, o Processo Penal é um conjunto de princípios, leis e normas regulamentadoras que tem por finalidade disciplinar lides penais através da aplicação jurisdicional do Estado e seus auxiliares. Doravante, pois, o presente tópico tem por finalidade o breve estudo acerca do histórico do direito processual penal brasileiro e sistema processual aplicado, bem como apresentar uma análise acerca de alguns dos princípios que norteiam o processo penal, em especial o princípio da livre convicção motivada do juiz, questão chave do presente trabalho. 14 2.1 Conceito de Processo Penal Antes de iniciar-se o estudo histórico do processo penal em nosso país, se faz necessária uma definição clara e objetiva quanto ao conceito de processo penal, o qual é assim definido: Direito processual penal pode ser conceituado tendo em consideração três aspectos: o científico, o objetivo e o subjetivo. Direito processual penal ciência é o conhecimento sistemático e metódico das normas que regram o processo penal e dos princípios que as inspiram. Direito processual penal objetivo é o conjunto de normas do ordenamento jurídico responsáveis pela regulamentação do processo penal. Direito processual penal subjetivo é a possibilidade de agir do sujeito do processo, assegurada pela lei processual (MEDEIROS, 2006) 2. No entendimento do professor Jeferson Botelho (2011), “Direito Processual Penal é o ramo do ordenamento jurídico responsável pela definição das normas de aplicação do direito penal, estabelecendo um processo ético e civilizado a quem tenha praticado um fato definido como crime3”. Fernando Capez (2004)4 refere-se ao processo penal como sendo “o meio pelo qual o estado procede à composição da lide, aplicando o direito ao caso concreto e dirimindo os conflitos de interesse”; observa, ainda, que, “sem processo não há como solucionar o litígio (ressalvados os casos em que se admitem formas alternativas de pacificação), razão por que é instrumento imprescindível para resguardo da paz social”. Assim sendo, conforme o doutrinador supracitado, entende-se ser obrigação do Estado a resolução de conflitos e, quando estes forem impossíveis de resolver de forma alternativa, passa a ser imprescindível o resguardo da paz em meio à sociedade. 2 MEDEIROS, Flavio Meirelles. Direito Processual Penal. Aspectos históricos. Conceito. Fundamental e Complementar. Denominações. Instrumentalidade. In: Âmbito Jurídico, Rio Grande, IX, n. 27, mar 2006. Texto virtual. Disponível em: <http://www.ambito- juridico.com.br/site/index.php?n_link=revista_artigos_leitura&artigo_id=1017>. Acesso em out 2016. 3 BOTELHO, Jeferson. Direito Processual Penal. 09 fev. 2011. Disponível em: http://www.jefersonbotelho.com.br/direito-processual-penal-professor-jeferson-botelho/. Acesso 12 out. 2016. 4 CAPEZ, Fernando. Curso de Processo Penal. 11ª ed. São Paulo: Ed. Saraiva, 2004, p. 13. 15 Na mesma linha de pensamento, Mibarete5 oportuniza: Uma das tarefas essenciais do Estado é regular a conduta dos cidadãos por meio de normas objetivas sem as quais a vida em sociedade seria praticamente impossível. São assim estabelecidas regras para regulamentar a convivência entre as pessoas e as relações destas com o próprio Estado, impondo aos seus destinatários determinados deveres, genéricos e concretos, aos quais correspondem os respectivos direitos ou poderes das demais pessoas ou do Estado. Esse conjunto de normas denominado direito objetivo, exterioriza a vontade do Estado quanto à regulamentação das relações sociais, entre os indivíduos, entre os organismos do Estado ou entre uns e outros. Assim, o cidadão é autorizado a ter qualquer conduta que considere pertinente. Todavia, a mesma não pode ser uma afronta à lei, ou seja, não pode ser ilícita. Ademais, o referido doutrinador assim conceitua o processo penal: O direito processual penal constitui uma ciência autônoma no campo da dogmática jurídica, uma vez que tem objetivo e princípios que lhe são próprios. Sua finalidade é conseguir a realização da pretensão punitiva derivada da pratica de um ilícito penal, ou seja, é a de aplicar o Direito Penal. Tem, portanto, um caráter instrumental; constitui o meio para fazer atuar o direito material penal, tornando efetiva a função deste de prevenção e repressão das infrações penais. Doravante, Tourinho Filho6 ensina acerca do processo penal: É aquela parte do Direito que regula a atividade tutelar do Direito Penal. [...] É de observar que o direito Processual Penal compreende também a persecução fora do juízo, e, por isso preferimos conceituá-lo como Frederico Marques: conjunto de normas e princípios que regulam a aplicação jurisdicional do Direito Penal objetivo, a sistematização dos órgãos de jurisdição e respectivos auxiliares, bem como da persecução penal. Como visto, o direito processual penal é o ramo do direito público que regula a função do Estado de julgar as infrações penais e aplicar as penas. Processo é a sequência de atos interdependentes, destinados a solucionar um litígio, com a vinculação do juiz e das partes a uma série de direitos e obrigações7. Diante dos conceitos apresentados acima, passa-se ao estudo a respeito do histórico do Processo Penal Brasileiro, bem como de seus principais marcos e 5 MIRABETE, Júlio F. Processo Penal. 2ª ed. São Paulo, Ed. Altlas S.A., 1992, p. 23-30. 6 TOURINHO, Fernando da Costa Filho. Processo Penal. 35ª ed. São Paulo, Ed. Saraiva, 2013, p. 47. 7 IDECRIM- Instituto Jurídico Roberto Parentoni. Processo Penal. 2011. Texto virtual. Disponível em: <http://www.idecrim.com.br/index.php/direito/32-processo-penal>. Acesso em out. de 2016. 16 sistemáticas aplicadas, o qual se apresenta como o inverso das sistemáticas aplicadas atualmente no ordenamento jurídico nacional. 2.2 Breve histórico do Processo Penal brasileiro A história do Processo Penal Brasileiro remonta ao período imperial. Pacelli8 destaca que, após o período de vigência das leis de Portugal (do século XVI ao início do século XIX), obteve-se a primeira legislação codificada como Código de Processo Criminal de Primeira Instância, em meados de 1832, o qual se subordinava à Constituição Política do Império do Brasil de 1824, ambas outorgadas pelo imperador Dom Pedro I. Explica ainda o doutrinador que, na época, o princípio fundamental que norteava o Código de Processo Penal era o de presunção de culpabilidade, dispondo que não havia como ser inocente uma pessoa que responde criminalmente perante a autoridade judiciária, ou seja, sendo ou não o cidadão autor do suposto litígio, o mesmo seria culpado, pois a sua culpa era presumida. Júlio F. Mirabete9 destaca que, antes do código de Processo Penal do Império, datado de 1832, ter entrado em vigência, vigorou o código de D. Sebastião, criado em meados de 1580 e que perdurou até por volta de 1603, quando foram promulgadas as Ordenações Filipinas, uma espécie de novo código, as quais posteriormente foram substituídas pelo Código Processual Criminal de Primeira Instância, de 1832. A Proclamação da República do Brasil, em 15 de novembro de 1889, marcou o início de um novo tempo. Posteriormente, em 1891, uma nova Constituição foi promulgada, por meio da qual, segundo os ensinamentos do doutrinador acima citado, “os Estados passaram a ter suas próprias constituições e leis, inclusive as de caráter processual, mas poucos se utilizavam dessa faculdade de legislar”. Mirabete 8 PACELLI, Eugênio. Curso de Processo Penal. 18ª ed. Ed. Altlas S/A, São Paulo, 2014, p. 5-6. 9 MIRABETE, 1992, p. 37-38. 17 ainda expõe que, em 1934, foi promulgada nova Constituição Federativa a qual unificou a legislação processual penal. Posteriormente, através do Decreto Lei nº 3.689, de 3 de outubro de 1941, sancionado por Getúlio Vargas, presidente do governo na época, foi criado o Código de Processo Penal brasileiro, que encontra-se em vigor na atualidade. Embora ainda vigente, o Código de Processo Penal de 1941 já não se faz suficiente para suprir as necessidades atuais, razão pela qual foram criadas leis especificas para determinados atos, não previstos no Código de Processo Penal original. Em 1988, com a promulgação da atual Constituição da República, passou a ser registrado um embate: as amplas garantias individuais, estabelecidas pela Constituição, opõem-se diretamente ao Código de Processo Penal no que versa sobre presunção de culpa, determinando, em seu art. 5ª, LVIII, que “ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória”. Sendo assim, ao interpretar-se a legislação expressa na Constituição, entende-se que não mais se presume a culpa, mas sim a inocência do suposto infrator, o que desencadeou inúmeros debates no período de adequação à nova legislação, visto as dúvidas e mudanças dela decorrentes. Percebe-se que a aplicação do processo penal teve uma brusca e radical alteração, a fim de enquadrar-se à nova Constituição Federal, que é a lei suprema, deixando de ser pautada no princípio da culpabilidade e voltando-se a garantir direitos do indivíduo em face ao Estado. Doravante, com passar dos anos, o pensamento foi direcionando-se à aceitação de presunção de inocência, deixando para trás a presunção de culpabilidade. Hoje se presume inocente o suposto autor do fato até o trânsito julgado da sentença condenatória, diferentemente do que ocorria antigamente quando se presumia a culpa do acusado muito antes até do termino do processo e, por vezes até, presumia-se culpado um inocente. Dessa forma, por se entender ultrapassado o vigente código de processo penal, segundo o Instituto Brasileiro de Direito Processual Penal – IBRASPP, tem-se 18 em tramitação no Congresso Nacional o projeto de Lei 156/2009, que visa à reforma global do Código de Processo Penal10. 