0 CENTRO UNIVERSITÁRIO UNIVATES PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO STRICTO SENSU MESTRADO EM ENSINO DE CIÊNCIAS EXATAS ABORDANDO GEOMETRIA POR MEIO DA INVESTIGAÇÃO MATEMÁTICA: UM COMPARATIVO ENTRE O 5º E 9º ANOS DO ENSINO FUNDAMENTAL Fernanda Eloisa Schmitt Lajeado, maio de 2015 1 Fernanda Eloisa Schmitt ABORDANDO GEOMETRIA POR MEIO DA INVESTIGAÇÃO MATEMÁTICA: UM COMPARATIVO ENTRE O 5º E 9º ANOS DO ENSINO FUNDAMENTAL Dissertação apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Ensino de Ciências Exatas, do Centro Universitário UNIVATES, como parte da exigência para obtenção do grau de Mestre em Ensino de Ciências Exatas, na linha de pesquisa Tecnologias, Metodologias e Recursos Didáticos para o Ensino de Ciências e Matemática. Orientadora: Prof.ª Dra. Marli Teresinha Quartieri Coorientadora: Profª. Dra. Ieda Maria Giongo Lajeado, maio de 2015 2 AGRADECIMENTOS Expresso meus sinceros agradecimentos a: - Deus. - Meu noivo Maicon dos Santos, pela paciência, incentivo, carinho e amor incondicional. - Minha mãe Geni Weiss e meu pai Inácio Miguel Schmitt, pelo incentivo nos estudos, não me permitindo parar. - Meus amigos, pelos momentos de descontração em meio ao caos. - Minha orientadora, pelos conselhos, orientação e amizade. - Minha coorientadora, pelas brigas e abraços. - Meus colegas, em especial, Janaina de Ramos Ziegler e Ademir de Cassio Machado Peransoni, pelo apoio, cooperação e auxílio nos momentos em que faltava inspiração e pelas risadas nos momentos mais inesperados. - Minhas bolsistas e companheiras de trabalho, Bruna, Nicole e Bruna, que me auxiliaram no decorrer do caminho. - A CAPES, por permitir-me realizar o mestrado e participar como bolsista do Observatório da Educação. 3 RESUMO Este estudo refere-se a atividades de geometria abordadas à luz da metodologia investigação matemática com alunos do 5º e 9º anos do Ensino Fundamental de duas escolas públicas da Educação Básica da região do Vale do Taquari. Estas escolas são parceiras do Observatório da Educação intitulado “Estratégias metodológicas visando à inovação e reorganização curricular no campo da Educação Matemática no Ensino Fundamental”. Este trabalho tem por objetivo investigar as conjecturas apresentadas pelos alunos e as diferenças e semelhanças que os alunos destas distintas turmas apresentam quando as criam. Pretendeu-se, ainda, estimular nos alunos a cultura da escrita em matemática, proporcionar-lhes momentos de autonomia no que diz respeito a sua formação discente e momentos de trabalho em grupo, promovendo a socialização de aprendizagens. Os aportes teóricos usados estão alicerçados nos escritos de Ponte, Brocardo e Oliveira (2009) que expressam que atividades de investigação matemática instigam o aluno à descoberta de novos saberes, por meio de problemas abertos, os quais propiciam o levantamento de conjecturas possíveis de serem testadas e matematicamente registradas. A proposta com foco investigativo foi composta de cinco atividades que abordavam diferentes tópicos de geometria. A pesquisa de cunho qualitativa pode ser considerada um estudo de caso. O material de pesquisa constituiu-se de diário de campo dos alunos, diário de campo do professor e filmagens das aulas. Para análise dos dados foi utilizada a análise de conteúdo, por meio de categorias elaboradas a partir das diferenças e semelhanças que foram surgindo ao longo da intervenção. Como resultados, verificou-se a dificuldade no manuseio da régua e do transferidor, tanto por parte dos alunos do 5º como pelos do 9º ano e em relação à escrita das conjecturas e conclusões. Percebeu-se que os alunos expressavam suas ideias oralmente, mas, no momento de escrevê-las no papel, apenas o faziam de forma sintética. Como ponto positivo, os alunos trabalharam em grupo, colaborando uns com os outros e auxiliando os que apresentavam maiores dificuldades. Esta experiência possibilitou lidar com o novo e o inesperado, permitindo aos alunos 4 participarem mais ativamente de sua própria aprendizagem, dando-lhes mais autonomia. Palavras-chave: Investigação Matemática. Geometria. Ensino Fundamental. 5 ABSTRACT This study refers to geometry activities approached in the light of the mathematical investigation tendency, with students of the 5th and 9th grades of the Elementary Education from two public schools in the area of the Taquari Valley. These schools are partners of a project from the Educational Observatory entitled “Methodological strategies aimed at innovation and curriculum reorganization in the field of Mathematical Education in Elementary School”. This work has as an objective to investigate the conjectures presented by the students, and also to analyze the differences and similarities that the students of these distinct grades show while creating them. It was intended, also, to stimulate the culture of written mathematic in the students, besides to provide them moments of autonomy in regards to their formation and moments of team work, promoting schooling socialization. The theoretical contributions employed in this study are grounded on the writings of Ponte, Brocardo and Oliveira (2009), which express that mathematical investigation activities tempt the student to discover new knowledges by means of open-ended questions, bringing conjectures that are possible to be tested and mathematically registered. The purpose, with an investigative focus, was composed by five activities that approached many geometry topics. The research, of qualitative measurement, may be considered a case study. The research material consisted in students's field diary, teachers's field diary and videotaped classes. The data analysis was based on the concept of Content Analysis, in which the categories were elaborated after the differences and similarities that were developed during the intervention. As a result, it was verified that there is a difficulty in the handling of the ruler and the protractor for part of the students of both 5th and 9th grades, and also in regards to the writing of conjectures and conclusions. It was noticed that the students expressed their ideas orally, however, in the moment of writing them in the paper, they would only do it synthetically. As a positive, the students worked in groups, colaborating with each other and helping those who showed more difficulties. This experience made possible to handle the new and unexpected, providing the students the possibility to participate more actively in their schooling, which gives them more autonomy. Keywords: Mathematical Investigation. Geometry. Elementary School. 6 LISTA DE FIGURAS Figura 1 – Retângulos diferentes encontrados pelos grupos.....................................47 Figura 2 – Exemplo de “círculo” confeccionado por alunos do 5º ano.......................50 Figura 3 – Círculo com barbante sobreposto.............................................................50 Figura 4 – Exemplos de figuras qualquer, turmas de 5º ano e 9 ano........................51 Figura 5 – Um aluno explicando para o colega sua conjectura.................................51 Figura 6 – Imagem do quadro com as representações dos quadrados, suas medidas, perímetro e área........................................................................................54 Figura 7 – Quadrado repartido em quatro partes iguais, representação de ¼..........57 Figura 8 – Generalizações que surgiram durante as discussões nas turmas de 9º ano.............................................................................................................58 Figura 9 – Alunos montando os triângulos.................................................................59 Figura 10 – Triângulos construídos com canudinhos pelos alunos...........................60 Figura 11 – Quadro com as medidas que formavam triângulos e que não formavam..................................................................................................62 Figura 12 – Triângulos desenhados em papel quadriculado e com os ângulos medidos.....................................................................................................63 7 Figura 13 – Figura que foi contornada em uma folha quadriculada...........................66 Figura 14 – Quadriculado de 0,5 x 0,5 cm desenhado sobre a figura.......................67 Figura 15 – Figura com quadradinhos disformes.......................................................68 Figura 16 – Figura cujo contorno foi medido com régua e somado...........................69 Figura 17 – Tabela construída por uma aluna do 9º ano...........................................73 Figura 18 – Quadro com colocações referentes às discussões da atividade 5.........77 Figura 19 – Fórmula para calcular área de triângulos ...............................................82 Figura 20 – Medidas que não fecharam triângulos...................................................83 Figura 21 – Aluno montando o cubo com auxílio do material dourado......................84 Figura 22 – Resposta de uma aluna do 9º ano para a atividade 2 ...........................85 Figura 23 – Respostas de um aluno para a atividade 1 ............................................86 8 LISTA DE QUADROS Quadro 1 – Exemplos de atividades, problemas e tarefas de investigação...............17 Quadro 2 – Quadro comparativo................................................................................18 Quadro 3 – Momentos na realização de uma investigação.......................................21 Quadro 4 – Descritores do 5º e 9º anos dos temas Espaço e Forma e Grandezas e Medidas ..................................................................................................28 Quadro 5 – Relação das dissertações escolhidas.....................................................30 Quadro 6 – Contexto da pesquisa .............................................................................38 Quadro 7 – Semelhanças x Diferenças entre 5º ano e 9º ano na primeira atividade..................................................................................................48 Quadro 8 – Semelhanças x Diferenças entre 5º ano e 9º ano na segunda atividade..................................................................................................57 Quadro 9 – Semelhanças x Diferenças entre 5º ano e 9º ano na terceira atividade..................................................................................................64 Quadro 10 – Semelhanças x Diferenças entre 5º ano e 9º ano na quarta atividade..................................................................................................70 Quadro 11 – Semelhanças x Diferenças entre 5º ano e 9º ano na quinta atividade..................................................................................................78 9 SUMÁRIO 1 INTRODUÇÃO ....................................................................................................... 10 2 REFERENCIAL TEÓRICO ..................................................................................... 15 2.1 Exercícios, Problemas e Investigações ....................................................... 16 2.2 Investigação matemática ............................................................................... 19 2.3 Geometria ....................................................................................................... 24 2.4 Alguns estudos efetivados sobre investigação matemática em dissertações ......................................................................................................... 29 3 PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS ............................................................... 37 4 INTERVENÇÃO PEDAGÓGICA E ANÁLISE DAS ATIVIDADES ......................... 42 4.1 Descrição dos dados emergentes da atividade 1 ....................................... 43 4.2 Descrição dos dados emergentes da atividade 2 ....................................... 