CENTRO UNIVERSITÁRIO UNIVATES CURSO DE DIREITO A (IN)EFETIVIDADE DA LEI Nº 11.705/2008 NA REDUÇÃO DOS ACIDENTES DE TRÂNSITO DA CIRCUNSCRIÇÃO POLICIAL DE LAJEADO/RS Carla Saatkamp Lajeado, junho de 2009 B D U – B ib lio te ca D ig ita l d a U N IV AT E S (h tt p: //w w w .u ni va te s.b r/ bd u) CENTRO UNIVERSITÁRIO UNIVATES CURSO DE DIREITO A (IN)EFETIVIDADE DA LEI Nº 11.705/2008 NA REDUÇÃO DOS ACIDENTES DE TRÂNSITO DA CIRCUNSCRIÇÃO POLICIAL DE LAJEADO/RS Carla Saatkamp Monografia apresentada na disciplina de Trabalho de Curso II – do Curso de Direito, como exigência parcial para obtenção do título de Bacharel em Direito. Orientadora: Ms. Flávia Colossi Frey Lajeado, junho de 2009 B D U – B ib lio te ca D ig ita l d a U N IV AT E S (h tt p: //w w w .u ni va te s.b r/ bd u) Aos meus pais, Gilberto e Roseli, a minha tia Noely, a minha irmã, Gabriela, ao meu namorado, Cristiano, e a todos que de alguma forma contribuíram para a realização deste trabalho. B D U – B ib lio te ca D ig ita l d a U N IV AT E S (h tt p: //w w w .u ni va te s.b r/ bd u) AGRADECIMENTOS Inicialmente gostaria de agradecer a todos aqueles que de alguma forma colaboraram para que esta conquista se tornasse realidade, em especial aos meus pais, Gilberto e Roseli, e a minha irmã Gabriela, pois estiveram presentes em todos os momentos importantes de minha vida, inclusive nos acadêmicos. Sempre acreditaram em mim e nunca mediram esforços para me ajudar e me apoiar em todas as minhas decisões. Sem esse amparo, confiança e amor, este sonho não estaria tornando-se realidade. Minha especial gratidão, muito mais do que posso expressar com palavras, a minha tia Noely Saatkamp Pinheiro, que se mostrou amiga, companheira, conselheira. Obrigada pela confiança em mim, ajuda, amparo e estímulo. Com certeza, sem sua ajuda, eu não teria chegado tão longe. Agradeço ao meu namorado, Cristiano Antonio Hauschild, que acompanhou boa parte da minha vida acadêmica, pela calma, atenção, carinho, compreensão e incentivo, que para mim foram de fundamental importância nesta jornada. Faço aqui um agradecimento especial à minha orientadora, Ms. Flávia Colossi Frey, que se dispôs a reservar seu tempo para orientar-me e esclarecer minhas dúvidas durante a elaboração do trabalho. Agradeço também à Ms. Beatris Francisca Chemin, que auxiliou na elaboração do projeto desta monografia. B D U – B ib lio te ca D ig ita l d a U N IV AT E S (h tt p: //w w w .u ni va te s.b r/ bd u) 4 Por fim, agradeço aos amigos, aos colegas de faculdade que me escutaram nos últimos anos e sempre me apoiaram: Sabrina Brito Souza, Cristina Graziela Fleck e Tais Chiesa, que tornaram os momentos de apreensão mais felizes e divertidos. A todas essas pessoas, que, ao longo da minha jornada acadêmica, me escutaram, me incentivaram nos momentos de angústia e sempre acreditaram em mim, me fortalecendo, o meu agradecimento. B D U – B ib lio te ca D ig ita l d a U N IV AT E S (h tt p: //w w w .u ni va te s.b r/ bd u) “Há quem diga que todas as noites são de sonhos. Mas há também quem garanta que nem todas, só as de verão. No fundo, isso não tem importância. O que interessa mesmo não é a noite em si, são os sonhos. Sonhos que o homem sonha sempre, em todos os lugares, em todas as épocas do ano, dormindo ou acordado.” (William Shakespeare) B D U – B ib lio te ca D ig ita l d a U N IV AT E S (h tt p: //w w w .u ni va te s.b r/ bd u) RESUMO No presente estudo, pretendeu-se analisar a (in)efetividade da Lei nº 11.705/2008 na redução dos acidentes de trânsito da Circunscrição Policial de Lajeado/RS. Para tanto, fez-se menção ao contexto histórico dos direitos fundamentais e a suas dimensões, reportando-se à Constituição Federal, que prevê, no seu art. 5º e incisos LXIII, o direito de permanecer em silêncio; LVII, o princípio da presunção de inocência; e LV, o contraditório e a ampla defesa, dos quais decorre o princípio de que ninguém é obrigado a produzir prova contra si mesmo, o que é premissa básica, visto que a prova da embriaguez se faz por meio de exame de sangue, etilômetro (bafômetro) ou exame clínico. Buscando esclarecer as dúvidas a respeito das modificações trazidas pela Lei nº 11.705/2008 ao Código de Trânsito Brasileiro, analisam-se os artigos que sofreram alguma alteração, inclusive trazendo opiniões de doutrinadores a respeito. E por fim, apresenta-se a pesquisa feita nos boletins de ocorrência da Delegacia de Trânsito de Lajeado/RS. Nessa pesquisa investiga-se se há a diminuição ou não dos acidentes de trânsito com a entrada em vigor da lei, além do sexo, estado civil, idade e nível de instrução dos envolvidos, como também o horário e o dia da semana em que aconteceram com mais freqüência. PALAVRAS - CHAVE: Lei nº 11.705/2008. Acidentes de trânsito. Embriaguez ao volante. B D U – B ib lio te ca D ig ita l d a U N IV AT E S (h tt p: //w w w .u ni va te s.b r/ bd u) LISTA DE GRÁFICOS GRÁFICO 1 - Número total de acidentes em 2007 e 2008........................................59 GRÁFICO 2 - Acidentes por artigos pesquisados em 2007 e 2008 ..........................59 GRÁFICO 3 - Acidentes por artigos pesquisados em 2007 ......................................60 GRÁFICO 4 - Acidentes por artigos pesquisados em 2008.......................................61 GRÁFICO 5 - Número total de acidentes por sexo do condutor................................61 GRÁFICO 6 - Acidentes por sexo do condutor em 2007 ..........................................62 GRÁFICO 7 - Acidentes por sexo do condutor em 2008 ..........................................63 GRÁFICO 8 - Número de acidentes por idade do condutor ......................................63 GRÁFICO 9 - Acidentes por idade do condutor em 2007 .........................................64 GRÁFICO 10 - Acidentes por idade do condutor em 2008 .......................................65 GRÁFICO 11 - Estado civil do condutor ....................................................................65 GRÁFICO 12 - Estado civil do condutor em 2007 .....................................................66 B D U – B ib lio te ca D ig ita l d a U N IV AT E S (h tt p: //w w w .u ni va te s.b r/ bd u) 8 GRÁFICO 13 - Estado civil do condutor em 2008 .....................................................67 GRÁFICO 14 - Acidentes por dia da semana ............................................................67 GRÁFICO 15 - Acidentes por dia da semana em 2007 ............................................68 GRÁFICO 16 - Acidentes por dia da semana em 2008 ............................................69 GRÁFICO 17 - Número de ocorrência conforme horário ..........................................69 GRÁFICO 18 - Número de ocorrência conforme horário em 2007 ...........................70 GRÁFICO 19 - Número de ocorrência conforme horário em 2008............................71 GRÁFICO 20 - Número de acidentes por grau de escolaridade ...............................71 GRÁFICO 21 - Número de acidentes por grau de escolaridade em 2007 ................72 GRÁFICO 22 - Número de acidentes por grau de escolaridade em 2008 ................73 B D U – B ib lio te ca D ig ita l d a U N IV AT E S (h tt p: //w w w .u ni va te s.b r/ bd u) LISTA DE QUADROS QUADRO 1 - Comparativo dos artigos com maior relevância para este trabalho monográfico.................................................................................................................49 B D U – B ib lio te ca D ig ita l d a U N IV AT E S (h tt p: //w w w .u ni va te s.b r/ bd u) LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS Abdetran Associação Brasileira de Departamentos de Trânsito Art. Artigo CADH Convenção Americana sobre Direitos Humanos CAPSad Centros de Atenção Psicossocial – Álcool e Drogas CF/88 Constituição Federal CONTRAN Conselho Nacional de Trânsito CP Código Penal Brasileiro CTB Código de Trânsito Brasileiro DNA Ácido Desoxirribonucléico FUNAI Fundação Nacional do Índio inc. Inciso OMS Organização Mundial de Saúde B D U – B ib lio te ca D ig ita l d a U N IV AT E S (h tt p: //w w w .u ni va te s.b r/ bd u) 11 PIDCP Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos de Nova Iorque Prof. Professor SENAD Secretaria Nacional Antidrogas STF Supremo Tribunal Federal SUS Sistema Único de Saúde UNIFESP Universidade Federal de São Paulo WWW World Wide Web, espécie de “teia de alcance mundial”, via internet B D U – B ib lio te ca D ig ita l d a U N IV AT E S (h tt p: //w w w .u ni va te s.b r/ bd u) SUMÁRIO 1 INTRODUÇÃO.........................................................................................................14 2 DIREITOS FUNDAMENTAIS...................................................................................17 2.1 O que são os direitos fundamentais.....................................................................17 2.2 Diferença entre direitos fundamentais e direitos humanos..................................21 2.3 Dimensões dos direitos fundamentais..................................................................22 2.3.1 Os direitos fundamentais da primeira dimensão...............................................23 2.3.2 Os direitos fundamentais da segunda dimensão..............................................24 2.3.3 Os direitos fundamentais da terceira dimensão................................................26 2.3.4 Novos direitos fundamentais..............................................................................28 2.4 Direito à vida versus direito de não produzir provas contra si mesmo.................30 2.5 Princípio da razoabilidade/proporcionalidade.......................................................33 3 ANÁLISE DOS ASPECTOS INTRODUZIDOS PELA LEI Nº 11.705/2008 E SUAS RESPECTIVAS ALTERAÇÕES NO CÓDIGO DE TRÂNSITO BRASILEIRO..........38 3.1 Legislação anterior................................................................................................38 3.2 Legislação atual....................................................................................................44 3.3 Quadro comparativo..............................................................................................49 3.4 Intenção legislativa................................................................................................51 3.5 Discussão doutrinária............................................................................................53 B D U – B ib lio te ca D ig ita l d a U N IV AT E S (h tt p: //w w w .u ni va te s.b r/ bd u) 13 4 A (IN)EFETIVIDADE DA LEI Nº 11.705/2008 NA REDUÇÃO DOS ACIDENTES DE TRÂNSITO DA CIRCUNSCRIÇÃO POLICIAL DE LAJEADO/RS......................57 4.1 Identificação e descrição geral dos objetivos.......................................................57 4.2 Dados dos municípios em que a pesquisa foi realizada......................................58 4.3 Análise e síntese dos resultados obtidos no estudo............................................59 5 CONSIDERAÇÕES FINAIS.....................................................................................74 REFERÊNCIAS...........................................................................................................77 APÊNDICES................................................................................................................81 ANEXOS...................................................................................................................106 B D U – B ib lio te ca D ig ita l d a U N IV AT E S (h tt p: //w w w .u ni va te s.b r/ bd u) 1 INTRODUÇÃO O presente trabalho tece um debate acerca da Lei nº 11.705/2008, que alterou o Código de Trânsito Brasileiro (Lei nº 9.503/1997) com a finalidade de estabelecer alcoolemia zero e de impor