CENTRO UNIVERSITÁRIO UNIVATES PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO STRICTO SENSU DOUTORADO EM AMBIENTE E DESENVOLVIMENTO SUSTENTABILIDADE EM EMPREENDIMENTOS DE FEIRAS LIVRES Andrea da Silva Lajeado, dezembro de 2016 Andrea da Silva SUSTENTABILIDADE EM EMPREENDIMENTOS DE FEIRAS LIVRES Tese apresentada ao Programa de Pós- Graduação em Ambiente e Desenvolvimento, do Centro Universitário UNIVATES, como parte da exigência para obtenção do grau de Doutora em Ambiente e Desenvolvimento, na área de concentração Espaço e Problemas Socioambientais. Orientador: Prof. Dr. Claus Haetinger Lajeado, dezembro de 2016 Andrea da Silva SUSTENTABILIDADE EM EMPREENDIMENTOS DE FEIRAS LIVRES A Banca examinadora abaixo aprova a Tese apresentada ao Programa de Pós- Graduação em Ambiente e Desenvolvimento, do Centro Universitário UNIVATES, como parte da exigência para a obtenção do grau de Doutora em Ambiente e Desenvolvimento, na área de concentração Espaço e Problemas Socioambientais. Prof. Dr. Claus Haetinger – Orientador Centro Universitário UNIVATES Prof. Dr. Alexandre André Feil Centro Universitário UNIVATES Prof. Dr. Dusan Schreiber Universidade FEEVALE Prof. Dr. Marlon Dalmoro Centro Universitário UNIVATES Lajeado, dezembro de 2016 Dedico aos meus queridos pais Ervantil e Zenaide. Amo vocês. AGRADECIMENTOS A Deus, meu guia maior. Ao Professor Claus Haetinger, pela paciência, pelo estímulo e pela orientação. É, além de um incentivador e colaborador, sobretudo, um grande amigo. A esta qualificada instituição UNIVATES, que me acolheu de braços abertos. A todos os professores, pelos saberes e pela troca de experiências, e a toda equipe da secretaria do PPGAD pela atenção e pronto atendimento. À Querida Colega Ana Hilda pelas conversas, pela disponibilidade, incentivo, auxílio e amizade. A todos os meus colegas e amigos que conquistei ao longo do curso, grata pela amizade e coleguismo. À CAPES, pela concessão da Taxa PROSUP, responsável pela concretização de meus estudos. Aos feirantes, o meu reconhecimento ao trabalho que desenvolvem. Vocês, apesar das adversidades, dedicam-se ao que fazem com muito amor e com muita garra. Aos consumidores, aos órgãos públicos e às demais entidades, agradeço pela participação e pela boa vontade com que colaboraram para este estudo. Ao Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia Farroupilha, pelo apoio e incentivo para realização do meu curso de Doutorado. A todos que, de alguma forma, me ajudaram nesta importante e inesquecível etapa de minha vida. RESUMO As feiras livres são importantes eventos que despontam aos agricultores familiares como um caminho de geração de renda, trabalho e reprodução social. Para os consumidores, as feiras são revestidas de sentidos e significados, além de representarem uma opção de encontro de alimentos diferenciados e saudáveis. Para o município, as feiras são canais de abastecimento, de segurança alimentar e de movimentação da economia local, além de serem espaços que compõem a história de um lugar, por demarcarem seu território e identidade. Dentro desse contexto, esta tese objetivou apontar ações que possibilitem a sustentabilidade dos empreendimentos gerenciados pelos feirantes. Assim, esta pesquisa se desdobrou nos seguintes objetivos específicos: i) caracterizar os empreendimentos de feiras livres, sob os aspectos social, econômico e ambiental; ii) descrever o papel e as ações do poder público para a agricultura familiar e para as feiras livres; iii) relatar a percepção dos consumidores sobre a feira livre; iv) identificar as dificuldades e as potencialidades dos empreendimentos de feiras livres. Para isso, foram escolhidas as técnicas entrevistas, observação in loco e pesquisa documental na coleta de dados. Após a coleta, os dados foram submetidos a uma análise textual discursiva. A partir desta análise, encontrou-se como principais resultados a falta de infraestrutura, a falta de padronização e organização das feiras livres, a carência de apoio, a falta de conhecimento de gestão e dificuldades de acesso dos feirantes produtores aos programas da SMDR. Constatou-se ainda, a partir da análise, a falta de assistência técnica e de capacitação dos feirantes, o não cumprimento das normas de higiene-sanitárias e a desarticulação existente entre os feirantes. Com o intuito de reverter esse quadro, este estudo propõe um conjunto de ações dentre as quais se destacam: x) a readequação dos programas promovidos pela SMDR para que os feirantes possam alavancar sua produção; xx) a profissionalização dos feirantes, no intuito de fomentar o seu lado empreendedor; e xxx) um programa de fortalecimento das feiras livres, pautado em três eixos: infraestrutura, divulgação e formação. Tais medidas visam reconhecer a importância do trabalho empreendido pelos feirantes e revitalizar as feiras livres. Palavras-Chave: Feira Livre. Sustentabilidade. Agricultura Familiar. Ciências Ambientais. ABSTRACT The fairs are important events that have risen to farmers as a way of generating income, work and social reproduction. For consumers, the fairs are coated senses and meanings, besides representing an option against differentiated and healthy food. For the city, the fairs are supply channels, food safety and handling of the local economy, and they are spaces that make up the history of a place for establishing their territory and identity. In this context, this thesis aimed to appoint actions that enable the sustainability of the projects managed by the stallholders. Thereby, this research unfolded in the following specific objectives: i) to characterize the developments of free trade under the social, economic and environmental aspects; ii) to describe the role and the actions of the government for family farms and for the fairs; iii) to report the perception of consumers about the open market; iv) to identify the difficulties and the potential of the projects of free markets. Therefore, interviews techniques, on-site observation and document research in data collection were chosen. After the data collection, the data were submitted to a discursive textual analysis. Based on this analysis, the main results found were the lack of infrastructure, the lack of standard and organization of the free trade fairs, the lack of support, the lack of management knowledge and difficulties for accessing the SMDR producers' programs. It was also found, from the analysis, the lack of technical assistance and training of the fairs, the non-compliance with hygiene-sanitary norms and the existing disarticulation among the fairs. In order to reverse this situation, this research proposes a number of actions, in particular: x) the readjustment of the programs promoted by SMDR, so that farmers can leverage their production; xx) the professionalization of the marketers, in order to foster their entrepreneurial side; and xxx) a three-axis free trade fair strengthening program: infrastructure, outreach and training. These measures aim to recognize the importance of the work undertaken by the marketers and revitalize the fairs. Keywords: Open Street Market. Sustainability. Family Farming. Environmental Sciences. LISTA DE FIGURAS Figura 1 - Tripé da sustentabilidade ......................................................................... 33 Figura 2 - Localização do município de Santa Maria no Estado RS ......................... 64 Figura 3 - Localização dos distritos no município de Santa Maria/RS ...................... 65 Figura 4 - Imagem da feira livre de Santa Maria/RS ................................................ 83 Figura 5 - Imagem da feira livre de Santa Maria/RS ................................................ 83 Figura 6 - Imagem da feira livre de Santa Maria/RS ................................................ 84 Figura 7 - Imagem da feira livre de Santa Maria/RS ................................................ 84 Figura 8 - Imagem da feira livre de Santa Maria/RS ................................................ 85 Figura 9 - Imagem da feira livre de Santa Maria/RS ................................................ 85 Figura 10 - Imagem da feira livre de Santa Maria/RS .............................................. 86 Figura 11 - Selo de Origem - “Sabor do Coração” .................................................... 88 Figura 12 - Material de divulgação dos eventos “Pátio Rural” .................................. 89 Figura 13 - Imagens da Feira dos Distritos ............................................................... 90 Figura 14 - Infraestrutura da feira livre ..................................................................... 95 Figura 15 - Infraestrutura da feira livre ..................................................................... 95 Figura 16 - Análise de SWOT ................................................................................. 116 Figura 17 - Modelo de uma barraca de feira livre ................................................... 128 Figura 18 - Barraca com saia ................................................................................. 128 Figura 19 - Ações para reverter as fragilidades dos empreendimentos de feiras livres ............................................................................................................. 135 LISTA DE GRÁFICOS Gráfico 1 - Caracterização dos feirantes de Santa Maria ......................................... 78 Gráfico 2 - Dimensão social dos empreendimentos das feiras livres ..................... 111 Gráfico 3 - Dimensão econômica dos empreendimentos das feiras livres ............. 112 Gráfico 4 - Dimensão ambiental dos empreendimentos das feiras livres ............... 113 LISTA DE QUADROS Quadro 1 - Marcos históricos e a evolução do conceito de sustentabilidade e do desenvolvimento sustentável ................................................................ 27 Quadro 2 - Diferenças entre a agricultura patronal e agricultura familiar ................. 41 Quadro 3 - Programas de desenvolvimento rural de Santa Maria ............................ 49 Quadro 4 - Tipologia de cadeias curtas .................................................................... 57 Quadro 5 - Processo de seleção dos artigos ............................................................ 70 Quadro 6 - Procedimentos metodológicos adotados na pesquisa ........................... 74 Quadro 7 - Ações do poder público à agricultura familiar e às feiras livres .............. 93 Quadro 8 - Percepções dos consumidores sobre feiras livres ................................. 97 Quadro 9 - Proposta de análise dos empreendimentos de feiras livres ................. 118 Quadro 10 - Potencialidades e fragilidades dos empreendimentos de feiras livres 119 LISTA DE TABELAS Tabela 1 - Estabelecimentos e área da agricultura familiar e não familiar do Brasil, do Estado do Rio Grande do Sul e do Município de Santa Maria ................ 