52 4.3 Descrição dos dados emergentes da atividade 3 ....................................... 58 4.4 Descrição dos dados emergentes da atividade 4 ....................................... 65 4.5 Descrição dos dados emergentes da atividade 5 ....................................... 70 4.6 Apontamentos e percepções ........................................................................ 78 4.6.1 Concepções sobre triângulos................................................................. 78 4.6.2 Confusão entre área e perímetro por parte dos alunos ....................... 80 4.6.3 Uso de material manipulável................................................................... 82 4.6.4 Escrever em matemática ......................................................................... 84 CONSIDERAÇÕES SOBRE A PESQUISA .............................................................. 88 REFERÊNCIAS ......................................................................................................... 93 APÊNDICES ............................................................................................................. 97 10 1 INTRODUÇÃO O ensino da Matemática tem um papel de destaque nas escolas, sendo valorizado tanto pelos saberes como pelas habilidades e competências que desenvolve nos alunos. Mas nem todos os conteúdos desta disciplina têm sido desenvolvidos com todo o potencial esperado, em particular, aqueles vinculados à geometria. Pesquisadores – dentre eles Grando, Nacarato e Gonçalves (2008) e Pavanelo (2004) - comentam sobre o descaso acometido nas escolas em relação a este conteúdo, pois ainda se percebe que está sendo deixado de lado em favorecimento a outros conteúdos, tais como álgebra e funções. Entretanto, ao analisar as Diretrizes Curriculares Nacionais e as avaliações externas à escola, que servem para medir a qualidade da educação, observa-se uma vasta abordagem dos temas relacionados à geometria, o que torna evidente que a exclusão destes assuntos dos currículos escolares ou seu tratamento inadequado podem causar prejuízos à formação dos indivíduos. Aliado a este contexto, cabe destacar que estudos e pesquisas em Educação Matemática são encontrados em relação a diferentes metodologias que inspiram resultados promissores ao serem trabalhadas com os alunos. Mas, o que se percebe é que pouco ou nada destas investigações acaba sendo inserido na prática pedagógica dos professores e muitos docentes nem tomam conhecimento de sua existência, ficando as mesmas limitadas ao acervo das bibliotecas universitárias e a pesquisas em meio acadêmico. 11 Tentando modificar este contexto, o Observatório da Educação, Edital 049/2012/CAPES/INEP, número do projeto 15206, intitulado “Estratégias metodológicas visando à inovação e reorganização curricular no campo da Educação Matemática no Ensino Fundamental”, vinculado ao Centro Universitário Univates, vem desenvolvendo uma pesquisa que problematiza três tendências da Educação Matemática: modelagem matemática, etnomatemática e investigação matemática. O objetivo geral da referida pesquisa é investigar estratégias que possam proporcionar inovação e reorganização curricular na matemática no Ensino Fundamental. Esta investigação está vinculada ao Programa de Mestrado Profissional em Ensino de Ciências Exatas do Centro Universitário UNIVATES, Lajeado/RS e está sendo desenvolvida em seis escolas públicas de Educação Básica do Vale do Taquari, RS. Estas escolas foram escolhidas devido à discrepância entre suas notas no IDEB (Índice de Desenvolvimento da Educação Brasileira) relativas à 4ª série/5º ano e à 8ª série/9º ano1. O projeto conta com quinze bolsistas, sendo três mestrandos, incluindo a autora deste trabalho, seis professoras representantes das escolas parceiras do Observatório, seis alunos da graduação e quatro professoras da Instituição, sendo uma delas orientadora deste trabalho. Vinculada a esta pesquisa, esta dissertação tem foco na metodologia investigação matemática, que será devidamente explicitado no capítulo do referencial teórico, no contexto de atividades de geometria. Assim, o tema deste trabalho é o uso de investigação matemática no ensino de geometria com alunos do 5º e 9º anos do Ensino Fundamental em duas escolas públicas do Vale do Taquari. Entendo por investigação matemática, conforme Ponte, Brocardo e Oliveira (2009), atividades que instigam o aluno à descoberta de novos saberes, por meio de problemas abertos, que propiciem o levantamento de conjecturas possíveis de serem testadas e matematicamente registradas. 1 Irei usar 9º ano, mesmo que em algumas escolas ainda é utilizado 8ª série. 12 Apresenta-se, portanto, o seguinte problema de pesquisa: Como os alunos de 5º ano e 9º ano do Ensino Fundamental, de duas escolas públicas da Educação Básica da região do Vale do Taquari, operam com atividades de investigação matemática envolvendo geometria e quais as diferenças/semelhanças nas conjecturas apresentadas entre as distintas turmas? Neste contexto, o objetivo geral foi investigar as conjecturas apresentadas por alunos do 5º e 9º anos do Ensino Fundamental advindas de atividades de investigação matemática envolvendo geometria. Objetivos específicos: - Averiguar que regras matemáticas são utilizadas pelos alunos, em diferentes graus de escolaridade, quando criam e justificam conjecturas acerca de atividades envolvendo geometria. - Disponibilizar para duas turmas de alunos atividades em consonância com a metodologia investigação matemática. - Estimular nos alunos a cultura da escrita em matemática. - Proporcionar momentos de trabalho em grupo, promovendo a socialização de aprendizagens. O trabalho aqui apresentado foi desenvolvido em duas escolas públicas participantes do projeto Observatório da Educação que se localizam no Vale do Taquari. Em cada escola trabalhou-se com uma turma de 5º ano e uma turma de 9º ano do Ensino Fundamental. Uma das escolas é da rede municipal e conta com 297 alunos entre 1º ano e 9º ano. A turma do 5º ano onde se desenvolveu a atividade contava com 17 alunos, já o 9º ano com 19 alunos. A outra escola é da rede estadual e agrega 295 alunos entre o 1º ano do Ensino Fundamental e o 3º Ano do Ensino Médio. A turma do 5º ano constituía-se de 26 alunos e ado 9º ano de 18 alunos. Esta proposta justifica-se por três razões. Primeiro, por receber apoio do Programa Observatório da Educação, estando em consonância com os objetivos do 13 mesmo e sendo a pesquisadora uma das bolsistas de Mestrado que integrada o grupo de trabalho do referido projeto. A segunda razão é a preocupação com a pouca importância dada à geometria nos currículos escolares, uma vez que a mesma só aparece no final dos planos de estudo, sendo desenvolvida em muitos casos apenas se sobrar tempo. Tal fato se comprovou ao analisar os planos de estudo das seis escolas parceiras, onde pouca ênfase é dada ao conteúdo que compõe o bloco curricular de geometria. Este bloco aparece apenas nos planos de algumas séries/anos ou no final do ano como “tópicos de geometria”, sem muito detalhamento do que deve ser abordado. E a terceira razão é o gosto pessoal pelo conteúdo de geometria. Neste sentido, acredito que este assunto abre possibilidades promissoras para novas didáticas e possibilita um trabalho mais concreto, desenvolvendo habilidades lúdicas e lógicas nos alunos. Apesar da pouca experiência em sala de aula, percebo que o conteúdo vinculado à geometria cria um fascínio nos alunos que se sentem mais próximos da matemática ao poderem manipular objetos e visualizar situações que suscitam conceitos matemáticos. Outro fator que contribuiu para esta pesquisa foi a análise das questões disponíveis da Prova Brasil, realizada pelos integrantes (professores e mestrandos) da pesquisa do Observatório da Educação Univates. Nesta análise procurou-se identificar os conteúdos presentes na prova, bem como os descritores2 que compõem a mesma. Ao fazer este estudo percebeu-se que a maioria das questões da avaliação baseia-se em habilidades e competências oriundas da geometria. Diante do exposto, acredito que este estudo seja importante para a comunidade acadêmica no geral e para mim como profissional. Após esta breve introdução, no capítulo dois discorro sobre o referencial teórico, descrevendo os pressupostos dos Parâmetros Curriculares Nacionais (PCNs) no que condiz a Matemática. A seguir, explicito conceitos de resolução de problemas, de exercícios e de investigação matemática. Logo após apresento uma seção específica sobre investigação matemática, utilizando teóricos e estudiosos da 2 O PDE (2008) traz temas subdivididos em descritores, já os PCN (1997, 1998) coloca como bloco de conteúdos, mas em suma referem-se a mesma coisa. 14 área. Na penúltima seção deste capítulo, explicito estudos sobre a aprendizagem da geometria. Termino, na última seção deste capítulo, com o estado da arte que engloba algumas dissertações publicadas envolvendo investigação matemática. No capítulo três enfatizo os procedimentos metodológicos utilizados, que foram centrados na pesquisa qualitativa, em particular, estudo de caso e pesquisa participante. Descrevo como se efetivou a intervenção pedagógica, quais os métodos que permitiram a geração do material de pesquisa. No quarto capítulo apresento o desenvolvimento detalhado das atividades e as respostas presentes nos diários dos alunos, as observações da pesquisadora e as filmagens, bem como a categorização das mesmas. E, no quinto capítulo, encontram-se as minhas considerações sobre a pesquisa. 15 2 REFERENCIAL TEÓRICO “Investigar é procurar conhecer o que não se sabe.” (PONTE; BROCARDO; OLIVEIRA, 2009, p. 13) Neste capítulo é meu propósito discorrer sobre aportes teóricos que baseiam esta pesquisa. Assim, apresento uma visão geral de alguns conceitos, procurando diferenciar problemas matemáticos, exercícios e investigação matemática, aprofundando os estudos sobre a investigação matemática e sobre Geometria. Os Parâmetros Curriculares Nacionais (PCNs), em 1997, já apontavam que o ensino de Matemática deveria estar pautado na importância e iminente necessidade apresentada pela sociedade e pelo mercado de trabalho. De acordo com estes parâmetros, a Matemática desempenha papel decisivo, pois permite resolver problemas da vida cotidiana, tem muitas aplicações no mundo do trabalho e funciona como instrumento essencial para a construção de conhecimentos em outras áreas curriculares (BRASIL, 1997, p.15). Nesta perspectiva, o ensino de Matemática pode interferir na formação intelectual, na estruturação do pensamento e no raciocínio dedutivo do aluno. Os PCNs (BRASIL, 1997) também trazem alguns objetivos para o ensino fundamental, entre eles a necessidade de que os alunos sejam capazes de questionar a realidade, formulando e resolvendo problemas, utilizando para isso o “pensamento lógico, a criatividade, a intuição, a capacidade de análise crítica, selecionando procedimentos e verificando sua adequação” (BRASIL, 1997, p. 9). Ainda segundo esses parâmetros (BRASIL, 1997, p. 56), o aluno também deve “demonstrar 16 interesse para investigar, explorar e interpretar, em diferentes contextos do cotidiano e de outras áreas do conhecimento, os conceitos e procedimentos matemáticos”. Assim, torna-se inegável o papel da Matemática na formação de um indivíduo pensante. Os PCNs (BRASIL, 1998) também abordam critérios de avaliação que evidenciam as expectativas de aprendizagem que o aluno deve alcançar e apontam as experiências educativas a que os mesmos devem ter acesso, considerando-as essenciais para o seu desenvolvimento. Um dos critérios diz que os alunos devem “decidir sobre os procedimentos matemáticos adequados para construir soluções num contexto de resolução de problemas” (BRASIL, 1998, p. 76). Por meio deste, pode-se verificar se o aluno é capaz de interpretar uma situação problema, distinguir as informações necessárias para resolvê-la, levantando hipóteses e escolhendo os procedimentos cabíveis a serem utilizados e, por fim, validar resultados, apresentando-os de forma organizada e clara. Destaca-se que este processo é semelhante ao proposto na metodologia investigação matemática. A seguir, apresento algumas definições de Problemas Matemáticos, investigação matemática e Exercícios, procurando diferenciá-las e atribuindo um significado mais específico a cada uma, para que o leitor possa compreender as tarefas de investigação. 