penalidades mais severas para o condutor que dirigir alcoolizado, tentando inibir o consumo de álcool e, consequentemente, diminuir os acidentes de trânsito, reduzindo a mortalidade em nossas vias. São muitas as tragédias geradas no Brasil pelos acidentes de trânsito, quantificadas segundo estatísticas da Polícia Rodoviária Federal no levantamento de dados feito em 2005: cerca de 35 mil mortes por ano, 400 mil feridos, 1,5 milhão de acidentes e 22 bilhões de reais por ano só para cobrir os gastos com os acidentes nas estradas federais. Assim, serão analisados os aspectos jurídicos do referido ato restritivo por parte do Estado, principalmente levando em conta sua adequação aos comandos constitucionais e sua eficácia. A partir daí, passa-se a fazer uma análise dessa proibição do consumo de álcool na direção de veículo automotor, para verificar se tal medida é abusiva à liberdade individual, descrevendo os direitos constitucionais inerentes a essa matéria. Nesse contexto, é importante reportar-se à Constituição Federal (CF/1988), que prevê no seu art. 5º, incisos LXIII, o direito de permanecer em silêncio; LVII, o princípio da presunção de inocência; e LV, o contraditório e a ampla defesa, dos quais decorre o princípio de que ninguém é obrigado a produzir prova contra si B D U – B ib lio te ca D ig ita l d a U N IV AT E S (h tt p: //w w w .u ni va te s.b r/ bd u) 15 (nemo tenetur se detegere), que é a premissa básica, visto que a prova da embriaguez se faz por meio de exame de sangue, etilômetro (bafômetro) ou exame clínico. Dessa forma, estando o tema presente no nosso cotidiano e tendo acompanhado os noticiários em que são observadas as dúvidas a respeito dessa nova Lei e os resultados que aparentemente vinha gerando, com a diminuição dos acidentes e dos atendimentos nos hospitais logo no início de sua vigência, há a possibilidade de comprovar se ela realmente está sendo eficaz nos seus propósitos. Assim, este trabalho, além de servir de aperfeiçoamento acadêmico, também poderá prestar um serviço de informação sobre a validade ou não da nova lei. Os temas tratados estão divididos em três capítulos e apêndice contendo as informações obtidas com a pesquisa de campo realizada na Delegacia de Trânsito de Lajeado. A abordagem do tema inicia-se pela conceituação do termo “direitos fundamentais”, passando a descrever as suas dimensões, bem como aborda a diferença entre os direitos fundamentais e os direitos humanos. Passa-se, então, à discussão do direito à vida versus direito de não produzir provas contra si e a aplicabilidade do princípio da proporcionalidade/razoabilidade, o que é de fundamental importância para determinar a aplicação da lei. No capítulo seguinte, é apresentada uma análise dos artigos do Código de Trânsito Brasileiro alterados pela Lei nº 11.705/2008, trazendo, inclusive as razões pelas quais os legisladores propuseram a Lei. O terceiro e último capítulo discorre sobre as informações obtidas na Delegacia de Trânsito de Lajeado, onde foi feito um levantamento de dados para comprovar se essas modificações no Código de Trânsito Brasileiro trazidas pela Lei nº 11.705/2008 estão tendo efetividade ou não na redução dos acidentes nesta comarca. B D U – B ib lio te ca D ig ita l d a U N IV AT E S (h tt p: //w w w .u ni va te s.b r/ bd u) 16 Cabe destacar que, para viabilizar a realização do presente estudo, passou- se a considerar, como universo a ser pesquisado, os municípios pertencentes à Circunscrição Policial de Lajeado/RS atendidos pela Delegacia de Trânsito deste município, ou seja, Lajeado - município sede da comarca -, Canudos do Vale, Forquetinha, Marques de Souza, Santa Clara do Sul e Sério. O estudo foi desenvolvido, tendo como base o método dedutivo, com pesquisa quali-quantitativa, sendo utilizada inicialmente ampla pesquisa bibliográfica e documental, de forma geral, passando pela identificação dos direitos fundamentais, legislação específica, até chegar ao ponto específico, por meio do qual foram analisadas as ocorrências de trânsito, para concluir a respeito da efetividade ou não da Lei nº 11.705/2008. Para melhor detalhamento e compreensão do que se deseja estudar e demonstrar, como métodos auxiliares, utilizar-se-á o histórico - quando se fará a descrição da evolução dos conceitos doutrinários acerca dos direitos fundamentais e suas dimensões - e o estatístico - na hora de demonstrar numericamente a (in)efetividade da Lei 11.705/2008 na Circunscrição Policial de Lajeado/RS. Além disso, será utilizado o método comparativo, já que serão confrontados os aspectos introduzidos pela Lei nº 11.705/2008 e suas respectivas alterações no Código de Trânsito Brasileiro, trazendo argumentos favoráveis e contrários de autores distintos. B D U – B ib lio te ca D ig ita l d a U N IV AT E S (h tt p: //w w w .u ni va te s.b r/ bd u) 2 DIREITOS FUNDAMENTAIS No Brasil, conforme se verifica por meio das notícias diárias veiculadas na mídia e pelas pesquisas e levantamentos de dados realizados, milhões de pessoas perdem a vida anualmente em razão de acidentes envolvendo veículo automotor. A bebida alcoólica é um dos fatores de maior influência, passando nossa legislação por constantes alterações a fim de minimizar tais acidentes, impondo uma punição, de certa forma mais severa, ao motorista que estiver dirigindo sob a influência de álcool. Essa modificação deu-se com a promulgação da Lei nº 11.705/2008, que alterou o Código de Trânsito Brasileiro (Lei nº 9.503/1997), com a finalidade de estabelecer alcoolemia zero, tentando inibir o consumo de bebidas alcoólicas na direção de veículo automotor. O ponto de partida para este capítulo é identificar se a proibição do consumo de álcool é abusiva à liberdade individual, descrevendo os direitos constitucionais inerentes a essa matéria e discutindo a aplicabilidade da Lei nº 11.705/2008, em contrapartida a esses direitos constitucionalmente garantidos. 2.1 O que são os direitos fundamentais Falando de direitos fundamentais, aborda-se um assunto jurídico de extrema complexidade. Isso se deve ao fato de que a importância dos direitos fundamentais B D U – B ib lio te ca D ig ita l d a U N IV AT E S (h tt p: //w w w .u ni va te s.b r/ bd u) 18 no direito constitucional atual surgiu após longo processo histórico em que foram sendo ampliados, de forma progressiva, seu alcance e sua força vinculante no ordenamento (PEREIRA, 2006). Sarlet (2001) afirma que a história dos direitos fundamentais é também uma história que desemboca no surgimento do moderno Estado constitucional, que tem por essência o reconhecimento e a proteção da dignidade da pessoa humana e dos direitos fundamentais do homem. Pondera ser a história dos direitos fundamentais, de certa forma, também a história da limitação do poder. Ainda para o mesmo doutrinador, o termo “direitos fundamentais” se aplica para aqueles direitos do ser humano positivados constitucionalmente. Nesse sentido, no âmbito de adotar a melhor terminologia para a expressão direitos fundamentais, podemos dizer que: […] estes possuem sentido mais preciso e restrito, na medida em que constituem o conjunto de direitos e liberdades institucionalmente reconhecidos e garantidos pelo direito positivo de determinado Estado, tratando-se, portanto, de direitos delimitados espacial e temporalmente, cuja denominação se deve ao seu caráter básico e fundamentador do sistema jurídico do Estado de Direito (LUÑO apud SARLET, 2001, p. 34). Os direitos fundamentais designam as prerrogativas e instituições que se concretizam em garantias de convivência digna, livre e igual para todos os homens. A expressão “fundamentais” foi criação dos doutrinadores alemães e significa aqueles direitos que dão fundamento aos demais direitos (BONAVIDES, 2006). Ensina Feldens (2008) que os direitos fundamentais vêm irradiando-se sobre a totalidade do ordenamento jurídico, para além da clássica dimensão de direitos subjetivos, oponíveis em face do Estado, ostentando uma função jurídico-objetiva. Essa nova atribuição de sentido aos direitos fundamentais modifica o modo de compreender a relação entre Estado e individuo, com significativas implicações sobre o Direito Penal: B D U – B ib lio te ca D ig ita l d a U N IV AT E S (h tt p: //w w w .u ni va te s.b r/ bd u) 19 O Estado agora é chamado a participar ativamente da tutela dos direitos fundamentais diante de agressões provenientes de particulares, sendo que em determinada medida esse dever de proteção se conectará a uma intervenção de caráter jurídico-penal; uma intervenção que se revela necessária por imposição da própria Constituição e, mais precisamente, dos direitos fundamentais (FELDENS, 2008, p.13). Assim, os direitos fundamentais cumprem a função de direitos de defesa dos cidadãos sob uma dupla perspectiva: [...] (1) constituem, num plano jurídico-objetivo, normas de competência negativa para os poderes públicos, proibindo fundamentalmente as ingerências destes na esfera jurídica individual; (2) implicam, num plano jurídico-subjetivo, o poder de exercer positivamente direitos fundamentais (liberdade positiva) e de exigir omissões dos poderes públicos, de forma a evitar agressões lesivas por parte dos mesmos (liberdade negativa) (CANOTILHO, 2002, p. 407). Segundo Hesse apud Bonavides (2006), os direitos fundamentais almejam criar e manter os pressupostos elementares de uma vida na liberdade e na dignidade humana. Ou, ainda, numa concepção mais específica e normativa, direitos fundamentais são aqueles direitos que o direito vigente qualifica como tais. Para Vargas (2002), os direitos fundamentais são direitos do particular perante o Estado, limitando os poderes deste, sendo essencialmente direitos de autonomia e de defesa, como, por exemplo, o direito de liberdade. Com relação aos direitos fundamentais, estabeleceram-se dois critérios formais de caracterização: Pelo primeiro, podem ser designados por direitos fundamentais todos os direitos ou garantias nomeados e especificados no instrumento constitucional. Pelo segundo, tão formal quanto o primeiro, os direitos fundamentais são aqueles direitos que receberam da Constituição um grau mais elevado de garantia ou de segurança; ou são imutáveis (unabänderliche) ou pelo menos de mudança dificultada (erschwert), a saber, direitos unicamente alteráveis mediante lei de emenda à Constituição (SCHMITT apud BONAVIDES, 2006, p. 561). Segundo esse mesmo autor, do ponto de vista material, os direitos fundamentais variam conforme a ideologia, a modalidade de Estado, ou seja, cada Estado tem seus direitos fundamentais específicos. B D U – B ib lio te ca D ig ita l d a U N IV AT E S (h tt p: //w w w .u ni va te s.b r/ bd u) 20 Os direitos fundamentais propriamente ditos são, na sua essência: […] os direitos do homem livre e isolado, direitos que possui em face do Estado. E acrescenta: numa acepção estrita são unicamente os direitos de liberdade, da pessoa particular, correspondendo de um lado ao conceito do Estado burguês de Direito, referente a uma liberdade, em princípio ilimitada diante de um poder estatal de intervenção, em princípio limitado, mensurável e controlável (SCHMITT apud BONAVIDES, 2006, p. 561). Bonavides (2006) entende que o lema revolucionário do século XVIII expressou o possível conteúdo dos direitos fundamentais, proferindo até mesmo a seqüência histórica de sua progressão institucional: liberdade, igualdade e fraternidade. Essa vinculação essencial dos direitos fundamentais, como valores históricos e filosóficos, nos conduzirá ao significado de universalidade inerente a esses direitos como ideal da pessoa humana. Essa universalidade manifestou-se pela primeira vez na Revolução Francesa, por ensejo da célebre