41 LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS ADA American Dietetic Association ADESM Agência de Desenvolvimento de Santa Maria AMVAP Associação dos Municípios da Microrregião do Vale do Paranaíba ANVISA Agência Nacional de Vigilância Sanitária APP Área de Preservação Permanente BPA Boas Práticas Agrícolas CAPES Coordenação de Aperfeiçoamento Pessoal de Nível Superior CAR Cadastro Ambiental Rural CCI Câmara de Comércio Internacional CDR Conselho Municipal de Desenvolvimento Rural CEPS Centro de Economia Popular Solidária CFC Cloro – Flúor – Carbono CI Carteira de Identidade CMMAD Comissão Mundial sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento CNPJ Cadastro Nacional da Pessoa Jurídica CPF Cadastro de Pessoas Físicas CO2 Dióxido de Carbono COEP Comitê de Ética em Pesquisa CONAB Companhia Nacional de Abastecimento CONDRAF Conselho Nacional de Desenvolvimento Rural Sustentável COOESPERANÇA Cooperativa Mista dos Pequenos Produtores Rurais e Urbanos COOPERCEDRO Cooperativa de Produção e Desenvolvimento Rural dos Agricultores Familiares ECOVIDA Rede Ecovida de Agroecologia EMATER Empresa de Assistência Técnica e Extensão Rural ENAGRO Escola Nacional de Gestão Agropecuária FAO Food and Agriculture Organization FEE Fundação de Economia e Estatística FEICOOP Feira Estadual do Cooperativismo GRI Global Report Initiative Ha Hectare (10.000 m2) IBGE Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística INCRA Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária IPTU Imposto Predial e Territorial Urbano ISO International Organization for Standardization ITR Imposto Territorial Rural MDA Ministério de Desenvolvimento Agrário MDS Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome MERCOSUL Mercado Comum do Sul MMA Ministério do Meio de Ambiente NFP Nota Fiscal de Produtor ODM Objetivos de Desenvolvimento do Milênio OECD Organisation for Economic Cooperation and Development ONU Organização das Nações Unidas ONUBR Organização das Nações Unidas do Brasil PAA Programa de Aquisição de Alimentos PEATERS Política Estadual de Assistência Técnica e Extensão Rural no Estado do Rio Grande do Sul PNAE Programa Nacional de Alimentação Escolar PNCF Programa Nacional de Crédito Fundiário PND Plano Nacional de Desenvolvimento PNUMA Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente PRA Programas de Regularização Ambiental PROATERS Programa Estadual de Assistência Técnica e Extensão Rural e Social no Estado do Rio Grande do Sul PRONAF Programa de Fortalecimento da Agricultura Familiar RDC Resolução da Diretoria Colegiada RS Rio Grande do Sul SDR Secretaria Estadual do Desenvolvimento Rural, Pesca e Cooperativismo SEBRAE Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas SENAR Serviço Nacional de Aprendizagem Rural SIM Serviço de Inspeção Municipal SISAN Sistema Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional SMDR Secretaria Municipal de Desenvolvimento Rural SNA Sociedade Nacional de Agricultura SWOT S-Strengths, W-Weaknesses, O-Opportunities, T-Treathes TCLE Termo de Consentimento Livre Esclarecido UFSM Universidade Federal de Santa Maria UNIVATES Centro Universitário de Lajeado SUMÁRIO 1 INTRODUÇÃO ...................................................................................................... 20 2 REFERENCIAL TEÓRICO .................................................................................... 26 2.1 Sustentabilidade – um contexto geral ................................................................ 26 2.2 Agricultura familiar – conceitos, importância e políticas públicas ....................... 35 2.3 Feiras livres – surgimento, território, características e funções .......................... 53 3 PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS .............................................................. 62 3.1 Caracterização da pesquisa ............................................................................... 62 3.2 Área de estudo ................................................................................................... 63 3.2.1 Feiras livres de Santa Maria ............................................................................ 65 3.3 Coleta de dados ................................................................................................. 66 3.4 Análise de dados ................................................................................................ 72 3.5 Aspectos éticos .................................................................................................. 74 4 RESULTADOS E DISCUSSÕES .......................................................................... 75 4.1 Feiras livres de Santa Maria/RS ......................................................................... 75 4.2 Do poder público – ações para agricultura familiar e às feiras livres .................. 86 4.3 Dos consumidores – percepções sobre a feira livre ........................................... 93 4.4 Dos empreendimentos de feiras livres – os aspectos sociais, econômicos e ambientais ........................................................................................................... 98 4.5 Dificuldades e potencialidades dos empreendimentos de feiras livres ............. 114 4.6 Ações para sustentabilidade dos empreendimentos de feiras livres ................ 120 5 CONSIDERAÇÕES FINAIS ................................................................................ 137 REFERÊNCIAS ...................................................................................................... 143 APÊNDICES .......................................................................................................... 167 APÊNDICE A – Termo de consentimento livre esclarecido .................................... 168 APÊNDICE B – Questões norteadoras para os feirantes ....................................... 170 APÊNDICE C – Questões norteadoras para os representantes de órgãos públicos e entidades do segmento rural ....................................................... 174 APÊNDICE D – Questões norteadoras para os consumidores de feiras livres ...... 175 APÊNDICE E – Aprovação do comitê de ética em pesquisa ................................. 176 20 1 INTRODUÇÃO “Quem quer comprar / quem quer comprar / frutas fresquinhas / vindas do pomar // senhor Francisco / dona Maria / venham olhar / também tem sardinhas / tem truta vinda do mar // [...]” (AVNER, 2009). Inicia-se a presente tese com os primeiros versos que compõem o poema “O Canto do Feirante”, de Úrsula Avner que, de uma rima a outra, mostra de maneira afável o trato com que este comerciante tem com o seu freguês e o modo como divulga o seu produto. Este sujeito carismático trata-se do feirante, que ocupa uma posição de destaque neste estudo, cujo tema é sustentabilidade dos empreendimentos de feiras livres. As feiras livres são espaços revestidos de significados e de simbolismo, onde “as multiplicidades se manifestam e se complementam” (REIS; VIEIRA, 2011, p. 8). São ambientes configurados pelo forte aspecto social, onde as trocas, o ponto de encontro, as interações e as proximidades acontecem, e pelo aspecto econômico, onde o comércio e a produção local aparecem (MINNAERT, 2008; REIS; VIEIRA, 2011). As feiras livres são lugares de identidade própria, de territorialidades, de tradições e de culturas enraizadas. São atividades que resistem ao tempo, desde o período da colonização portuguesa até os dias atuais, mantém a sua finalidade que é de suprir a demanda de abastecimento alimentar (PIERRI; VALENTE, 2010; PINTO; MORAES, 2011; SOUZA, 2015). 21 Há no Brasil, segundo o mapeamento do Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome, 6.450 mil feiras, sendo que 5.119 são feiras livres e 1.331 são feiras agroecológicas ou com produção orgânica. Esse dado é resultante de uma pesquisa realizada, em agosto a novembro de 2014, junto a 1.628 municípios, além de 23 estados e do Distrito Federal (SNA, 2015). Como pode-se observar, é forte a presença das feiras livres no país. Elas se revestem de importância, por serem locais onde o trabalho do homem do campo se faz presente, e pela sua capacidade de resistir o avanço das redes supermercadistas. Considerando que, essas redes apresentam uma infraestrutura física e tecnológica muito superior às feiras livres, além da “logística, segurança, formas de pagamento e horário amplo de atendimento” (FEIRAS, 2008, p. 1, texto digital) A pujança das feiras livres e o papel que elas desempenham no cenário socioeconômico são virtudes que motivaram a realização deste estudo sobre a sustentabilidade dos empreendimentos das feiras livres de Santa Maria/RS. De acordo com Bernardino (2015, p. 213), “a extinção das feiras representa o fim de um espaço de sobrevivência para os trabalhadores e produtores familiares e a redução de oportunidade de escolha dos consumidores”. Desse modo, a feira livre pode ser um instrumento de desenvolvimento e prática de cidadania, um indicador de dinâmica econômica dos municípios, pois gera renda, consumo e dinamiza o comércio (COELHO, 2008). A partir da citação acima se justifica o desenvolvimento desta investigação, à qual são acrescentadas mais duas premissas, expostas no decorrer desta redação, que reafirmam e justificam a realização deste estudo. A premissa que se soma e justifica a realização desta tese é a exigência do consumidor e a sua valorização às feiras livres, espaços vistos, por este público, como um lócus em que se encontram produtos frescos, variados e de qualidade superior a de outros estabelecimentos (KINJO; IKEDA, 2005; MOREL et al., 2015). Segundo Souza (2006), o perfil do consumidor está mudando, tornando-se cada vez mais criterioso na escolha de alimentos e, junto a isso, desenvolvendo 22 hábitos mais saudáveis, começando pela alimentação, como uma forma de prevenir doenças. Na mesma direção, Gallina, Borsoi e Stanga (2012) também fazem referência a mudança de hábito do consumidor atual, uma vez que este consumidor busca o valor nutricional de frutas e hortaliças. As feiras livres, então, são espaços privilegiados e escolhidos por eles, como garantia da segurança alimentar e nutricional. Da mesma forma, muitos são os fatores decisivos dos consumidores por feiras livres, sendo estes, vinculados tanto aos aspectos sociais como culturais, como também, a variedade, a qualidade dos produtos, a associação com a agricultura familiar e o sistema de cultivo são atributos determinantes que elegem as feiras livres como local de compra PASTRO; GOMES; GODOY, 2003; FOLLMANN; CIPRANDI, 2007; ROCHA et. al., 2010). Para endossar, Nascimento et al. (2006) dizem que há um número crescente de consumidores brasileiros que estão preocupados com meio ambiente, bem-estar social, saúde e segurança alimentar, devido a isso, não se importam com o preço do produto, pois confiam em estar adquirindo alimentos naturais, isentos de agrotóxicos. A outra premissa que se une à justificativa é que a produção de alimentos hortifrutigranjeiros não dá conta da demanda de consumo, um problema identificado no município de Santa Maria, RS, objeto de estudo desta tese. De acordo com a Secretaria Municipal de Desenvolvimento Rural (SMDR), a insuficiência produção primária local acarreta numa perda econômica significativa para município, um valor estimado de R$ 310,5 milhões por ano, pois as redes supermercadistas devem comprar produtos de estabelecimentos situados fora do município, o que comprova a necessidade de investimento do setor primário, sobretudo, da agricultura familiar (SANTA MARIA, SMDR, 2015). É importante considerar ainda que, em Santa Maria, a agricultura familiar é desenvolvida nos distritos, situados no meio rural, possuem uma área territorial de 1.510,60 km2, ocupando 85% da área do município, visto que o seu total é de 1.781,8 km² (FEE, 2015). Embora, o setor primário aparece na terceira posição de 23 atividade econômica do município, conforme a Agência de Desenvolvimento de Santa Maria (ADESM, 2015). A sua estrutura fundiária apresenta um número considerável de estabelecimentos rurais, conforme IBGE (2006) são 14.371 estabelecimentos, sendo que 79,37% destes pertencem à agricultura familiar. Na visão de Nunes e Karnopp (2013), os produtos que vêm sendo comprados pelo município, não exigem alto investimento para o seu cultivo e nem escala de produção. A estrutura fundiária tem condições de abarcar essa produção se apresentando, portanto, como uma alternativa de desenvolvimento endógeno1 para Santa Maria. Todas essas premissas reforçam a necessidade de se adotar ações que possam permitir a continuidade das feiras livres, bem como, a produção desenvolvida pelos produtores-feirantes, pois a feira depende do produtor. E, a recíproca não deixa de ser verdadeira, visto que, para muitos feirantes a feira livre é o seu único ponto de venda de seus produtos (FELIN; MIORIN, 2006). Nesse sentido, os autores Carvalho e David (2009) já alertavam que as feiras só permanecerão e resistirão se forem amparadas por políticas públicas voltadas à produção e à venda de produtos. Tendo em vista a importância da feira livre para a economia local, para o sustento das famílias produtoras-feirantes, para o abastecimento alimentar e para o consumidor que confia na procedência e na qualidade do produto, fazendo-o com que vá à feira ao invés de outro local, que esta investigação ganha relevância. Assim, a tese busca contribuir para a continuidade e para o fortalecimento dos empreendimentos das feiras livres e, para tanto, se propõe a responder à seguinte pergunta: Quais ações possibilitariam a sustentabilidade dos empreendimentos de feiras livres? Para encontrar respostas a esta indagação, a tese objetiva “apontar ações que possibilitem a sustentabilidade dos empreendimentos gerenciados pelos feirantes”. E, para tal, a pesquisa se desdobra nos seguintes objetivos específicos: 1 Segundo Barquero (2001, p. 39) “o desenvolvimento endógeno propõe-se a atender as necessidades e demandas da população local através da participação ativa da comunidade envolvida”. 