2.1 Exercícios, Problemas e Investigações De acordo com Ponte (2003b), a Matemática tem tarefas características, sendo que o exercício é a mais conhecida delas. Entretanto, para o autor existem outros tipos, tais como os problemas e as investigações, conforme alguns exemplos do Quadro 1. Por vezes também se fala em tarefas de modelação e projectos. É de notar que as características de uma tarefa não são absolutas, mas relativas à pessoa que a realiza. Uma mesma questão pode ser para uma pessoa um problema e para outra um exercício, etc. (PONTE, 2003b, p. 28). Por isso, cabe ao professor gerenciar a introdução da tarefa e a forma como a mesma vai ser conduzida ao longo da aula. É importante, para o docente, conhecer a turma e como a mesma vai reagir à determinada atividade, saber seus 17 conhecimentos prévios e tentar sempre desafiá-los com diferentes tarefas para não deixar as aulas caírem na monotonia. Quadro 1 - Exemplos de atividades, problemas e tarefas de investigação Exercício Problema Tarefa de investigação Simplifica: a) 6 12 = b) 3x (10− 7) 17− 2 = c) 20 18− 9 (15− 10)x 2 3 = Qual o menor número inteiro que, dividido por 5, 6 e 7 dá sempre resto 3? 1. Escrever a tabuada dos 9, desde 1 até 12. Observar os algarismos das diversas colunas e encontrar regularidades. 2. Encontrar regularidades nas tabuadas de outros números. Fonte: Adaptado de Ponte (2003b, p. 28) Como se pode observar no Quadro 1, as atividades de investigação matemática são mais abertas e não tão direcionadas, fazendo com que os alunos pensem não apenas na resposta, mas em meios de encontrá-la. Ao resolver questões de investigação os alunos podem encontrar diferentes resultados e seguir pelo caminho que acharem mais conveniente para descobri-los. Para distinguir os conceitos de problemas matemáticos, exercícios e investigação matemática servirão como base ideias de alguns autores que falam sobre o assunto. Entre os autores que tratam desta temática são citados Palhares (2004), Dante (2009), Polya (1978) e Ponte, Brocardo e Oliveira (2009). Dante (2009, p. 11) expressa um problema como sendo “um obstáculo a ser superado, algo a ser resolvido e que exige o pensar consciente do indivíduo para solucioná-lo”. Para ele, um problema é relativo ao sujeito, pois o que pode ser um problema para uma pessoa não o é para outra. O mesmo autor, no que se refere aos exercícios, explana que “Exercícios, como o próprio nome diz, serve para exercitar, para praticar determinado algoritmo ou procedimento” (grifo do autor, p. 48). Já os problemas podem ser descritos como “‟uma situação em que se procura algo desconhecido e não se tem previamente nenhum algoritmo que garanta sua 18 solução” (DANTE, 2009, p. 48). Palhares (2004, p. 14) evidencia que “a resolução de problemas e as investigações são duas actividades que envolvem processos complexos de pensamento que permitem desafiar os alunos,…”. No entanto, há alguns fatos que os diferenciam, como sugere Palhares (2004, p. 14): − As investigações têm um carácter mais aberto e as estratégias que utilizam são difíceis de sistematizar. − O problema normalmente está formulado com perguntas claras, de âmbito mais fechado, enquanto que na investigação as questões são mais abertas, menos elaboradas e até o aluno pode participar na sua formulação. − A resolução de problemas pressupõe uma solução, enquanto que a investigação poderá ter ou não solução, uma vez que o seu interesse reside na exploração da questão por todos os caminhos possíveis. Em relação à investigação matemática, Ponte, Brocardo e Oliveira (2009, p. 23) argumentam que “se trata de situações mais abertas - a questão não está bem definida no início, cabendo a quem investiga um papel fundamental na sua definição”. Procurando diferenciar resolução de problemas e investigação matemática, exponho também o Quadro 2, elaborado por Trindade (2008) como uma discussão final em sua dissertação de mestrado. Quadro 2 – Quadro comparativo PROBLEMA MATEMÁTICO INVESTIGAÇÃO MATEMÁTICA Uma situação na qual um indivíduo ou um grupo é chamado a realizar uma tarefa para a qual não há algoritmo imediatamente acessível que determine completamente o método de solução. “Resolver um problema é encontrar os meios desconhecidos para um fim nitidamente imaginado” (Pólya) É um termo genérico que designa a atividade dos matemáticos profissionais no desenvolvimento do novo conhecimento. É a procura, a ação de investigar, o exame sistemático, a inquirição. O verbo mais usado é “resolver”. O verbo mais usado é “investigar”. É uma atividade convergente. É uma atividade divergente. Tem objetivo conhecido. É um problema aberto. Procura um método. Procura um objetivo. Permite procurar um caminho que o leve à solução. Permite explorar caminhos de forma criativa e independente, sem o compromisso de chegar ao fim. Processos: ter uma questão para resolver querer encontrar uma resposta não tê-la de antemão ter como consequência a construção de uma resposta Processos: exploração de possibilidades formulação de conjecturas procura de argumentos que validem as descobertas realizadas (Continua...) 19 (Continuação) É bom trabalhar em qualquer problema desde que ele gere Matemática interessante durante o caminho, mesmo se não o resolver até o fim. Uma investigação é como que uma viagem ao desconhecido, a estrada é o objetivo e não a chegada. Fonte: (TRINDADE, 2008, p. 153-154) Como conclusões as suas divagações, Trindade (2008) expressa que a Matemática não é só um conjunto de conteúdos a serem estudados e que investigar, além de ser motivador, desenvolve a capacidade intelectual, contribuindo para um conhecimento mais amplo de conceitos e facilitando assim a aprendizagem. Investigar ajuda a estabelecer um ambiente vivo em que cada um pode participar ativamente na construção de seus saberes, não ficando dependente do professor, mas buscando sua própria autonomia no decorrer do processo. A autora ressalta que Um problema se torna uma investigação quando o aluno se confronta com questões as quais não sabe responder de imediato, quando é levado a pensar produtivamente, refletindo nos comos e porquês em busca da solução. Não basta ter uma tarefa para termos um problema e nem mesmo termos um problema para termos uma atividade investigativa. Tudo dependerá da relação que o aluno estabelece com essa atividade (TRINDADE, 2008, p. 156). Tendo em vista todas estas discussões, passarei, a seguir, a discorrer especificamente sobre as atividades de investigação matemática, procurando especificar o que alguns autores propõem como conceitos a esta metodologia. 2.2 Investigação matemática Segundo Ponte, Brocardo e Oliveira (2009), em termos gerais, a definição de investigar aplica-se a diversas palavras como, indagar, pesquisar, inquirir, averiguar. Para os matemáticos, investigar é descobrir relações entre objetos matemáticos, procurando identificar as propriedades inerentes aos mesmos. Para esses autores, no que diz respeito ao ensino e à aprendizagem, investigar não significa resolver problemas difíceis, descobrir fórmulas novas, ou inventar novos conceitos. Significa a formulação de questões de interesse próprio, para as quais não há respostas prontas e, portanto, necessitam ser investigadas, utilizando processos fundamentados e rigorosos para que as mesmas sejam válidas e aceitáveis. Eles 20 ainda colocam que: [...] uma investigação matemática desenvolve-se usualmente em torno de um ou mais problemas. Pode mesmo dizer-se que o primeiro grande passo de qualquer investigação é identificar claramente o problema a resolver. Por isso, não é de admirar que, em Matemática exista uma relação estreita entre problemas e investigação (PONTE; BROCARDO; OLIVEIRA, 2009, p. 16). Por ter esta característica, este tipo de atividade deve ser disponibilizado, procurando desenvolver a habilidade e a capacidade dos alunos para solucionarem dilemas e formularem conjecturas a respeito dos problemas apresentados. Nesta mesma perspectiva, Goldenberg (1999, p. 37, grifo do autor) comenta que se um dos objetivos da educação matemática é fazer com que os alunos aprendam como é que as pessoas descobrem factos e métodos, deveriam também, durante uma parte significativa do tempo de aprendizagem, dedicar-se a essa mesma atividade: descobrir os factos. Neste sentido, não se pode explicar técnicas e fazer com que os alunos se limitem a executá-las. “O objetivo propriamente dito é que o aluno aprenda como ser um investigador perspicaz, e para isso tem que fazer investigação” (Ibidem, p. 37).Ponte, Brocardo e Oliveira (2009) aludem que investigar em Matemática conduz à formulação de conjecturas, hipóteses, as quais necessitam ser repetidamente testadas e provadas. Uma investigação matemática envolve “conceitos, procedimentos e representações matemáticas, mas o que mais fortemente as caracteriza é este estilo conjectura-teste-demonstração” (PONTE; BROCARDO; OLIVEIRA, 2009, p. 10). Os autores também delimitam uma investigação matemática em quatro momentos principais. O primeiro envolve o reconhecimento da situação apresentada, a sua exploração inicial e a formulação de questões, as quais servem de base para o segundo momento o qual se refere à formulação de conjecturas sobre o problema em estudo. Conjecturas são hipóteses e pressupostos que, no terceiro momento, precisam ser testadas e refinadas, procurando aperfeiçoá-las. Por fim, tem-se a argumentação, a demonstração e a avaliação do trabalho realizado. Os pesquisadores, anteriormente citados, pontuam que cada uma dessas passagens pode incluir diversas atividades como indicado no Quadro 3. 21 Quadro 3 – Momentos na realização de uma investigação Exploração e formulação de questões Reconhecer uma situação problema Explorar a situação problemática Formular questões Conjecturas Organizar dados Formular conjecturas (e fazer afirmações sobre uma conjectura) Testes e reformulação Realizar testes Refinar uma conjectura Justificação e avaliação Justificar uma conjectura Avaliar o raciocínio ou o resultado do raciocínio Fonte: (PONTE; BROCARDO; OLIVEIRA, 2009, p. 21) A exploração da tarefa, profere Ponte, Brocardo e Oliveira (2009, p. 30), leva tempo e é uma etapa decisiva para a formulação das conjecturas, sendo que o “trabalho em grupo potencializa o surgimento de várias alternativas para a exploração da tarefa”. As conjecturas surgem de diferentes formas, podendo ser por observação ou manipulação dos dados, sendo que o aluno tende a não verbalizar a formulação das conjecturas. “É somente quando se dispõem a registrar as suas conjecturas que os alunos se confrontam com a necessidade de explicitarem as suas ideias e estabelecerem consensos e um entendimento comum quanto às suas realizações” (PONTE; BROCARDO; OLIVEIRA, 2009, p. 33). Os autores expressam ainda que o registro escrito do aluno é um desafio porque “exige um tipo de representação que nunca utilizaram” (Ibidem, p. 35). Apesar disso ele desempenha um papel fundamental, pois a escrita “ajuda os alunos a clarificarem as suas ideias, nomeadamente a explicitar as suas conjecturas” (PONTE; BROCARDO; OLIVEIRA, 2009, p. 36). Smole e Diniz (2001, p. 31) expressam que: Escrever pode ajudar os alunos a aprimorarem percepções, conhecimentos e reflexões pessoais. Além disso, ao produzir textos em matemática, tal como ocorre em outras áreas do conhecimento, o aluno tem oportunidade de usar habilidades de ler, ouvir, observar, questionar, interpretar e avaliar seus próprios caminhos, as ações que realizou, no que