2.3 Sistema processual penal brasileiro Para compreender os sistemas processuais penais é necessário, antes de qualquer coisa, compreender o significado da palavra “sistema”. Irving Marc Shikasho Nagima11 destaca que, etimologicamente, sistema – no viés jurídico – é o conjunto de normas coordenadas entre si, intimamente correlacionadas, que funcionam como uma estrutura organizada dentro do ordenamento jurídico. O sistema processual penal brasileiro é dividido em três modos, quais sejam: sistema inquisitivo, sistema acusatório e sistema misto. O sistema inquisitivo, no entendimento de Mirabete12, apresenta-se da seguinte forma: No sistema inquisitivo encontra-se mais uma forma auto defensiva de administração da justiça do que de um genuíno processo de apuração da verdade. Tem suas raízes no direito Romano, quando por influencia da organização política do Império, se permitiu ao juiz iniciar o processo de ofício. O sistema acusatório, na lição do referido doutrinador, tem raízes na Grécia e em Roma, sendo “instalado com fundamento na acusação oficial, embora se permitisse, excepcionalmente, a iniciativa da vítima, de parentes mais próximos e até de qualquer povo”. Esse sistema floresceu e é adotado pela maioria dos países americanos. 10 IBRASPP- Instituto Brasileiro de Direito Processual Penal. Novo código de Processo Penal. Texto digital. 2011, Disponível em: <http://www.ibraspp.com.br/sem-categoria/novo-codigo-de- processo-penal>. Acesso em jul. de 2016. 11 NAGIMA, Irving Marc Shikasho, Sistemas Processuais penais. 2011, Texto digital. Disponível em: <http://www.direitonet.com.br/artigos/exibir/6193/Sistemas-Processuais-Penais>. Acesso em jul.2016. 12 MIRABETE, 1992, p. 41. 19 Por fim, o “sistema misto, ou sistema acusatório formal, é constituído de uma instrução inquisitiva (de investigação preliminar e instrução preparatória) e de um posterior juízo contraditório (de julgamento)”. Portanto, seria a junção dos dois primeiros sistemas para formar o terceiro misto. Pacelli 13 informa que, embora existam os três sistemas, o que predomina no atual sistema processual brasileiro é o “sistema de natureza mista, isto é, com feições acusatórias e inquisitórias”. Ou seja, ora com características de inquisitório, ora com acusatório, dependendo do ato que se está a praticar no momento. Divergente ao doutrinador citado anteriormente, Badaró14 defende que o “sistema misto, caracterizado pela junção dos sistemas anteriores, não fluiu, muito embora não haja atualmente sistemas acusatórios e inquisitórios puros”, ou seja, que o processual penal atual não é de sistema misto, porém, também não é puro inquisitório, tampouco, puro acusatório. Entende-se, assim, que dependendo da natureza processual penal, haverá mais de um ou de outro sistema a aplicar-se no fato concreto, mas que isso não chega a caracterizar um sistema misto de atuação. Por outro lado, Fernando Capez defende que o sistema acusatório é o que vige entre nós, o qual é caracterizado em ser “contraditório, público, imparcial, assegura ampla defesa; há distribuição das funções de acusar, defender e julgar a órgãos distintos”. Expõe, ainda, que o sistema inquisitivo caracteriza-se por ser: [...] sigiloso, sempre escrito, não é contraditório e reúne na mesma pessoa às funções de acusar, defender e julgar. O réu é visto nesse sistema como, mero objeto de persecução, motivo pelo qual práticas como a tortura eram frequentemente admitidas como meio de obter a prova- mãe: a confissão15. Quanto ao sistema misto, o autor destaca que o mesmo caracteriza-se por ter uma “fase inicial inquisitiva, na qual se procede a uma investigação preliminar e a 13 PACELLI, 2014, p. 13-14. 14 BADARÓ, Gustavo Henrique. Direito Processual Penal – Tomo I. Rio de Janeiro:Elsevier Editora Ltda., 2008, p. 36. 15 CAPEZ, 2004, p. 40 - 41. 20 uma instrução preparatória. E uma fase final, em que se procede ao julgamento com todas as garantias do processo acusatório”. Dessa forma, verifica-se que o entendimento quanto ao atual sistema processual aplicado não é pacífico, podendo-se constatar a existência de uma expressão complexa, marcada pela presença de mais de um sistema, mistura, mesmo que não em igual proporção, em um único processo. 2.4 Princípios norteadores do Processo Penal Conforme já frisado anteriormente, o atual código de processo penal brasileiro é ultrapassado, não se fazendo suficiente para suprir as demandas litigiosas. Dessa forma, a fim de suprir a falta de determinados dispositivos legais, aplicam-se, de forma implícita, os princípios constitucionais que são regulamentadores dos sistemas processuais. Com o intuito de garantir a aplicação correta da lei, vários princípios e regras são utilizados como ferramenta fundamental para a aplicação do processo penal, pois a passagem de tempo entre a entrada em vigor do referido código e o momento atual não condizem com a mesma realidade social, dificultando ou mesmo inviabilizando a aplicação dos dispositivos legais do mesmo no contexto atual de sociedade. Dessa forma, várias decisões penais julgadas são pautadas em princípios constitucionais. Em atenção ao propósito deste trabalho, que tem como foco analisar especialmente a aplicabilidade do princípio da livre convicção motivada na análise da prova pericial, buscando uma compreensão maior do assunto em questão, serão abordados, a seguir, alguns dos princípios que norteiam o processo penal brasileiro. 21 2.4.1 Princípio do devido processo legal O princípio do devido processo legal encontra-se previsto na Constituição Federal, em seu art. 5ª, LIV16, que estabelece: “ninguém será privado da liberdade ou de seus bens sem o devido processo legal”. Mirabete17 entende que o referido princípio teve origem na Carta Magna Inglesa de 1215, com a expressão “a aplicação de sansão só poderia ser efetuada de acordo com a lei da terra”. Em outras palavras, não haveria vedação da liberdade sem lei anterior que a estabelecesse. Ao entendimento de Capez18, tal princípio “consiste em assegurar à pessoa o direito de não ser privada de sua liberdade e de seus bens, sem a garantia de um processo desenvolvido na forma que estabelece a lei”, ou seja, não é possível a privação de liberdade sem a aplicação da legislação pertinente. Na visão de Eliana Descovi Pacheco19, “o processo há de ser o devido, ou seja, o adequado à espécie, o apto a tutelar o interesse discutido em juízo e resolver com justiça o conflito. Tendo ele que obedecer a prescrição legal e principalmente necessitando atender a Constituição”. 16 BRASIL, Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil. 11ª ed. São Paulo: Saraiva, 2011, Art. 5º, LIV. 17 MIRABETE, 1992, p. 27. 18 CAPEZ, 2004, p. 30. 19 PACHECO, Eliana Descovi. Princípios Norteadores do Direito Processual Penal. Texto digital. 2007. Disponível em: http://www.ambitojuridico.com.br/site/index.php?n_link=artigos_leitura_pdf&artigo_id=3913. Acesso em out 2016. 22 2.4.2 Princípio da presunção de inocência Implícito no art. 5ª LVII da Constituição Federal20, o princípio da presunção de inocência determina que “ninguém será considerado culpado até o trânsito julgado da sentença penal condenatória”. Em relação ao processo penal, talvez este seja o princípio que mais teve repercussão, visto que, anteriormente, conforme já mencionado neste estudo, presumia-se a culpa e não a inocência do suposto autor do delito. No entendimento de Capez, tal princípio tem três aspectos importantes, assim apresentados: a) no momento da instrução processual, como presunção legal relativa de não culpabilidade, invertendo-se o ônus da prova; b) no momento da avaliação da prova, valorando-a em favor do acusado quando houver dúvida; c) no curso do processo penal, como paradigma de tratamento do imputado, especialmente no que concerne à análise da necessidade da prisão processual. Convém lembrar que a Súmula 9 do Superior Tribunal de Justiça, segundo a qual a prisão processual não viola o princípio do estado de inocência21. Nas palavras de Eliana D. Pacheco, tal princípio pode ser assim entendido: Este princípio é também denominado de princípio do estado de inocência ou da não culpabilidade. Mesmo respondendo a inquérito policial ou processo judicial, e neste sendo condenado, o cidadão não pode ser considerado culpado, antes do trânsito em julgado da sentença penal condenatória. O tratamento dispensado ao acusado deve ser digno e respeitoso, evitando-se estigmatizações22. Desse modo, compreende-se que o princípio da presunção de inocência consiste em garantir ao acusado inocência até o trânsito julgado da sentença penal condenatória. 20 BRASIL, Constituição da República Federativa do. 2011, art. 5º, LVII; 21 CAPEZ, 2004, p.39. 22 PACHECO, 2007, texto digital. 23 2.4.3 Princípio do juiz natural Previsto no art., art. 5ª, LIII – “ninguém será processado nem sentenciado senão pela autoridade competente” 23. Assim, o princípio do juiz natural expõe que o julgamento processual será proferido por um juiz competente, dotado de jurisdição constitucional, dizendo que ninguém será sentenciado se não o assim sendo. O doutrinador Tourinho Filho assim denomina o princípio do juiz natural: Constitui a expressão mais alta dos princípios fundamentais da administração da justiça. Juiz natural, ou juiz constitucional, ou que outra denominação tenha, é aquele cuja competência resulta, no momento do fato, das normas legais abstratas. É enfim, o órgão previsto explicita ou implicitamente no texto da Carta Magma e investido do poder de julgar24. Para Fernando Capez, esse princípio é “fundamental na função jurisdicional”: Significa dizer que todos têm a garantia constitucional de serem submetidos a julgamento somente por órgão do Poder Judiciário, dotado de todas as garantias institucionais e pessoais previstas no Texto Constitucional. Juiz natural é, portanto, aquele previamente conhecido, segundo regras objetivas de competência estabelecidas anteriormente á infração penal, investido de garantias que lhe assegurem absoluta independência e imparcialidade25. Pacelli assim conceitua o princípio em questão: O principio do juiz natural tem origem no Direito anglo-saxão, construído inicialmente com base na ideia da vedação do tribunal de exceção, isto é, a proibição de se instituir ou de se construir um órgão do Judiciário exclusivamente ao casuisticamente para o processo e julgamento de determinada infração penal26. Seguindo a mesma linha de raciocínio, Mirabete sucinta que: A lei penal não pode ser aplicada senão seguindo-se as formas processuais estabelecidas na lei, ou em outras palavras: o direito penal material não pode ser realizado senão pela via do direito processual penal, de sorte que ninguém poderá ser punido senão mediante um juízo regular e legal 27. 