24 1. caracterizar os empreendimentos de feiras livres, sob os aspectos social, econômico e ambiental; 2. descrever o papel e as ações do poder público para a agricultura familiar e para as feiras livres; 3. relatar a percepção dos consumidores sobre a feira livre; 4. identificar as dificuldades e as potencialidades dos empreendimentos de feiras livres. Para o alcance dos objetivos deste estudo, a investigação foi empreendida em duas etapas: pesquisa de campo e pesquisa documental. Na pesquisa de campo elegeram-se as técnicas para levantamento de dados: entrevistas e observação in loco. As entrevistas transcorreram de outubro de 2015 a janeiro de 2016, foram gravadas e transcritas para sua análise. As entrevistas foram guiadas por um roteiro específico para cada tipo de entrevistado e aplicado a 32 feirantes, 25 consumidores, um representante da Secretaria Municipal de Desenvolvimento Rural e dois representantes da EMATER Municipal, totalizando, portanto, 60 sujeitos entrevistados. Por ser uma pesquisa de cunho qualitativo, o número de entrevistas respeitou uma amostragem intencional não probabilística, que, segundo Mattar (1996), a seleção da população da amostra depende, ao menos, do julgamento do pesquisador. Em adição à pesquisa empírica, foi empreendida a técnica de observação, definida como uma etapa em que o pesquisador atua como espectador, ou seja, estabelece o contato com a comunidade/grupo/realidade sem integrá-la (CHEMIN, 2012). A observação foi um procedimento imprescindível para este estudo, pois contribuiu com a pesquisadora no sentido de averiguar as condições de trabalho dos feirantes, analisar os aspectos higiênico-sanitários, a apresentação e a qualidade dos produtos, como também, de verificar situações que pudessem vir a ocorrer, peculiares das feiras livres. 25 A segunda etapa do estudo refere-se à pesquisa documental, pela qual foram obtidos os dados secundários, por meio de documentos, relatórios, legislações, folders, folhetos, notícias de jornais, documentários e publicações acadêmicas. Estes dados complementaram os dados primários e ajudaram a pesquisadora na compreensão acerca da configuração das feiras livres. Em suma, colaborou para se ter uma visão global do objeto de estudo. O tratamento de dados seguiu o método de Moraes e Galiazzi (2007), apud Andrade (2011, p. 56), que consiste na análise textual discursiva, que “pode ser realizada com textos já existentes ou com textos que serão produzidos por meio de entrevistas e observações – documentos produzidos, especificamente, para a pesquisa”. Todo o estudo está apresentado nesta tese, pelo qual se encontra estruturada em cinco capítulos, sendo o primeiro esta introdução, que apresenta o tema, os objetivos, a justificativa e, em linhas gerais, a metodologia adotada para o desenvolvimento da pesquisa. O segundo capítulo contempla o referencial teórico, subdividido em três seções: a primeira seção traz uma abordagem sobre a sustentabilidade, apresentando conceitos, dimensões e concepções a respeito do tema; a segunda seção aborda sobre a agricultura familiar, discorrendo sobre seu papel, políticas públicas e sua relevância para a economia brasileira; e a terceira seção trata sobre as feiras livres, sua história, características, funções e sua importância no cenário socioeconômico. O terceiro capítulo versa sobre os procedimentos metodológicos, indicando os métodos e materiais utilizados para a realização da pesquisa. Enquanto que, a apresentação dos resultados e as devidas discussões estão expostos no quarto capítulo. E, por fim, as considerações finais estão descritas no quinto capítulo. 26 2 REFERENCIAL TEÓRICO Este capítulo está subdividido em três seções apresentando uma base teórica sobre sustentabilidade, agricultura familiar e feiras livres. A primeira seção refere-se à sustentabilidade, abordando as principais definições, dimensões e concepções em torno desta temática. Já a segunda seção versa sobre a agricultura familiar, discorrendo sobre seu papel, políticas públicas e sua relevância no âmbito da economia brasileira. A terceira e última seção trata sobre as feiras livres, apresentando conceitos, dados históricos, características e importância no cenário socioeconômico. 2.1 Sustentabilidade – um contexto geral A Comissão Mundial sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento (CMMAD), da Organização das Nações Unidas (ONU), elaborou, em 1987, um documento denominado “Nosso Futuro Comum”, conhecido como Relatório Brundtland que apresenta o termo “desenvolvimento sustentável”, definido como: “[...] a capacidade de satisfazer as necessidades do presente sem comprometer a capacidade das gerações futuras de satisfazerem suas próprias necessidades” (CMMAD, 1988, p. 9). Segundo Dovers e Handmer (1992), o conceito de desenvolvimento sustentável e de sustentabilidade são mal compreendidos e ditos como sinônimos. Para começar, o conceito de sustentabilidade é complexo e contínuo, se apresenta em “uma grande variedade de assuntos, de diversas áreas e com diferentes enquadramentos” (SARTORI; LATRONICO; CAMPOS, 2014, p. 11). 27 A sustentabilidade, segundo Horbach (2005) apud Sartori; Latronico; Campos (2014, p. 4-5) pode ser discutida sob três tipos de interesses (ou conflitos) sejam cumpridos (ou resolvidos), simultaneamente: (i) o interesse da geração atual em melhorar a suas reais condições de vida (sustentabilidade econômica), (ii) a busca de uma equalização das condições de vida entre ricos e pobres (sustentabilidade social) e (iii) os interesses das gerações futuras que não estão comprometidas pela satisfação das necessidades da geração atual (sustentabilidade ambiental) (SARTORI; LATRONICO; CAMPOS, 2014, p. 4-5). Há autores que apresentam conceitos sobre sustentabilidade de diversas maneiras e de diferentes contextos, sublinha-se alguns destes, iniciando por Leonardo Boff, que no seu entendimento a sustentabilidade é toda ação destinada a manter as condições energéticas, informacionais e físico-químicas que sustentam todos os seres, especialmente a terra viva, a comunidade de vida e a vida humana, visando a sua continuidade e ainda a atender as necessidades da geração presente e das futuras de tal forma que o capital natural seja mantido e enriquecido em sua capacidade de regeneração, reprodução e coevolução (BOFF, 2012, p. 1). Na visão de Barbosa (2008, p. 10), a sustentabilidade consiste em “encontrar meios de produção, distribuição e consumo dos recursos existentes de forma mais coesiva, economicamente eficaz e ecologicamente viável”. O sentido dos termos sustentabilidade e desenvolvimento sustentável foram sendo construídos e modificados com o tempo, a significação dos termos é fruto de muitos debates, promovidos por diversos eventos. O Quadro 1, de ordem cronológica, apresenta os principais eventos e obras que foram importantes para a evolução dessas terminologias, também, apresenta os marcos históricos que denunciaram os males com o meio ambiente e com a sociedade. Quadro 1 – Marcos históricos e a evolução do conceito de sustentabilidade e do desenvolvimento sustentável Set/1962 Publicação nos Estados Unidos de “Primavera Silenciosa”, de Rachel Carson, que denuncia os malefícios dos agrotóxicos à saúde humana e à vida selvagem. O livro levou o governo norte-americano a banir o inseticida DDT em 1972. Ago/1968 Paul Ehrlich lança nos Estados Unidos o polêmico livro “A Bomba Populacional”, que atribui os problemas ambientais ao crescimento demográfico. Jun/1971 Relatório Founex preparado por um painel de especialistas em Founex, na Suíça, defende a integração das estratégias de desenvolvimento e meio ambiente. Mar/1972 Publicação do Relatório do Clube de Roma (Limites do Crescimento). O relatório provoca controvérsia ao associar o crescimento econômico ao esgotamento dos recursos naturais. O conceito de Eco-desenvolvimento foi apresentado por Ignacy 28 Sachs, considerado precursor do Desenvolvimento Sustentável. Jun/1972 ONU realiza a Conferência sobre Meio Ambiente Humano, em Estocolmo, na Suécia. 1975 Elaboração do Segundo Plano Nacional de Desenvolvimento (PND-1975/79) que definiu prioridades para o controle da poluição industrial. Mai/1976 Realizada em Vancouver, no Canadá, de 31 de maio a 11 de junho, a Habitat I foi a primeira conferência internacional a relacionar meio ambiente e assentamentos humanos. 1980 Surge a noção de Ecologia profunda, que coloca o homem como o componente de sistema ambiental complexo, holístico e unificado. 1983 A ONU criou a Comissão Mundial sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento que desenvolveu o paradigma de desenvolvimento sustentável, cujo relatório (Our Common Future) propunha limitação do crescimento populacional, garantia de alimentação, preservação da biodiversidade e ecossistemas, diminuição do consumo de energia e desenvolvimento de tecnologias de fontes energéticas renováveis, aumento da produção industrial a base de tecnologias adaptadas ecologicamente, controle da urbanização e integração campo e cidades menores e a satisfação das necessidades básicas. Abr/1987 Nosso Futuro Comum (Relatório Brundtland) populariza a expressão Desenvolvimento Sustentável e lança as bases para a Rio-92. Set/1987 Adoção do Protocolo de Montreal, que inicia o controle de CFC (Cloro – Flúor – Carbono) e outras substâncias químicas que danificam a camada de ozônio. 1991 A Câmara de Comércio Internacional (CCI) aprovou "Diretrizes Ambientais para a Indústria Mundial", definindo 16 compromissos de gestão ambiental a serem assumidos pelas empresas, conferindo à indústria responsabilidades econômicas e sociais nas ações que interferem com o meio ambiente. Essas diretrizes foram acatadas no Brasil, pelo Comitê Nacional da Câmara de Comércio Internacional, tendo-se criado a Fundação Brasileira para o Desenvolvimento Sustentável. Abr/1992 Changing Course é publicado pelo industrial suíço Stephan Schmidheiny, que fundou o Business Council of Sustainable Development em 1990 para preparar a participação do setor privado na Rio-92. O livro apresenta caminhos para a comunidade de negócios internalizar critérios de sustentabilidade socioambiental em suas operações. Jun/1992 Também conhecida como Cúpula da Terra, Eco-92 e Rio-92, a Conferência das Nações Unidas sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento acontece na cidade do Rio de Janeiro. Na Eco-92 foi elaborada a Carta da Terra e a Agenda 21, que reflete o consenso global e compromisso político objetivando o desenvolvimento e o compromisso ambiental. Mar/1995 ONU organiza a Cúpula Mundial sobre Desenvolvimento Social em Copenhague, na Dinamarca. Set/1996 ISO 14001 é formalmente adotada como padrão voluntário internacional para sistemas de gestão ambiental corporativos. 