poderia ser melhor. É como se pudesse refletir sobre o próprio pensamento e ter, nesse momento, uma consciência maior sobre aquilo que realizou e aprendeu. Para os autores citados, a escrita se faz necessária não apenas para registro 22 das descobertas e resultados, mas para ajudar o aluno a construir e organizar seu pensamento. Depois de adquirido o conhecimento sobre investigação, pode-se perguntar: como será possível realizá-la na sala de aula de matemática? E, fazendo alusão aos questionamentos de Ponte, Brocardo e Oliveira (2009): como organizar e desenvolver o trabalho? Qual é o papel do professor? O que esperar dos alunos? De acordo com esses autores, uma investigação matemática em sala de aula apresenta-se em três fases, todas de suma importância para o pleno desenvolvimento e aproveitamento de uma atividade investigativa. São elas: - introdução da tarefa à turma; - realização da investigação; - discussão dos resultados, quando os alunos relatam aos colegas suas descobertas. Pode-se acrescentar ainda a importância da escolha da tarefa, conforme Skovsmose (2008). Assim, a atividade será investigativa dependendo de sua natureza, do professor e do aluno, sendo que a natureza da atividade apresenta influência da possibilidade de exploração e explicação das propriedades matemáticas envolvidas e o quanto esta é atrativa aos alunos. Para Goldenberg (1999), deve-se organizar os problemas de modo que os alunos possam trabalhar neles sem ser necessário dizer-lhes como ou o que devem fazer. Na visão do autor, os problemas devem ser concebidos para ajudar os alunos a desenvolverem ideias e métodos matemáticos sem explicações ou exemplos prévios. Já Ponte, Brocardo e Oliveira (2009) alegam que, ao introduzir a tarefa, o professor tem um papel determinante nas aulas de investigação. Por um lado, necessita proporcionar aos alunos a autonomia que é necessária para não comprometer a autoria da investigação. E, por outro, garantir que o trabalho dos alunos flua e seja significativo do ponto de vista da disciplina de Matemática. Na mesma linha argumentativa, para Bertini e Passos (2008, p. 3), numa investigação, o professor escolhe um ponto de partida, geralmente uma situação 23 aberta, e os estudantes definem os problemas dentro da situação e tentam resolver por seus próprios caminhos. “Desse modo, uma investigação requer a participação efetiva do estudante na própria formulação das questões a estudar, e, segundo estudos, essa dinâmica favorece o seu envolvimento na aprendizagem.” Durante a investigação, profere Skovsmose (2008), o professor tem o papel de desafiar o aluno com questões instigadoras, deixando que assumam o processo de exploração e explicação, possibilitando assim com que o cenário de investigação passe a constituir um novo ambiente de aprendizagem. “No cenário para investigação, os alunos são responsáveis pelo processo” (SKOVSMOSE, 2008, p. 21). Ainda segundo o mesmo pesquisador [...] qualquer cenário para investigação coloca desafios para o professor. A solução não é voltar para a zona de conforto do paradigma do exercício, mas ser hábil para atuar no novo ambiente. A tarefa é tornar possível que alunos e professor sejam capazes de intervir em cooperação dentro da zona de risco, fazendo dessa uma atividade produtiva e não uma experiência ameaçadora. (SKOVSMOSE, 2008, p. 37) Para este autor, um cenário de investigação é um ambiente que dá suporte a uma investigação e é aquele que convida os alunos a formularem questões procurando explicações que lhes são adequadas e satisfaçam sua curiosidade. Para Goldenberg (1999, p. 48), O recurso à investigação impõe ao professor um certo número de novas exigências. Além de requerer adaptações pedagógicas no sentido de estimular o espírito de investigação entre os alunos, o recurso à investigação impõe novas exigências aos conhecimentos matemáticos do professor. No momento final de uma atividade investigativa, a interação torna-se obrigatória tendo em vista a divulgação e a confirmação dos resultados. Conforme Ponte, Brocardo e Oliveira (2009), muitas vezes o que se torna mais importante, nestas atividades, não é a variedade de conjecturas propostas na investigação, mas os diversos processos de justificação e prova, sucessivamente postos em ação. E, nesta fase, torna-se necessária a escrita que necessita apresentar rigor matemático para que as justificativas sejam aceitas tanto pelos colegas como pelo professor. Neste contexto, pode-se expressar que o desafio dos professores é articular os diferentes tipos de tarefas, como realizações de investigações e projetos e a resolução de exercícios e problemas, de modo a construir um currículo interessante 24 e equilibrado capaz de promover o desenvolvimento matemático dos alunos com diferentes níveis de desempenho. Assim, é possível perceber que essa metodologia de investigação vai também ao encontro dos PCNs (BRASIL, 1997, p. 51), uma vez que estes afirmam que a matemática deve desenvolver no educando a capacidade [...] de comunicar-se matematicamente, ou seja, descrever, representar e apresentar resultados com precisão e argumentar sobre conjecturas, fazendo uso de linguagem oral e estabelecendo relações entre elas e diferentes representações matemáticas. Tais processos – descrever, representar, argumentar – são primordiais na investigação matemática, que procura incentivar os alunos a desenvolvê-los e utilizá-los tanto nas aulas de Matemática como nas situações do cotidiano. A seção seguinte faz referência à geometria, sua importância no estudo da Matemática e como tarefas de investigação são propícias para trabalhar a mesma, culminando nos referenciais que norteiam os currículos pedagógicos de instituições de Ensino Fundamental. 2.3 Geometria Conforme Grando, Nacarato e Gonçalves (2008), pesquisas e produções brasileiras revelam que a geometria vem assumindo um caráter mais exploratório e investigativo, buscando subsídios teóricos em outras áreas do conhecimento, como a epistemologia, a história, a psicologia sociocultural e a linguagem. Surgem, assim, novas formas de produzir conhecimentos geométricos em sala de aula, principalmente se houver maior diálogo entre professor e aluno, numa perspectiva de negociação e produção de significados. Nesse contexto, buscam-se ressignificações para os processos de validação e verdade em Matemática. Para os autores citados, [...] as tarefas exploratório-investigativas mostram-se altamente potencializadoras de processos de argumentações e provas em geometria na sala de aula. Elas podem ser realizadas a partir de uma tarefa ou um conjunto de tarefas no qual o aluno passa a identificar qual é o problema a resolver e como resolvê-lo. Trata-se de problemas abertos que possibilitam diferentes perguntas, estratégias de resolução e processos de validação. (GRANDO; NACARATO; GONÇALVES, 2008, p. 43) De acordo com o exposto, as tarefas exploratório-investigativas apresentam 25 fatores que direcionam pensar na potencialidade de atividades que possibilitam aos alunos tornarem-se pessoas mais autônomas em sua aprendizagem. Cabe pontuar ainda que, de acordo com os autores, os alunos, ao procurarem respostas para as próprias perguntas, sentem-se mais motivados e instigados para a realização das atividades. O que remete às ideias de Abrantes (1999) que afirma que aprender Matemática é essencialmente fazer Matemática. Tal pensamento tem contribuído para conceber a importância de atividades de natureza exploratória e investigativa, sendo as mesmas concebidas na intenção de que o aluno (re)descubra a Matemática. Segundo Abrantes (1999, p. 155), “a geometria parece ser, dentro da Matemática escolar, uma área particularmente propícia à realização de atividades de natureza exploratória e investigativa”. Uma contribuição da prática de atividades que envolvem os alunos em problemas abertos é o fato de lidar com processos fundamentais da atividade e do pensamento matemático, como formular problemas, fazer e demonstrar conjecturas ou comunicar descobertas. Em particular o [...] apelo à intuição e à visualização e recorrendo, com naturalidade, à manipulação de materiais, a geometria torna-se, talvez mais do que qualquer outro domínio da Matemática, especialmente propícia a um ensino fortemente baseado na realização de descobertas e na resolução de problemas, desde os níveis escolares mais elementares. Na geometria, há um imenso campo para a escolha de tarefas de natureza exploratória e investigativa, que podem ser desenvolvidas na sala de aula, sem a necessidade de um grande número de pré-requisitos e evitando, sem grandes dificuldades, uma visão da Matemática centrada na execução de algoritmos e em “receitas” para resolver exercícios-tipo (ABRANTES, 1999, p. 156). Utilizando-se de tarefas e problemas abertos, pode-se instigar o aluno a descobrir por ele mesmo as diferentes nuances e teoremas que envolvem a geometria. Não há necessidade de explicar ou demonstrar os teoremas para que os alunos os compreendam - pode-se pedir que explorem possibilidades e assim encontrem suas próprias definições e generalizações. Em efeito, o ensino da geometria pode [...]contribuir para concretizar a relação entre situações da realidade e situações matemáticas, desenvolver capacidades, tais como a visualização espacial e uso de diferentes formas de representação, evidenciar conexões matemáticas e ilustrar aspectos interessantes da história e da evolução da Matemática (PONTE; BROCARDO; OLIVEIRA, 2009, p. 71). 26 Segundo os autores, as investigações geométricas contribuem para perceber aspectos essenciais da atividade matemática, tais como a formulação e o teste de conjecturas, procurando demonstrar generalizações. Tal contribuição se torna importante quando se depara com as palavras de Pavanelo (2004, p. 129) que argumenta: [...] no mundo moderno, a imagem é extremamente utilizada como instrumento de informação, o que torna indispensável a capacidade de observar o espaço tridimensional e de se elaborar modos de se comunicar a respeito do mesmo. Esta fala potencializa ainda mais as atividades de Investigação no que diz respeito à utilização da geometria, pois a mesma possibilita a visualização e a imagem. Tais atividades podem estimular o aluno a se expressar e a defender suas descobertas. O Plano de Desenvolvimento da Educação (PDE) e os Parâmetros Curriculares Nacionais (PCNs) também fazem referência aos conteúdos geométricos. Nestes são apresentados quatro grandes temas na área da matemática que servem como base aos currículos pedagógicos e as avaliações externas como Prova Brasil e Saeb (Sistema de Avaliação da Educação Básica). Cada tema apresenta descritores que indicam as habilidades e competências de Matemática a serem desenvolvidas pelos alunos em cada nível de escolaridade. Esses descritores são agrupados por temas que relacionam um conjunto de objetivos educacionais. Os temas são: - Tema 1 - Espaço e Forma - Tema 2 - Grandezas e Medidas - Tema 3 - Números e Operações/Álgebra e Funções - Tema 4 - Tratamento da Informação Como se pode perceber, dois dos quatro temas propostos contemplam conteúdos referentes à geometria. Segundo o PDE (BRASIL, 2008), o tema “espaço e forma” expressa um elemento necessário para a formação do aluno, para a compreensão do espaço com suas dimensões e formas de constituição. Consta nos PCNs (1998) que os conceitos geométricos constituem parte importante do currículo 27 de Matemática e que, por meio deles, o aluno desenvolve um tipo especial de pensamento que lhe permite compreender, descrever e representar, de forma organizada e concisa, o mundo em que vive. O trabalho com noções geométricas também contribui para a aprendizagem de números e medidas, estimulando a criança a observar, perceber semelhanças, diferenças e identificar regularidades. Ainda para os PCNs, o trabalho com espaço e forma pressupõe que o professor de Matemática explore situação onde são necessárias construções geométricas