23 BRASIL, Constituição da República Federativa do, 2011, art. 5ª, LIII. 24 TOURINHO, 2013, p. 65. 25 CAPEZ, 2004, p. 10. 26 PACELLI, 2014, p.37. 24 Eliana, por sua vez, expõe: Juiz natural compreende-se aquele dotado de jurisdição constitucional, com competência conferida pela Constituição Federativa do Brasil ou pelas leis anteriores ao fato. Pois, somente o órgão pré-constituído pode exercer a jurisdição, no âmbito predefinido pelas normas de competência assim, o referido princípio é uma garantia do jurisdicionado, da jurisdição e do próprio magistrado, porque confere ao primeiro direito de julgamento por autoridade judicante previamente constituída, garante a imparcialidade do sistema jurisdicional e cerca o magistrado de instrumentos asseguratórios de sua competência, regular e anteriormente fixada28. Em outras palavras, o princípio do juiz natural garante que a aplicabilidade da lei seja de competência de autoridade devidamente designada, estabelecendo que ninguém será sentenciado senão pela autoridade competente, a qual representa a garantia de um órgão julgador técnico e isento, com competência estabelecida na própria Constituição e nas leis de organização judiciária de cada Estado. 2.4.4 Princípio da publicidade De regra, todo processo é público, salvo casos previstos em lei, como por exemplo, art. 5º, LX, e 93 IX da CF 29, a seguir expostos: Art. 5º - LX - a lei só poderá restringir a publicidade dos atos processuais quando a defesa da intimidade ou o interesse social o exigirem; Art. 93, IX - todos os julgamentos dos órgãos do Poder Judiciário serão públicos, e fundamentadas todas as decisões, sob pena de nulidade, podendo a lei limitar a presença, em determinados atos, às próprias partes e a seus advogados, ou somente a estes, em casos nos quais a preservação do direito à intimidade do interessado no sigilo não prejudique o interesse público à informação. 27 MIRABETE, 1992, p.27. 28 PACHECO, 2007, texto digital. 29 BRASIL, Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil. 11ª ed. São Paulo: Saraiva, 2011. 25 Ainda comporta a exceção ao aluído princípio o art. 792, § 1º30 do Código de Processo Penal, o qual assim dispõe: Art. 792-§ 1o Se da publicidade da audiência, da sessão ou do ato processual, puder resultar escândalo, inconveniente grave ou perigo de perturbação da ordem, o juiz, ou o tribunal, câmara, ou turma, poderá, de ofício ou a requerimento da parte ou do Ministério Público, determinar que o ato seja realizado a portas fechadas, limitando o número de pessoas que possam estar presentes. Para Capez31, “vigora entre nós o princípio da publicidade absoluta ou publicidade popular, pois as audiências, sessões e atos processuais são franqueados ao público em geral”, com base no disposto no art. 792 CPP32: Art. 792. As audiências, sessões e os atos processuais serão, em regra, públicos e se realizarão nas sedes dos juízos e tribunais, com assistência dos escrivães, do secretário, do oficial de justiça que servir de porteiro, em dia e hora certos, ou previamente designados. O supracitado doutrinador destaca ainda que tal princípio é uma forma de “garantia de independência, imparcialidade, autoridade e responsabilidade do juiz”, visto que sendo públicos, é acessível à apreciação pelas partes interessadas no litígio, impossibilitando assim qualquer ato obscuro. Expõe Mirabete33, igualmente, que “a publicidade é uma garantia para o indivíduo e para a sociedade decorrente do próprio princípio democrático. O princípio da publicidade dos atos processuais, profundamente ligado à humanização do processo penal”. Eliana D. Pacheco assim entende o princípio da publicidade: Todo processo é público, isto, é um requisito de democracia e de segurança das partes (exceto aqueles que tramitarem em segredo de justiça). É estipulado com o escopo de garantir a transparência da justiça, a imparcialidade e a responsabilidade do juiz. A possibilidade de qualquer indivíduo verificar os autos de um processo e de estar presente em audiência revela-se como um instrumento de fiscalização dos trabalhos dos 30 BRASIL, Código de Processo Penal. 1941. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/Del3689.htm>. Acesso em jul. de 2016. 31 CAPEZ, 2004, p. 24-28. 32 BRASIL, Código de Processo Penal, 1941, texto digital. Art. 792. e 792 §1º. 33 MIRABETE, 1992, p. 46. 26 operadores do Direito. [...] A publicidade minimiza o arbítrio e submete à regularidade processual e a justiça da decisão do povo34. Sendo assim, conclui-se que, de regra, o processo é público e qualquer pessoa pode ter acesso a ele, exceto casos previstos em lei, já descritos anteriormente. 2.4.5 Princípio da verdade real A busca da verdade no processo penal consiste na verificação correta dos fatos, não se fazendo justa a sentença que discorda com efetiva realidade do ato ilícito. Embora, por vezes, a verdade real não possa ser extremante absoluta, busca- se a maior aproximação possível daquilo que se denomina sobre verdade. Dessa forma, entende Capez: No processo penal, o juiz tem o dever de investigar como os fatos se passaram na realidade, não se conformando com a verdade formal constante dos autos. Desse modo “o juiz, poderá, no curso da instrução ou antes de proferir sentença, determinar de oficio, diligencias para diminuir duvida sobre ponto relevante” (CPP. art.156). Este princípio é próprio do processo penal, já que no cível o juiz deve conformar-se com a verdade trazida aos autos pelas partes35. Tourinho Filho expõe que “o processo penal deve tender a averiguação e descobrimento da verdade real, da verdade material, como fundamento da sentença”. Salienta ainda que, contrário aos procedimentos comuns no processo civil, onde basta verdade formal ou convencional para julgar, no processo penal o juiz tem o dever de investigar a verdade real. De fato, enquanto o Juiz não penal deve satisfazer-se com a verdade formal ou convencional que surja das manifestações formuladas pelas partes, e sua indagação deve circunscrever-se aos fatos por elas debatidos, no processo penal, tal qual está no ordenamento, o Juiz tem o dever de investigar a verdade real, procurar saber como os fatos se passaram na realidade, quem realmente praticou a infração em que condições a perpetrou, para dar base certa à justiça36. 34 PACHECO, 2007, texto digital. 35 CAPEZ, 2004, 26. 36 TOURINHO, 2013, p. 59. 27 Dessa forma “a função punitiva do Estado só pode fazer valer-se em face daquele que realmente tenha cometido uma infração, portanto, o processo penal deve tender à averiguação e a descobrir a verdade real” 37·. Assim, embora não seja exata a verdade real, o juiz tem o dever de investigar, através das formas admitidas pela lei, a fim de aperfeiçoar a justiça, de forma ponderada e coerente, observando de fato a maior aproximação possível com a realidade. 2.4.6 O princípio do livre convencimento O art. 93, inciso IX, da Constituição Federal de 198838, prevê abstratamente o princípio da livre convicção motivada, determinando que todas as decisões devem, sob pena de nulidade, serem motivadas e devidamente fundamentadas. Art.93, IX- Todos os julgamentos dos órgãos do Poder Judiciário serão públicos, e fundamentadas todas as decisões, sob pena de nulidade, podendo a lei limitar a presença, em determinados atos, às próprias partes e a seus advogados, ou somente a estes, em casos nos quais a preservação do direito à intimidade do interessado no sigilo não prejudique o interesse público à informação. Desse modo, entende-se ser permitido ao juiz apreciar livremente as provas. Todavia, estabelece a Constituição que é necessário o pronunciamento motivado, justificado e fundamentado do juiz. Dessa forma, Tourinho Filho analisa: O juiz, em face das provas existentes nos autos, tem inteira liberdade na sua apreciação. Pode desprezar o depoimento de quatro testemunhas, por exemplo, e respaldar sua decisão num único depoimento. Este é o princípio do livre convencimento. Confere ao juiz inteira liberdade na apreciação das provas, conquanto fundamente sua decisão39. 37 PACHECO, 2007, texto digital. 38 BRASIL, Constituição da República Federativa do, 2011, Art.93, IX. 39 TOURINHO, 2013, p. 67. 28 Ainda, o Código de Processo Penal, em seu art. 155, caput 40, traz o princípio da livre convicção expressamente estabelecido pelo legislador, informando que, depois de apreciado o contraditório judicial, o juiz formará sua convicção livre: Art. 155. O juiz formará sua convicção pela livre apreciação da prova produzida em contraditório judicial, não podendo fundamentar sua decisão exclusivamente nos elementos informativos colhidos na investigação, ressalvadas as provas cautelares, não repetíveis e antecipadas. O doutrinador Nelson assim compreende o princípio da livre convicção: Livre convencimento motivado. O juiz é soberano na análise das provas produzidas nos autos. Deve decidir de acordo com o seu convencimento. Cumpre ao magistrado dar as razões de seu convencimento. Decisão sem fundamentação é nula pleno jure (CF 93 IX). Não pode utilizar-se de fórmulas genéricas que nada dizem. Não basta que o juiz, ao decidir, afirme que defere ou indefere o pedido por falta de amparo legal; é preciso que diga qual o dispositivo de lei que veda a pretensão da parte ou interessado e porque é aplicável no caso concreto41. O autor Frederico Marques observa que o sistema do livre convencimento não significa, necessariamente, livre arbítrio, assim afirmando: Não significa liberdade de apreciação das provas em termos tais que atinja as fronteiras do mais puro arbítrio. Esse princípio libertou o juiz, ao ter de examinar a prova, de critérios apriorísticos contidos na lei, em que o juízo e a lógica do legislador se impunham sobre opinião que em concreto podia o magistrado colher; não o afastou, porém, do dever de decidir segundo as ditames do bom senso, da lógica e da experiência. O livre convencimento que hoje se dota no direito processual não se confunde com o julgamento por convicção íntima, uma vez que o livre convencimento lógico e motivado é o único aceito pelo moderno processo penal 42. Diante disto, conclui-se que o juiz é livre para decidir, porém deverá fazê-lo de forma fundamentada ao prolatar a decisão. 