1997 Discutido e negociado em Quioto no Japão, o Protocolo propõe um calendário pelo qual os países-membros teriam obrigação de reduzir a emissão de gases do efeito estufa. Em novembro de 2009, 187 países haviam aderido ao Protocolo. Set/1999 Lançamento dos índices de sustentabilidade da Dow Jones, em Nova York, para medir o desempenho nas bolsas de valores de empresas com políticas de responsabilidade socioambiental. Jul/2000 Lançamento do Pacto Global da ONU, iniciativa que reúne empresas comprometidas a alinhar operações e estratégias com dez princípios nas áreas de direitos humanos, condições de trabalho, meio ambiente e combate à corrupção. Set/2000 Cúpula do Milênio promovida pela ONU em Nova York estabelece oito objetivos de desenvolvimento do milênio (ODM) a serem alcançados até 2015, tais como 29 diminuir pela metade a proporção de pessoas com fome e cuja renda diária é inferior a um dólar. Abr/2002 Global Report Initiative (GRI) inicia suas atividades focadas em desenvolver padrões de relato de políticas e ações corporativas de sustentabilidade. Ago/2002 Cúpula Mundial sobre Desenvolvimento Sustentável, a Rio+10, aprova em Johanesburgo, na África do Sul, plano para implementar os compromissos da Rio- 92. Fev/2005 Adotado em dezembro de 1997, o Protocolo de Kyoto passa a vigorar, obrigando os países industrializados a cortar em 5% suas emissões de gases-estufa em relação aos níveis de 1990. Dez/2009 A 15ª Conferência das Partes da Convenção sobre Mudanças Climáticas, realizada em Copenhague, consolida o tema climático nas agendas pública, corporativa e da sociedade civil, mas decepciona pelo insucesso em fechar um acordo para diminuir as emissões após 2012. Fev/2011 Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (PNUMA) lança Rumo à Economia Verde: Caminhos para o Desenvolvimento Sustentável e a Erradicação da Pobreza. Jun/2012 Rio de Janeiro sediou a Conferência das Nações Unidas sobre Desenvolvimento Sustentável, a Rio+20. Fonte: Elaborado pela autora, com base na obra de Bacha, Santos e Schaun (2010) e de Zanchetta, Telles e Barretto (2011). O Quadro 1 apresenta uma série de discussões que foram realizadas por diversos eventos em torno do desenvolvimento sustentável. Tais discussões tiveram, como ideia central em seus debates, as consequências do modelo desenvolvimentista e os abusos do homem com a natureza, resultando, ao final desses encontros, na criação de normas e diretrizes que objetivam ações de proteção e preservação do meio ambiente e qualidade de vida das pessoas. Para Ayres (2008), a sustentabilidade está atrelada em como o homem se relaciona com a natureza. Entretanto, atingir a sustentabilidade não é uma tarefa simples, muitos são os desafios que dificultam o alcance dessa condição. Um estudo realizado a partir da leitura de 103 artigos, disponíveis no Portal de Periódicos da CAPES, organizado pelos autores Sartori, Latronico e Campos (2014, p. 9-10), conseguiu-se fazer uma compilação desses desafios, que se apresentam a seguir: 1. Implementar normas de proteção ambiental. 2. Capturar os impactos externos das atividades além do nível local. 3. Reconhecimento da sustentabilidade social. 4. Desenvolvimento humano. 5. Erradicação da pobreza. 6. Produção e consumo equilibrado. 7. Incentivo à educação. 8. Desenvolvimento e manutenção de recursos ambientais. 9. Eficiência na alocação de recursos. 30 10. Cooperação entre stakeholders, governos e sociedade civil. 11. Metodologias e indicadores de sustentabilidade de acesso público. 12. Uso de indicadores complementares nas avaliações. 13. Uso de abordagens holísticas. 14. Indicadores para a medição do consumo de recursos. 15. Sensibilização da população. 16. Usar um padrão de avaliação comparativa entre países. 17. Conciliar objetivos locais com os objetivos globais. 18. Pesquisas aplicadas e que trazem resultados práticos. 19. Equilíbrio entre os pilares da sustentabilidade. 20. Indicadores de sustentabilidade dinâmicos. 21. Indicadores voltados para os sistemas empresariais e locais. 22. Participação pública no planejamento. 23. Participação da ciência e da tecnologia (SARTORI; LATRONICO; CAMPOS, 2014, p. 9-10). Como se observa, está entre os desafios a produção, o desenvolvimento, a alocação e a manutenção de recursos naturais, necessitando haver um equilíbrio e combinação entre sociedade, economia e ambiente. Nessa mesma direção, os autores Melo e Cândido (2013, p. 5) fazem uma ressalva ao afirmar que a sustentabilidade deve [...] voltar a atenção para uma das áreas mais críticas do desenvolvimento, a agricultura, por se tratar de um setor essencial à sobrevivência humana, e cujas atividades, desde os primórdios da civilização, vêm causando alterações profundas nos ambientes naturais, gerando os mais diversos impactos ambientais, sociais e econômicos (MELO; CÂNDIDO, 2013, p. 5). Peche Filho (2015, p.1) discorre sobre o código de conduta de boas práticas ambientais na agricultura, que “são atitudes e formas de gestão que compõem um código para orientação e redução dos efeitos negativos das atividades humanas sobre o ambiente”. Compreende-se, também, desse código, que as ações devem estar voltadas para a preservação e proteção ambiental e para o respeito a todas as formas de vida. Um modelo de gestão, segundo Peche Filho (2015, p. 1), baseado em boas práticas ambientais na agricultura tem, em suas atividades, algumas diretrizes como: � Aumentar a capacidade de infiltração de água no solo. � Aumentar a capacidade de captação de águas pluviais. � Estruturar e aperfeiçoar a condução e dissipação do escorrimento superficial. � Estabelecer condições para a permanente cobertura morta ou verde do solo. � Proteger as funções ecossistêmicas das áreas de recarga de aquíferos. � Recuperar, restaurar e habilitar as áreas ciliares e a reserva legal. � Promover a proteção, o conhecimento e a convivência com os animais silvestres. � Estabelecer formas de conectividade entre ecossistemas. � Combater a poluição biológica e a extinção de espécies. 31 � Combater todas as outras formas de poluição. � Praticar a reciclagem no manejo de resíduos sólidos. � Promover a prevenção, a segurança e a saúde no trabalho. � Promover o bem-estar animal. � Buscar a soberania e a segurança alimentar. � Caminhar em direção dos princípios da produção agroecológica. � Servir de modelo e de ferramenta de aprendizagem para a comunidade (PECHE FILHO, 2015, p. 1). Já Costa (1993) traz o que se denomina de agricultura sustentável, que implica a busca por maior eficiência dos sistemas de produção agrícola, procurando ser compatível e coerente com cada realidade ecológica. Para isso, os sistemas de produção, segundo Altieri (2000, p. 59-60), devem: � reduzir o uso de energia e recursos e regular a entrada total de energia de modo que a relação entre saídas e entradas seja alta; � reduzir as perdas de nutrientes detendo a lixiviação, o escorrimento e a erosão, melhorando a reciclagem de nutrientes com o uso de leguminosas, priorizando a adubação orgânica e compostos, e outros mecanismos eficientes de reciclagem; � incentivar a produção local de cultivos adaptados ao meio natural e socioeconômico; � sustentar um excedente líquido desejável, preservando os recursos naturais, isto é, minimizando a degradação do solo; � reduzir custos e aumentar a eficiência e a viabilidade econômica das pequenas e médias unidades de produção agrícola, promovendo, assim, um sistema agrícola potencialmente resiliente (ALTIERI, 2000, p. 59-60). No que trata sobre agricultura sustentável, a autora Carmo (2004) apresenta uma compilação de vários elementos, de diversas vertentes da agricultura não convencional, mas todas, em comum, mantêm “os princípios básicos que norteiam uma produção ecologicamente equilibrada, entre eles, a abolição de insumos químicos solúveis e a presença da biodiversidade dos agroecossistemas” (CARMO, 2004, p. 57). Segundo Canuto (2004, p. 38) “o conceito de agricultura sustentável estabelece a distância de um modelo que produz fortes impactos ambientais e sociais”. Para o autor, a agricultura sustentável “contrapõe-se concretamente à degradação dos solos pela erosão, à desertificação, ao desflorestamento, à contaminação da água, do alimento e do agricultor, à redução da biodiversidade geral e funcional”, inclui também, “à insegurança alimentar e aos impactos globais gerados pela agricultura de monocultivo”. Além destes, o autor menciona entre os impactos sociais, “a concentração e a distribuição de renda, a crise de empregos, a pobreza, a migração e a exclusão social” (CANUTO, 2004, p. 38). 32 No entendimento de Gliessman (2001), a agricultura sustentável é um processo que reconhece a natureza sistêmica da produção de alimentos, forragens e fibras, equilibrando com equidade, preocupações relacionadas à saúde ambiental, justiça social e viabilidade econômica entre os diferentes setores da população, incluindo distintos povos e diferentes gerações. Uma agricultura sustentável, segundo Christen (1996), deverá ter os seguintes atributos: a) assegurar a equidade entre gerações; b) preservar a base de recursos da agricultura e evitar externalidades ambientais adversas; c) proteger a diversidade biológica; d) garantir a viabilidade econômica da agricultura, melhorando as oportunidades de emprego e preservando as comunidades rurais; e) produzir alimentos de qualidade adequada para a sociedade. Assim, segundo Ehlers (1999, p. 103), vários objetivos poderão ser alcançados em termos de agricultura sustentável, entre eles estão: “a manutenção por longo prazo dos recursos naturais e da produtividade agrícola; o mínimo de impactos adversos ao ambiente; satisfação das necessidades humanas de alimentos e renda; atendimento das necessidades sociais das famílias e das comunidades rurais”. Perante a isso, a “produção agrícola familiar apresenta características que mostram sua força como local privilegiado ao desenvolvimento de agricultura sustentável, em função de sua tendência à diversificação, à integração de atividades vegetais e animais, além de trabalhar em menores escalas” (CARMO, 1998, p. 231). Há uma série de razões pelas quais a agricultura familiar possibilita melhores condições de sustentabilidade. De acordo com Almeida, Cordeiro e Petersen (1996), as principais razões se devem pelo fato de: i) ser uma forma de ocupação econômica; ii) busca atender as necessidades das famílias e manter o potencial produtivo da terra; iii) valoriza a diversidade, através da associação do policultivos com criações; iv) a unidade de produção familiar, seja pela sua extensão ou pela organização do trabalho, favorece maiores cuidados técnicos nas operações de manejo; v) a agricultura familiar possuem uma relação positiva com o território, pois valoriza as potencialidades próprias aos ecossistemas naturais em que está inserida; vi) e sob uma perspectiva ambiental, a agricultura familiar favorece uma 33 maior e mais equilibrada distribuição territorial das atividades de exploração do meio, pela melhor possibilidade de adaptação e circunscrição das mesmas a unidades ecológicas mais definidas e homogêneas. Berté (2014) faz um alerta para que a agricultura familiar atinja a sustentabilidade, é necessário implementar políticas públicas voltadas para o fortalecimento deste tipo de agricultura. Do mesmo modo, as famílias devem estar estrategicamente organizadas, preferencialmente, por um tipo de ação coletiva, seja cooperativismo ou associativismo. Nesse sentido, torna-se importante averiguar as unidades de produção familiar, o desempenho e a eficiência do sistema produtivo e seus reflexos na vida de seus produtores; medir a sustentabilidade, não só no aspecto econômico, mas também nos aspectos social e ambiental, como sugere o tripé da sustentabilidade. O termo tripé da sustentabilidade (Figura 1), ou Triple Bottom Line, surgiu na década de 90, criado por John Elkington. Nesta teoria, a sustentabilidade está sustentada em três pilares ou três dimensões – social, econômica e ambiental (ELKINGTON, 1997; NORMAN; MACDONALD, 2003). Figura 1 – Tripé da sustentabilidade Fonte: Fonseca et al. (2014, p. 15) elaborado com base em Elkington (1997). Os pilares ou dimensões do tripé da sustentabilidade, conforme Elkington (1997; 2012), podem ser assim entendidas: − A dimensão social trata-se do capital humano de um empreendimento, comunidade, sociedade como um todo. Refere-se à educação, à saúde e às habilidades das pessoas. 