para visualização e aplicação de propriedades de figuras. Este bloco de conteúdos contempla não apenas o estudo das formas, mas também as noções relativas à posição, localização de figuras e deslocamentos no plano e sistemas de coordenadas. [...] Além disso, é fundamental que os estudos do espaço e forma sejam explorados a partir de objetos do mundo físico, de obras de arte, pinturas, desenhos, esculturas e artesanato, de modo que permita ao aluno estabelecer conexões entre a Matemática e outras áreas do conhecimento (BRASIL, 1998, p. 51). Em relação ao tema “grandezas e medidas”, o PDE explicita que os alunos devem reconhecer as diferentes situações e aplicações das grandezas físicas para identificar o que significa a medida e quais são seus atributos. Na comparação de grandezas de mesma natureza e cálculos de estimativa, considera a velocidade, o tempo e a massa como exemplos de grandezas. Segundo este tema, espera-se que os alunos tenham a compreensão das medidas convencionais para cálculo de perímetro, áreas, valores monetários e trocas de moedas e cédulas. Nos PCNs este tema tem uma forte relevância social por ser de caráter prático e pela possibilidade de variadas conexões com outras áreas do conhecimento. Assim: Na vida em sociedade, as grandezas e as medidas estão presentes em quase todas as atividades realizadas. Desse modo, desempenham papel importante no currículo, pois mostram claramente ao aluno a utilidade do conhecimento matemático no cotidiano. As atividades em que as noções de grandezas e medidas são exploradas proporcionam melhor compreensão de conceitos relativos ao espaço e às formas. São contextos muito ricos para o trabalho com os significados dos números e das operações, da idéia de proporcionalidade e um campo fértil para uma abordagem histórica (BRASIL, 1998, p. 52). Como se pode perceber, ambos os documentos corroboram para um ensino que contenha propostas práticas e voltadas para o cotidiano, trazendo a geometria como um meio. Cada um dos temas - Espaço e Forma; Grandezas e Medidas – traz 28 ainda descritores que detalham as habilidades e competências que os alunos devem adquirir ao longo do Ensino Fundamental, sendo estas diferentes para cada ciclo de ensino, conforme Quadro 4. Quadro 4 – Descritores do 5º e 9º anos dos temas Espaço e Forma e Grandezas e Medidas Descritores 5º ano Descritores 9º ano Espaço e forma Espaço e forma - Identificar a localização e movimentação de objeto em mapas, croquis e outras representações gráficas; - Identificar propriedades comuns e diferenças entre poliedros e corpos redondos, relacionando figuras tridimensionais com suas planificações; - Identificar propriedades comuns e diferenças entre figuras bidimensionais pelo número de lados, pelos tipos de ângulos; - Identificar quadriláteros observando as posições relativas entre seus lados (paralelos, concorrentes, perpendiculares); - Reconhecer a conservação ou modificação de medidas dos lados, do perímetro, da área em ampliação e/ou redução de figuras poligonais usando malhas quadriculadas. - Identificar a localização e movimentação de objeto em mapas, croquis e outras representações gráficas; - Identificar propriedades comuns e diferenças entre figuras bidimensionais e tridimensionais, relacionando-as com suas planificações; - Identificar propriedades de triângulos pela comparação de medidas de lados e ângulos; - Identificar relação entre quadriláteros por meio de suas propriedades; - Reconhecer a conservação ou modificação de medidas dos lados, do perímetro, da área em ampliação e/ou redução de figuras poligonais usando malhas quadriculadas; - Reconhecer ângulos como mudança de direção ou giros, identificando ângulos retos e não retos; - Reconhecer que as imagens de uma figura construída por uma transformação homotética são semelhantes, identificando propriedades e/ou medidas que se modificam ou não se alteram; - Resolver problema utilizando a propriedade dos polígonos (soma de seus ângulos internos, número de diagonais, cálculo da medida de cada ângulo interno nos polígonos regulares); - Interpretar informações apresentadas por meio de coordenadas cartesianas; - Utilizar relações métricas do triângulo retângulo para resolver problemas significativos; - Reconhecer círculo e circunferência, seus elementos e algumas de suas relações. (Continua...) 29 (Continuação) Grandezas e medidas Grandezas e medidas - Estimar a medida de grandezas utilizando unidades de medida convencionais ou não; - Resolver problemas significativos utilizando unidades de medida padronizadas como km/m/cm/mm, kg/g/mg, l/ml; - Estabelecer relações entre unidades de medida de tempo; - Estabelecer relações entre o horário de início e término e/ou o intervalo da duração de um evento ou acontecimento; - Num problema, estabelecer trocas entre cédulas e moedas do sistema monetário brasileiro em função de seus valores; - Resolver problema envolvendo o cálculo do perímetro de figuras planas, desenhadas em malhas quadriculadas; - Resolver problema envolvendo o cálculo ou a estimativa de áreas de figuras planas, desenhadas em malhas quadriculadas. - Resolver problema envolvendo o cálculo de perímetro de figuras planas; - Resolver problema envolvendo o cálculo de área de figuras planas; - Resolver problema envolvendo noções de volume; - Resolver problema envolvendo relações entre diferentes unidades de medida. Fonte: http://portal.mec.gov.br/ Neste quadro podemos perceber a gama de habilidades e competências a serem trabalhadas e desenvolvidas no contexto de sala de aula com o tema geometria, sendo muitas delas de uso prático no cotidiano das pessoas. Na sequência, relato o resumo de algumas dissertações de mestrado que estão disponíveis no Brasil e que vinculam investigação matemática no Ensino Fundamental. 2.4 Alguns estudos efetivados sobre investigação matemática em dissertações Nesta seção apresentarei a revisão bibliográfica realizada sobre alguns estudos com foco em investigação matemática. Consultaram-se dissertações e teses encontradas no portal da CAPES (Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior) que fazem referência a pesquisas que utilizaram investigação matemática com alunos do Ensino Fundamental. Para realizar esta pesquisa, utilizei as expressões “investigação matemática” e “ensino fundamental”. Encontrei 236 registros, mas nem todos os resultados incluíam ambos os termos necessitando uma 30 análise mais detalhada considerando-se o teor do título e, subsequentemente, a leitura do resumo. Após esta análise, selecionei cinco (QUADRO 5) que vinham ao encontro do que esta pesquisa se propunha a fazer. Quadro 5 – Relação das dissertações escolhidas Autor Ano Título Mari Emilia dos Santos Calhau 2007 Investigação em sala de aula: uma proposta de atividades em salas de aula do ensino fundamental Maria das Graças dos Santos Abreu 2008 Uma investigação sobre a prática pedagógica: refletindo sobre a investigação nas aulas de matemática Luciane de Fatima Bertini 2009 Compartilhando conhecimentos no ensino de matemática nas séries iniciais: uma professora no contexto de tarefas investigativas Marlova Elizabete Balke 2011 Investigação Matemática: Tratamento da Informação no Ensino Fundamental Maria Gorete Nascimento Brum 2012 Atividades investigativas para o ensino de matemática para alunos de 5ª série do Ensino Fundamental Fonte: Da autora. Calhau (2007) realizou seu trabalho de mestrado com o tema “Investigação em sala de aula: uma proposta de atividade em salas de aula do ensino fundamental”. A autora teve o propósito de trazer contribuições à pesquisa referente à aprendizagem dos alunos, por meio da utilização de tarefas de investigação. Para tanto, construiu critérios para a elaboração e aplicação de atividades que viabilizassem o tema em sala de aula. Em sua pesquisa buscou examinar três questões: i) Que atitudes manifestam os alunos perante tarefas de investigação? ii) Qual o papel do professor em atividades de investigação? iii) Que dificuldades de ensino e/ou aprendizagem podem encontrar em uma metodologia centrada na investigação? Para isso ela elaborou cinco tarefas centradas na investigação, as quais foram exploradas com alunos de 8ª série do Ensino Fundamental. A pesquisa apoiou-se nos pressupostos referentes à investigação em sala de aula definidos por Ponte, Brocardo e Oliveira 31 (2009), ideias trazidas nos PCN(s), assim como as contribuições de alguns pensadores. O percurso do trabalho foi embasado numa abordagem qualitativa, compreendendo essa como a mais compatível com a proposição a ser investida. Calhau (2007) concluiu, com sua pesquisa, que, apesar de, inicialmente, a maioria dos alunos da turma demonstrar insegurança na capacidade para explorar as tarefas de investigação, os resultados foram satisfatórios, sendo constatado o entusiasmo, o empenho e o progresso dos alunos durante a resolução das tarefas nas aulas. A pesquisa, junto com os dados coletados, mostrou a importância de trabalhar com situações em que os alunos possam elaborar estratégias, descobrir e buscar validar soluções, formular conjecturas de seu interesse. E, assim, construir aprendizagens mais significativas, além de desenvolver atitudes mais positivas frente à resolução de problemas na vida real. Segundo Calhau (2007), outro ponto positivo que justifica a introdução das investigações na aula de Matemática diz respeito ao ambiente de aprendizagem, ou seja, as investigações ajudam a estabelecer um ambiente vivo, em que os alunos participam ativamente. Para a autora, o trabalho teve o intuito de contribuir, no sentido de mostrar um caminho alternativo para o ensino, o qual possibilita entusiasmar os alunos para o estudo da matemática, e ajudá-los na busca de uma compreensão maior e melhor no mundo em que vivem, desenvolvendo o raciocínio lógico e o modo de pensar. Abreu (2008), com a pesquisa de mestrado “Uma investigação sobre a prática pedagógica: refletindo sobre a investigação nas aulas de matemática”, realizou um trabalho com alunos do 5º ano a 8ª série do Ensino Fundamental. O estudo tratou de uma investigação que buscou compreender as transformações ocorridas na prática pedagógica, num contexto de realização de tarefas exploratório-investigativas nas aulas de matemática. Estas tarefas foram propostas de trabalho em que os alunos exploraram uma situação aberta, procurando regularidades, formulando problemas, criando conjecturas, argumentando e comunicando oralmente ou por escrito as suas conclusões. O estudo foi realizado a partir de: registros-escritos dos alunos, colhidos em 32 diferentes momentos da trajetória profissional; registros escritos da professora- investigadora, colhidos de forma de narrativa, que serviam como diário de campo; registros em áudio de dois grupos de trabalho e de uma aula de socialização dos resultados. De acordo com a autora, a opção foi pela metodologia qualitativa, pois teve como objetivo “conhecer em profundidade” o seu “como” e os seus “por quês”. Os resultados, segundo a investigadora, apontaram para a importância da pesquisa do professor sobre a sua própria prática, que, neste movimento de investigar a sua atuação em sala de aula, acaba por pensar o seu próprio mundo, investigando-se, conhecendo-se, colocando-se com os alunos. E, assim, refletindo e revendo os saberes já adquiridos, transformando-os em novos saberes e produzindo novos conhecimentos para si e para outros professores de matemática. Segundo Abreu (2008), ficou evidenciado por meio da análise efetivada, que este modelo de trabalho permitiu uma nova relação com o conhecimento, entre professor e aluno, professor e o conhecimento matemático, pois a discussão, a troca e a socialização possibilitaram a produção de novos saberes tanto para professor quanto para aluno. Os alunos se sentiram mais motivados a trabalharem em grupo, sentiram menos medo de errar, passando a aprender que o erro faz parte do aprendizado. O trabalho, para a autora, ocorreu