Declaração dos Direitos do Homem, de 1789. Na concepção de Sarlet (2001), os direitos fundamentais passaram por diversas transformações, e o reconhecimento progressivo de novos direitos fundamentais tem o caráter de complementaridade, e não de alternância, motivo pelo qual o uso da expressão “dimensões” caberia melhor do que “gerações”, pois esta expressão pode passar uma falsa impressão da substituição gradativa (sucessão cronológica) de uma geração por outra, e, portanto, uma suposta caducidade dos direitos das gerações antecedentes, o que não é verdade. Os direitos que surgem em uma geração e trazem direitos da geração sucessiva assumem outra dimensão, pois aqueles de geração mais recente tornam-se pressuposto para melhor entendê-los e realizá-los. Assim, para fins deste trabalho, será utilizado o termo “dimensões dos direitos fundamentais”, adotando-se a terminologia de Sarlet, pelos motivos acima expendidos. B D U – B ib lio te ca D ig ita l d a U N IV AT E S (h tt p: //w w w .u ni va te s.b r/ bd u) 21 2.2 Diferença entre direitos fundamentais e direitos humanos Direitos fundamentais e direitos humanos, muitas vezes, são utilizados como sinônimos, mas a distinção de um para outro é de que o termo “direitos fundamentais” se refere àqueles direitos do ser humano positivados nas Constituições, ao passo que o termo “direitos humanos” teria relação com o direito internacional: [...] a expressão ‘direitos humanos’ guardaria relação com os documentos de direito internacional, por referir-se àquelas posições jurídicas que se reconhecem ao ser humano como tal, independentemente de sua vinculação com determinada ordem constitucional, e que, portanto, aspiram à validade universal, para todos os povos e tempos, de tal sorte que revelam um inequívoco caráter supranacional (CANOTILHO, 2002, p. 369). Com a Declaração Universal dos Direitos do Homem, de 10 de dezembro de 1948, o humanismo político da liberdade alcançou seu ponto mais alto no século XX, e, sem dúvida, essa declaração foi a carta de valores e princípios sobre os quais se regem os direitos das três dimensões estudadas: Os direitos humanos, tomados pelas bases de sua existencialidade primária, são assim os aferidores da legitimação de todos os poderes sociais, políticos e individuais. Onde quer que eles padeçam lesão, a Sociedade se acha enferma. Uma crise desses direitos acaba sendo também uma crise do poder em toda sociedade democraticamente organizada (BONAVIDES, 2006, p. 575). Não há uma identidade necessária entre os direitos humanos e os direitos fundamentais, ainda que parte dos tradicionais direitos de liberdade contemplados na esfera constitucional e internacional tenha surgido da positivação dos direitos naturais reconhecidos pela doutrina jusnaturalista. Cabe lembrar, aqui, a idéia de que os direitos fundamentais atingem maior grau de efetivação do que os direitos humanos, particularmente em face da existência de instâncias dotadas do poder de fazer respeitar e realizar estes direitos (SARLET, 2001). O critério mais adequado para determinar a diferenciação entre ambas as categorias, no entender de Luño apud Sarlet (2001, p. 34), é o da concreção positiva, “[...] uma vez que o termo direitos humanos revelou conceitos de contornos B D U – B ib lio te ca D ig ita l d a U N IV AT E S (h tt p: //w w w .u ni va te s.b r/ bd u) 22 mais amplos e imprecisos que a noção de direitos fundamentais, de tal forma que estes possuem sentido mais preciso e restrito [...]”, pois nascem e acabam com as Constituições. Cumpre lembrar, conforme Sarlet (2001), que para os direitos humanos que não integram o rol dos direitos fundamentais de um Estado terem eficácia, devem ser recepcionados na sua ordem jurídica interna, para terem a necessária cogência: Assim, a efetivação dos direitos humanos encontra-se, ainda e principalmente, na dependência da boa vontade e da cooperação dos Estados individualmente considerados, salientando-se, neste particular, uma evolução progressiva na eficácia dos mecanismos jurídicos internacionais de controle [...] ( SARLET, 2001, p. 36). Explica, ainda, o doutrinador Sarlet (2001) que os direitos humanos, enquanto carecerem do caráter de fundamentalidade formal próprio dos direitos fundamentais, não conseguirão atingir sua plena eficácia e efetividade, o que não significa dizer que não a tenham. 2.3 Dimensões dos direitos fundamentais De início, cabe destacar que a partir do reconhecimento dos direitos fundamentais pelo direito constitucional positivo é que se torna importante falarmos das dimensões dos direitos fundamentais: [...] visto que umbilicalmente vinculadas às transformações geradas pelo reconhecimento de novas necessidades básicas, de modo especial em virtude da evolução do Estado Liberal (Estado formal de Direito) para o moderno Estado de Direito (Estado social e democrático de Direito), bem como pelas mutações decorrentes do processo de industrialização e seus reflexos, pelo impacto tecnológico e científico, pelo processo de descolonialização e tantos outros fatores direta ou indiretamente relevantes neste contexto e que poderiam ser considerados (STERN apud SARLET, 2001, p. 39). No que concerne às dimensões dos direitos fundamentais, há uma crescente convergência: B D U – B ib lio te ca D ig ita l d a U N IV AT E S (h tt p: //w w w .u ni va te s.b r/ bd u) 23 [...] à idéia que norteia a concepção das três (ou quatro, se assim preferirmos) dimensões dos direitos fundamentais, no sentido de que estes, tendo tido sua trajetória existencial inaugurada com o reconhecimento formal nas primeiras Constituições escritas dos clássicos direitos de matriz liberal- burguesa, se encontram em constante processo de transformação, culminando com a recepção, nos catálogos constitucionais e na seara do Direito Internacional, de múltiplas e diferenciadas posições jurídicas, cujo conteúdo é tão variável quanto às transformações ocorridas na realidade social, política, cultural e econômica ao longo dos tempos (SARLET, 2001, p. 49). Segundo Bonavides (2006), os direitos fundamentais passaram a manifestar- se na ordem institucional em três dimensões, que traduzem um processo cumulativo e qualitativo, que são os direitos da primeira, da segunda e da terceira dimensões, ou seja, direitos da liberdade, da igualdade e da fraternidade. 2.3.1 Os direitos fundamentais da primeira dimensão A primeira dimensão dos direitos fundamentais é aquela que marcou o reconhecimento de seu status constitucional material e formal, vindo a ser o início da história dos direitos fundamentais até o seu reconhecimento nas primeiras Constituições escritas (SARLET, 2001). Ainda seguindo os ensinamentos de Sarlet (2001, p. 40), “importa destacar o paralelismo e a interpretação entre a evolução na esfera filosófica e o gradativo processo de positivação que resultou na constitucionalização dos direitos fundamentais no final do século XVIII”. Os direitos fundamentais da primeira dimensão são o produto peculiar do pensamento liberal-burguês do século XVIII: [...]de marcado cunho individualista, surgindo e afirmando-se como direitos do indivíduo frente ao Estado, mas especificamente como direitos de defesa, demarcando uma zona de não-intervenção do Estado e uma esfera de autonomia individual em face de seu poder (SARLET, 2001, p. 50). B D U – B ib lio te ca D ig ita l d a U N IV AT E S (h tt p: //w w w .u ni va te s.b r/ bd u) 24 Assim, podemos destacar três etapas: a) uma pré-história, que se estende até o século XVI; b) uma fase intermediária, que corresponde ao período de elaboração da doutrina jusnaturalista e da afirmação dos direitos naturais do homem; c) a fase da constitucionalização, iniciada em 1776, com as sucessivas declarações de direitos dos novos Estados americanos (STERN apud SARLET, 2001, p. 39). Os direitos fundamentais da primeira dimensão são os direitos da liberdade, ou seja, civis e políticos: Os direitos da primeira geração ou direitos da liberdade têm por titular o indivíduo, são oponíveis ao Estado, traduzem-se como faculdades ou atributos da pessoa e ostentam uma subjetividade que é seu traço mais característico; enfim, são direitos de resistência ou de oposição perante o Estado (BONAVIDES, 2006, p. 563-564). No entender de Sarlet (2001, p. 50), “assumem particular relevo no rol desses direitos, especialmente pela sua notória inspiração jusnaturalista, os direitos à vida, à liberdade, à propriedade e à igualdade perante a lei”. Para Bonavides (2006), os direitos da primeira dimensão hoje parecem pacíficos na codificação política, moveram-se em cada país constitucional num processo dinâmico e ascendente, no qual podemos visualizar sua trajetória, que parte com freqüência do mero reconhecimento formal para concretizações parciais e progressivas, sempre aberto a novos avanços. Esses direitos já se consolidaram na sua projeção formal, não havendo Constituição que não os reconheça em toda a extensão. 2.3.2 Os direitos fundamentais da segunda dimensão Sarlet (2001, p. 51) esclarece que os direitos fundamentais da segunda dimensão não cuidam mais de evitar a intervenção do Estado na esfera da liberdade individual, mas cuidam da liberdade por intermédio do Estado, proporcionando o “bem-estar social”. Acrescenta que se caracterizam, por conceder ao indivíduo direitos a prestações sociais estatais, como […] assistência social, B D U – B ib lio te ca D ig ita l d a U N IV AT E S (h tt p: //w w w .u ni va te s.b r/ bd u) 25 saúde, educação, trabalho, etc., revelando uma transição das liberdades formais abstratas para as liberdades materiais concretas, utilizando-se a formulação preferida na doutrina francesa”. Ainda, seguindo o pensamento desse autor: O impacto da industrialização e os graves problemas sociais e econômicos que a acompanharam, as doutrinas socialistas e a constatação de que a consagração formal de liberdade e igualdade não gerava a garantia do seu efetivo gozo acabaram, já no decorrer do século XIX, gerando amplos movimentos reivindicatórios e o reconhecimento progressivo de direitos atribuindo ao Estado comportamento ativo na realização da justiça social (SARLET, 2001, p. 51). Segundo Bonavides (2006, p. 564), os direitos fundamentais da segunda dimensão nasceram abraçados ao princípio da igualdade, “são os direitos sociais, culturais e econômicos bem como os direitos coletivos ou de coletividades, introduzidos no constitucionalismo das distintas formas de Estado social”. Eles dominam o século XX, assim como os direitos da primeira dimensão dominaram o século anterior. Primeiramente os direitos da segunda dimensão passaram por um ciclo de baixa normatividade ou tiveram eficácia duvidosa: De juridicidade questionada nesta fase, foram eles remetidos à chamada esfera programática, em virtude de não conterem para sua concretização aquelas garantias habitualmente ministradas pelos instrumentos processuais de proteção aos direitos da liberdade. Atravessaram, a seguir, uma crise de observância e execução, cujo fim parece estar perto, desde que recentes Constituições, inclusive a do Brasil, formularam o preceito da aplicabilidade imediata dos direitos fundamentais (BONAVIDES, 2006, p. 564). Os publicistas alemães, a partir de Schmitt, descobriram o aspecto objetivo dos direitos da segunda dimensão, a garantia de valores e princípios com que amparar as instituições: Os direitos sociais fizeram nascer a consciência de que tão importante quanto salvaguardar o indivíduo, conforme ocorreria na concepção clássica dos direitos da liberdade, era proteger a instituição, uma realidade social muita mais rica e aberta à participação criativa e à valoração da personalidade que o quadro tradicional da solidão individualista, onde se formara o culto liberal do homem abstrato e insulado, sem a densidade dos B D U – B ib lio te ca D ig ita l d a U N IV AT E S (h tt p: //w w w .u ni va te s.b r/ bd u) 26 valores existenciais, aqueles que unicamente o social proporciona em toda a plenitude (BONAVIDES, 2006, p. 565). Esse novo conceito de direitos fundamentais está ligado a vínculos normativos e institucionais, “[...] a valores sociais que demandam realização concreta e cujos pressupostos devem ser 'criados', fazendo assim do Estado um artífice e um agente de suma importância para que se concretizem os direitos fundamentais da segunda geração” (BONAVIDES, 2006, p. 567). Para Sarlet (2001, p. 52), os direitos da segunda dimensão: [...]não englobam apenas direitos de cunho positivo, mas também as assim denominadas 'liberdades sociais', do que dão conta os exemplos da liberdade de sindicalização, do direito de greve, bem como do reconhecimento de direitos fundamentais aos trabalhadores, tais como o direito a férias e ao repouso semanal remunerado […]. Salienta ainda que, assim como os direitos da primeira dimensão, os direitos sociais também se reportam à pessoa individual, não podendo ser confundidos com os direitos coletivos ou difusos da terceira dimensão. 