40 BRASIL, Código de Processo Penal, 1941, texto digital. Art. 155. 41 NERY JÚNIOR, Nelson. Princípios do Processo Civil na Constituição Federal. 8. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2004 .p. 519. 42 MARQUES, Frederico. Elementos do direito processual penal. São Paulo: Bookseller, 1997, vol. II, p. 278. 29 2.4.7 Princípio da oficialidade A fim de minimizar a prática criminosa, é dever do Estado instituir os meios de combate penal. Dessa forma, o princípio da oficialidade é introduzido no âmbito penal. Mirabete destaca que “a repressão ao criminoso é função essencial do Estado, deve ele instituir órgão que assumam a persecução penal. É o princípio da oficialidade, de que os órgãos encarregados de deduzir a pretensão punitiva sejam órgãos oficiais” 43. Desta forma, entende-se que embora não sejam absolutas, de regra, as ações penais são públicas, oportunizadas pelo Ministério Público e pelo poder de Polícia. Todavia, também pode ser privada, oportunizada pelo ofendido ou por quem tenha legitimidade para representá-lo. No entendimento de Capez, o princípio da oficialidade estabelece as responsabilidades de cada ente no decorrer da ação, assim afirmando: A Constituição consagra o principio da oficialidade ao dispor que a ação penal pública é privativa do Ministério Público (CF, art. 129, I) e que a função de policia judiciária incumbe a policia civil (CF, art. 144§ 4º, c/c, CPP, art. 4º). O sistema admite exceções, como, por exemplo, a ação penal privada, incluindo-se a privada subsidiaria da publica, cabível no caso de desídia do órgão ministral (CF art. 5ª, LIX) e a ação penal popular, para os casos de crimes de responsabilidade praticados pelo procurador - geral da República e por ministros do Supremo Tribunal Federal (Lei n. 1.079/50, art. 41, 58,65 e 66)44. Assim sendo, o princípio da oficialidade consiste em um dever do estado com o cidadão. Cabe ao estado reprimir a prática delituosa e assegurar os direitos fundamentais do cidadão. 43 MIRABETE, 1992, p. 47. 44 CAPEZ, 2004, p.22. 30 2.4.8 Princípio da legalidade O princípio da legalidade está previsto na Carta Magna de 1988, em seu art. 5º - XXXIX, segundo o qual “não há crime sem lei anterior que o defina, nem pena sem prévia cominação legal”. Assim sendo, Macedo explica: Na esfera penal-processual o princípio da legalidade está também bastante relacionado ao art. 5°, inciso xxxix da CF, pois o mesmo o mesmo revela que “não há crime sem lei anterior que o defina, nem pena sem prévia cominação legal”. Esse princípio tem uma abrangência ampla, estabelece que os comandos jurídicos devam ver realizados por regra normativa geral, sendo assim acaba que todos os comportamentos humanos estão submetidos ao principio da legalidade45. Leonardo Galardo46 explica que, ao tratar-se de princípio da legalidade, pode- se afirmar que deve ser respeitada a legalidade formal (forma de criação da lei) e a legalidade material (conteúdo da lei). Preceitua ainda que a legalidade pode ser compreendida como princípio essencial do direito penal, por quatro funções específicas: a) proíbe a retroatividade da lei penal; b) proíbe a criação de crimes e penas pelos costumes; c) proíbe o emprego de analogia para criar crimes, fundamentar ou agravar penas; d) proíbe incriminações vagas e indeterminadas. Face ao exposto, para continuidade da compreensão , segue estudo acerca das provas no processo penal. 45 MACÊDO, Tahiana Fernandes de. Os princípios constitucionais no processo penal e limite ao poder punitivo do estado, 2005, Texto digital. Disponível em: <http://www.direitonet.com.br/artigos/exibir/2337/os-principios-constitucionais-no-processo-penal-e- limite-ao-poder-punitivo-do-estado>. Acesso em out. de 2016. 46 GALARDO, Leonardo. Direito Penal e Processo Penal com Leonardo Galardo. Texto digital, 2011. Disponível em: <http://www.leonardogalardo.com/2011/10/principio-da-legalidade.html>. Acesso em out. 2016. 31 3 DAS PROVAS NO PROCESSO PENAL Prova é o meio pelo qual o magistrado se convence da ocorrência ou inocorrência de fatos relevantes para o julgamento do processo. Tem por finalidade influenciar no convencimento motivado do juiz e provar a veracidade do ato ilícito. Assim, o objetivo deste capítulo será estudar os meios de provas pertinentes ao processo penal e suas possibilidades de aplicação diante do fato concreto. 3.1 Conceito de Prova Originária do latim probatio, prova significa experimentação, verificação, exame, confirmação, reconhecimento, confronto. Conforme entendimento de Aranha47, o significado jurídico da prova corresponde aos atos e meios usados pelas partes, reconhecidos pelo juiz como sendo a verdade dos fatos alegados. Completando o entendimento, Capez48 expõe que prova é o alicerce do processo. 47 ARANHA, Adalberto José Q. T. de Camargo. Da prova no Processo Penal. 6ª ed. São Paulo, Ed. Saraiva, 2004, p.5. 48 CAPEZ, 2004, p. 259. 32 Do latim probatio, é o conjunto de atos praticados pelas partes, pelo juiz [...] e por terceiros [...],destinados a levar ao magistrado a convicção acerca da existência ou inexistência de um fato, da falsidade ou veracidade de uma afirmação. Trata-se, portanto, de todo e qualquer meio de percepção empregado pelo homem com a finalidade de comprovar a verdade de uma alegação. Por outro lado, no que toca a finalidade da prova, destina-se à formação da convicção do juiz acerca dos elementos essenciais para a deslinde da causa. Sem dúvida alguma, o tema referente à prova é o mais importante de toda a ciência processual, já que as provas constituem os olhos do processo, o alicerce sobre o qual se ergue toda a dialética processual. Sem provas idôneas e válidas, de nada adianta desenvolverem- se aprofundados debates doutrinários e variadas vertentes jurisprudenciais Sobre temas jurídicos, pois a discussão não terá objeto. Távora 49, por outro lado, explica que “prova é tudo aquilo que contribui para a formação do convencimento do magistrado, demonstrando os fatos, atos, ou até mesmo o próprio direito discutido no litígio”. Já, nas palavras de Badaró 50, “a prova é apontada como meio pelo qual o juiz chega à verdade, convencendo-se da ocorrência ou inocorrência dos fatos juridicamente relevantes para o julgamento do processo”. De outra banda, ao conceituar prova, Mirabete expõe: Para que o juiz declare a existência da responsabilidade criminal e imponha sanção penal a uma determinada pessoa é necessário que adquira a certeza de que se foi cometido um ilícito penal e que seja a autora. Para isso deve convencer-se de que são verdadeiros determinados fatos, chegando à verdade quando a ideia que forma em sua mente se ajusta perfeitamente com a realidade dos fatos. Da apuração dessa verdade trata a instrução, fase do processo em que as partes procuram demonstrar o que objetivam, sobretudo para demonstrar ao juiz a veracidade ou falsidade da impugnação feita ao réu e das circunstancias que possa, influir no julgamento da responsabilidade e na individualização das penas. Essa demonstração que deve gerar no juiz a convicção de que necessita para o seu pronunciamento é o que constitui a prova 51. Pacelli assim define a função da prova, em um processo penal: A prova judiciária tem um objetivo claramente definido: a reconstrução dos fatos investigados no processo, buscando a maior coincidência possível com a realidade histórica, isto é, com a verdade dos fatos, tal como efetivamente ocorridos no espaço e no tempo. A tarefa, portanto, é das mais difíceis, quando não impossível: a reconstrução da verdade52. 49 TÁVORA, Nestor. Curso de Direito Processual Penal. 4ª ed. Salvador, 2009, p. 308. 50 BADARÓ, 2008, p.195. 51 MIRABETE, 1992, p. 248. 52 PACELLI, 2014, p. 327. 33 Marcellus, apud Nicola Framarico dei Malatesta, ao direcionar as provas no processo penal, assim dispõe: O fim supremo do processo judiciário penal é a verificação do delito, em sua individualidade subjetiva e objetiva. Todo processo penal, no que respeita o conjunto das provas, só tem importância do ponto de vista da certeza do delito, alcançando ou não... O objetivo principal da critica criminal é, portanto, indagar como, da prova, pode legitimamente nascer a certeza do delito; o objetivo principal de suas investigações é, em outros termos, o estudo das provas de certeza 53. Desse modo, verifica-se que a prova é o meio pelo qual o magistrado chega à realidade do processo e a convicção necessária para julgá-lo. 3.2 Meios de prova admitidos no Direito Processual Penal O direito processual penal admite, em regra, qualquer meio de prova, exceto a prova ilícita. Rege no âmbito processual penal o princípio da verdade real, o qual é de suma importância na verificação e avaliação da prova, pautando-se na realidade do fato ocorrido. Como dito, é inadmissível a produção de prova ilícita, consoante previsto na Constituição federal, art. 5º, LVI54, segundo o qual “São inadmissíveis, no processo, as provas obtidas por meios ilícitos”. A prova é considerada como um instrumento fundamental ao Poder Judiciário, tendo em vista que por meio dela é possível se chegar à verdade dos fatos, e, por conseguinte, na solução do conflito. [...]Tem-se que o instituto da prova, é elemento essencial para a lide (pretensão punitiva do Estado resistida pelo agente infrator). Sob esse aspecto, foi compreendido que a prova deve ser encoberta de seriedade, calcada em elementos concretos e passíveis de comprovação científica55. 