34 − A dimensão econômica refere-se à capacidade de produção, à distribuição e ao consumo de bens e serviços. Essa dimensão enfatiza a viabilidade de uma organização prosperar economicamente de modo sustentável. − A dimensão ambiental está relacionada ao capital natural. A organização deve preocupar-se em minimizar os impactos de suas atividades no meio ambiente e até mesmo adotar medidas para recompensar os possíveis danos causados na natureza. Em acordo, os autores Ferreira et al. (2012) mencionam que para conceituar sustentabilidade deve-se considerar, no mínimo, três dimensões: econômica, ambiental e social. Há ainda, estudos que além das dimensões mencionadas, acrescentam outras, para compor o entendimento de sustentabilidade, que são: a cultural, a política e a institucional (BARBIERI; CAJAZEIRA, 2009). De acordo com, o Ministério para o Desenvolvimento Internacional – DFID (2003) apud Barreto, Khan e Lima (2005), as dimensões de sustentabilidade podem ser definidas como: social, isto é, alcançada quando a exclusão social é minimizada e a igualdade social, maximizada. Em segundo lugar, como econômica quando as populações carentes alcançam e mantêm seu nível básico de bem-estar e, por fim, como ambiental, quando a produtividade dos recursos naturais que sustentam a vida é preservada ou ampliada para uso das gerações futuras. Por conseguinte, Banerjee (2002) entende que o conceito de sustentabilidade pode ser a conciliação do crescimento econômico com a manutenção do meio ambiente, além de um foco na justiça social e no desenvolvimento humano. A sustentabilidade pode ainda ser entendida como uma distribuição e utilização equilibrada de recursos com um sistema de igualdade social. Em consonância com a teoria de triple bottom line, a sustentabilidade econômica é a manutenção de capital natural, uma condição necessária para não haver decrescimento econômico (BARTELMUS, 2003). A sustentabilidade ambiental é definida, ainda, como a desmaterialização da atividade econômica, pois uma diminuição do processamento de material pode reduzir a pressão sobre os sistemas naturais e ampliar a prestação de serviços ambientais para a economia (BARTELMUS, 2003). Já, a sustentabilidade social, para o autor Lehtonen (2004), 35 refere-se à homogeneidade social, rendimentos justos e acesso a bens, serviços e emprego. O desenvolvimento sustentável, segundo Organization for Economic Cooperation and Development (OECD, 1993), contempla três dimensões, a econômica, a social e a ambiental, apoiadas numa dimensão considerada transversal a todo este processo que é a dimensão institucional composta pelas formas de governo, legislação, organizações e sociedade civil, pois são considerados agentes aceleradores do processo de desenvolvimento. No entendimento de Sachs (2004, p. 36), quando há “crescimento econômico com impactos positivos em termos sociais e ambientais, merece a denominação desenvolvimento”. Para “análise da sustentabilidade de uma determinada produção precisa, portanto, levar em conta pelo menos os fatores de ordem econômica, social e ambiental, procurando conciliar o desenvolvimento do meio econômico e social, mas respeitando sempre o meio ambiente” (ENDE et al., 2012, p. 50). Entretanto, uma organização sustentável “busca alcançar seus objetivos atendendo simultaneamente os seguintes critérios: equidade social, prudência ecológica e eficiência econômica” (BARBIERI; CAJAZEIRA, 2009, p. 69-70). Dessa forma, sob este prisma, optou-se, para realização deste estudo, a sustentabilidade dos empreendimentos de feiras livres, trabalhar com as três dimensões da teoria triple bottom line de John Elkington. Tendo em vista, à importância da agricultura familiar para a produção de alimentos, e para o desenvolvimento de uma agricultura sustentável, que a próxima seção dedica-se em discorrer sobre o tema agricultura familiar. 2.2 Agricultura familiar – conceitos, importância e políticas públicas Segundo Santos e Cândido (2010, p. 4), o “modelo de crescimento econômico norteado pela globalização e pelos avanços tecnológicos, promoveram, por um lado, a elevação dos índices econômicos e, por outro lado, a contribuição decisiva para a degradação ambiental”. 36 Os principais impactos que esse modelo acarretou ao meio ambiente, de acordo com Cavalcanti (2003) apud Santos e Cândido (2010, p. 2), são: a contaminação de rios, as restrições no abastecimento de água, a proliferação de doenças, as elevadas concentrações de CO2 na atmosfera, o efeito estufa, o aumento do “buraco” na camada de ozônio, o empobrecimento do solo, a extinção das espécies devido à degradação de hábitats, as mudanças no clima, a elevação de temperatura dos mares, dentre outros malefícios (SANTOS; CÂNDIDO, 2010, p. 2). Vale ressaltar que os reflexos desse modelo não se restringem somente à faixa ambiental, mas também ao campo social, econômico e cultural, provocando transformações na organização das cidades e do meio rural. Com relação ao meio rural houve o que denomina Brandemburg (2010) de rural moderno, uma produção não mais voltada para a subsistência familiar, mas, também para atender o mercado. Segundo o autor, “a agricultura modifica seus métodos e em certa medida se industrializa, e o rural gradativamente é dotado de uma infraestrutura urbana” (BRANDEMBURG, 2010, p. 423). A revolução verde impulsionou a modernização e industrialização da agricultura. Foi um processo que se iniciou na década de 60 e se caracterizou, fundamentalmente, pela “combinação de insumos químicos (fertilizantes, agrotóxicos), mecânicos (tratores e implementos) e biológicos (sementes geneticamente melhoradas)” com a idealização de um upgrade no sistema agrícola (ALBERGONI; PELAEZ, 2007, p. 34). Conforme aborda Pereira Filho (1991, p. 56), a revolução verde conseguiu [...] elevar a produtividade e o rendimento econômico de algumas culturas, mas, ao mesmo tempo, aumentou a concentração das riquezas, agravou problemas sociais, elevou o consumo energético nos agroecossistemas, acelerou o processo de degradação ambiental e o aumento dos custos de produção (PEREIRA FILHO, 1991, p. 56). Além dos índices de produtividade e crescimento econômico, este modelo teve, também, desdobramentos positivos como o eficiente sistema de treinamento, a assistência técnica, a extensão rural e o crédito agrícola (FALEIRO, 2012). Dessa maneira, ao proporcionar uma maior produtividade na produção agrícola, o sistema elevou significativamente seu grau de desempenho, conforme apresenta Marouelli (2003, p. 07): 37 No que se refere ao aumento da produção total da agricultura, a Revolução Verde foi, na época, um sucesso. Entre 1950 e 1985, a produção mundial de cereais passou de 700 milhões para 1,8 bilhões de toneladas, uma taxa de crescimento anual de 2,7%. Neste período, a produção alimentar dobrou e a disponibilidade de alimentos por habitante aumentou 40%, parecendo que o problema da fome no mundo seria superado pelas novas descobertas (MAROUELLI, 2003, p. 07). Portanto, a partir dessa modernização consegue-se uma maior produtividade por meio da “artificial conservação e fertilização do solo, da mecanização da lavoura, da seleção de sementes e de outros recursos” (TEIXEIRA, 2005, p. 23). Gonçalves Neto (1997, p. 78) complementa que, para atingir o grau de produtividade, os agricultores tinham a seu favor uma “[...] política de créditos facilitados”. Consequentemente, esta agricultura passou a ficar dependente do setor econômico-financeiro e industrial, impactando as condições ambientais e causando desequilíbrio social (BALSAN, 2006). Neste aspecto socioeconômico, houve um aumento significativo do desemprego, do empobrecimento e do êxodo rural. A elevada concentração de terra e a desigualdade na distribuição de renda nos países em desenvolvimento acarretaram uma imensa exclusão social (MOREIRA, 2000). Dentro desse contexto, um grande número de agricultores foi à decadência. Assim, grande parte da população rural veio a se favelizar nas periferias urbanas, fato que trouxe o aumento da pobreza rural, a elevação da violência para níveis altíssimos, o aumento da criminalidade e da destruição ambiental (VEIGA, 2000). Todo esse cenário negativo, gerado pelo modelo desenvolvimentista, passou a ocupar o centro de discussões na Conferência de Estocolmo, promovida pela ONU, em 1972, na perspectiva de cessar a degradação ambiental, conscientizar para proteção e conservação dos recursos naturais e inclusão social (ZANCHETTA; TELLES; BARRETTO, 2011). A partir de então, um novo modelo de desenvolvimento passou a ser desejado, expresso no Relatório de Brundtland, em 1987, um modelo que traz o conceito de Desenvolvimento Sustentável que, na sua essência, traduz como um processo de mudança no qual a exploração dos recursos, do direcionamento dos investimentos, a orientação do desenvolvimento tecnológico e a mudança institucional estão em harmonia e reforçam o atual 38 e futuro potencial para satisfazer as aspirações e necessidades humanas (PORTAL ONUBR, 2014, p. 1, texto digital). Outro importante marco foi a Agenda 21 que, definida como um instrumento de planejamento para a construção de sociedades sustentáveis, em diferentes bases geográficas, concilia métodos de proteção ambiental, justiça social e eficiência econômica (ZANCHETTA; TELLES; BARRETTO, 2011). A Agenda 21 é um documento que foi acordado e assinado por 179 países participantes da Rio 92 (BRASIL, MMA, 1992). Este documento é constituído de 40 capítulos, dentre eles, vale destacar o Capítulo 14 - Promoção do Desenvolvimento Rural e Agrícola Sustentável que, no bojo de seu conteúdo, no item 14.2, apresenta: O principal objetivo do desenvolvimento rural e agrícola sustentável é aumentar a produção de alimentos de forma sustentável e incrementar a segurança alimentar. Isso envolverá iniciativas na área da educação, o uso de incentivos econômicos e o desenvolvimento de tecnologias novas e apropriadas, dessa forma assegurando uma oferta estável de alimentos nutricionalmente adequados, o acesso a essas ofertas por parte dos grupos vulneráveis, paralelamente à produção para os mercados; emprego e geração de renda para reduzir a pobreza; e o manejo dos recursos naturais juntamente com a proteção do meio ambiente (BRASIL, MMA, 1992, texto digital). Em síntese, as diretrizes básicas do desenvolvimento rural sustentável são promover a segurança alimentar, gerar emprego e renda, conservar os recursos naturais e proteger o meio ambiente (SANTOS; PIASENTIN, 2010). A agricultura, como qualquer outra atividade humana, para se manter sustentável deverá levar em consideração, simultaneamente, as dimensões “econômica”, “ambiental” e “social”, ou seja, impõe-se a combinação da eficácia econômica e da gestão racional do meio ambiente e do tecido social. Isto é, deve ser uma atividade economicamente viável, ecologicamente saudável e socialmente equitativa (ANGLADE, 1999). Nessa perspectiva, a agricultura familiar é “redescoberta”, passando a ser vista como um eixo de desenvolvimento sustentável. A agricultura familiar favorece o emprego de práticas produtivas ecologicamente mais equilibradas, como a diversificação de cultivos, o menor uso de insumos industriais e a preservação do patrimônio genético (OLALDE, 2004). 