2.3.3 Os direitos fundamentais da terceira dimensão A consciência de um mundo partido entre nações desenvolvidas e subdesenvolvidas deu lugar a uma outra dimensão dos direitos fundamentais, até então desconhecida, baseada na fraternidade, com altíssimo teor de humanismo e universalidade (BONAVIDES, 2006). Seguindo Sarlet (2001), os direitos fundamentais da terceira dimensão baseiam-se na fraternidade ou solidariedade, desprendendo-se, em princípio, da figura do homem-indivíduo, focando-se na proteção de grupos humanos (família, povo, nação), caracterizando-se como direitos de titularidade coletiva ou difusa. Há ainda que se ressaltar, conforme Bonavides (2006), que os direitos fundamentais da terceira dimensão tendem a cristalizar-se no fim do século XX e B D U – B ib lio te ca D ig ita l d a U N IV AT E S (h tt p: //w w w .u ni va te s.b r/ bd u) 27 não se destinam especificamente à proteção dos interesses de um indivíduo, de um grupo ou de um determinado Estado: Têm primeiro por destinatário o gênero humano mesmo, num momento expressivo de sua afirmação como valor supremo em termos de existencialidade concreta. Os publicistas e juristas já os enumeram com familiaridade, assinalando-lhes o caráter fascinante de coroamento de uma evolução de trezentos anos na esteira da concretização dos direitos fundamentais (BONAVIDES, 2006, p. 569). Os direitos fundamentais da terceira dimensão surgiram da reflexão sobre diversos temas, e muitos autores já identificaram cinco direitos da fraternidade, ou seja, da terceira dimensão: [...]o direito ao desenvolvimento, o direito à paz, o direito ao meio ambiente, o direito de propriedade sobre patrimônio comum da humanidade e o direito de comunicação (BONAVIDES, 2006, p. 569). Conforme Sarlet (2001, p. 53): Cuida-se, na verdade, do resultado de novas reivindicações fundamentais do ser humano, geradas, dentre outros fatores, pelo impacto tecnológico, pelo estado crônico de beligerância, bem como pelo processo de descolonização do segundo pós-guerra e suas contundentes conseqüências, acarretando profundos reflexos na esfera dos direitos fundamentais. Acrescenta que, quanto a sua positivação, a maior parte desses direitos fundamentais da terceira dimensão ainda não encontrou seu reconhecimento na seara do direito constitucional, porém está caminhando para isso no âmbito do direito internacional, razão pela qual há um grande número de tratados e outros documentos transnacionais nesta seara. Os direitos fundamentais da terceira dimensão podem ser considerados: […] uma resposta ao fenômeno denominado de 'poluição das liberdades', que caracteriza o processo de erosão e degradação sofrido pelos direitos e liberdades fundamentais, principalmente em face do uso de novas tecnologias, assumindo especial relevância o direito ao meio ambiente e à qualidade de vida, bem como o direito de informática (ou liberdade de informática), cujo reconhecimento é postulado justamente em virtude do controle cada vez maior sobre a liberdade e intimidade individual mediante bancos de dados pessoais, meios de comunicação, etc., mas que suscita certas dúvidas no que tange ao seu enquadramento na terceira dimensão dos direitos fundamentais (LUÑO apud SARLET, 2001, p. 53-54). B D U – B ib lio te ca D ig ita l d a U N IV AT E S (h tt p: //w w w .u ni va te s.b r/ bd u) 28 Ressaltando ainda o pensamento de Sarlet (2001), cuida-se, no mais das vezes, da reivindicação de novas liberdades fundamentais, cujo reconhecimento se impõe em face dos impactos da sociedade industrial e técnica deste final de século. 2.3.4 Novos direitos fundamentais Segundo Oliveira Junior (2000, p. 97), “as grandes transformações do mundo atual, no âmbito da economia, da política, da ciência e da história, têm gerado os ditos 'novos direitos' que, por sua vez, têm colocado inúmeras dificuldades para a ciência jurídica tal como ela está articulada”. Nos últimos anos, conforme ensinamentos de Bobbio (1992, p. 140) tem-se acelerado o processo de multiplicação dos direitos, o que se justifica com base em três razões principais: “[…] em primeiro, porque teria havido um aumento de bens a serem tutelados; em segundo, porque teria aumentado o número de sujeitos de direito e enfim, por terceiro, porque teria havido também uma ampliação do tipo de status dos sujeitos”. No que tange às dimensões dos direitos fundamentais, há autores que defendem uma quarta e quinta categorias: A globalização política na esfera da normatividade jurídica introduz os direitos da quarta geração, que, aliás, correspondem à derradeira fase de institucionalização do Estado Social. São direitos da quarta geração o direito à democracia, o direito à informação e o direito ao pluralismo. Deles depende a concretização da sociedade aberta do futuro, em sua dimensão de máxima universalidade, para a qual parece o mundo inclinar-se no plano de todas as relações de convivência (BONAVIDES, 2006, p. 571). De acordo com as idéias deste mesmo doutrinador, tais direitos da quarta dimensão sintetizam o futuro da cidadania e o porvir da liberdade de todos os povos. Tão somente com eles será legítima e possível a globalização política. Sustenta que os direitos da quarta dimensão são resultados da globalização dos direitos fundamentais, no sentido de uma universalização no plano institucional, que se apresenta como a última fase de institucionalização do Estado Social. B D U – B ib lio te ca D ig ita l d a U N IV AT E S (h tt p: //w w w .u ni va te s.b r/ bd u) 29 Bobbio (1992) destaca que os direitos da quarta dimensão abrangem as pesquisas biológicas, que permitirão manipulações do patrimônio genético de animais e vegetais. Oliveira Junior (2000, p. 100) segue a linha de Bobbio (1992), dizendo que a quarta dimensão dos direitos fundamentais diz respeito aos “[...] direitos de manipulação genética, relacionados à biotecnologia e bioengenharia, e que tratam de questões sobre a vida e a morte, sobre cópia de seres humanos, e que requerem uma discussão ética prévia”. Acrescenta, ainda, uma quinta dimensão, que diz respeito aos direitos “[…] advindos com a chamada realidade virtual, que compreendem o grande desenvolvimento da cibernética na atualidade, implicando o rompimento de fronteiras, estabelecendo conflitos entre países com realidades distintas, via internet” (OLIVEIRA JUNIOR, 2000, p. 100). Já Sarlet (2001) sustenta que o posicionamento de Bonavides (2006) em relação aos autores que adotam a manipulação genética, entre outros, como direito de quarta dimensão, leva nítida vantagem por constituir de fato uma nova fase no reconhecimento dos direitos fundamentais. Vejamos: A proposta do Prof. Bonavides, comparada com as posições que arrolam os direitos contra a manipulação genética, mudança de sexo, etc., como integrando a quarta geração, oferece nítida vantagem de constituir de fato, uma nova fase no reconhecimento dos direitos fundamentais, qualitativamente diversa das anteriores, já que não se cuida apenas de vestir com roupagem novas reivindicações deduzidas, em sua maior parte, dos clássicos direitos de liberdade (SARLET, 2001, p. 55). Em relação ao reconhecimento de novos direitos fundamentais, cumpre apontar, a exemplo de Luño apud Sarlet (2001, p. 57), “para o risco de uma degradação dos direitos fundamentais, colocando em risco o seu 'status jurídico e científico', além do prestígio de sua própria 'fundamentalidade'”. B D U – B ib lio te ca D ig ita l d a U N IV AT E S (h tt p: //w w w .u ni va te s.b r/ bd u) 30 Assim, seguindo os ensinamentos de Sarlet (2001, p. 57): […] fazem-se necessárias a observância de critérios rígidos e a máxima cautela para que seja preservada a efetiva relevância e prestígio destas reivindicações e que efetivamente correspondam a valores fundamentais consensualmente reconhecidos no âmbito de determinada sociedade ou mesmo no plano universal. Em todos os casos, o objetivo é sempre a proteção da vida, da liberdade, da igualdade e da dignidade da pessoa humana, o que pode ser bem exemplificado pelo direito ao meio ambiente. “Este, em que pese a habitual (embora não-cogente) presença do interesse coletivo ou difuso, não deixa de objetivar a proteção da vida e da qualidade de vida do homem na sua individualidade” (SARLET, 2001, p. 57). Oliveira Junior (2000) ressalta que esses novos direitos mostram um grande aumento da complexidade social e assinalam a presença de certos paradoxos do “bom governo” e da “justiça”, quando se trata de privilegiar mais a liberdade em detrimento da igualdade e vice-versa no atendimento desses direitos. 2.4 Direito à vida versus direito de não produzir provas contra si mesmo Tanto o direito à vida quanto o direito de não produzir provas contra si mesmo estão garantidos na nossa Carta Magna. Aqui vamos discutir se o direito de não produzir provas contra si, que é um direito individual, pode se sobrepor ao direito à vida, em se tratando de sociedade, da segurança de todos aqueles que vivem diariamente no trânsito. A Constituição Federal de 1988, em seu art. 5º, afirma: Art. 5º - Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e a propriedade […] Conforme nos ensina Moraes (2006), os direitos fundamentais, dentre eles os direitos e garantias individuais e coletivos consagrados no art. 5º da CF/1988, não B D U – B ib lio te ca D ig ita l d a U N IV AT E S (h tt p: //w w w .u ni va te s.b r/ bd u) 31 podem ser usados para a defesa da prática de atividades ilícitas, nem como argumento para afastamento ou diminuição da responsabilidade civil ou penal por atos criminosos, sob pena de total consagração ao desrespeito a um verdadeiro Estado de Direito. O direito à vida é o mais fundamental de todos os direitos, já que se constitui em pré-requisito à existência e exercício de todos os demais direitos. A Constituição Federal proclama, portanto, “[...] o direito à vida, cabendo ao Estado assegurá-lo em sua dupla acepção, sendo a primeira relacionada ao direito de continuar vivo e a segunda de ser ter vida digna quanto à subsistência” (MORAES, 2006, p. 31). Em contrapartida ao direito à vida, há então o direito de não produzir provas contra si, que adquiriu status constitucional, e é evidente que nenhuma norma pode servir de instrumento para invalidar outra, motivo pelo qual devemos levar em consideração estes dois importantes direitos inerentes a essa matéria. Na concepção de Nucci e Nucci (2008), o princípio de que ninguém é obrigado