53 LIMA, Marcellus Polastri. Apud Malatesta. Manual de Processo Penal. 1ª Ed. Rio de Janeiro, Ed. Lumen Jus Ltda, 2007, p.343. 54 BRASIL, Constituição da República Federativa do, 2011. Art. 5ª, LVI. 55 OLIVEIRA, Dayanne Brumatti de. O princípio da livre convicção motivada e a prova perical no Processo Penal. [2015?] Disponível em: <http://advdaybo.jusbrasil.com.br/artigos/188468589/o- principio-do-livre-convencimento-motivado-e-a-prova-pericial-no-processo-penal>. Acesso em out. de 2016. 34 Badaró56, ao mencionar a produção de provas ilícitas, expõe que “a prova ilícita, conforme já assinalado pela doutrina e jurisprudência [...] é inadmissível no processo. Se nele ingressar, será considerada um não ato, ou meio de prova juridicamente inexistente”. Desse modo, entende-se que são admitidos quaisquer meios de prova desde que lícitas, direta ou indiretamente, a fim de demonstrar a verdade real do fato ocorrido. Capez57 afirma que: Como é sabido, vigora no direito processual penal o princípio da verdade real, de tal sorte que não há de se cogitar qualquer espécie de limitação à prova, sob pena de frustrar o interesse estatal na justa aplicação da lei. Tanto é verdade essa afirmação que a doutrina e jurisprudência são unânimes em assentir que os meios de prova elencados no rol de arts. 185 [..] e 239 do Código de Processo Penal são meramente exemplificativos, sendo perfeitamente possível a produção de outras provas, distintas daquelas ali enumeradas. Dias58 conceitua meios de provas como sendo tudo que integrar os autos: Portanto, meios de prova é conceituado como tudo aquilo que puder servir direta ou indiretamente à comprovação da verdade real pela qual se busca no processo. Quanto à questão da classificação das provas, relacionada aos meios de prova empregados em direção à reprodução da prova, dependendo dos meios utilizados, esta pode ser pessoal (referente a pessoas), e, real (referente a coisas). A prova pessoal caracteriza-se por ser aquela resultante da atividade de uma pessoa (exemplo: depoimentos). Já a prova real se configurará quando impulsionada pela observação ou pela existência nos autos da coisa em si, exemplificando, tem-se os instrumentos utilizados na prática do delito. Salienta-se, ainda, que os vários meios de prova especificados no Código de Processo Penal Brasileiro, constituem os chamados meios legais de prova. Doravante, Marcellus59 aduz que “meios de prova são os elementos que podem justificar ou esclarecer os fatos que apuram, através dos quais se irá adquirir o conhecimento de um objeto de prova”. Ressalva ainda que “desde que os meios de prova não sejam indignos, imorais, ilícitos ou ilegais, respeitando a ética e o valor 56 BADARÓ, 2008, p. 208. 57 CAPEZ, 2004, p. 271. 58 DIAS, Fábio Coelho. A prova pericial no Direito Processual Penal brasileiro. In: Âmbito Jurídico, Rio Grande, XIII, n. 80, set 2010. Disponível em: <http://www.ambito- juridico.com.br/site/index.php?n_link=revista_artigos_leitura&artigo_id=8452>. Acesso em out. 2016. 59 LIMA, 2007, p. 351. 35 da pessoa humana, poderão ser admitidos no processo, mesmo que não estejam legalmente relacionados no Código de Processo penal”. Com relação ao estabelecido no Código de Processo Penal, são considerados meios de prova, segundo o referido doutrinador acima citado: a) exame de corpo de delito e outras perícias; b) interrogatório do acusado; c) perguntas ao ofendido, d) testemunhas; e) reconhecimento de pessoas ou coisas; f) acareação; g) documentos; h) busca e apreensão; i) indícios. 3.2.1 Exame de corpo de delito e outras perícias Conforme previsão legal é indispensável o exame de corpo de delito nos crimes que deixarem vestígios. Assim é o que dispõe o art. 158, do Código de Processo Penal60: “Quando a infração deixar vestígios é indispensável o exame de corpo de delito, direto ou indireto, não podendo supri-lo a confissão do acusado”. Ao conhecimento de Aranha61, corpo de delito constitui a soma de todos os sinais e vestígios deixados por um delito. Consequentemente, exame de corpo de delito constitui a análise técnica de tais vestígios. Na lição de Mirabete62, corpo de delito consiste nos vestígios que podem ser identificados por meio de exame pericial, assim dispondo: (...) conjunto de vestígios materiais deixados pela infração penal, a materialidade do crime, aquilo que se vê, apalpa, sente, em suma, pode ser examinado através dos sentidos. [...] o exame destina-se a comprovação por perícia dos elementos objetivos do tipo, que diz respeito, principalmente, ao evento produzido pela conduta delituosa, de que houve o “resultado”, do qual depende a existência do crime [...] o corpo de delito se comprova através do laudo da perícia; o laudo deve registrar a existência do próprio delito. 60 BRASIL, Código de Processo Penal, 1941, texto digital. Art. 158. 61 ARANHA, 2004, p.185. 62 MIRABETE, 1992, p. 260. 36 Já para Capez63, exame de corpo de delito é conceituado como “o conjunto de vestígios materiais (elementos sensíveis) deixados pela infração penal, ou seja, representa a materialidade do crime. Os elementos sensíveis são vestígios corpóreos perceptíveis por qualquer dos sentidos humanos”. Por fim, Badaró64 compreende que “a perícia mais importante é o exame de corpo de delito”, visto que é “uma prova especifica da comprovação da materialidade deletiva”. 3.2.2 Interrogatório do acusado O interrogatório, na visão de Capez65, “é o ato judicial no qual o juiz ouve o acusado sobre a imputação contra ele formulada. É ato privativo do juiz e personalíssimo do acusado, possibilitando a este último o exercício da sua defesa, da sua autodefesa”. Marcellus66 destaca que o “interrogatório é ato indispensável” e que o juiz citará o acusado para comparecer ao interrogatório. Para Mirabete67, o interrogatório do acusado é meio de prova, mas também pode ser considerado como um ato de defesa. Em confronto ao entendimento acima exposto, Aranha68 expressa claramente que interrogatório não é meio de defesa e sim, meio de prova, o qual será conduzido pelo juiz, que fará as perguntas livremente, todavia sem persuadir o acusado à resposta esperada. 63 CAPEZ, 2004, p. 292. 64 BADARÓ, 2008, p. 227 - 228. 65 CAPEZ, 2004, p. 297. 66 LIMA, 2007, p. 404. 67 MIRABETE, 1992, p. 266. 68 ARANHA, 2004, p 98. 37 Cabe ao juiz e só a ele interrogar o réu, como descreve Mirabete69, o qual afirma que é nesse momento que o juiz tem “a grande oportunidade” de estar em “contato direto com o acusado, formar juízo a respeito de sua personalidade, da sinceridade de suas desculpas ou de sua confissão”. O interrogatório do acusado, conforme preceitua Mirabete, apud Azevedo70, além de ser um meio de prova, trata-se também de um ato de defesa da parte. Aduz que a “audiência de interrogatório constitui ato solene, forma, de instrução, sob a presidência do juiz, em que este indaga do acusado sobre os fatos articulados na denúncia ou queixa, deles lhe dando ciência, ao tempo em que lhe abre oportunidade de defesa”. Badaró71 defende que a doutrina não é pacífica ao se referir à natureza do interrogatório do acusado, adotando assim, três posições, assim descritas: é um meio de prova, tendo em vista que o CPP o coloca entre os meios de prova; é um meio de defesa ou autodefesa, podendo o acusado exercer o direito de silêncio; e por último, pode ser considerado de natureza mista, que seria a junção dos mencionados acima, sendo assim, um meio de defesa e, ao mesmo tempo, um meio de prova. 3.2.3 Perguntas ao ofendido O ofendido é a pessoa natural titular do direito lesado ou posto em perigo na infração penal; pode ser pessoa natural ou jurídica e/ou o Estado. Importante mencionar, ainda, que o ofendido não é considerado testemunha, conforme entendimento de Mirabete72. 69 MIRABETE, 1992, p. 268. 70 MIRABETE, apud Azevedo, 1992, p. 266. 71 BADARÓ, 2008, p. 232. 72 MIRABETE, 1992, p. 277. 38 O art. 201 do Código de Processo Penal73, assim dispõe: “Art. 201. Sempre que possível, o ofendido será qualificado e perguntado sobre as circunstâncias da infração, quem seja ou presuma ser o seu autor, as provas que possa indicar, tomando-se por termo as suas declarações”. O ofendido, a toda evidência, não é parte na ação penal, a não ser na ação penal privada, quando existe uma substituição processual do Ministério Público pelo ofendido como autor da ação penal. O Estado, detentor do jus puniendi, deixa a persecução penal a cargo do ofendido, que irá exercê-la através da queixa-crime, conforme entendimento de Marcellus74. Na mesma linha de pensamento, Badaró75 expõe que “em regra, o ofendido não é parte na ação penal condenatória. Somente na ação penal de iniciativa privada o ofendido é parte, sendo o autor da ação penal”. Ainda, afirma que o “ofendido não tem o dever de falar a verdade, não presta compromisso e não comete crime de falso testemunho, [...] caso falte com a verdade” por que não é considerado como uma testemunha da ação. 3.2.4 Testemunhas Segundo Aranha, apud Benthan76, as testemunhas são os olhos e os ouvidos da justiça. O autor ainda explica que testemunhar significa mostrar, asseverar, manifestar, testificar, confirmar. Por fim, alega que, embora seja a mais comum das provas, é a mais falha delas, visto que quatro fatores influenciam inevitavelmente o depoimento, sendo eles: O modo pela qual viu o fato (distância, ângulo); a opinião pessoal sobre o fato e os envolvido (aceitação, amigo ou inimigo); maneira de como 73 BRASIL, Código de Processo Penal, 1941, texto digital. Art. 201. 74 LIMA, 2007, p. 423. 75 BADARÓ, 2008, p. 242- 243. 76 ARANHA Apud BENTHAM, 2004, p.147 – 148. 