39 A agricultura familiar, de acordo com a Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura (FAO), é considerada como “a pedra fundamental para o desenvolvimento social e econômico” (MELICZEK, 2003, p. 51). Quanto à conceituação da “agricultura familiar”, muitos estudos apresentam esse termo de diferentes maneiras, conforme destaca Amador (2009): agricultura camponesa, agricultor camponês, agricultura familiar, agricultor familiar, pequena produção e também pequeno produtor rural. A Lei nº 11.326, de 24 de julho de 2006, considera agricultor familiar e empreendedor familiar rural aquele que pratica atividades no meio rural, atendendo, simultaneamente, aos seguintes requisitos: I - não detenha, a qualquer título, área maior do que 4 (quatro) módulos fiscais; II - utilize predominantemente mão de obra da própria família nas atividades econômicas do seu estabelecimento ou empreendimento; III - tenha percentual mínimo da renda familiar originada de atividades econômicas do seu estabelecimento ou empreendimento, na forma definida pelo Poder Executivo; IV - dirija seu estabelecimento ou empreendimento com sua família (BRASIL, 2006, texto digital). Na concepção de Wanderley (2001, p. 23), a “agricultura familiar é entendida como aquela em que a família, ao mesmo tempo em que é proprietária dos meios de produção, assume o trabalho no estabelecimento produtivo [...]”. Abramovay (1998, p.146) conceitua agricultura familiar como “aquela em que a gestão, a propriedade e a maior parte do trabalho são provenientes de indivíduos que mantêm entre si laços de sangue ou de casamento”. No entendimento de Silva (2012, p. 55), o conceito de agricultura familiar “[...] é resultado de esforços teóricos e práticos no intuito de organizar as dispersas compreensões e articular políticas públicas para o agricultor familiar brasileiro”. Wanderley (1996), em sua obra, traz o termo “agricultor familiar camponês”, ou “agricultura camponesa”, que pode ser entendida como uma das formas sociais de agricultura familiar, uma vez que ela se funda sobre a relação entre propriedade, trabalho e família. No entanto, ela tem particularidades que a especificam no interior do conjunto maior da agricultura familiar e que dizem respeito aos objetivos da atividade 40 econômica, às experiências de sociabilidade e à forma de sua inserção na sociedade global (WANDERLEY, 1996, p. 3). De acordo com Guilhoto et al. (2007, p. 13), a importância da agricultura familiar está fundamentalmente pelo “papel social na mitigação do êxodo rural e da desigualdade social do campo e das cidades, este setor deve ser encarado como um forte elemento de geração de riqueza, não apenas para o setor agropecuário, mas para a própria economia do país”. Em 2014, a FAO celebrou o ano internacional da agricultura familiar, com o lema “alimentar o mundo, cuidar da terra”. Esse reconhecimento objetivou pôr em evidência a agricultura familiar e os pequenos agricultores devido a sua contribuição no combate à fome e à pobreza, a promoção da segurança alimentar e cuidado com o meio ambiente. A FAO (2014, p. 1) referenciou, ainda, a agricultura familiar por preservar os alimentos tradicionais, contribuir para uma alimentação balanceada, proteger agrobiodiversidade e pelo uso sustentável dos recursos naturais. A agricultura familiar representa uma oportunidade para impulsionar as economias locais, especialmente quando combinada com políticas específicas destinadas a promover a proteção social e o bem-estar das comunidades (ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS PARA A ALIMENTAÇÃO – FAO, 2014, p. 1). A agricultura familiar é uma das principais responsáveis pela manutenção do agricultor no campo e, por conseguinte, pela diminuição do êxodo rural, justamente por sua maior capacidade gerencial, pela sua flexibilidade e, sobretudo, por sua maior aptidão para a diversificação das culturas (OLIVEIRA, 2007). Conforme Scolari (2007, p. 20), a agricultura familiar “pode desempenhar um importante papel, na conquista de nichos específicos de mercados, com geração de produtos de qualidade e criação de marcas diferenciadas, gerando renda e aumentando o nível de emprego e de renda no setor rural”. Com o intuito de estabelecer um panorama geral da agricultura familiar brasileira, a Tabela 1 apresenta dados que informam a área e o número de estabelecimentos rurais pertencentes à agricultura familiar e a não familiar, do Brasil, do estado do Rio Grande do Sul e do município de Santa Maria. 41 Tabela 1 – Estabelecimentos e área da agricultura familiar e não familiar do Brasil, do Estado do Rio Grande do Sul e do Município de Santa Maria Agricultura Familiar Não Familiar Estabelecimentos Área (ha) Estabelecimentos Área (ha) Brasil 4.367.902 80.250.453,09 807.587 249.690.940,24 Rio Grande do Sul 378.546 6.171.622 62.921 14.027.867 Santa Maria 11.407 240.661,33 2.964 710.028,52 Fonte: IBGE (2006). No Brasil, de acordo com o censo agropecuário do IBGE (2006), há 5.175.489 estabelecimentos rurais, sendo que, destes, 84,39% pertencem à agricultura familiar, enquanto que, 15,61% são estabelecimentos não familiares. No estado do Rio Grande do Sul predominam estabelecimentos familiares, apresentando um percentual de 85,74%. Já no município de Santa Maria, 79,37% dos estabelecimentos pertencem à agricultura familiar. Com relação à área, no Brasil, ao verificar o censo do IBGE (2006), 75,68% de hectares pertencem a estabelecimentos rurais não familiares. No estado do Rio Grande do Sul, 69,44% de hectares são utilizados por estabelecimentos não familiares. No município de Santa Maria, o maior índice de hectares é de estabelecimentos não familiares, correspondendo ao percentual de 74,68%. Dessa forma, pelos índices observados do IBGE (2006), pode-se inferir que a produção da agricultura patronal supera a agricultura familiar. Segundo Fernandes (2005), a agricultura patronal também pode ser entendida como agricultura capitalista, agricultura empresarial ou mesmo agronegócio. Essa agricultura patronal é responsável por uma produção em larga escala. A fim de apresentar as diferenças entre agricultura patronal e agricultura familiar no Brasil, aborda-se, no Quadro 2, as seguintes características. Quadro 2 – Diferenças entre a agricultura patronal e agricultura familiar Agricultura Patronal Agricultura Familiar Mão de obra assalariada. Predomina a mão de obra familiar. Produção de grande e média escala. Produção de pequena escala. Ênfase na especialização. Ênfase na diversificação. Suporte industrial. Pouca intervenção industrial. 42 Ênfase nas práticas agrícolas padronizáveis. Ênfase na durabilidade dos recursos naturais. Tecnologias dirigidas, eliminação de decisão de “terreno e de momento”. Decisões imediatas adequadas ao alto grau de imprevisibilidade do processo produtivo. Fonte: Organizado com base nos estudos de Spanevello (2008) e Ristow (2015). Na agricultura familiar, no Brasil, há multifuncionalidades que estão relacionadas a “funções de proteção do meio ambiente, até as funções socioeconômicas que envolvem o lazer, a cultura, a distribuição de emprego e renda” (SANTOS; ROCHA; COUTO, 2005, p. 4). Em consonância com os autores supracitados, Carneiro e Maluf (2003) apontam quatro funções chaves da agricultura familiar, que são: 1) reprodução socioeconômica das famílias rurais; 2) características técnico-produtivas, promoção da segurança alimentar das próprias famílias rurais e da sociedade e sustentabilidade da atividade agrícola; 3) manutenção do tecido social e cultural associado a determinado território; 4) conservação dos recursos naturais e manutenção da paisagem rural. Dentre essas características produtivas, a pluriatividade está presente na agricultura familiar, como forma de reprodução socioeconômica. A pluriatividade se apresenta como uma alternativa adicional de renda às famílias produtoras. Para Baumel e Basso (2004, p. 139) o desenvolvimento da agricultura familiar está atrelada a pluriatividade, pois se estabelece como uma prática social, decorrente da busca de formas alternativas para garantir a reprodução das famílias de agricultores, um dos mecanismos de reprodução, ou mesmo de ampliação de fontes alternativas de renda; com o alcance econômico, social e cultural da pluriatividade as famílias que residem no espaço rural, integram-se em outras atividades ocupacionais, além da agricultura (BAUMEL; BASSO, 2004, p. 139). Em suma, segundo Schneider (2009, p. 4), a pluriatividade é a “interação entre atividades agrícolas, atividades para-agrícolas e atividades não-agrícolas”, que podem assim ser definidas: Atividades agrícolas constituem-se em procedimentos e operações que envolvem o cultivo de organismos vivos (animais e vegetais) e o gerenciamento de processos biológicos dos quais resulta a produção de alimentos, fibras e matérias-primas. Atividades para-agrícolas formam um conjunto de operações, tarefas e procedimentos que implicam na transformação, beneficiamento e/ou processamento de produção agrícola (in natura ou de derivados). 43 Atividades não-agrícolas são atividades ligadas a outros ramos ou setores da economia, sendo os mais tradicionais a indústria, o comércio e os serviços (SCHNEIDER, 2009, p. 4). Segundo Zanini e Santos (2015, p. 134), no “Sul do Brasil, é cada vez mais perceptível a transformação de pequenas comunidades rurais em unidades de processamento de frutas, legumes, laticínios e agricultura orgânica”. Além disso, os autores elencam outras práticas que os pequenos agricultores exercem como meios alternativos de obtenção de renda, a saber: o turismo rural, isto é, a implantação de trilhas, pousadas, pequenos hotéis que oferecem aos turistas urbanos comidas típicas, a experiência de vida na zona rural, da colheita de frutas, fabricação de vinhos, passeios ecológicos, etc. Muitas vezes, o turismo rural possibilita a manutenção de propriedades agrícolas que não seriam viáveis apenas pela sua produção agropecuária, ao mesmo tempo em que produz uma revalorização e ressignificação da tradição destacando, sobretudo, a distintividade étnico-cultural desses camponeses de origem europeia (ZANINI; SANTOS, 2015, p. 134). A pluriatividade é estimulada, de acordo com Schneider (2009), pelos seguintes fatores: (i) a própria modernização técnico-produtiva da agricultura; (ii) processos de terceirização e crescimento da prestação de serviços no meio rural; (iii) queda crescente e continuada das rendas agrícolas; (iv) mudanças nos mercados de trabalho; (v) políticas de desenvolvimento rural, que estimulam atividades não- agrícolas no meio rural tais como o turismo, as pequenas e médias indústrias, a preservação ambiental, entre outras; (vi) a pluriatividade, que passou a ser percebida como uma das estratégias fundamentais de reprodução da agricultura familiar e adaptação às transformações macroestruturais na agricultura. Como forma de fortalecer a atuação dos agricultores familiares, muitos produtores buscam se organizar por meio de uma ação coletiva, que pode ser: parceria, pool, associativismo, cooperativismo (NANTES; SCARPELLI, 2012). De acordo com Ramírez e Berdegué (2003), as ações coletivas objetivam: ter o acesso à outra dimensão de bem-estar material, a modificar as relações sociais e de poder existentes no interior de populações específicas, a influenciar as políticas públicas para ampliar as possibilidades de desenvolvimento e superar a exclusão, a desenvolver a capacidade dos indivíduos, a fortalecer as organizações e a aprofundar normas e valores como a solidariedade, reciprocidade e confiança, que contribuem para o bem comum. 