de forma incompleta diante de todas as perspectivas iniciais, devido à insuficiência do tempo para a sua realização, a dificuldade do trabalho em sala de aula como professora e pesquisadora, a preocupação em construir a documentação para registro e ao distanciamento necessário para sua análise. Contudo, Abreu (2008) acredita que o mesmo trará contribuições aos estudos já iniciados. Bertini (2009), em sua dissertação de mestrado “Compartilhando conhecimentos no ensino de matemática nas séries iniciais: uma professora no contexto de tarefas investigativas”, procurou pesquisar quais as potencialidades e as limitações do uso de tarefas investigativas no ensino de matemática nas séries iniciais do Ensino Fundamental a partir das ações e das reflexões de uma professora. Analisou de que forma as ações da docente tiveram influência nessas questões e identificou mudanças ocorridas na prática pedagógica e na dinâmica de 33 sala de aula, decorrentes do uso das tarefas investigativas. Segundo a autora, as tarefas têm um caráter desafiador, muito diferente das questões matemáticas que usualmente são trabalhadas, pois as respostas não estão prontas, não há um resultado fechado e tudo isso possibilita que as crianças busquem respostas e sintam prazer em encontrá-las. Nesta visão, o fato das tarefas não apresentarem resultados fechados, propicia um aumento de repertório das crianças na busca das „soluções‟, ficando mais fácil a percepção de que as respostas podem ser diferentes, além do que, também passam a notar que as variáveis são determinantes para as mudanças das respostas. A investigação matemática, de acordo com Bertini (2009), propicia uma forma ampla, complexa de pensamento que deve ser desenvolvida nos estudantes. Os referenciais teóricos que embasaram seu trabalho dizem respeito a estudos sobre as tarefas investigativas centradas em Ernest (1996), Ponte (2005) e Skovsmose (2008). Além de que o cenário de mudança proposto ao professor, quando utiliza uma nova metodologia, envolvendo questões de medo e insegurança, apontando a reflexão e a parceria com demais envolvidos como forma de superá- las, baseada em Freire (2002) e Penteado e Skovsmose (2008). A autora concluiu que as tarefas investigativas podem apresentar-se como potencialidades nos diferentes níveis de ensino. Para a pesquisadora, utilizar estas tarefas contribui não só para o aprendizado de matemática, mas também para o desenvolvimento de atitudes como autonomia e respeito ao outro. Já as dificuldades e limitações observadas foram superadas ou minimizadas, por meio da atitude reflexiva da professora e do trabalho em parceria e compartilhado com a pesquisadora. Segundo o estudo, se a estrutura escolar de ensino tradicional não estiver aberta a propostas inovadoras, por mais sucesso que esta proposta possa trazer, ela ficará restrita. Balke (2011), em sua pesquisa de mestrado intitulada “Investigação matemática: tratamento da informação no ensino fundamental”, se propôs a investigar em que medida a metodologia de investigação matemática potencializa a apropriação de significado dos conceitos, que compõem o bloco de conteúdos de tratamento de informação, com uma turma de 8ª série. Ela destacou alguns estudos 34 de Lopes (1998), Buehring (2006) e os PCNs, que indicam que esse conteúdo raramente é trabalho na escola, mas é necessário e importante para a educação básica e para a vida das pessoas. A autora utilizou uma metodologia baseada em uma abordagem qualitativa. Segundo a pesquisadora, o desenvolvimento das atividades de investigação matemática possibilitou um ensino contextualizado, além de interações que contribuíram e potencializaram a apropriação dos conceitos de tratamento da informação, em que o aluno efetivou seu aprendizado, demonstrando interesse em sala de aula. Ademais, a investigadora pôde refletir a respeito de sua prática, para uma mudança de postura na gestão das aulas. Brum (2012) pesquisou as contribuições da utilização de atividades de cunho investigativo, na exploração de padrões e regularidades em sequências numéricas e geométricas, procurando com isso facilitar a aprendizagem dos alunos. Sua dissertação intitulada “Atividades investigativas para o ensino de matemática de 5ª série do Ensino Fundamental” foi desenvolvida com alunos de 5ª série do Ensino Fundamental. Os dados da pesquisa, de cunho qualitativo, foram obtidos da ação direta do professor na sala de aula com os alunos, por meio da observação e dos registros no seu diário de campo, além da análise dos trabalhos dos alunos e de suas apresentações ao grande grupo. Esta, segundo a autora, teve como objetivos explorar o conceito de padrões, reconhecer e descrever padrões, continuar o desenho da sequência, generalizar, explorar a noção e propriedade dos números pares, ímpares e múltiplos, bem como a potenciação de números naturais e trabalhar o conceito de área e perímetro de figuras planas. Apenas alguns destes objetivos foram parcialmente atingidos. A autora concluiu que as atividades investigativas, trabalhadas com os alunos de 5ª série, propiciaram o aumento de interesse e motivação na realização das atividades propostas em sala de aula. Já a autora Reginaldo (2012) procurou compreender como se desenvolve a argumentação matemática em estudantes do 9º ano, através de atividades de investigação matemática. Sua dissertação de mestrado acadêmico, “Argumentação em atividades investigativas na sala de aula de matemática”, analisou uma 35 sequência de quatro atividades que foram realizadas com três turmas de 9º ano do Ensino Fundamental. De acordo com a autora, as intervenções apoiaram-se nos referenciais teóricos sobre argumentação (BOAVIDA, 2005), investigações na aula de Matemática (PONTE; BROCARDO; OLIVEIRA, 2009) e nas experiências vivenciadas com esse tipo de atividade, como professora de matemática. Para realizar esta pesquisa, a autora utilizou uma abordagem metodológica qualitativa. Os instrumentos de coleta de dados foram: observação participante, escritos em caderno de campo, gravações em áudio e vídeo e relatórios produzidos pelos alunos. Segundo Reginaldo (2012), os resultados apontam que os estudantes da escola básica são capazes de argumentar nas aulas de Matemática de diversas formas: refutar por meio de contraexemplo, provar com o uso de um recurso não discursivo, demonstrar, dentre outras. Para a autora é possível desencadear e desenvolver a argumentação matemática dos alunos por meio da realização de intervenções, como, por exemplo, apresentar a eles as formas de argumentação. A falta de tempo, de domínio da linguagem algébrica, dentre outros, se configuraram, para a pesquisadora, como obstáculos para a argumentação dos alunos, mas estes podem ser contornados. Resumindo, pode-se perceber que as pesquisas realizadas, que utilizam a metodologia de investigação matemática, têm como base a pesquisa qualitativa. Quase todos os estudos realizados procuraram averiguar as potencialidades e limitações desta metodologia, bem como instigar nos alunos o interesse e a motivação no aprender. Para alguns autores, as tarefas de investigação trazem mais autonomia aos estudantes, fazendo com que os mesmos desenvolvam sua capacidade intelectual. As questões de investigação matemática proporcionam a socialização das conjecturas. Os alunos devem apresentar, ao grande grupo, suas descobertas, fazendo com que desenvolvam a eloquência e percam o medo de se apresentar. Outro fator encontrado nestas pesquisas é o papel fundamental do professor, que, ao tentar novas metodologias, modifica sua prática e sua postura em sala de aula, 36 saindo de sua área de conforto e inovando em sala de aula. No próximo capítulo apresento os procedimentos metodológicos, o tipo de pesquisa, os sujeitos com quem foi realizada a investigação, bem como os objetivos das atividades que foram desenvolvidas durante a investigação pedagógica. 37 3 PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS O trabalho foi desenvolvido tendo como base metodológica a pesquisa qualitativa envolvendo alunos do 5º ano e 9º ano de duas escolas públicas do Vale do Taquari que fazem parte da pesquisa do Observatório da Educação intitulado “Estratégias Metodológicas visando à Inovação e Reorganização Curricular no Campo da Educação Matemática no Ensino Fundamental”. Pesquisa qualitativa, de acordo com Moreira (2011), é aquela preocupada com os fenômenos sociais, tendo o ambiente natural como sua fonte direta de dados e o pesquisador como seu principal instrumento. Segundo Moreira (2011, p. 58), na pesquisa qualitativa “o pesquisador procura um entendimento interpretativo de uma realidade socialmente construída na qual ele está imerso.” Uma das abordagens da pesquisa qualitativa é o estudo de caso, o qual foi adotado nesta pesquisa. Segundo Ludke e André (1986), os estudos de caso enfatizam a interpretação em um contexto para compreender melhor a manifestação geral de um problema, as ações, percepções, comportamentos e interações do sujeito que devem ser relacionados à situação específica onde ocorrem, ou a problemáticas determinadas a que estão ligadas. Para Yin (2010), o método estudo de caso permite que os pesquisadores preservem características como o comportamento de pequenos grupos ao lidar com determinada situação. Conforme Yin (2010, p. 32), “o estudo de caso é preferido no exame dos eventos contemporâneos, mas quando os comportamentos relevantes não podem ser manipulados.” Nesta pesquisa optou-se por este método, pois se encaixa nas 38 três condições relacionadas com o estudo de caso segundo Yin, que seriam: a forma de questão de pesquisa ao enfatizar o “como” acontece; por não exigir controle dos eventos comportamentais e por enfocar eventos contemporâneos. O autor expressa como técnicas de pesquisa a observação direta dos eventos que estão sendo estudados, além da observação participante, em que pode ocorrer a manipulação informal. Em efeito: a observação participante é uma modalidade especial de observação na qual você não é simplesmente um observador passivo. Em vez disso, você pode assumir vários papéis na situação de estudo de caso e participar realmente nos eventos sendo estudados (YIN, 2010, p. 138). Estando de acordo com os autores citados, participei ativamente, orientando as atividades propostas para as turmas das duas escolas, as quais passarei a descrever e sintetizar no Quadro 6. Uma das escolas é estadual e conta com 295 alunos entre o 1º ano do Ensino Fundamental e o 3º Ano do Ensino Médio. Este educandário é o único a acolher estudantes para o ensino fundamental e médio do município, recebendo também alunos de outras escolas da região, prestando atendimento em três turnos. As famílias que compõem a comunidade escolar possuem, entre seus membros, operários, trabalhadores liberais, ou agricultores (moradores da área rural do município). A segunda escola, da rede municipal de ensino, conta com 297 alunos entre 1º ano e 9º ano. Nesta escola a maioria das famílias obtém seu sustento trabalhando na indústria ou em serviços, como o de diaristas. O nível escolar dos pais é Ensino Fundamental ou Médio, sendo que participam pouco da vida escolar de seus filhos e, geralmente, só comparecem quando chamados (convocados). A escola também participa do Projeto Mais Educação para os alunos do 1º ao 5º ano, que permanecem o dia todo na escola. Quadro 6 – Contexto da pesquisa Rede Municipal Estadual Nº alunos 5º ano 17 26 Nº alunos 9º ano 19 18 Totalizando 80 alunos Fonte: Da autora. 