39 é dirigida a pergunta (impositiva ou de forma liberal de resposta) e, finalmente, o estado emocional de quem presta o depoimento. Capez77 assim conceitua a prova testemunhal: Toda prova é testemunha, uma vez que atesta a existência do fato. Já em sentido estrito, testemunha é todo homem, estranho ao feito e equidistante das partes, chamando ao processo para falar sobre fatos perceptíveis a seus sentidos e relativos ao objetivo do litígio. É a pessoa idônea, diferente das partes, para depor em juízo sobre fatos sabidos e concernentes à causa. De fundamental importância é não confundir o ato de testemunhar com o ato de depor. Para melhor compreensão, segue entendimento de Badaró: A testemunha é o individuo que, não sendo parte nem sujeito interessado no processo, depõe perante um juiz, sobre os fatos pretéritos relevantes para o processo e que tenham sido percebidos pelos seus sentidos. Não se deve confundir testemunhar com depor. Testemunhar é presenciar algo, isto é, ter contato com um determinado fato. Depor é declarar perante o juiz o que foi presenciado, isto é, reproduzir o que os sentido perceberam. A pessoa que presenciou um fato relevante para o processo é testemunha. [...] As características da prova testemunhal no processo penal são a judicialidade, oralidade, objetividade e retrospectividade 78. O citado doutrinador ainda expõe que, em regra, o testemunho é colhido via oral, ou seja, quem presta testemunho precisa falar acerca do que presenciou; a objetividade, na qual a testemunha deve “depor sobre os fatos percebidos por seus sentidos, sem emitir juízo de valor ou opinião pessoal”; e por fim, retrospectividade, “significa que a testemunha é chamada para depor sobre fatos passados, reproduzindo o que já ocorreu e foi apreendido por seus sentidos”. 77 CAPEZ, 2004, p. 309. 78 BADARÓ, 2008, p. 245 - 246. 40 3.2.5 Reconhecimento de pessoas e coisas O reconhecimento de pessoas e coisas está previsto no art. 226 e no art. 227 do CPP79, conforme se verifica: Art. 226. Quando houver necessidade de fazer-se o reconhecimento de pessoa, proceder-se-á pela seguinte forma: I - a pessoa que tiver de fazer o reconhecimento será convidada a descrever a pessoa que deva ser reconhecida; Il - a pessoa, cujo reconhecimento se pretender, será colocada, se possível, ao lado de outras que com ela tiverem qualquer semelhança, convidando-se quem tiver de fazer o reconhecimento a apontá-la; III - se houver razão para recear que a pessoa chamada para o reconhecimento, por efeito de intimidação ou outra influência, não diga a verdade em face da pessoa que deve ser reconhecida, a autoridade providenciará para que esta não veja aquela; IV - do ato de reconhecimento lavrar-se-á autopormenorizado, subscrito pela autoridade, pela pessoa chamada para proceder ao reconhecimento e por duas testemunhas presenciais. Parágrafo único. O disposto no III deste artigo não terá aplicação na fase da instrução criminal ou em plenário de julgamento. Art. 227. No reconhecimento de objeto, proceder-se-á com as cautelas estabelecidas no artigo anterior, no que for aplicável. No que tange à conceituação apresentada pelos estudiosos, são diversas e variadas as definições de reconhecimento de pessoas e coisas. Badaró80 afirma que é um meio de “prova formal, pelo qual alguém é chamado para descrever uma pessoa ou coisa por ele visto no passado, para verificar e confirmar a sua identidade perante outras pessoas ou coisas semelhantes às descritas”. Capez81 aduz que reconhecimento de pessoas e coisas “é o meio processual de prova, eminentemente formal, pelo qual alguém é chamado para verificar e confirmar a identidade de uma pessoa ou coisa que lhe é apresentada com outra que viu no passado”. O autor afirma, ainda, que existem seis espécies de reconhecimentos, quais sejam: 79 BRASIL, Código de Processo Penal, 1941, texto digital. Art. 226 e 227. 80 BADARÓ, 2008, p. 257. 81 CAPEZ, 2004, p. 320. 41 a) imediato: quando não há por parte do reconhecedor qualquer necessidade de exame e análise; b) mediato: o reconhecedor sente a necessidade de um esforço evocativo para chegar ao resultado final; c) analítico: as duas fases separam-se nitidamente – depois da reminiscência (recordação, aquilo que se conserva na memória), o reconhecedor começa a examinar detalhes para através de partes chegar ao resultado objetivado; d) mediante recordação mental: há apenas uma impressão de reminiscência (“acho que conheço”), cujo resultado final, com a certeza e a localização, somente será obtido dias depois; e) direto: visual e auditivo; f) indireto: através de fotografia, filme, vídeo, gravação sonora, etc. Visto isso, passa-se, então, a análise dos últimos meios de prova estabelecidos no Código de Processo Penal. 3.2.6 Acareação Acareação, segundo Badaró, apud Carvalho82, consiste no ato de colocar duas ou mais pessoas, sejam elas acusadas, vítimas ou testemunhas, em presença uma da outra, para que esclareçam pontos controvertidos de seus depoimentos, sobre fatos ou circunstâncias relevantes, cara a cara, para verificar quem falou a verdade e quem errou ou mentiu. Nesse mesmo sentido, é a lição de Capez83, para o qual acareação é um “ato processual consistente na colocação face a face de duas ou mais pessoas que fizeram declarações substancialmente distintas acerca de um mesmo fato”...] e que pode ser solicitada pelo juiz, pelo poder de polícia, bem como por qualquer das partes ou ex office. 82 BADARÓ apud Aranha Carvalho, 2008, p. 255. 83 CAPEZ, 2004, p. 322. 42 3.2.7 Documentos Previsto no art. 232 CPP84, “Consideram-se documentos quaisquer escritos, instrumentos ou papéis, públicos ou particulares”. Documento que condensa graficamente o pensamento de alguém, podendo provar um fato ou a realização de algum ato de relevância jurídica. É coisa ou papel sobre o qual o homem insere, mediante qualquer expressão gráfica, um pensamento85. Aranha86 entende que documento, em seu sentido amplo ou lato, “são todos os objetos que servem para mostrar ao juiz a verdade de um acerto, como escritos, fotografias, pinturas”. E, por fim, de acordo com Badaró87, “documento é qualquer suporte material que represente um fato juridicamente relevante. É todo e qualquer objeto que serve para demonstrar a verdade de um fato”. 3.2.8 Busca e apreensão A busca de coisa ou de pessoa, em si, nada prova, mas, por meio da busca e da apreensão, se conservam os elementos de prova que foram apreendidos. [...] Posteriormente, dependendo da fonte de prova (pessoa ou coisa) que foi obtida, deverá ser produzida o meio de prova correspondente88. 84 BRASIL, Código de Processo Penal, 1941, texto digital. Art. 232. 85 Idem cit. 84. 86 ARANHA, 2004, p. 251. 87 BADARÓ, 2008, p. 260 – 261. 88 Idem cit. 87, p. 270 - 271 43 Noronha89 expõe que “é intuitivo que a autoridade, na busca e apreensão (quer domiciliar, quer pessoal), não fique adstrita à provocação das partes, uma vez que se trata de prender criminosos, apreender produto de crime, coisas pertinentes a ele, constitutivas do corpo de delito, etc”. 3.2.9 Indícios Consoante previsto no art. 239 CPP90, “considera-se indício a circunstância conhecida e provada, que, tendo relação com o fato, autorize, por indução, concluir- se a existência de outras circunstâncias”. Para Badaró91 apud Moura, “indício é todo rastro, vestígio, sinal e, em geral, todo fato conhecido, devidamente provado, suscetível de conduzir ao conhecimento de um fato desconhecido, a ele relacionado, por meio de um raciocínio indutivo- dedutivo”. Indícios são provas indiretas, uma vez que são obtidas mediante raciocínio lógico, conforme entendimento de Capez92. Meios de “prova são coisas ou ações utilizadas para pesquisar ou demonstrar a verdade: depoimento, perícias, reconhecimentos”. Segundo entendimento de Mirabete, a fim de evitar que qualquer limitação à prova prejudique a obtenção da verdade real e, portanto, a justa aplicação da lei, a investigação deve ser mais ampla possível, já que tem como objetivo alcançar a verdade de fato, da autoria e das circunstâncias do crime93. 89 NORONHA, E. Magalhães. Curso de Direito Processual Penal. 17ª Ed. 1986, Ed. Saraiva, São Paulo, p. 95. 90 BRASIL, Código de Processo Penal, 1941, texto digital. Art. 239. 91 BADARÓ, apud Moura, 2008, p. 266. 92 CAPEZ, 2004, p. 333. 93 MIRABETE, 1992, p. 251. 44 3.3 Origem e conceito da prova pericial Antônio, apud Paolo de Lalla94, destaca que, com o passar dos anos e o maior desenvolvimento científico, vem registrando-se a evolução da perícia, salientando que “o extraordinário desenvolvimento científico e tecnológico ocorrido nesse século, propiciando ao homem o acesso ao conhecimento cada vez mais especificado e seguro, tem apresentado significativas repercussões no campo da prova; ampliou-se de tal modo o recurso a esses conhecimentos, na tarefa de reconstrução dos fatos no processo, a ponto de se afirmar, com alguma dose de razão, que a perícia teria conquistado o reinado antes atribuído à confissão. No entender de Aranha95 a “perícia é a lanterna que ilumina o caminho do juiz que, por não a ter quanto a um determinado fato, está na escuridão. A lente que corrige a visão que está deficiente pela falta de um conhecimento especial”. Pacelli assim descreve a prova pericial: É uma prova técnica, na medida em que pretende certificar a existência de fatos cuja certeza, segundo a lei, somente seria possível a partir de conhecimento especifico. Por isso, deverá ser produzida por pessoas devidamente habilitadas, sendo o reconhecimento desta habilitação feito normalmente na própria lei, que cuida das profissões e atividades regulamentadas, fiscalizadas por órgãos regionais e nacionais96. Badaró97 afirma que “perícia é um exame que exige conhecimentos técnicos, artísticos ou científicos e que serve ao convencimento judicial”. 94 FILHO, Antônio Magalhães Gomes, apud Lalla. Direito à Prova no Processo Penal, Ed. Revista dos Tribunais, São Paulo, 1997, p. 155. 95 ARANHA, 2004, p.184. 96 PACELLI, 2014, p. 426 – 427. 97 BADARÓ, 2008, p. 255. 