44 Para Oliveira et al. (2010, p. 11), a ação coletiva possibilita aos agricultores familiares [...] adquirem maior poder de negociação no mercado e, assim, proporcionar ganhos de escala para os produtores como: redução dos preços dos insumos quando comprados em maior quantidade, vantagem na comercialização gerada pelo poder de venda associado ao alto volume de produtos em negociação, utilização de máquinas e equipamentos de forma compartilhada, possibilidade de assistência técnica mais presente, dentre outros benefícios, dependendo da forma de organização e dos objetivos do grupo (OLIVEIRA et al., 2010, p. 11). Somado a isso, as organizações coletivas estão auxiliando os agricultores familiares a produzir sob as diretrizes de uma produção agroecológica, como é o caso das cooperativas de Santa Maria/RS, cita-se: a Cooperativa Mista dos Pequenos Produtores Rurais e Urbanos (COOESPERANÇA) e a Cooperativa de Produção e Desenvolvimento Rural dos Agricultores Familiares (COOPERCEDRO) (PICOLOTTO; BREMM; SCHREINER, 2015). Diante do exposto, sinaliza-se que, independente da forma de ação coletiva, esta se apresenta aos agricultores como uma estratégia que viabiliza o aumento de produção, a melhoria na sua estrutura laboral, bem como uma maior competitividade e reprodução social2. Para entender cada uma das formas de ação coletiva, faz-se necessário conceituá-las, a começar por parceria, entendida como: uma forma organizativa que não exige formalidade, mas que requer dos agentes envolvidos “iniciativa, liderança, empenho e visão empresarial para buscar o parceiro certo, ter confiança no projeto e estar disposta a dividir lucros, ou seja, o negócio precisa ser bom para todos” (NANTES; SCARPELLI, 2012, p. 647). O pool são “associações de produtores que se unem para adquirir maior poder de negociação no mercado” (DRAGONE, 2003, p. 61). Assim, o pool, como também, as cooperativas e associações são ações que buscam “unir os produtores rurais para enfrentarem os desafios de inserção e permanência na cadeia produtiva, 2 Para Pietrafesa (2000, p. 186) a reprodução social da agricultura familiar, do ponto de vista socioeconômico está, em certa medida, vinculada à sua capacidade de responder às demandas atuais de mercado, produtividade e elevação de renda. Mas, por outro lado, quando as famílias assumem essa postura, fazem o discurso de que estão buscando “melhores condições de vida” para seus membros e, nesse campo, a permanência dos jovens no meio rural e a elevação do poder de consumo são variáveis sempre presentes na composição do discurso. 45 e podem atuar de forma coordenada na compra de insumos, durante produção ou na comercialização” (OLIVEIRA et al., 2010, p. 11). Já a cooperativa, pela Lei nº 5.764/71, descrito no seu artigo 4º, compreende em “sociedades de pessoas, com forma e natureza jurídica próprias, de natureza civil, não sujeitas a falência, constituídas para prestar serviços aos associados” (BRASIL, 1971). A associação consiste num agrupamento de pessoas, dotadas de personalidade jurídica, que possuem objetivos e ideais comuns, sem a finalidade lucrativa (MELCHOR, 2000). Define-se sindicato como uma “sociedade civil e sindical sem fins lucrativos, que tem por finalidade representar os direitos e interesses individuais e coletivos de determinada categoria de trabalho” (SENAR, 2011, p. 22). Além das formas organizacionais de ação coletiva, há outras maneiras de fortalecer a agricultura familiar como situar o valor agregado de seus produtos, ou seja: é preciso considerar a territorialidade do local, onde os produtos são fabricados e o sabor diferenciado, resultante do processo produtivo artesanal (BATALHA; BUAINAIN; SOUZA FILHO, 2004). Em adição, há outros caminhos para alavancar a agricultura familiar e promover qualidade de vida e inclusão social aos agricultores familiares, que são as políticas públicas e os programas governamentais. Para aclarar, políticas públicas, na concepção de Teixeira (2002, p. 2), “são diretrizes, princípios norteadores de ação do poder público; regras e procedimentos para as relações entre poder público e sociedade, mediações entre atores da sociedade e do Estado”. Enquanto que programa “constitui uma sequência de ações estruturadas e sistêmicas no tempo de caráter orientador, coordenador, executor e avaliador, e que viabilizam o alcance de objetivos (finalísticos ou de apoio administrativo)” (KLERING; SCHRÖEDER, 2008, p. 147). Algumas políticas públicas e programas voltados para agricultura familiar, propostos pelo governo federal, segundo Ministério de Desenvolvimento Agrário (MDA), devem ser destacados: 46 O Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar (PRONAF) – criado pelo Decreto nº 1.946, de 28 de junho de 1996, é um programa de crédito destinado ao pequeno e médio agricultor que proporciona a estes o acesso a recursos financeiros para o desenvolvimento da agricultura familiar (BRASIL, MDA, 2013). Entre as linhas de crédito, têm-se: • Microcrédito Rural: atende os agricultores de menor renda. Permite o financiamento das atividades agropecuárias e não agropecuárias, podendo os créditos cobrirem qualquer atividade que possa gerar renda para a família atendida; • PRONAF Agroecologia: financia investimentos dos sistemas de produção agroecológicos ou orgânicos, incluindo os custos relativos à implantação e manutenção do empreendimento; • PRONAF Agroindústria: financia investimentos, inclusive em infraestrutura, que visam o beneficiamento, o processamento e a comercialização da produção agropecuária e não agropecuária, de produtos florestais e do extrativismo, ou de produtos artesanais e a exploração de turismo rural; • PRONAF Cota-Parte: financia investimentos para a integralização de cotas-partes dos agricultores familiares filiados a cooperativas de produção ou para aplicação em capital de giro, custeio ou investimento; • PRONAF Custeio e Comercialização de Agroindústrias Familiares: destinada aos agricultores e suas cooperativas ou associações, para que financiem as necessidades de custeio do beneficiamento e industrialização da produção própria ou de terceiros; • PRONAF Custeio: financia atividades agropecuárias e de beneficiamento ou industrialização e comercialização de produção própria ou de terceiros agricultores familiares enquadrados no PRONAF; • PRONAF Eco: investimento para implantação, utilização ou recuperação de tecnologias de energia renovável, biocombustíveis, armazenamento hídrico, pequenos aproveitamentos hidro energéticos, silvicultura e recuperação do solo; • PRONAF Floresta: financia projetos para sistemas agroflorestais, como exploração extrativista ecologicamente sustentável, plano de manejo florestal, recomposição e manutenção de áreas de preservação permanente e reserva legal e recuperação de áreas degradadas; • PRONAF Investimento (Mais Alimentos): financia máquinas e equipamentos visando a melhoria da produção e serviços agropecuários ou não agropecuários, no estabelecimento rural ou em áreas comunitárias rurais próximas; • PRONAF Jovem: financia propostas de crédito de jovens agricultores e agricultoras com idade entre 16 e 29 anos. Os recursos são destinados à implantação, ampliação ou modernização de produção e serviços nos estabelecimentos rurais; • PRONAF Mulher: linha oferecida especialmente para as mulheres. Financia investimentos de propostas de crédito, independentemente do estado civil da mulher. Pode ser usado para investimentos realizados nas atividades agropecuárias, turismo rural, artesanato e outras atividades no meio rural de interesse da mulher agricultora; • PRONAF Semiárido: financia projetos de convivência com o semiárido, focados na sustentabilidade dos agroecossistemas, que priorizem infraestrutura hídrica e implantação, ampliação, recuperação ou modernização das demais infraestruturas, inclusive aquelas relacionadas com projetos de produção e serviços agropecuários e não agropecuários, de acordo com a realidade das famílias agricultoras da região Semiárida (BRASIL, MDA, 2013, p. 11-13). 47 O Programa de Aquisição de Alimentos (PAA) – instituído em 2003, teve suas diretrizes atualizadas pela Lei nº 12.512/2011. Esse programa permite que os órgãos públicos federais, estaduais e municipais adquirem alimentos diretamente dos produtores. “Garante o atendimento de populações em situação de insegurança alimentar e nutricional e promove a inclusão social no campo fortalecendo a agricultura familiar” (BRASIL, MDA, 2013, p. 21). O Programa Nacional de Alimentação Escolar (PNAE) – “instituído pela Lei nº 11.947/2009, esse programa prevê a compra de ao menos 30% dos alimentos provenientes da agricultura familiar para serem servidos nas escolas da rede pública de ensino” (BRASIL, MDA, 2013, p. 27). O Programa Nacional de Crédito Fundiário (PNCF) – o objetivo do programa é de “facilitar o acesso à terra e aumentar a renda dos trabalhadores rurais. O PNCF financia a aquisição de imóveis rurais não passíveis de desapropriação” (BRASIL, MDA, 2013, p. 31). A Garantia-Safra – é um seguro concedido aos agricultores familiares, que perderam sua produção por causa de problemas climáticos. Este programa é “voltado aos produtores com renda familiar de até 1,5 salário mínimo por mês, desde que possuem Declaração de Aptidão ao PRONAF e tenham feito a adesão ao Garantia-Safra” (BRASIL, MDA, 2013, p. 63). Do governo do estado do Rio Grande do Sul, em 2015, foi instituído o Programa de Apoio à Agricultura Familiar e Camponesa, que visa fomentar projetos integrados na estruturação de unidades agroindustriais, agregar valor aos produtos agropecuários e incluir os agricultores familiares e camponeses nas cadeias produtivas regionais. De acordo com a diretriz do programa, os agricultores atuarão tanto na produção de base ecológica como no processamento e na comercialização de produtos (RIO GRANDE DO SUL, SDR, 2016). Outra iniciativa do governo estadual é o Programa de Gestão Sustentável da Agricultura Familiar, instituído pelo Decreto nº 53.052, de 02 de junho de 2016, sob a coordenação da SDR e executado de forma integrada à Política Estadual de Assistência Técnica e Extensão Rural no Estado do Rio Grande do Sul (PEATERS) 48 e ao Programa Estadual de Assistência Técnica e Extensão Rural e Social no Estado do Rio Grande do Sul (PROATERS). O programa objetiva promover a gestão e a adequação socioeconômica e ambiental das propriedades rurais familiares. A intenção do programa é trabalhar de forma sistêmica, realizando o acompanhamento das atividades e promovendo a implantação de um sistema de gestão. Dessa forma, possibilita-se a geração de instrumentos e conhecimento para diagnosticar, projetar, monitorar e avaliar os sistemas de produção, com a abrangência de todas as atividades desenvolvidas nas unidades de produção familiar (EMATER/RS, 2016). Entre as principais atividades que possam ser empreendidas pelo programa estão: • Implementar a inscrição dos imóveis rurais no Cadastro Ambiental Rural (CAR) e os respectivos Programas de Regularização Ambiental (PRA) dos estabelecimentos assistidos pela EMATER/RS. • Implementar unidades de referência na produção de energias renováveis (por exemplo, solar, biogás e biomassa). • Desenvolver sistemas produtivos sustentáveis (por exemplo, silvipastoril, agrossilvipastoril e sistemas agroflorestais). • Implementar práticas de conservação do solo e água. • Melhorar as condições de conservação dos arredores da casa e das instalações, contribuindo para a melhoria da qualidade de vida e do ambiente. • Estimular e implementar a produção de hortaliças, frutíferas e criações animais para autoconsumo e venda de excedentes. • Realizar intercâmbios para a troca de experiências entre os agricultores e técnicos envolvidos no trabalho. • Propor o redesenho dos estabelecimentos rurais familiares, quando for necessário, utilizando o sistema de planejamento a curto, médio e longo prazo, com base nos indicadores (EMATER/RS, 2016, p. 7). Em Santa Maria/RS, registra-se como incentivos aos agricultores, principalmente, aos que se enquadram como familiares, o fundo rotativo e diversos programas que buscam impulsionar a produção primária e a melhoria das condições de vida dos trabalhadores rurais do município. O Fundo Rotativo foi criado pela Lei Municipal nº 3.962, em 27 de março de 1996 (SANTA MARIA, 1996). Este fundo trata-se de um contrato de financiamento, que, de acordo com o representante da Secretaria Municipal de Desenvolvimento Rural (SMDR), está em torno de 12 salários mínimos, do ano base 2016. Para obter esse recurso, o produtor deverá apresentar um projeto que será avaliado por técnicos da SMDR/EMATER e aprovado pelo Conselho de Desenvolvimento Rural do município. No artigo 10, da Lei 3.962/96, “o fundo rotativo financiará, prioritariamente, empreendimentos realizados através de associações, cooperativas e condomínios rurais de produtores rurais”. Na sequência da lei, no artigo 11, está 49 assim disposto: “aos contratos de financiamentos individuais somente serão elegíveis os produtores rurais com propriedades iguais ou menores que 04 (quatro) módulos rurais” (SANTA MARIA, 1996). Outra