39 Inicialmente, encaminhei para os responsáveis pelos alunos, de ambas as escolas, um termo de consentimento livre e esclarecido (Apêndice A), onde expus a pesquisa e o envolvimento dos estudantes na investigação, solicitando, também a autorização de uso de imagem e voz. A proposta de intervenção pedagógica desenvolvida constituiu-se de cinco atividades que foram desenvolvidas em cinco encontros de dois a três períodos cada. Cada uma das atividades foi explorada nas duas turmas de 5º ano e nas duas turmas do 9º ano das escolas citadas. Cabe destacar que as atividades exploradas foram iguais em ambos os níveis de escolaridade – 5º ano e 9º ano – para averiguar que matemáticas são utilizadas pelos alunos, em diferentes graus de escolaridade, quando criam e justificam conjecturas em atividades envolvendo geometria. Todas as tarefas de investigação, uma por encontro, foram realizadas em grupos de três a quatro alunos, numa tentativa de proporcionar momentos de socialização de aprendizagem e troca de saberes. Os alunos deviam explorar as atividades, seguindo as orientações dos enunciados e formulando suas próprias conclusões. Cada grupo formulou, em cada atividade, conjecturas, relatando as mesmas por escrito. Estas foram testadas e reformuladas, quando necessário. Por fim, os alunos escreveram e argumentaram suas hipóteses e, posteriormente, foram socializadas as descobertas em grande grupo. As atividades selecionadas (Apêndice B) são adaptações de diferentes fontes e tinham o intuito de desenvolver habilidades de trabalho em grupo, de cooperação e da escrita matemática, pois acredito que estes também são fatores importantes no desenvolvimento dos alunos. Portanto, todas as atividades foram realizadas em pequenos grupos e socializadas em grande grupo. Cabe salientar que a escrita das conjecturas e das conclusões foi permanente durante a exploração das atividades. O interesse central dessa pesquisa estava na interpretação atribuída pelos diferentes sujeitos – 5º ano e 9º ano - nas atividades de investigação matemática envolvendo o tema geometria. Para tanto, foram realizadas observações participativas, filmagens e diário de campo tanto da pesquisadora quanto dos próprios alunos. Cada aluno recebeu um caderno no primeiro encontro, que serviu para 40 realização das atividades e como diário de campo, sendo que os mesmos deveriam escrever suas percepções em relação às atividades e à metodologia empregada. Do mesmo modo, eu tinha um diário de campo em que colocava minhas percepções como professora e pesquisadora, referente à evolução e andamento da pesquisa. As filmagens foram realizadas durante a discussão final de cada atividade, sendo posteriormente transcritas. Nelas percebi que os alunos acabam fazendo novas descobertas e apresentando explicações mais detalhadas oralmente do que ao escreverem em seus diários de campo. Depois de desenvolvidas as atividades e recolhido o material, realizei a análise dos dados obtidos que foi efetivada seguindo os pressupostos da análise de conteúdo. Para Morais (1999, p. 9), essa forma de análise se constitui em uma metodologia de pesquisa usada para descrever e “interpretar conteúdo em textos e documentos ajudando a reinterpretar as mensagens e a atingir uma compreensão de seus significados num nível que vai além da leitura comum”. Segundo o autor, numa abordagem qualitativa, a construção dos objetivos, em parte, pode ocorrer durante o processo, assim como as categorias poderão surgir ao longo da pesquisa. Laswell (apud MORAIS, 1999) coloca historicamente seis categorias originais: 1) Quem fala? 2) Para dizer o quê? 3) A quem? 4) De que modo? 5) Com que finalidade? 6) Com que resultados? Sendo que esta pesquisa em particular se limitará a averiguar o conteúdo no que diz respeito à segunda e à quarta questão. Segundo Morais (1999), na segunda questão o estudo se direciona aos argumentos e ideias expressas na mensagem, constituindo uma análise temática. Já a quarta questão analisa como a comunicação se processa, seus códigos, estilo e estrutura linguística. Ainda de acordo com o autor, a análise se dá em cinco etapas (MORAIS, 1999, p. 15): preparação das informações; unitarização ou transformação do conteúdo em unidades; categorização ou classificação das unidades em categorias; 41 descrição; interpretação. Inicialmente organizei as informações por ano e por atividade, fazendo um levantamento geral das conjecturas que os alunos abordaram no diário de campo e das discussões filmadas e transcritas, fazendo uma separação inicial dos pontos mais relevantes. Após, para cada atividade apontei as principais diferenças e semelhanças observadas durante a análise dos dados, comparando, em quadros, o que/como cada nível de ensino abordava determinado assunto. Por fim, criei categorias voltadas para os principais pontos emergentes da pesquisa e que eram visíveis durante a prática pedagógica desenvolvida. No próximo capitulo encontram-se a intervenção pedagógica, as respostas dos alunos, separadas por atividade desenvolvida, bem como a análise das mesmas, imbricada com referencial teórico. 42 4 INTERVENÇÃO PEDAGÓGICA E ANÁLISE DAS ATIVIDADES Neste capítulo será detalhada a intervenção pedagógica, separada por atividade/encontro, e será desenvolvida a análise dos resultados, expondo as ideias e colocações dos alunos ao realizarem cada atividade. As respostas não estão separadas por escolas, pois não era minha intenção compará-las, e sim, verificar as respostas por nível de escolaridade. No primeiro encontro cada aluno recebeu um caderno, que serviu como diário de campo, onde as atividades de investigação foram desenvolvidas. Posteriormente os mesmos foram recolhidos e serviram como instrumento de coleta de dados, pois, a partir dos diários, foram analisadas as ideias e respostas dos alunos, além dos conteúdos matemáticos utilizados para testar e resolver as tarefas de investigação. Concomitante, no primeiro encontro explicou-se oralmente para os alunos o que são atividades de investigação, como elas funcionavam e o que era esperado na resolução das questões. Em princípio, questões investigativas não deveriam ser colocadas explicitamente. Nesta visão, os alunos necessitam tomar a iniciativa para levantarem suas próprias questões. Mas, pode-se corroborar com Fonseca e Abrantes (1999, p. 3) que comentam: [...] na prática, o professor tem de gerir uma situação onde há uma tensão entre tarefas demasiadamente estruturadas (as quais podem impedir os alunos de fazer as suas próprias explorações) e problemas muito abertos (os quais podem levar o aluno a não fazer nada ou apenas a uma exploração muito pobre). A decisão depende de vários factores, nomeadamente, da experiência prévia dos alunos com investigações matemáticas. Em relação ao trabalho aqui apresentado, os alunos não haviam tido contato 43 com este tipo de tarefa, daí a opção por tarefas mais direcionadas e que trouxessem questionamentos com o propósito de instigar os alunos. Destaco que, apesar disto, as mesmas possibilitavam ainda novos questionamentos a partir dos quais o aluno poderia, a qualquer momento, levantar conjecturas que fossem do seu interesse. Após as explicações iniciais, a primeira atividade foi apresentada. No caso do 5º ano, fez-se uma leitura conjunta da atividade, pois, segundo Ponte, Brocardo e Oliveira (2009, p. 26) “no caso de alunos mais novos, a leitura conjunta do enunciado poderá ser imprescindível para a sua compreensão, nem que seja somente para esclarecer certos termos com que não estão familiarizados”. Nas próximas sessões apresento detalhadamente a descrição do que ocorreu em cada atividade, expressando o objetivo inicial desta e a atividade em sua plenitude. Em seguida exponho apontamentos oriundos dos diários de campo e das discussões, seguido das minhas percepções a cerca das mesmas e finalizo com um quadro comparativo de semelhanças e diferenças referente a alguns pontos comuns entre o 5º e 9º anos. 4.1 Descrição dos dados emergentes da atividade 1 A atividade 1 consistiu na investigação da relação entre perímetro e área de figuras planas. O intuito foi trabalhar a relação da área de figuras planas com seu formato, evidenciando que figuras que possuem o mesmo valor para o perímetro podem ter valores diferentes de áreas. Objetivei ainda, com essa atividade, que o aluno descobrisse qual era a figura plana que tinha maior área, com a mesma medida de contorno. Assim, entreguei para os alunos o enunciado que segue: Atividade 1: Investigando área e perímetro Um pedreiro quer construir uma casa e tem material suficiente para construir as paredes do contorno da casa. Descubra qual deverá ser o formato da casa para que a mesma tenha a maior área possível. Material necessário: barbante, papel quadriculado. Procedimento: corte um pedaço de barbante com 32 unidades de comprimento. Com a ajuda do barbante, desenhe no papel quadriculado: - 1 quadrado - 2 retângulos com formatos diferentes - 1 círculo - 1 triângulo 44 - 1 figura diferente das anteriores Calcule a área de cada figura construída, contando o número de quadradinhos inseridos em cada figura. O número de quadradinhos de cada figura equivale ao valor da área. Complete a tabela: Figura Área Quadrado Retângulo 1 Retângulo 2 Triângulo Círculo Figura qualquer Responda: Que figura tem a maior área? Que figura tem a menor área? Qual o retângulo que tem a maior área? Observando as figuras e suas áreas, que outras conclusões você pode tirar em relação ao formato da figura necessário para se obter a maior área? Que figura você escolheria para a base de sua casa? Por quê? Fonte: Adaptado de ZASLAVSK, 1989. Na turma do 5º ano foram definidos conceitos de área e perímetro. Também foram questionados quanto ao formato das figuras apresentadas na atividade, procurando averiguar se eles conheciam as mesmas. Já no 9º ano, esta explanação inicial de conceitos foi realizada no sentido de recordá-los, tendo em vista que os mesmos já trabalharam tais conceitos de figuras geométricas planas. A seguir apresento algumas respostas aos questionamentos, descritos no diário de campo dos alunos: Que figura tem a maior área? A maioria dos alunos, tanto do 9º ano quanto do 5º ano, indicou o círculo. Observei que as respostas diferentes para esta questão ocorreram pela falta de cuidado ao construir as figuras com o barbante no papel quadriculado. O círculo foi a figura que os alunos mais tiveram dificuldades para desenhar e exigiu muita paciência dos mesmos , sendo que alguns , que queriam terminar logo, não tiveram o devido cuidado ao desenhá-lo. Que figura tem a menor área? Nesta questão apareceu uma gama de respostas, pois, dependendo de como os alunos construíram os retângulos, ou seja, das dimensões usadas, surgiam 45 imagens com áreas menores. Ao construírem retângulos com as dimensões 9x7, eles obtinham 63 unidades quadradas de área e, ao construírem 12x4, obtinham a área igual a 48, o que dava bastante diferença. Qual o retângulo que tem a maior área? Nesta questão percebi que todos responderam justamente o retângulo que mais se aproximava do formato de um quadrado. Assim, o retângulo com a maior área encontrado tinha as dimensões 9 quadradinhos por 7 quadradinhos, quando este havia sido desenhado. Observando as figuras e suas áreas, que outras conclusões você pode tirar em relação ao formato da figura necessário para se obter a maior área? A maioria dos alunos respondeu o círculo. Comentaram que este fato ocorria porque não tinha pontas e sua forma era arredondada. Mas houve alunos que obtiveram outras respostas, sendo que as mesmas ocorreram por erros de contagem da área ou por figuras mal desenhadas. Este fato ocorreu com mais frequência na turma do 5º ano. Algumas respostas que os alunos escreveram nos diários de campo: o aluno A173 “o círculo tem a maior área porque seu formato é diferente”; o A8 colocou “quanto mais redondo maior vai ser [a área]”. Nestas duas colocações queriam expressar que o círculo, ao contrário das demais figuras construídas, não tinha pontas e, por isso, era uma figura diferente e sua área era maior que as demais. Que figura você escolheria para a base de sua casa? Por quê? Nesta questão apareceram basicamente duas respostas: o quadrado e o retângulo. A3 escreveu “quadrado, porque ele tem os lados iguais e dá menos trabalho”. A última parte da resposta deve-se ao trabalho de construir as paredes de uma casa de base quadrada ou de uma casa de base redonda. De acordo com as 3 Irei utilizar A1, A2, ...para nomear os alunos do 5º ano e B1, B2... para nomear os alunos do 9º ano, quando utilizar depoimentos e respostas escritas nos diários de campo dos mesmos, com o objetivo de preservar o anonimato dos mesmos. 