45 3.4 Da produção de prova pericial O Código de Processo Penal assim dispõe em seu art. 158: “Quando a infração deixar vestígios será indispensável o exame de corpo de delito, direto ou indireto, não podendo supri-lo a confissão do acusado”. Conforme exposto, cita a necessidade de produção de prova de exame de corpo de delito (perícia) quando o crime deixar vestígios. Conforme redação do art. 159 CPP, “o exame de corpo de delito e outras perícias serão realizados por perito oficial, portador de diploma de curso superior”98. Tão logo, se faz necessária a observação acerca da Súmula 361 do Supremo Tribunal Federal (STF), a qual determina: ”No processo penal, é nulo o exame realizado por um só perito, considerando-se impedido o que tiver funcionado, anteriormente, na diligência de apreensão. Dessa forma, fica clara a necessidade de apreciação da conduta ilícita por mais de um auxiliar da justiça, ou seja, por mais de um perito criminal”99. Sendo assim, a análise pericial sempre é procedida por uma equipe de profissionais devidamente qualificados. Edílson Mougenot expõe que “alguns autores consideram a prova pericial como meio de prova, em contrapartida, outros consideram como um elemento técnico-opinativo destinado à elucidação de um fato relevante, sendo o perito um auxiliar do juiz e não simplesmente um sujeito à prova” 100. Conforme Mirabete101, “a perícia pode ser determinada pela autoridade policial logo que tiver conhecimento da prática da infração (penal art. 6º, VII ou até a conclusão do inquérito), bem como pelo o juiz, durante a instrução”. 98 BRASIL, Código de Processo Penal, 1941, texto digital. Art. p. 158 e 159. 99 BRASIL, Supremo Tribunal Federal. Súmula 361 (1963). Disponível em: <http://sislex.previdencia.gov.br/paginas/75/STF/361.htm>. Acesso em 01 jul. 2016. 100 MOUGENOT, Edílson. Curso de Processo Penal. São Paulo, Ed. Saraiva, 2009, p. 330-331. 101 MIRABETE, 1992, p. 257. 46 Aranha102, doutrinador da área processual penal, orienta que o laudo pericial a ser produzido pelo perito oficial é dividido em quatro partes: preâmbulo (parte introdutória, onde constam nomes dos peritos, autoridade que determinou a realização da perícia, motivo, local, circunstâncias e a natureza da perícia), descrição (é o relatório histórico), conclusão (é o laudo propriamente dito) e encerramento (parte autenticatória do laudo, onde constam as assinaturas dos peritos e data). Badaró103 defende que “a perícia se corporifica em uma peça técnica denominada laudo pericial”. 102 ARANHA, 2004, p.200. 103 BADARÓ, 2008, p. 231. 47 4 PRINCÍPIO DA LIVRE CONVICÇÃO MOTIVADA DO JUIZ NA ANÁLISE DA PROVA PERICIAL Embora o magistrado seja livre para julgar, não o pode fazer sem fundamentação legal. Após a apreciação do probatório e havendo dúvida acerca da assertividade do laudo pericial, mesmo que o juiz não possua conhecimento técnico e científico a respeito do laudo apresentado pelo perito, pode o magistrado requerer que seja laudado novo parecer técnico por intermédio de perito diverso, a fim de esgotar todas as dúvidas existentes ou, ainda, pode aceitar o parecer técnico e apenas afastar suas conclusões do laudo. A liberdade dada ao magistrado de decidir conforme sua convicção íntima não é e não deve ser confundida como um sinônimo de livre arbítrio, fazendo-se necessário dizer o porquê de suas conclusões, com base nos meios de prova apresentados nos autos e na verdade real do ato ilícito. Desse modo, será estudo deste capitulo a valoração da prova pericial no processo penal, os limites (in) aplicados à livre convicção, bem como a regra de muita utilização no processo penal, in dubio pro reo. 48 4.1 Da valoração da prova pericial no Sistema Processual Penal Brasileiro Inicialmente, cabe mencionar que, de regra, não existe hierarquia em relação às provas. O que ocorre, por vezes, é a necessidade de produção de determinados meios de prova para alguns processos específicos. Exemplo disso é a obrigatoriedade de exame pericial nos crimes os quais deixam vestígios. Visto isto, Pacelli (p. 343) expressa claramente que “não há de se supor que a prova documental seja superior à prova testemunhal, ou vice-versa, ou mesmo que a prova dita pericial seja melhor que a prova testemunhal. Todas as provas podem ou não ter aptidão para demonstrar a veracidade do que se propõem”. O autor finaliza, então, afirmando que o atual sistema processual penal não trabalha com a ideia de existência de hierarquia entre as provas, tendo em vista que o juiz atua conforme sua liberdade de convencimento, exigindo-se apenas a motivação do julgado104. Nesse mesmo sentido é a jurisprudência, a qual é farta em reconhecer a inexistência de hierarquia no processo penal brasileiro105. Em referimento ao valor atribuído à prova pericial, fica o juiz desobrigado a aceitar o laudo, conforme preceitua o artigo 182 do CPP: “o juiz não ficará adstrito ao laudo, podendo aceitá-lo, no todo ou em parte” 106, sendo aplicado, nesse caso, o principio da livre convicção do juiz. Acerca da valoração da prova, assim entende Giacomolli: Não há liberdade absoluta, porque esta se dá pela racionalização do que dos autos consta, abarcado o conjunto e o contexto probatórios, independentemente de o legislador já ter integrado certos juízos na tipificação de prova, a eles específicos. A liberdade valorativa cinge-se aos 104 PACELLI, 2014, p. 426. 105 PACELLI, 2014, p. 343. 106 BRASIL, Código de Processo Penal, 1941, texto digital. Art. 182. 49 autos. Quanto o convencimento quanto à valoração da prova submetem-se a exigência de fundamentação (art.93, IX, da CF), isto é, exteriorização justificada nos fatos e no direito (motivação fática e jurídica), de forma racionalizada, no processo107. Badaró108 enfatiza a existência de três sistemas de valoração da prova, sendo eles a prova legal, a íntima convicção e a persuasão racional. Noronha109 claramente preceitua que “o laudo não obriga o juiz”, pois se assim o fosse “seria o perito em última analise, o julgador” e complementa afirmando que “uma pessoa culta, como deve ser um juiz, está sempre à altura de compreender a exposição e opiniões em torno de um ponto científico”. Na opinião de Mirabette quanto à perícia, destaca-se o fato de que ela “não é um simples meio de prova. O perito é um apreciador técnico assessor do juiz, com uma função estatal destinada a fornecer dados instrutórios de ordem técnica” 110, ou seja, embora não haja ordem hierárquica entre as provas, a prova pericial é realizada por um auxiliar de justiça, o perito, o qual mantém conhecimento técnico para tanto. Contrapondo-se a essa ideia, Capez acredita que a prova pericial possui um valor especial, que possui um plus em relação às demais provas, por considerar que a prova pericial seja uma prova crítica, oriunda de um especialista da área111. 4.2 Limitações à livre convicção motivada Acerca do limite da convicção motivada, é interessante citar Theodoro Junior112: 107 GIACOMOLLI, Nereu José. O devido Processo Penal. 2ª ed. São Paulo. Ed. Atlas S.A., 2015, p.193. 108 BADARÓ, 2008, p. 208. 109 NORONHA, 1986, p. 101. 110 MIRABETE, 1992, p. 256. 111 CAPEZ, 2004, p. 290. 50 Este não pode ser arbitrário, pois fica condicionado às alegações das partes e às provas dos autos; b) a observância de certos critérios legais sobre provas e sua validade não pode ser desprezada pelo juiz (art. 335 e 366) nem as regras sobre presunções legais; c) o juiz fica adstrito às regras de experiência, quando faltam normas legais sobre as provas, isto é, os dados científicos e culturais do alcance do magistrado são úteis e não podem ser desprezados na decisão da lide; d) as sentenças devem ser sempre fundamentadas, o que impede julgamentos arbitrários ou divorciados da prova dos autos. O “julgador é conduzido sem se dar conta e, tendo a impressão de exercer sua livre vontade, na verdade sofre o jugo de um conjunto complexo de atitudes e de representações decorrentes de uma determinada visão de mundo” 113. Ao referir-se à limitação da aplicabilidade do princípio da livre convicção, Aranha114 menciona que “as provas não são prévia e legalmente valoradas, dando- se ao julgador liberdade em sua apreciação, limitado aos fatos e circunstâncias dos próprios autos”, ou seja, há, mesmo que indiretamente, um limitador da livre convicção. Na mesma linha de pensamento, Pacelli refere que “o livre convencimento há de ter o seu campo de atuação defendido na lei, ou seja, o juiz somente é livre na apreciação da prova enquanto prova válida, não podendo superar as restrições expressamente declinadas pelo legislador” 115. Sobre esse assunto, assim dispõe Marques116: O juízo de valor sobre a credibilidade dessas provas, bem como a apreciação de umas em confronto com outras e as inferências e deduções finais sobre o complexo probatório dos autos, constituem operações de livre critica a cargo do juiz. Mas essa apreciação subjetiva não pode ser arbitraria, e sim, necessita operar-se com objetividade e rigor lógico. Daí ser 112 THEODORO JR., Humberto. Curso de Direito Processual Civil – Teoria Geral do Direito Processual Civil e Processo de Conhecimento, 47ª edição, Rio de Janeiro, Ed. Forense, 2007, p. 476. 113 PORTANOVA, Ruy. Princípios do Processo Civil. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2005, p.248. 114 ARANHA, 2004, p. 34. 115 PACELLI, 2014, p. 342. 116 MARQUES, José Frederico. Manual de Direito Processual Civil. 9ª edição, São Paulo: Editora Millenium, 2003, vol. 1, p. 372. 