medida adotada pela Secretaria Municipal de Desenvolvimento Rural, em parceria com o Escritório Municipal da EMATER, foi a implantação de programas, explicitados no Quadro 3, que objetivam estimular o aumento e a diversificação dos produtos agropecuários. Quadro 3 – Programas de desenvolvimento rural de Santa Maria PRÓ-AGROINDÚSTRIA Descrição/objetivos: Este processo permitirá maior competitividade dos nossos produtos, de forma a atender à demanda já existente de produtos derivados de carnes, derivados de leites, produtos de frutas e hortaliças, bebidas, mel, produtos de panificação e massas frescas da culinária italiana nos mercados locais e regionais. Disponibilizar linhas de crédito para a implantação, ampliação, adequação, reestruturação e custeio de agroindústrias de agricultores familiares, criar mecanismos para facilitar o acesso dos agricultores familiares às linhas de crédito e, ainda, identificar, apoiar e divulgar iniciativas de incentivos estaduais e municipais para agroindústrias. PRÓ-CALCÁRIO Descrição/objetivos: Viabilizar a correção da acidez do solo e, através desta, a melhoria do nível de fertilidade dos solos do município, contribuindo para melhoria da situação econômica dos pequenos produtores rurais. PRÓ-CRIA Descrição/objetivos: Disponibilizar aos produtores rurais, inscritos no Pró-Leite, acesso ao Programa de Inseminação Artificial, promovendo o melhoramento genético de seu rebanho, trazendo aumento da produção leiteira do município. PRÓ-FLORES Descrição/objetivos: O projeto busca integrar esforços de todos os segmentos interessados em estimular o aumento da floricultura, com vistas ao mercado local. PRÓ-FLORESTA Descrição/objetivos: incentivar a produção florestal em propriedades rurais de Santa Maria, bem como em propriedades rurais autossuficientes em produtos madeiráveis, entre outros. O programa possibilita o produtor rural saber fazer uso ou manejo da terra, nos quais se consorciam espécies arbóreas com cultivos agrícolas e que promovem benefícios econômicos e ecológicos. PRÓ-FRANGO Descrição/objetivos: Auxiliar o Produtor Rural, avicultor ou não, na implantação da produção de frangos e ou ovos coloniais, agregando 50 renda à atividade rural. PRÓ-FRUTAS Descrição/objetivos: Destina-se a ampliar a participação da fruticultura na matriz produtiva do município, para suprir comércio local e melhorar a renda dos produtores rurais locais. PRÓ-HORTA Descrição/objetivos: Visa a ampliar a produção da olericultura na matriz produtiva do município, para suprir comércio local e melhorar a renda dos produtores rurais locais. PRÓ-LEITE Descrição/objetivos: Reestruturar a pequena propriedade rural produtora de leite, de forma a viabilizar sua permanência no mercado, em regime familiar de exploração. Cada produtor deverá ter metas mínimas as quais serão elencadas pelos técnicos do programa, com apoio ainda de cooperativas e indústrias do setor. PRÓ-MEL Descrição/objetivos: Promover o desenvolvimento técnico e econômico da apicultura santa-mariense e aumentar sua competitividade, baseado na produção, produtividade e qualidade, através da criação dos parques agro apícolas familiares. PRÓ-OLIVEIRA Descrição/objetivos: O projeto busca estimular a produção de oliveiras, visto que a região de Santa Maria apresenta potencial para o desenvolvimento desta cultura, devido às condições propícias de solo e clima. PRÓ-OVINO Descrição/objetivos: Possibilitar a ampliação do mercado ovinocultor do município e implementar a criação através de incentivos e instrumentos capazes de alavancar esse mercado em nossa cidade. PRÓ-PEIXE Descrição/objetivos: O programa consiste em ampliar e incentivar a criação de peixes por produtores rurais em pequenos açudes, com fins comerciais. Identificar e classificar os produtores de peixe já existentes no município, estabelecendo critérios e normatizando a atividade no município. REDES Descrição/objetivos: O programa visa aproximar o pequeno produtor rural dos supermercadistas. Neste programa, os produtores rurais fornecerão produtos agrícolas de qualidade e com frequência de entrega. Os supermercados garantirão a compra dos produtos e pagará preço de mercado, a prefeitura dará assistência técnica aos produtores sendo um facilitador deste processo. Fonte: SANTA MARIA, SMDR (2015). Os programas foram criados pela Lei Municipal nº 5.612, de 05 de janeiro de 2012, que têm como objetivos descritos no seu artigo 3º: 51 I. capacitar os produtores rurais nas atividades específicas de cada programa; II. melhorar a qualidade de vida da família rural; III. incentivar a permanência do jovem no meio rural; IV. desenvolver o espírito associativo entre os produtores; V. gerar emprego e renda; VI. incrementar e aumentar a produção agropecuária; VII. abastecer o mercado local e regional com produtos da agropecuária; VIII. melhorar a fertilidade do solo; IX. promover o uso adequado do solo; X. incentivar a implantação de pastagens perenes e anuais; XI. promover a melhoria na genética e na sanidade animal do rebanho leiteiro (SANTA MARIA, 2012, p.1-2). Assim como o fundo rotativo, o ingresso para qualquer um dos programas será, prioritariamente, para produtores com propriedades iguais ou menores que 04 (quatro) módulos rurais e, mesmo que informalmente, devem pertencer a uma associação ou cooperativa. Em contrapartida, os produtores deverão participar de cursos de capacitação e de excursões técnicas às propriedades modelos (SANTA MARIA, SMDR, 2015). Certamente, as políticas públicas e os programas de governo das três esferas buscam a sustentabilidade da agricultura familiar, assim como incentivar uma agricultura sustentável. Nesse contexto, Oliveira et al. (2015, p. 1) afirmam que a agricultura familiar é “tratada como um segmento estratégico para o desenvolvimento rural sustentável, pelo fato de oferecer emprego e renda, de preservar os recursos naturais e de oferecer produtos mais saudáveis tanto para o consumo interno como local”. Com relação aos canais de comercialização, Scolari (2007, p. 32) destaca que a agricultura familiar, desde que “tecnificada, com rastreabilidade, certificação e marcas pode desempenhar importante papel e conquistar fatias do mercado nacional e internacional”. Compreende-se canal de comercialização “o caminho percorrido pela mercadoria desde o produtor até o consumidor final” (HOFFMANN. et al.;1992, p. 153). Dentre os principais canais cita-se: a) venda direta ao consumidor; b) integração vertical; c) vendas para o setor de distribuição; d) mercados institucionais (PIERRI; VALENTE, 2010). De acordo com os autores Pierri e Valente (2010), cada canal pode ser entendido como: 52 a) Vendas diretas: a venda se dá sem intermediários. O produto é entregue pelo produtor para o consumidor final. Exemplos: entregas em domicílio, tele entregas, feiras livres, feiras especializadas, eventos comerciais promocionais, loja, balcão ou quiosque do produtor, vendas na propriedade; b) Integração vertical: venda de produtos como matéria-prima para beneficiamento pelo comprador (os principais produtos no Brasil são leite, fumo, tomate, suínos e aves); c) Vendas para distribuição: o produtor vende para um agente intermediário que irá distribuir o produto no comércio de atacado e/ou varejo. Exemplos: atacadistas, varejistas, distribuidores, restaurantes, lojas especializadas de agricultura orgânica e produtos naturais, supermercados e hipermercados, exportação; d) Mercados institucionais: um exemplo são os mercados criados pelo Programa de Aquisição de Alimentos da Agricultura Familiar (PAA) e o Programa Nacional de Alimentação Escolar (PNAE). Os mecanismos de comercialização adotados pelos produtores familiares, em relação com os canais de distribuição, segundo Azevedo e Faulin (2005), podem ser o mercado spot, o contrato formal, o contrato informal e as parcerias, que pode ser compreendidos como: i. Mercado spot – ocorre a transferência física do produto e é utilizado para coordenar as transações entre produtores familiares e sacolões, varejões, quitandas, atravessadores e na venda direta ao consumidor final. O preço, a quantidade, a qualidade, o pagamento e a entrega do produto são definidos em um único momento. ii. Contratos formais – utilizados para reduzir incertezas e especificarem regularidade, volume e preços. Geralmente são utilizados por empresas de refeições coletivas. iii. Contratos informais – são utilizados nas transações dos produtores com pequenos e médios supermercados, sacolões e varejões, quitandas, empresas de refeições coletivas, atravessadores e atacadistas. A entrega, a quantidade e a qualidade do produto são determinadas e supõem uma relação constante que possa justificar a confiança. 53 iv. Parcerias – estabelecidas entre produtores familiares e atravessadores com uma relação de confiança entre as partes. Dos principais canais de distribuição de produtos, provenientes da agricultura familiar, são as feiras livres, devido ao estreitamento de suas relações com o consumidor (COLLA et al., 2007). Somado a isso, as feiras livres têm ganhado destaque por possibilitar, aos agricultores familiares, uma melhor rentabilidade (COLLA et al., 2007). Devido à importância das feiras livres para a agricultura familiar, a próxima seção traz uma abordagem sobre conceitos, dados históricos e relevância socioeconômica das feiras. 2.3 Feiras livres – surgimento, território, características e funções A origem da palavra “feira” vem do latim feriae, que significa “dia de festa”. No simbolismo litúrgico era um dia de “celebrar o Senhor”, o dia em que os fiéis e peregrinos se dirigiam aos templos, levando consigo oferendas, que podiam ser animais, pratos culinários, roupas e outros objetos. Com o passar dos tempos, o comércio se sobrepôs ao ato religioso, o que levou os comerciantes a aproveitarem o dia festivo para expor e vender suas mercadorias (SILVA, 2014). Quanto à origem das feiras livres é difícil precisar sua data, entretanto, segundo Mott (1975) apud Azevedo; Queiroz (2013), as feiras já existem desde a época da Mesopotâmia, no Egito Antigo, na Grécia Antiga, e na Roma Antiga. A consolidação das feiras acontece durante a Idade Média, a partir do século XI, na Europa. O Renascimento Comercial e Urbano impulsionam a prática das feiras livres, um marco caracterizado pela aceleração do processo de urbanização e pela ascensão comercial. Neste período, surgem os burgos, ou seja, cidades que passaram a comportar um elevado número de pessoas vindas de várias regiões, principalmente, da África e da Ásia. Essas pessoas tinham interesse em matérias- primas, alimentos, tecidos e artesanatos. Os produtos ficavam expostos em tendas, todas juntas, em um determinado local, configurando o que hoje se conhece por feiras (FERNANDES, 2016). 54 No Brasil, as feiras livres são decorrentes da colonização portuguesa e surgem por volta do século XVII com a finalidade de suprir a “necessidade de abastecimento alimentar e da comercialização do excedente produzido no campo” (PINTO; MORAES, 2011, p. 2). As primeiras evidências de feiras livres no Brasil “remontam ao ano de 1548, quando o rei de Portugal, D. João III, preocupado em evitar o êxodo rural na colônia, instituiu um dia de feira nas cidades” (MENEZES, 2005, p. 9). Segundo Mott (1975) apud Azevedo; Queiroz (2013), o primeiro registro oficial de feira livre no Brasil foi em 1732, a feira de Capoame, localizada no Recôncavo Baiano. A partir de então, as feiras se estenderam não só por todo o nordeste brasileiro, como também, para outras regiões do país. No Brasil, a feira livre se caracteriza como um mercado ao ar livre, organizado pelo poder público municipal, priorizando o abastecimento alimentar, onde são vendidos alimentos e produtos básicos (MASCARENHAS; DOLZANI, 2008). Chapman (1987) apud Bernardino (2015, p. 44) apresenta as seguintes características das feiras: � quanto à origem podem ser naturais (surgiram espontaneamente) ou planejadas (criadas ou organizadas pelo poder público ou privado); � quanto ao acesso podem ser pú