46 respostas, posso inferir que as justificativas para a construção de casas quadradas estavam relacionadas ao comodismo que existe atualmente. A maior parte dos projetos arquitetônicos atuais, bem como dos materiais e móveis são projetados em formatos retangulares, o que tornaria difícil e com um maior custo financeiro fazer diferente. Os alunos alegaram que na nossa volta todas as casas são quadradas ou retangulares, como coloca A16: “escolheria o retângulo para ser a base da minha casa, por que geralmente as casas são retangulares.” Após cada grupo desenvolver a atividade e escrever seus apontamentos e conclusões, foi iniciada a socialização destas em grande grupo. Então, os alunos colocaram suas conjecturas, explicaram como acharam as mesmas e trocaram ideias com os demais colegas da classe. Este debate, inicialmente, foi lento, pois os alunos falavam pouco e eram bastante diretos em suas justificativas. Tive que fazer vários questionamentos para que as discussões fluíssem. A partir do momento em que começaram a contribuir mais, o debate se tornou enriquecedor, com os alunos levantando diversas conjecturas que os grupos não haviam descoberto.. Ao colocar no quadro alguns dados, os discentes acabavam percebendo e apontando novas conjecturas. Seguem algumas hipóteses dos alunos que surgiram durante as discussões. No 9º ano: - Uma das observações realizadas pelos alunos diz respeito à área dos retângulos e sua relação com o formato. Os alunos perceberam que, quanto mais próximas forem as medidas dos lados, altura e largura de um retângulo, maior será a sua área. Esta hipótese surgiu, ao colocar, no quadro, todos os retângulos diferentes formados pelos grupos, bem como suas medidas e áreas (FIGURA 1). 47 Figura 1 – Retângulos diferentes encontrados pelos grupos 13 3 Área 39 12 4 Área 48 11 5 Área 55 10 6 Área 60 Fonte: Da autora. - Os alunos chegaram à conclusão de que o círculo tinha a maior área, mas não encontraram uma explicação para isso, limitando-se a dizer que o fato ocorria porque ele era arredondado e não tinha cantos. - Quando questionados quanto ao formato da base da casa, a maioria escolheu o quadrado ou o retângulo, justificando que as casas normalmente têm esses formatos. E quando questionados do por que não fazer a base da casa no formato de um círculo, apenas responderam que as casas não são assim e que seria estranho ter uma casa nesse formato. No 5º ano: - Como alguns alunos do 5º ano tiveram dificuldades em desenhar o círculo, este nem sempre foi a figura com a maior área. Este fato foi contornado, com a professora desafiando os alunos a observarem suas figuras, reparando se as 48 mesmas eram realmente círculos, ou apenas pareciam figuras arredondadas. Ao perceberem que suas figuras não eram realmente círculo, eles aceitaram que a figura que tinha a maior área era esta e passaram a debater o porquê disto. Chegaram à conclusão de que era por que não tinha pontas. - Quando questionados em relação ao formato da base da casa, os alunos do 5º ano tiveram respostas iguais às do 9º ano. A diferença foi no questionamento da possibilidade de uma casa com base redonda. As respostas desses alunos foram diversas. Alguns disseram que não se poderia construir uma casa com a base em formato de círculo, pois os móveis que se encontra nas lojas são basicamente em formatos retos. Uma aluna chegou a comentar que não poderia limpar a casa com o rodo, sendo que este é reto e não alcançaria as paredes. Em ambas as turmas do 5º ano, comentaram que “a casa vai sair rolando”, pois alguns discentes tinham a ideia de que uma casa redonda seria semelhante a uma bola e não imaginavam que apenas a base da casa seria redonda. A seguir, apresento, no Quadro 7, observações por mim efetivadas durante os encontros, a partir da fala dos alunos ao realizarem as atividades, bem como das falas dos diários dos mesmos. Quadro 7 – Semelhanças x Diferenças entre 5º ano e 9º ano na primeira atividade 5º ano 9º ano Quadrado Os alunos tinham o conhecimento de que um quadrado tem os quatro lados iguais, mas, para formá-lo, usaram o método da tentativa e erro. Os alunos tinham a noção de que o quadrado tem quatro lados iguais. Para formá-lo, com um barbante que tinha 32 unidades, bastava dividir por 4. Assim, cada lado deveria ter 8 unidades de comprimento. Retângulo Muitos acabaram fazendo dois retângulos iguais, apenas invertidos, sem perceber que eram idênticos. Foi necessária minha intervenção para que percebessem que a figura era a mesma. Para criar retângulos diferentes, utilizaram tentativas e erro, construindo diversas formas com a medida do barbante. Na hora de fazer um retângulo diferente do primeiro, alguns utilizaram como estratégia o fato de que se aumentar uma unidade de medida em um lado, se deveria diminuir uma unidade para o outro lado. (Continua...) 49 (Continuação) Triângulo Para desenhar o triângulo, muitos alunos, primeiro, tentaram fazer o desenho com lápis. Perceberam que o triângulo não seguiria as linhas do papel quadriculado. Observando os desenhos, foram visualizados triângulos retângulos (com um ângulo de 90º) ou triângulos cujo formato se aproximava de um triângulo equilátero (todos os lados iguais). Para desenhar o triângulo, em muitos casos, os alunos se ajudaram mutuamente. Assim, um aluno segurava as pontas do barbante e o outro dava forma para a figura, marcando com um lápis as pontas. Apenas quatro alunos tentaram desenhar com um lápis, antes de usar o barbante. Quanto ao tipo de triângulo, apesar de predominarem os triângulos equiláteros, houve figuras que fugiram deste padrão. Círculo Apareceram dificuldades em construir o círculo, pois muitos fizeram figuras disformes (FIGURA 2), mas arredondadas, e diziam que era um círculo. Outros acabaram desenhando um círculo colando o barbante direto, sem testar primeiro (FIGURA 3). Isso gerou algumas figuras com sobreposição de barbante. Para construir o círculo, alguns grupos tentaram usar o transferidor. Tiveram mais cuidado para formar a figura do que os alunos do 5º. ano, tentando se aproximar o máximo possível de um círculo. Figura qualquer O que chamou a atenção é que, em ambas as turmas, os alunos construíram figuras disformes como coração, gota, bota... (FIGURA 4). Poucos criaram uma nova figura geométrica conhecida. Área das figuras Apenas dois alunos calcularam a área do quadrado e dos retângulos multiplicando os lados. Os demais fizeram a contagem dos quadradinhos. Tiveram dificuldades para entender o que fazer com os pedaços de quadrados que ficaram aparecendo nas figuras do círculo e do triângulo. Para saber a área do quadrado e dos retângulos, os alunos já calculavam, fazendo lado vezes lado. No triângulo, círculo e demais figuras também contaram os quadradinhos, apesar de comentarem que sabiam a fórmula para calcular a área do triângulo. Grupo O trabalho em grupo em ambos os casos foi promissor. Houve cooperação entre os colegas, apesar de ainda haver alunos mais inseguros ou tímidos que acabavam colaborando pouco com ideias e opiniões. Ocorreram momentos em que os alunos, ao descobrirem algo novo ou diferente, explicavam para os demais colegas do grupo, tentando “provar” sua teoria. Um exemplo dessa situação está na Figura 5. (Continua...) 50 (Continuação) Escrita Esta foi a grande dificuldade dos alunos, pois ocorreram poucos registros escritos das discussões e hipóteses levantadas pelo grupo. Os alunos se limitaram à escrita, mesmo quando incentivados a colocarem no papel suas falas e discussões, alegando que não sabiam como escrever determinada ideia. Fonte: Da autora. Figura 2 – Exemplo de “círculo” confeccionado por alunos do 5º ano Fonte: Da autora. Figura 3 – Círculo com barbante sobreposto Fonte: Da autora. 51 Figura 4 – Exemplos de figura qualquer, turmas de 5º ano e 9º ano Fonte: Da autora. Figura 5 – Um aluno explicando para o colega sua conjectura Fonte: Da autora. Com esta atividade inicial, os alunos tiveram um primeiro contato com esta metodologia, o que causou certo desconforto inicial. Após iniciarem o trabalho prático, percebi que os mesmos foram se soltando e conseguiram desenvolver a atividade. Nesta atividade, os alunos conseguiram explorar a relação da área de figuras planas com seu formato, percebendo que figuras que possuem o mesmo valor para o perímetro podem ter valores diferentes de áreas. E, apesar deles concordarem que o círculo era a figura com maior área, eles não conseguiam explicar a causa desta conclusão. 52 4.2 Descrição dos dados emergentes da atividade 2 A segunda atividade desenvolvida teve como objetivo a investigação da relação entre perímetro e área ao modificar a medida dos lados do quadrado. Atividade 2: Relação entre área e perímetro Utilize a grade a seguir para representar o que se pede e responda às questões, considerando o lado do quadrado A (quadrado escuro) igual a uma unidade: A Duplicando-se a medida de cada lado do quadrado “A”, duplica-se o perímetro? Duplicando-se a medida de cada lado do quadrado “A”, duplica-se a área? O que acontece com o perímetro e com a área do quadrado ao triplicarem-se as medidas dos lados? O que acontece com o perímetro e com a área ao multiplicarmos por quatro as medidas dos lados do quadrado “A”? E ao dividirmos pela metade a medida de seus lados, qual será a área do novo quadrado? O que se pode concluir destas atividades? Fonte: Adaptado de KNIJNIK, BASSO e KLÜSENER, 1996. As dificuldades ocorreram em relação ao entendimento do que estava sendo solicitado no problema, principalmente devido à nomenclatura “duplica-se” e “triplicarem-se”. Na questão em que foi solicitado o que aconteceria se dividíssemos pela metade a medida dos lados do quadrado e qual seria a área, houve muita discussão sobre como poderiam fazer esta divisão. 53 Ao analisar os diários de campo dos alunos foram encontradas respostas curtas e sucintas. Os alunos se limitaram, muitas vezes, a escrever o mínimo necessário para responder às questões. Ao serem questionados quanto o que acontece com o perímetro e a área, ao dividir pela metade a medida de seus lados (quadrado A inicial), apareceram diferentes respostas. - No 5º ano muitos alunos não entenderam esta questão e oito, de um total de 43 alunos, não conseguiram fazê-la. A maioria colocou, como A12:“o perímetro é 2 e a área 0,25”. Outros ainda colocaram, como A19: “A área é a metade da metade: 0,25”. - No 9º ano apareceram respostas como a do B19, mas também surgiram respostas utilizando frações como do B5 que colocou que a área “é um quarto”. Ao serem questionados quanto ao que eles concluíram com esta atividade, os alunos registraram em seu diário de campo escritos semelhantes aos que seguem: 5º Ano: A12 - Que você pode achar a tabuada do 4 no perímetro. A14 - Que os números seguem uma ordem. A21 - Conclui que temos que determinar a área e o perímetro, posso fazer o lado vezes ele mesmo assim saberei o numero da área. 9º Ano: B2 - Aprendemos mais profundamente como se calcula área e perímetro. B3 - Calcular perímetro e área, e aprendi também que perímetro e área são coisas muito diferentes, antes eu achava que era quase a mesma coisa. Nestas falas percebi o quanto os alunos são sucintos ao escreverem suas considerações, expressando de forma direta, com parcimônia de palavras, suas conclusões. Em muitas ocasiões expressaram que, por meio desta atividade, conseguiram perceber a diferença entre área e perímetro, dando-se conta de que os dois conceitos são distintos e na atividade ao duplicarmos, triplicarmos... a medida do lado, tanto a área quanto o perímetro dão origem a uma generalização, a área e o perímetro não aumentam de forma