a produzir prova contra si (nemo tenetur se detegere) decorre de princípios explícitos no art. 5º e seus incisos: LXIII, direito de permanecer em silêncio; LVII, princípio da presunção de inocência; e LV, contraditório e ampla defesa, todos da CF/1988. Os doutrinadores acrescentam que, como presumidamente inocente e podendo se defender amplamente, inclusive calando-se, e para garantir que a parte mais forte da relação processual não se favoreça com as provas produzidas pelo próprio acusado, este poderá se recusar a fazê-las para não se prejudicar. Falando-se deste princípio, cuida-se do direito à não auto-incriminação, que assegura esfera de liberdade ao indivíduo, oponível ao Estado, e não se resume ao direito ao silêncio, que se apresenta como uma das decorrências do nemo tenetur se detegere (QUEIJO, 2003). O princípio de que ninguém é obrigado a produzir prova contra si está introduzido nos direitos da primeira geração, que são direitos de resistência ou de B D U – B ib lio te ca D ig ita l d a U N IV AT E S (h tt p: //w w w .u ni va te s.b r/ bd u) 32 oposição perante o Estado. Por meio dele, assegura-se uma esfera de liberdade ao indivíduo que não deve sofrer vulnerações por parte do Estado. Além disso, conforme Queijo (2003, p. 55), “como direito fundamental, o nemo tenetur se detegere insere-se entre os direitos de primeira geração, ou seja, entre os direitos da liberdade. O titular de tais direitos é o indivíduo diante do Estado”. Esse princípio também se insere no direito à defesa e na cláusula do devido processo legal e, nesse sentido, passa a ser de interesse público, e não mais apenas direito de determinado indivíduo. Como direito fundamental, eventuais restrições à sua incidência poderão ser reguladas exclusivamente por lei e “[...] deverão atender ao princípio da proporcionalidade, ou seja, é mister que sejam observadas a adequação, a necessidade e a razoabilidade da medida adotada”. Vejamos: O conflito de princípios resolve-se pela ponderação de bens e valores envolvidos, sem que nenhum deles seja completamente eliminado. Os princípios coexistem, enquanto as regras antinômicas excluem-se. Por isso, afirma-se que as regras obedecem à lógica do 'tudo ou nada'. São aplicáveis ou não (QUEIJO, 2003, p. 67). É inegável que o princípio nemo tenetur se detegere representa barreira à atividade investigatória e probatória ilimitada por parte do Estado. Quando é necessária a intervenção corporal no acusado para a produção da prova, há outros valores que também constituem direitos fundamentais envolvidos: o direito à liberdade, à intimidade, à dignidade humana e à intangibilidade corporal: As provas que implicam intervenção corporal no acusado podem ser invasivas ou não invasivas. Consideram-se invasivas as intervenções corporais que pressupõem penetração no organismo humano, por instrumentos ou substâncias, em cavidades naturais ou não. Entre as provas invasivas podem ser enumeradas diversas perícias, como os exames de sangue em geral, o exame ginecológico e a identificação dentária, e, ainda, a endoscopia e o exame do reto, que são freqüentemente empregados em buscas pessoais. As provas não invasivas compreendem outras tantas perícias, como os exames de matérias fecais, os exames de DNA realizados a partir de fios de cabelo e pêlos […] (QUEIJO, 2003, p. 246). As provas realizadas mediante intervenção corporal não invasiva têm particular interesse para o processo penal porque conciliam as exigências da persecução penal com o respeito aos direitos fundamentais. B D U – B ib lio te ca D ig ita l d a U N IV AT E S (h tt p: //w w w .u ni va te s.b r/ bd u) 33 Há provas que, para sua produção, não acarretam intervenção corporal no acusado, mas, dependem da cooperação deste. Entre elas, o etilômetro e o exame clínico para verificação da embriaguez. A prova da embriaguez se faz por meio de exame de sangue, etilômetro ou exame clínico. A premissa básica aqui é a seguinte: ninguém está obrigado a produzir prova contra si mesmo, o sujeito não está obrigado a ceder seu corpo ou parte dele para fazer prova; a questão primordial, no entanto, é se tal premissa deve ceder frente ao interesse do Estado. 2.5 Princípio da razoabilidade/proporcionalidade Conforme Sarmento (2003), os princípios representam as traves-mestras do sistema jurídico, expandindo seus efeitos sobre diferentes normas e servindo de balizamento para a interpretação e integração de todo o setor do ordenamento em que se radicam. Revestem-se de um grau de generalidade e de abstração superior ao das regras, sendo, por conseqüência, menor a determinabilidade do seu raio de aplicação. Ademais, os princípios possuem um colorido axiológico mais acentuado do que as regras, desvelando mais nitidamente os valores jurídicos e políticos que condensam. O estudo dos princípios assume assim importância central para a teoria constitucional contemporânea, que atravessa um período pós-positivista, caracterizado pelo reconhecimento da plena eficácia jurídica dos princípios, convertidos em pedestal sobre o qual se assenta todo o edifício jurídico dos novos sistemas constitucionais. Esta fase marca a superação de uma visão formalista, que atribuía aos princípios um caráter meramente supletivo das regras legais, cingindo a sua incidência às hipóteses de lacuna. Os princípios, então, passam a ser tratados como direito, sendo possível dizer que a teoria dos princípios, passados os debates sobre a normatividade que lhes é inerente, converteu-se no coração das Constituições (BONAVIDES, 2006). B D U – B ib lio te ca D ig ita l d a U N IV AT E S (h tt p: //w w w .u ni va te s.b r/ bd u) 34 Na doutrina nacional, bem como na jurisprudência do Supremo Tribunal Federal, predomina o emprego das expressões “proporcionalidade” e “razoabilidade” como sinônimas. Barroso (2000) afirma que o princípio da proporcionalidade e o da razoabilidade mantêm relação de fungibilidade. A única distinção que freqüentemente se faz é que a alusão ao princípio da proporcionalidade é difundida no direito alemão, enquanto no direito norte-americano é usual a referência ao princípio da razoabilidade. Assim, o princípio da razoabilidade não difere do princípio da proporcionalidade: Constituem, ambos, portanto, um critério de aplicação do direito, fundado preferencialmente na ponderação de bens e interesses em disputa no caso concreto, sempre que houver a possibilidade de colisão, de conflito ou de tensão entre princípios constitucionais (OLIVEIRA, 2002, p. 293). Ele tem sido utilizado como poderosa ferramenta para aferição da conformidade das leis e dos atos administrativos com os ditames da razão e da justiça: […] é certo que a evolução do princípio em questão tem importado numa paralela restrição à liberdade de conformação do legislador, que passou a sujeitar-se a um controle mais rigoroso, e, admita-se, muito mais subjetivo, dos seus atos. Sob este ângulo, pode-se afirmar que a lógica inerente ao princípio da proporcionalidade refoge à teoria jurídica convencional, já que permite a análise, pelo Judiciário, do mérito do ato normativo, numa atuação que, conforme ressaltou Luís Roberto Barroso, 'transcende a do controle objetivo da legalidade' (SARMENTO, 2003, p. 77-78). A função dos direitos fundamentais como imperativos de tutela manifesta-se na dedução de deveres de proteção, consistente na necessidade de intervenção ativa do Estado na realização dos direitos fundamentais, e, para tanto, “[...] considera-se que um dever de proteção deve se realizar de forma suficiente (um dever de tomar medidas insuficientes seria totalmente inútil), sua análise reclama o recurso ao princípio da proporcionalidade, também em sua dupla perspectiva” (FELDENS, 2008, p. 73). B D U – B ib lio te ca D ig ita l d a U N IV AT E S (h tt p: //w w w .u ni va te s.b r/ bd u) 35 Para atingir esse objetivo, é imprescindível superar o paradigma liberal individualista de produção e aplicação do Direito, o que pressupõe a compreensão das seguintes modificações havidas na estrutura do Estado e do Direito: […] (a) a evolução do Estado legal ao modelo de Estado constitucional; (b) a superação de uma concepção minimalista dos direitos fundamentais, os quais, sem abandonar sua condição de direitos de defesa, passam a funcionar como imperativos de tutela; (c) a conseqüente vinculação do legislador penal a essa dupla perspectiva dos direitos fundamentais, funcionando a Constituição, além de limite material, como fundamento normativo do Direito Penal; e (d) em termos aplicativos, a consideração da proporcionalidade em seus limites superior e inferior: como proibição do excesso e proibição de proteção deficiente (FELDENS, 2008, p. 15-16). O desenvolvimento dogmático da proporcionalidade está diretamente associado à evolução histórica em torno das funções dos direitos fundamentais, nos quais sua invocação encontra especial relevância. Aqui desenvolvemos o juízo de proporcionalidade tal e como operado pela doutrina alemã, alcançando-o a partir de um raciocínio escalonado, trifásico, envolvendo as parciais que analiticamente a estruturam: os exames de adequação, necessidade e proporcionalidade em sentido estrito. “Paulatinamente, a doutrina e a jurisprudência desenvolveram-se no sentido de afirmar que o princípio da proporcionalidade ostentaria sede constitucional, ainda que a cláusula não se fizesse explicitamente abarcada pela Constituição” (FELDENS, 2008, p. 81). No Brasil, o STF inclina-se por vislumbrar a proporcionalidade como postulado constitucional que tem sua sedes materiae na disposição constitucional que disciplina o devido processo legal, em sua perspectiva substancial (art. 5º, inc. LIV, da CF). Oliveira (2002, p. 291) ainda declara que a CF/1988 dedica um capítulo inteiro à proteção de direitos e garantias fundamentais e esclarece que “bastaria, porém, a simples consideração do fato de que tais normas têm por destinatário toda a coletividade, para se saber que casos haverá em que a proteção de um implicará a não tutela de outro”. O conflito de interesses, presente na realidade da vida humana, é inevitável pelo simples fato da convivência social. B D U – B ib lio te ca D ig ita l d a U N IV AT E S (h tt p: //w w w .u ni va te s.b r/ bd u) 36 Ainda, nesse contexto, o princípio da proporcionalidade apresenta vital importância quanto às restrições legais aos direitos fundamentais, obedecendo a alguns critérios: “[...] a legitimidade dos meios utilizados e dos fins perseguidos pelo legislador; a adequação desses meios à consecução dos objetivos almejados e a necessidade de sua utilização” (MENDES apud QUEIJO, 2003, p. 54). Esse mesmo autor acrescenta que a proporcionalidade pode ser conhecida como “[...] a rigorosa ponderação entre o significado da intervenção para o atingido e os objetivos perseguidos pelo legislador”. Assim, a adequação exige que as restrições adotadas sejam aptas a alcançar o objetivo pretendido (MENDES apud QUEIJO, 2003, p. 54). Moraes (2006, p. 99) destaca que o princípio da proporcionalidade é um “[...] princípio regulativo para se ponderar até que ponto se vai dar preferência ao todo ou às partes, o que também não pode ir além de um certo limite, para não retirar o mínimo necessário a uma existência humana digna”. Barroso (2004) salienta que as normas infraconstitucionais que não forem proporcionais podem ser declaradas inconstitucionais, e, a fim de conseguir uma solução para a aplicação das normas no nosso sistema jurídico, os princípios constitucionais são os instrumentos de concretização da Constituição. São eles que permitirão fazer justiça sem precisar sair do ordenamento jurídico, e é justamente essa a grande vantagem dos princípios constitucionais, já