51 imprescindível para o juiz, a manifestação formal dos motivos que lhe formaram o conhecimento. Moreira Reis117 preceitua que a livre convicção está limitada às alegações e às provas: A liberdade do magistrado para decidir a lide estará sempre limitada pela valoração da prova e das alegações, que servirão para lhe ofertar a possibilidade de sentenciar na conformidade do seu convencimento. O que ele não pode é usar do seu livre convencimento para, adotando critérios subjetivos e não os legais ou constitucionais, decidir a contenda, o que pode ser altamente perigoso para a comunidade. O referido doutrinador expõe também que “o princípio do livre convencimento não dá ao juiz a possibilidade de julgar desvinculado da prova e dos elementos existentes nos autos. Seu julgamento, ademais, deverá levar em consideração, além da norma a ser aplicada, critérios racionais de avaliação”, ou seja, existem limites à convicção do juiz. Por sua vez, Noronha118 relata sobre a liberdade de julgamento em relação ao livre convencimento: “[...] seus domínios são exclusivamente os das provas do processo, porém, na eleição ou avaliação delas, ele é livre, guiando-se pela critica sã e racional: a lógica, o raciocínio, a experiência, entre outros, o conduzirão nesse exame e apreciação”. Neves119, juiz de Direito em Vitória (ES) assim dispõe sobre o referido assunto: Do estudo do segundo componente ocupou-se MALATESTA, no volume I de seu "A Lógica das Provas em Matéria Criminal". A respeito do convencimento do juiz, diz que este deve ser natural, "tal como surge da ação genuína das provas" e não artificial, produzido por razões "estranhas à sua intrínseca e própria natureza". Para ele estas razões estranhas, que perturbavam a naturalidade do convencimento, originavam-se do exame indireto daquelas: o fato de o juiz basear seu convencimento no exame das 117 REIS, Palhares Moreira. A Súmula Vinculante do STF. Brasília, 2009, Editora Consulex, p. 26. 118 NORONHA, 1986, p. 91. 119 NEVES, Getúlio Marcos Pereira. Valoração da prova e livre convicção do juiz. Revista Jus Navigandi, Teresina, ano 9, n. 401, 12 ago.2004. Disponível em: <https://jus.com.br/artigos/5583/valoracao-da-prova-e-livre-conviccao-do-juiz>. Acesso em out. de 2016. 52 razões das partes, e não das provas em si, ou de ter de atribuir a uma prova valor prévia e legalmente estabelecido e, finalmente, razões surgidas "da própria alma do magistrado", em que sua vontade é influenciada por seu temperamento ou suas paixões. Nunca é demais, porém, advertir que o livre convencimento não quer dizer puro capricho de opinião ou mero arbítrio na apreciação das provas. O juiz esta livre de preconceitos legais na aferição das provas, mas não pode abstrair-se ou alhear-se ao seu conteúdo. Não está ele dispensado de motivar a sentença. E precisamente nisto reside a suficiente garantia do direito das partes e do interesse social. De acordo com Marcellus120, o qual expõe o entendimento de Aranha (p.388/389), quanto à indagação da verdade, bem como à apreciação das provas, o juiz é soberano, pois ele age pela sua consciência, “não só no tocante à admissibilidade das provas quanto à sua avaliação, seus conhecimentos e impressões pessoais, até contra provas colhidas e por fim, pode deixar de decidir se não formada a convicção”. Ainda aduz que, apesar de estar livre na apreciação das provas, o juiz só poderá utilizar àquelas constantes no processo e, mesmo assim, deverá sempre motivar sua decisão, a fim de proporcionar a impugnação pela parte insatisfeita. Capez explica que “o juiz tem liberdade para formar sua convicção, não estando preso a qualquer critério legal de prefixação de valores probatórios”. Todavia, acredita que essa liberdade não seja absoluta, visto ser necessária a sua fundamentação. Desse modo, o juiz é livre na apreciação e decide livremente conforme seu íntimo, porém é condicionado a explicar as razões que o fizeram adotar determinada conclusão121. Pacelli oportuniza para maior entendimento o qual segue: O convencimento há de resultar do que dos autos consta. Livre convencimento vincula-se ao poder decidir sem coação, sem afetação da capacidade de entendimento e determinação do órgão decisor, mas não no sentido de afastar a necessidade de justificação e de ultrapassar as limitações do devido processo. O livre convencimento não dispensa a racionalização fática, jurídica e critica da prova, na perspectiva do estado de inocência, da licitude e do in dúbio pro reo 122. 120 LIMA, Apud CAMARGO ARANHA, p. 388 - 389. 121 CAPEZ, 2004, p. 275. 122 PACELLI, 2014, p. 194. 53 A propósito, importante comentário foi feito por Nelson: Livre convencimento motivado. O juiz é soberano na análise das provas produzidas nos autos. Deve decidir de acordo com o seu convencimento. Cumpre ao magistrado dar as razões de seu convencimento. Decisão sem fundamentação é nula pleno jure (CF 93 IX). Não pode utilizar-se de fórmulas genéricas que nada dizem. Não basta que o juiz, ao decidir, afirme que defere ou indefere o pedido por falta de amparo legal; é preciso que diga qual o dispositivo de lei que veda a pretensão da parte ou interessado e porque é aplicável no caso concreto123. Com relação ao referido princípio, segue entendimento do Tribunal de Justiça do Estado: AGRAVO EM EXECUÇÃO PENAL. PROGRESSÃO DE REGIME. CONDIÇÕES PESSOAIS. SUSPENSÃO DA ANÁLISE DO BENEFÍCIO. A teor da interpretação literal do conteúdo do novo preceito legal do art. 112 da LEP, com a nova redação conferida pela Lei 10.792/2003, para efeito de progressão do regime de cumprimento da pena ou de concessão de livramento condicional, indulto e comutação de penas, basta, além do requisito temporal, o atestado de bom comportamento carcerário, comprovado pelo diretor do estabelecimento, e que a decisão seja precedida de manifestação do Ministério Público e do defensor do sentenciado. Contudo, não se passando a atribuir caráter absoluto ao documento expedido pela administração prisional, é possível que o magistrado, no exercício do seu livre convencimento motivado, à vista das circunstâncias concretas, se valha de todos os meios necessários, a fim de fundamentar sua decisão. Pode e deve considerar os laudos, pareceres e demais elementos já existentes nos autos para a concessão dos benefícios. Precedentes do E. STF e do E. STJ. Hipótese na qual, diante da proximidade do implemento do requisito objetivo à progressão de regime, tendo sido já determinada a feitura dos exames, diante da notícia do cometimento de falta grave, o julgador singular suspendeu a análise da possibilidade de progressão até apuração formal da falta e determinou fosse oficiada a casa prisional a respeito da desnecessidade de feitura dos exames, subtraindo do preso o direito de ter uma resposta quanto ao cabimento ou não da benesse, e de, inclusive, recorrer, caso não lhe fosse favorável. Decisão monocrática reformada. AGRAVO PROVIDO. DECISÃO QUE SUSPENDEU A ANÁLISE DA BENESSE REFORMADA. DETERMINADO O NORMAL PROCESSAMENTO DA QUESTÃO. (Agravo Nº 70069886174, Oitava Câmara Criminal, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Fabianne Breton Baisch, Julgado em 28/09/2016). Também, Gomes Filho (p. 163, apud Michele Taruffo) relata sobre os motivos pelos quais é necessário limitar a aplicação da livre convicção do juiz, assim dispondo: “disso decorre a estreita ligação entre o critério de apreciação das provas e a motivação: livre convencimento é, sobretudo, convicção fundamentada, ou seja, 123 NERY JÚNIOR, Nelson. Princípios do Processo Civil na Constituição Federal. 8. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2004, p. 519. 54 conhecimento transparente, justificado perante as partes e a sociedade”. Ainda relata: Historicamente, o dever de motivação das decisões judiciais tem duas matrizes distintas, que bem esclarecem seu significado e conteúdo: a primeira aparece nos estados de despotismo esclarecido e atende às exigências de um sistema centralizador, que se serve da fundamentação como instrumento de controle sobre a atividade dos magistrados; através da exteriorização dos motivos das decisões, viabilizam-se as impugnações pelas partes e, por esse meio, os órgãos superiores podem corrigir eventuais desvios na atividade jurisdicional inferior. A segunda está ligada à ideologia democrática aflorada com a Revolução Francesa, que percebe na motivação um instrumento de fiscalização popular sobre a forma pela qual é administrada a justiça124. Desse modo, segundo o supracitado doutrinador, “na motivação devem estar explicitados todos os passos percorridos pelo magistrado para chegar à conclusão”. Acrescenta, ainda, que “é indispensável que o juiz explicite não somente o conteúdo das provas em que se baseou, mas igualmente o raciocínio de que se valeu para, através dos dados probatórios incorporados ao processo, chegar à decisão final”. 4.3 Regra do in dubio pro reo Também chamado de favor rei e princípio da presunção de inocência, o princípio do in dubio pro reo é assim descrito por Rabelo125: “é um grande viés para a observância da democratização e efetivação dos direitos humanos ao que se refere às práticas do direito processual penal”. Expressão em latim, “in dubio pro reo” significa que, em caso de dúvida, a decisão tomada deverá ser a favor do réu. Frisa-se que ele está implícito no Art. 386 do CPP126, o qual dispõe que “o juiz absolverá o réu, mencionando a causa na parte dispositiva, desde que reconheça [...]. VIII – Não existir prova suficiente para a condenação”. Ou seja, por determinação legal, o Estado prefere, na dúvida acerca 124 Antônio Magalhães Gomes Filho, apud Michele Taruffo, p. 163. 125 RABELO, Samarah. A Constituição Federal de 1988 e o processo penal. 2011. Texto digital. Disponível em: <http://www.viajus.com.br/viajus.php?pagina=artigos&id=4308&idAreaSel=1&seeArt=yes> . Acesso em out. de 2016. 126 BRASIL, Código de Processo Penal, 1941, texto digital, Art. 386. 55 da materialidade e/ou autoria do fato, absolver um culpado do que condenar um inocente. Nas palavras de Mirabete, para proceder uma condenação, o juiz deve ter a convicção de que o acusado é o responsável pelo delito. No entanto, o autor afirma que, para absolvê-lo, basta a dúvida a respeito de sua culpa127. Giacomolli explica acerca o princípio do in dubio pro reo da seguinte forma: O encargo de provar a culpa do imputado é da acusação, mas é de interesse da defesa criar, no espírito do julgador, a dúvida razoável. Contudo, a circunstância de a defesa