que são tão abrangentes que é possível extrair deles soluções criativas que a lei jamais conseguiria fornecer. Por isso acredita-se que, quando há conflito entre dois direitos fundamentais, o melhor é fazer uma ponderação de bens e interesses em disputa no caso concreto. O princípio da proporcionalidade/razoabilidade ainda leva em consideração os fins perseguidos pelo legislador e a necessidade de sua utilização. Contudo, quem deve decidir, é o juiz, analisando o caso concreto. Neste capítulo buscou-se descrever os direitos fundamentais do homem, em especial dois direitos que se contrapõem: o direito à vida e o direito de não produzir B D U – B ib lio te ca D ig ita l d a U N IV AT E S (h tt p: //w w w .u ni va te s.b r/ bd u) 37 provas contra si, visto que são de total importância para determinar a aplicação da Lei nº 11.705/2008, o que vem sendo discutido por doutrinadores e aplicadores do Direito. A seguir, passa-se à análise dos artigos do Código de Trânsito Brasileiro alterados pela Lei nº 11.705/2008, apresentando, além disso, opiniões de doutrinadores e aplicadores do Direito. B D U – B ib lio te ca D ig ita l d a U N IV AT E S (h tt p: //w w w .u ni va te s.b r/ bd u) 3 ANÁLISE DOS ASPECTOS INTRODUZIDOS PELA LEI Nº 11.705/2008 E SUAS RESPECTIVAS ALTERAÇÕES NO CÓDIGO DE TRÂNSITO BRASILEIRO Os problemas decorrentes do consumo de álcool entre condutores de veículos têm sido amplamente estudados e considerados um importante problema de saúde pública, gerando elevados custos sociais e conseqüências para os acidentados e familiares, resultando em danos socioeconômicos pela soma dos prejuízos materiais, médicos e os referentes à perda de produtividade (DUAILIBI; LARANJEIRA, 2008). Assim, houve uma necessidade de enrijecer a legislação, e neste capítulo descrever-se-ão os principais aspectos traduzidos pela Lei nº 11.705/2008 que alteraram o Código de Trânsito Brasileiro (Lei nº 9.503/1997), com opiniões de legisladores e estudiosos do Direito. 3.1 Legislação anterior O Código de Trânsito Brasileiro sofreu algumas modificações com a promulgação da Lei nº 11.705/2008, e agora vamos nos ater à legislação anterior, comentando os artigos que foram alterados pela lei, mas em sua redação original: B D U – B ib lio te ca D ig ita l d a U N IV AT E S (h tt p: //w w w .u ni va te s.b r/ bd u) 39 Art. 165. Dirigir sob a influência de álcool, em nível superior a seis decigramas por litro de sangue, ou de qualquer substância entorpecente ou que determine dependência física ou psíquica. Infração – gravíssima; Penalidade – multa (cinco vezes) e suspensão do direito de dirigir; Medida administrativa – retenção do veículo até a apresentação de condutor habilitado e recolhimento de habilitação. Parágrafo único. A embriaguez também poderá ser apurada na forma do art. 277. O efeito catastrófico do álcool vem forçando os países a reduzir continuamente os limites de alcoolemia na condução de veículos; na Inglaterra e nos Estados Unidos, é zero o nível máximo tolerado. Conforme Prag apud Pinheiro e Ribeiro (2000, p. 269), “o álcool influencia negativamente a sensação de equilíbrio e a capacidade de coordenação, e esse fato exerce um efeito perigoso nos ciclistas e motoristas, assim como nos condutores de triciclos, a uma velocidade relativamente baixa”. Para Rizzardo (1998, p. 481), “inúmeras são as medidas, campanhas e disposições normativas de prevenção, educação e proibição relativas a bebida alcoólica”. As autoridades de trânsito e seus agentes podem submeter os condutores ao teste do aparelho de ar alveolar (bafômetro) ou a outros meios técnicos científicos, que possam comprovar o teor alcoólico no sangue ou no ar expelido pelos pulmões, como salienta a Resolução n° 737/89, do CONTRAN, em seu art. 1º. Seguindo os ensinamentos deste mesmo doutrinador, tratando-se da constatação do efeito de substância tóxica de qualquer natureza, com exceção do álcool, a aferição se dá apenas através de exames laboratoriais, não se estabelecendo uma gradação do teor tóxico em que a pessoa se encontra. “Basta a mera conclusão de que está sob tal efeito para se imputarem as penalidades e as medidas administrativas previstas no dispositivo” (RIZZARDO, 1998, p. 482). Para definir o estado de embriaguez, o limite é de seis decigramas de álcool por litro de sangue, ficando, então, impedida a pessoa de dirigir: Art. 276. A concentração de seis decigramas de álcool por litro de sangue comprova que o condutor se acha impedido de dirigir veículo automotor. B D U – B ib lio te ca D ig ita l d a U N IV AT E S (h tt p: //w w w .u ni va te s.b r/ bd u) 40 Parágrafo único. O CONTRAN estipulará os índices equivalentes para os demais testes de alcoolemia. Art. 277. Todo condutor de veículo automotor, envolvido em acidente de trânsito ou que for alvo de fiscalização de trânsito, sob suspeita de haver excedido os limites previstos no artigo anterior, será submetido a testes de alcoolemia, exames clínicos, perícia, ou outro exame que por meios técnicos ou científicos, em aparelhos homologados pelo CONTRAN, permitam certificar seu estado. Parágrafo único. Medida correspondente aplica-se no caso de suspeita de uso de substância entorpecente, tóxica ou de efeitos análogos. A medida administrativa aplicável refere-se à submissão de testes ou exames em duas situações fundamentais: quando o condutor se envolver em acidente de trânsito, mesmo que não haja vítima, e quando for alvo de fiscalização de trânsito e houver suspeitas de que ingeriu bebida alcoólica. Admite-se a exigência dos exames ou testes rápidos em campanhas dirigidas à educação do trânsito e de prevenção a acidentes. “Todavia, para exames clínicos, que importem em deslocamento para centros clínicos ou laboratórios, unicamente se fundadas suspeitas recaírem no condutor” (RIZZARDO, 1998, p. 698). O artigo 291, assim dispunha: Art. 291. Aos crimes cometidos na direção de veículos automotores, previstos neste Código, aplicam-se as normas gerais do Código Penal e do Código de Processo Penal, se este Capítulo não dispuser de modo diverso, bem como a Lei nº 9.099, de 26 de setembro de 1995, no que couber. Parágrafo único. Aplicam-se aos crimes de trânsito de lesão corporal culposa, de embriaguez ao volante, e de participação em competição não autorizada o disposto nos arts. 74, 76 e 88 da Lei nº 9.099, de 26 de setembro de 1995. Explica Rizzardo (1998) que o art. 74 da Lei nº 9.099/95 trata da reparação dos danos civis, mediante a homologação judicial de acordo firmado entre o agente e a vítima dos delitos supramencionados, restando evidente que o Código de Trânsito Brasileiro adotou o sistema implementado naquela lei, qual seja, a cumulação das jurisdições. Já o art. 76 da mesma lei confere ao Ministério Público, independente da vontade da vítima, a possibilidade de apresentar uma proposta de aplicação imediata de multa ou pena restritiva de direitos, em vez de prosseguir o processo para ser aplicada uma pena privativa de liberdade (transação penal). Mas B D U – B ib lio te ca D ig ita l d a U N IV AT E S (h tt p: //w w w .u ni va te s.b r/ bd u) 41 para isso deve-se observar algumas condições, as quais estão elencadas no art. 76 e em seus parágrafos e incisos da Lei nº 9.099/95. Consoante o art. 88 dessa mesma lei, o exercício da ação penal, nos crimes anteriormente citados, dependerá de representação do ofendido ou de seu representante legal, pois, se assim não tivesse agido o legislador, tais crimes não seriam abarcados no âmbito das infrações perseguidas pela sistemática da Lei dos Juizados Especiais Cíveis e Criminais. No entanto, especialmente no caso de crimes de embriaguez ao volante e de participação não autorizada em competições, é possível seguir a ação, mesmo ausente a representação, conforme os arts. 74 e 75 da Lei dos Juizados Especiais (RIZZARDO, 1998). Para Pinheiro e Ribeiro (2000), no que diz respeito ao delito de lesão corporal culposa, os três institutos são aplicáveis, ou seja, o art. 74, 76 e 88 da Lei nº 9.099/95. Já no delito de embriaguez ao volante (art. 306) e na participação em competição não autorizada (art. 308) não são aplicados os arts. 74 e 88, sendo delitos de perigo à incolumidade de outrem ou à incolumidade pública ou privada. Os estudiosos supramencionados alegam não existir dano real a ser reparado; depois, que inexiste vítima concreta, ou, existindo, dela não se exige qualquer manifestação de vontade; logo, não é caso de representação. Quanto à reincidência, dizia o CTB: Art. 296. Se o réu for reincidente na prática de crime previsto neste Código, o juiz poderá aplicar a penalidade de suspensão da permissão ou habilitação para dirigir veículo automotor, sem prejuízo das demais sanções penais cabíveis. Com a leitura do artigo acima, percebe-se que o legislador estabelece mais um caso de aplicação da penalidade de suspensão da permissão ou habilitação para dirigir veículo automotor. Incidirá a penalidade, na modalidade acessória, quando o apenado for reincidente na prática de um crime de trânsito, não deixando, se for a caso, de aplicar as demais sanções incidentes (RIZZARDO, 1998). B D U – B ib lio te ca D ig ita l d a U N IV AT E S (h tt p: //w w w .u ni va te s.b r/ bd u) 42 Segundo Lopes (1998, p. 127), o disposto neste artigo remete-nos a uma espécie de cominação geral de pena, “[...] posto que ao reincidente sempre será possível aplicar a suspensão da permissão ou habilitação, ainda que o tipo penal específico não comine expressamente essa pena, atenuando, inclusive, o rigor exigível ao princípio da legalidade das penas”. Continua o mesmo autor ensinando que se considera reincidência a circunstância de haver o agente cometido novo crime, depois de transitar em julgado a sentença que o tenha condenado por crime anterior (art. 63 do CP). A reincidência em matéria de trânsito é específica, ou seja, somente na prática de crimes previstos no Código de Trânsito Brasileiro. Quanto ao homicídio culposo, rezava o CTB em seu artigo 302: Art. 302. Praticar homicídio culposo na direção de veículo automotor: Penas – detenção, de dois a quatro anos, e suspensão ou proibição de se obter a permissão ou a habilitação para dirigir veículo automotor. Parágrafo único. No homicídio culposo cometido na direção de veículo automotor, a pena é aumentada de um terço à metade, se o agente: I – não possuir Permissão para Dirigir ou Carteira da Habilitação; II – praticá-lo em faixa de pedestres ou na calçada; III – deixar de prestar socorro, quando possível fazê-lo sem risco pessoal, à vítima do acidente; IV – no exercício de sua profissão ou atividade, estiver conduzindo veículo de transporte de passageiros. V- estiver sob a influência de álcool ou substância tóxica ou entorpecente de efeitos análogos. Rizzardo (1998, p. 757) esclarece que “a primeira figura penal que passa a ser regulada pelo Código de Trânsito é o homicídio culposo, considerado como a eliminação da vida de uma pessoa por ato de outra, através de uma causa gerada por culpa, nas espécies imprudência, negligência ou imperícia”. Lima (2005) observa a redação deste artigo e comenta que é estranha a maneira que o legislador encontrou para tipificar uma ação delituosa, pois faz B D U – B ib lio te ca D ig ita l d a U N IV AT E S (h tt p: //w w w .u ni va te s.b r/ bd u) 43 menção ao seu nomen juris, ou seja, homicídio culposo, em vez de descrever a conduta típica. O conceito típico é criticável, conforme Jesus (1998, p. 71), o qual ressalta que o verbo, que representa o núcleo do tipo, refletindo a ação ou a omissão, não menciona a conduta principal do autor. “Ora,o comportamento do autor no homicídio culposo, para fins de definição típica, não consiste em 'praticar homicídio culposo', e sim 'matar alguém culposamente'. O verbo típico é 'matar'; e não 'praticar'”. Assim, autor é quem realiza a conduta contida no verbo do tipo, e não quem pratica homicídio. Sendo delito culposo, a conduta típica se dá em vista do resultado morte. Lima (2005, p. 164) explica: “costumando-se dizer ser um tipo aberto, com a ação dirigida originalmente a um fim lícito, mas, dada a negligência, imperícia ou imprudência, com a falta de cuidado objetivo, o agente vem causar o resultado ilícito”. Outra figura delitiva do CTB está prevista no artigo 306: Art. 306. Conduzir veículo automotor, na via pública, sob a influência de álcool ou substância de efeitos análogos, expondo a dano potencial a incolumidade de outrem: Penas – detenção, de seis meses a três anos, multa e suspensão ou proibição de se obter a permissão ou a habilitação para dirigir veículo automotor. Rizzardo (1998) declara que a embriaguez corresponde a um estado temporário de intoxicação da pessoa, provocada pelo álcool ou substância análoga, que a priva do poder de autocontrole e reduz ou anula a capacidade de entendimento. Não se exige a embriaguez total, basta a mera influência, ou a presença de alguma quantidade de álcool no sangue. Mostra-se relevante acordar que, para fins da infração penalizada, o art. 165 do CTB requer apuração em nível a seis decigramas por litro de sangue, ou de qualquer substância entorpecente ou psíquica. Já o art. 276 do CTB estipula a concentração de seis decigramas por litro de sangue. Impõe-se que se apure o estado de embriaguez, não importando o índice de concentração de álcool no sangue. B D U – B ib lio te ca D ig ita l d a U N IV AT E S (h tt p: //w w w .u ni va te s.b r/ bd u) 44 Para os doutrinadores Pinheiro e Ribeiro (2000), o art. 306, quanto a sua técnica de tipificação, é de perigo concreto indeterminado, expondo a dano potencial a incolumidade de outrem, gerando perigo de dano. Não é de perigo abstrato; não basta, ao acusador, comprovar que o sujeito dirigia embriagado; é necessário comprovar que a conduta do agente, concretamente, revelou-se efetivamente perigosa para o bem jurídico protegido. De acordo com Lima (2005, p. 193), para a incidência do tipo penal, no entanto, basta a demonstração probatória “de que o agente estava sob influência do álcool ou de outra substância de forma a perturbar sua capacidade de dirigir o veículo. Caso contrário, incidirá somente a infração administrativa”. Voltando aos ensinamentos de Rizzardo (1998, p. 767), o tipo consiste na exposição da incolumidade de outrem a dano potencial, ou que se coloque em risco a segurança de outra pessoa. Desse modo, “[...] trafegando na via pública, sem transeunte algum naquele local e horário, ou sem passageiros, não expõe ninguém a perigo de dano potencial. Não se afasta, porém, a viabilidade da contravenção penal de direção perigosa”. No entender de Pinheiro e Ribeiro (2000, p. 470), “a comprovação de que o sujeito dirigia em ziguezague, de que passou o sinal vermelho, de que não conseguiu manter-se na faixa de rolamento, etc., revela que concretamente a sua conduta contou com potencialidade lesiva”. Nesta linha, Jesus (1998) entende que pode ocorrer infração administrativa se ficar apurada a presença de álcool ou substância análoga em quantidade superior a seis decigramas por litro de sangue. 3.2 Legislação atual A Lei nº 11.705/2008 foi sancionada no dia dezenove de junho de 2008 e, dentre outras providências, em seu art. 5º alterou a redação de alguns dispositivos B D U – B ib lio te ca D ig ita l d a U N IV AT E S (h tt p: //w w w .u ni va te s.b r/ bd u) 45 da Lei nº 9.503/97 (Código de Trânsito Brasileiro) para estabelecer as modificações seguintes: O art. 10 passa a vigorar acrescido do seguinte inciso XXIII: Art. 10 - [...] XXIII - 1 (um) representante do Ministério da Justiça. […] Com essa alteração, o Conselho Nacional de Trânsito (CONTRAN) passou a contar também com um representante do Ministério da Justiça. O caput do art. 165 passa a vigorar com a seguinte redação: Art. 165 - Dirigir sob a influência de álcool ou de qualquer outra substância psicoativa que determine dependência: Infração - gravíssima; Penalidade - multa (cinco vezes) e suspensão do direito de dirigir por 12 (doze) meses; Medida Administrativa - retenção do veículo até a apresentação de condutor habilitado e recolhimento do documento de habilitação. […] Na opinião de Jesus (2008), o elemento subjetivo do tipo da infração administrativa é “sob a influência” de álcool. A figura não se perfaz com a simples direção de veículo após o condutor ingerir álcool ou substância similar. É necessário que o faça “sob a influência” dessas substâncias. Assim, ao contrário do que determina o art. 276 do CTB, não é necessário que o condutor esteja com “qualquer concentração de álcool por litro de sangue” para sujeitá-lo “às penalidades previstas no art. 165″, de onde se originou incorretamente a expressão “tolerância zero”, de maneira que não há infração administrativa quando o motorista realiza o tipo sem esse elemento subjetivo. Trata-se de elemento da figura infracional administrativa, da sua definição, sendo que, sem a sua ocorrência, não se aplica o art. 165 do CTB. B D U – B ib lio te ca D ig ita l d a U N IV AT E S (h tt p: //w w w .u ni va te s.b r/ bd u) 46 O art. 276 passa a vigorar com a seguinte redação: Art. 276 - Qualquer concentração de álcool por litro de sangue sujeita o condutor às penalidades previstas no art. 165 deste Código. Parágrafo único. Órgão do Poder Executivo Federal disciplinará as margens de tolerância para casos específicos. O dispositivo leva ao falso entendimento de que, encontrado o motorista dirigindo veículo na via pública, com “qualquer concentração de álcool por litro de sangue”, fica sujeito “às penalidades previstas no art. 165 do CTB.” Quer dizer, bebeu e dirigiu: cometeu a infração administrativa. Conclusão errada, pois são exigidas três condições: “[...] que o condutor tenha bebido; que esteja sob a 'influência' da bebida; e que, por causa do efeito da ingestão de álcool ou substância análoga, dirija o veículo de 'forma anormal'” (JESUS, 2008, texto digital). Com as alterações do art. 277 do CTB, tornar-se-á possível a caracterização da infração administrativa e a aplicação de penalidades por embriaguez ao volante, quando o condutor se recusar a submeter-se aos testes que comprovem seu estado etílico. Assim, esse artigo passa a vigorar com as seguintes alterações: Art. 277 – [...] § 2° - A infração prevista no art. 165 deste Código poderá ser caracterizada pelo agente de trânsito mediante a obtenção de outras provas em direito admitidas, acerca dos notórios sinais de embriaguez, excitação ou torpor apresentados pelo condutor. § 3º - Serão aplicadas as penalidades e medidas administrativas estabelecidas no art. 165 deste Código ao condutor que se recusar a se submeter a qualquer dos procedimentos previstos no caput deste artigo. Conforme Gomes; Cunha e Pinto (2008), esse § 3º só tem pertinência em relação ao exame clínico, pois a recusa ao exame de sangue e ao bafômetro não está sujeita a nenhuma sanção, visto que quem exercita um direito não pode estar sujeito a nenhuma sanção. O que está autorizado por uma norma não pode estar proibido por outra. Segundo os mesmos autores, com a reformulação do art. 291 do CTB, o condutor alcoolizado envolvido em crime de trânsito não pode mais fazer jus aos B D U – B ib lio te ca D ig ita l d a U N IV AT E S (h tt p: //w w w .u ni va te s.b r/ bd u) 47 procedimentos indicados para os crimes de lesão culposa previstos na Lei nº 9.099/1995, ficando sujeito a inquérito policial para apuração da infração penal, conforme alterações sofridas: Art. 291 – [...] § 1º - Aplica-se aos crimes de trânsito de lesão corporal culposa o disposto nos arts. 74, 76 e 88 da Lei nº 9.099, de 26 de setembro de 1995, exceto se o agente estiver: I - sob a influência de álcool ou qualquer outra substância psicoativa que determine dependência; II - participando, em via pública, de corrida, disputa ou competição automobilística, de exibição ou demonstração de perícia em manobra de veículo automotor, não autorizada pela autoridade competente; III - transitando em velocidade superior à máxima permitida para a via em 50 km/h (cinqüenta quilômetros por hora). § 2º - Nas hipóteses previstas no § 1º deste artigo, deverá ser instaurado inquérito policial para a investigação da infração penal. A Lei nº 11.705/2008 manteve a transação penal para os crimes de lesão corporal culposa, conforme previsto na redação original do CTB, desde que o agente não se encontre em uma das situações elencadas nos incisos I, II e III do § 1º deste artigo. Excluiu também esta possibilidade quando se tratar dos crimes de embriaguez ao volante (art. 306) e de participação em competição não autorizada (art. 308). Na opinião de Gomes; Cunha e Pinto (2008), o legislador está correto ao tomar essa decisão, uma vez que, ao permitir a aplicação dos Juizados Especiais Criminais aos crimes de embriaguez, racha e lesão corporal culposa, mesmo embriagado o agente, não mais respondia à altura necessária. Chegava a ser constrangedora a situação em uma audiência para fins de transação penal, na qual o agente surpreendido em avançado estado de embriaguez era punido com uma pena de cesta básica. Outro artigo a sofrer alterações foi o artigo 296, que passou a vigorar com a seguinte redação: B D U – B ib lio te ca D ig ita l d a U N IV AT E S (h tt p: //w w w .u ni va te s.b r/ bd u) 48 Art. 296 - Se o réu for reincidente na prática de crime previsto neste Código, o juiz aplicará a penalidade de suspensão da permissão ou habilitação para dirigir veículo automotor, sem prejuízo das demais sanções penais cabíveis. O novo texto do art. 296 não deu campo à discricionariedade do julgador. Foi expresso ao determinar que, se o réu for reincidente, terá suspensa sua permissão ou habilitação para dirigir veículo automotor. Em alguns crimes previstos no CTB, como no homicídio culposo ( art. 302), nas lesões corporais culposas (art. 303), embriaguez ao volante (art. 306), violação de suspensão ou proibição (art. 307) e participação em “racha” (art. 308), há expressa previsão de aplicação de pena de suspensão da permissão ou habilitação para dirigir veículo automotor. Para tais delitos, o dispositivo não tem aplicação, e eventual reincidência deve ser considerada para agravar a pena, nos termos do inciso I do art. 61 do Código Penal (GOMES; CUNHA; PINTO, 2008). O art. 302 teve o seu inciso V revogado pela Lei nº 11.705/2008. O art. 306 passa a vigorar com a seguinte alteração: Art. 306 - Conduzir veículo automotor, na via pública, estando com concentração de álcool por litro de sangue igual ou superior a 6 (seis) decigramas, ou sob a influência de qualquer outra substância psicoativa que determine dependência: [...] Parágrafo único. O Poder Executivo federal estipulará a equivalência entre distintos testes de alcoolemia, para efeito de caracterização do crime tipificado neste artigo. Regulamentando os arts. 276 e 306 do Código de Trânsito Brasileiro, o Decreto 6.488/2008 disciplina a margem de tolerância de álcool no sangue e a equivalência entre os distintos testes de alcoolemia para efeitos de crime de trânsito. Assim, segundo o citado Decreto, em seu art. 2º, para os fins criminais de que trata o art. 306 da Lei nº 9.503/97 (Código de Trânsito Brasileiro), a equivalência entre os distintos testes de alcoolemia é a seguinte: “I - exame de sangue: concentração igual ou superior a seis decigramas de álcool por litro de sangue (6 dg/l ); ou II - teste em aparelho de ar alveolar pulmonar (etilômetro): concentração de álcool igual B D U – B ib lio te ca D ig ita l d a U N IV AT E S (h tt p: //w w w .u ni va te s.b r/ bd u) 49 ou superior a três décimos de miligrama por litro de ar expelido dos pulmões ( 0,3 mg/l )”. Segundo Gomes; Cunha e Pinto (2008), para que se configure infração penal é necessário o perigo concreto, ou seja, condutor anormal (sob a influência de álcool ou substância psicoativa) mais condução anormal (que coloca em risco a segurança viária). Acrescentam ainda que, em se tratando do art. 306, não há como deixar de reconhecer que ambas as infrações exigem o “estar sob a influência” de álcool. Conceito da elementar “sob a influência”: Dirigir veículo automotor, em via pública, 'sob a influência' de álcool ou substância similar significa, sofrendo seus efeitos, conduzi-lo de forma anormal, fazendo ziguezagues, 'costurando' o trânsito, realizando ultrapassagem proibida, 'colado' ao veículo da frente, passando com o sinal vermelho, na contramão, com excesso de velocidade etc. De modo que, surpreendido o motorista dirigindo veículo, após ingerir bebida alcoólica, de forma normal, 'independentemente do teor inebriante', não há infração administrativa, não se podendo falar em multa, apreensão do veículo e suspensão do direito de dirigir. Exige-se nexo de causalidade entre a condução anormal e a ingestão de álcool (JESUS, 2008, texto digital). Já se percebe, entretanto, corrente interpretando a primeira parte do artigo 306 literalmente, ou seja, como infração de perigo abstrato. Isso significa que bastaria estar dirigindo veículo automotor com concentração de álcool por litro de sangue igual ou superior a 6 (seis) decigramas para a caracterização do ilícito penal. 3.3 Quadro comparativo O quadro comparativo (QUADRO 1) apresenta aqueles artigos considerados de maior relevância para este trabalho monográfico, destacando as mudanças que houve na comparação da legislação revogada com a atual: QUADRO 1 - Comparativo dos artigos com maior relevância para este trabalho monográfico. B D U – B ib lio te ca D ig ita l d a U N IV AT E S (h tt p: //w w w .u ni va te s.b r/ bd u) 50 LEGISLAÇÃO ANTERIOR LEGISLAÇÃO ATUAL MUDANÇA Art. 165. Dirigir sob a influência de álcool, em nível superior a seis decigramas por litro de sangue, ou de qualquer substância entorpecente ou que determine dependência física ou psíquica. Infração - gravíssima; Penalidade - multa (cinco vezes) e suspensão do direito de dirigir; Medida administrativa - retenção do veículo até a apresentação de condutor habilitado e recolhimento de habilitação. Parágrafo único. A embriaguez também poderá ser apurada na forma do art. 277. Art. 165. Dirigir sob a influência de álcool ou de qualquer outra substância psicoativa que determine dependência: Infração - gravíssima; Penalidade - multa (cinco vezes) e suspensão do direito de dirigir por 12 (doze) meses; Medida Administrativa - retenção do veículo até a apresentação de condutor habilitado e recolhimento do documento de habilitação. Parágrafo único. A embriaguez também poderá ser apurada na forma do art. 277. Qualquer concentração de álcool por litro de sangue sujeita o indivíduo às sanções administrativas. Art. 306. Conduzir veículo automotor, na via pública, sob influência de álcool ou substância de efeitos análogos, expondo a dano potencial a incolumidade pública de outrem: Penas - detenção, de seis meses a três anos, multa e suspensão ou proibição para dirigir veículo automotor. Art. 306. Conduzir veículo automotor, na via pública, estando com concentração de álcool por litro de sangue igual ou superior a 6 (seis) decigramas, ou sob a influência de qualquer outra substância psicoativa que determine dependência: Penas - detenção, de 6 (seis) meses a 3 (três) anos, multa e suspensão ou proibição de se obter a permissão ou a habilitação para dirigir veículo automotor. Parágrafo único. O Poder Executivo federal estipulará a equivalência entre distintos testes de alcoolemia, para efeito de caracterização do crime tipificado neste artigo. Agora basta ter a concentração de álcool por litro de sangue igual ou superior a 6 (seis) decigramas para sofrer as punições previstas no artigo; não é mais necessário estar “sob a influência” de álcool nem expor a perigo concreto. Fonte: Da autora. Analisando o quadro 1, percebe-se que a legislação anterior já previa a punição para a condução de veículo automotor com ingestão de bebida alcóolica. B D U – B ib lio te ca D ig ita l d a U N IV AT E S (h tt p: //w w w .u ni va te s.b r/ bd u) 51 3.4 Intenção legislativa A Lei nº 11.705/2008 teve origem na Medida Provisória nº 415, de 21 de janeiro de 2008, que foi modificada pelo Congresso Nacional. O foco inicial da medida eram os comerciantes, donos de bares e restaurantes, com a proibição da comercialização de bebidas e posteriormente, a punição aos motoristas. A Medida Provisória foi transformada no Projeto de Lei de Conversão Nº 13, de 2008, e sancionada pelo senhor Presidente da República. Conforme se depreende da leitura do Projeto de Lei de Conversão nº 13, aprovado pela Câmara dos Deputados no processo de apreciação da Medida Provisória n° 415, de 21 de janeiro de 2008, o senador Francisco Dornelles, na condição de relator revisor do projeto, reconheceu a relevância e urgência da Medida Provisória, pressupostos constitucionais determinados pelo art. 62 da Carta Magna para sua edição pelo Excelentíssimo Senhor Presidente da República, e para sua admissibilidade pelas Casas do Congresso Nacional. Acrescenta que a matéria obedece aos preceitos de constitucionalidade e juridicidade, nos termos fixados pelos arts. 24, 28 e 225 da Lei Maior, e está vazada em boa técnica legislativa. A seguir são expostas algumas das razões pelas quais o Senado Federal foi pleitear a decisão do Presidente da República pelo envio da proposta de projeto de lei, proveniente da Medida Provisória nº 415, de 2008, que modifica o Código de Trânsito Brasileiro, para proibir que a pessoa que possua qualquer concentração de álcool no sangue conduza veículo automotor: A Organização Mundial de Saúde - OMS estima em aproximadamente 2 bilhões o número de consumidores de bebidas alcoólicas no mundo. Do ponto de vista da Saúde Pública, 76,3 milhões de pessoas apresentam problemas diagnosticáveis associados ao consumo de bebidas alcoólicas. O álcool causa anualmente 1,8 milhão de mortes, 3,2% do total, e é responsável por 4% dos ‘anos perdidos de vida útil’ no mundo. Entre as décadas de 70 e 90 o consumo de álcool cresceu mais de 70% entre os brasileiros (EXPOSIÇÃO..., 2008, texto digital). Os senadores acrescentaram ainda que a Secretaria Nacional Antidrogas (SENAD), realizou em parceria com a Universidade Federal de São Paulo B D U – B ib lio te ca D ig ita l d a U N IV AT E S (h tt p: //w w w .u ni va te s.b r/ bd u) 52 (UNIFESP) pesquisa sobre os Padrões de Consumo de Álcool na População Brasileira. Este estudo, de abrangência nacional, detectou que 52% dos brasileiros acima de 18 anos consomem bebida alcoólica pelo menos uma vez ao ano. O estudo apontou também que dois terços dos motoristas já dirigiram depois de ter ingerido bebidas alcoólicas em quantidade superior ao limite legal permitido. Segundo o levantamento, 74,6% dos brasileiros entre 12 e 65 anos já consumiram bebida alcoólica pelo menos uma vez na vida (EXPOSIÇÃO..., 2008). Em pesquisa realizada pela SENAD em parceria com a UNIFESP nas 27 capitais do Brasil, observou-se que: […] 76% das crianças e adolescentes em situação de rua já havia consumido bebidas alcoólicas. Outro estudo inédito realizado também pela SENAD e UNIFESP em parceria com a FUNAI, em 2007, investigou os padrões de consumo de álcool na população indígena em 11 comunidades de sete diferentes etnias, distribuídas pelas cinco regiões geográficas do Brasil. Os resultados apontam que 38,4% dos índios entrevistados, com idade entre 18 e 64 anos, consomem bebidas alcoólicas, sendo que 67,6% dos índios que bebem têm a cerveja como a bebida de primeira escolha, seguida pela cachaça, com 41,9% (EXPOSIÇÃO..., 2008, texto digital). Outro ponto importante é a pesquisa realizada em 1998 por iniciativa da Associação Brasileira de Departamentos de Trânsito – Abdetran, em quatro capitais brasileiras - Salvador, Recife, Brasília e Curitiba. A pesquisa apontou que, entre as 865 vítimas de acidentes, quase um terço (27,2%) apresentou taxa de alcoolemia superior a de 0,6 g/l, índice limite definido pelo Código de Trânsito Brasileiro. São de extrema relevância, também, os dados do Ministério da Saúde: No Brasil, no triênio 1995-97, o alcoolismo ocupava o quarto lugar no grupo das doenças incapacitantes. Em 1996, a cirrose hepática de etiologia alcoólica foi a sétima maior causa de óbito na população acima de 15 anos. Os gastos públicos do Sistema Único de Saúde - SUS, com tratamento de dependentes de álcool e outras drogas em unidades extra-hospitalares, como os Centros de Atenção Psicossocial - Álcool e Drogas (CAPSad), atingiram, entre 2002 e junho de 2006, a cifra de R$ 36.887.442,95. Além disso, outros R$ 4.317.251,59 foram gastos em procedimentos hospitalares de internações relacionadas ao uso de álcool e outras drogas no mesmo período. (EXPOSIÇÃO..., 2008, texto digital). Os legisladores sustentam a urgência desse projeto em razão do alto índice de consumo do álcool, que causa anualmente 1,8 milhão de mortes no mundo. Além B D U – B ib lio te ca D ig ita l d a U N IV AT E S (h tt p: //w w w .u ni va te s.b r/ bd u) 53 disso, os gastos em procedimentos hospitalares de internações relacionadas ao uso do álcool e outras drogas, bem como de acidentes automobilísticos decorrentes do uso de álcool, vêm aumentando sobremaneira, trazendo graves conseqüências para elaboração e implantação de políticas públicas nessa área. Vale frisar que os problemas relacionados ao consumo excessivo de bebidas alcoólicas não se limitam às populações vulneráveis e indicam associação com os índices de morbidade e mortalidade da população em geral. 3.5 Discussão doutrinária A recente alteração da Lei nº 9.503/1997, Código de Trânsito Brasileiro, trazida pela Lei nº 11.705/2008, veio com inovações que repercutiram principalmente no âmbito da tutela penal (crime de homicídio culposo, lesão corporal culposa e a embriaguez ao volante) e administrativa. Com as incertezas que pairam sobre a aplicabilidade de tais dispositivos jurídicos, e até mesmo sobre sua constitucionalidade, tecer-se-ão alguns comentários de doutrinadores e estudiosos a respeito da matéria. Ressalta-se que não se adentrará no mérito da constitucionalidade ou não da referida lei, por não ser este o objetivo deste trabalho monográfico. Não obstante a “muito boa intenção” por todos apregoada, a nova legislação trouxe inovações que podem impactar e prejudicar diretamente a produção dos efeitos a que a lei se destina. O Código de Trânsito Brasileiro (Lei nº 9.503/97) sofreu alteração nos seus artigos 10, 165, 276, 277, 291, 296, 302 e 306, ou seja, tanto na parte administrativa quanto na penal. Para Duailibi e Laranjeira (2008, texto digital), essa lei é um tipo de política de prevenção coletiva que tenta mudar o comportamento da população, e é mais eficaz que somente campanhas educativas isoladas. Acrescentam que, quanto à rigidez da lei, não há como se impor limites seguros para o consumo de bebidas alcoólicas em motoristas. Mesmo em baixas doses o álcool provoca prejuízos “[…] visuais, nos B D U – B ib lio te ca D ig ita l d a U N IV AT E S (h tt p: //w w w .u ni va te s.b r/ bd u) 54 reflexos e visão periférica, comprometimento da noção de distância, velocidade, atenção, coordenação e tempo de reação, além da alteração na capa