CENTRO UNIVERSITÁRIO UNIVATES CURSO DE DIREITO O NOVO PROCESSO CIVIL EXECUTIVO: ALGUMAS QUESTÕES CONTROVERTIDAS Natália Radaelli Lajeado, junho de 2009 B D U – B ib lio te ca D ig ita l d a U N IV AT E S (h tt p: //w w w .u ni va te s.b r/ bd u) 1 CENTRO UNIVERSITÁRIO UNIVATES CURSO DE DIREITO O NOVO PROCESSO CIVIL EXECUTIVO: ALGUMAS QUESTÕES CONTROVERTIDAS Natália Radaelli Monografia apresentada na disciplina de Trabalho de Curso II – Monografia do Curso de Direito, como exigência parcial a obtenção do título de Bacharel em Direito. Orientadora: Ms. Stefani Urnau Bonfiglio Lajeado, junho de 2008 B D U – B ib lio te ca D ig ita l d a U N IV AT E S (h tt p: //w w w .u ni va te s.b r/ bd u) 2 "O direito não é mero pensamento, mas sim força viva. Por isso, a Justiça segura, numa das mãos, a balança, com a qual pesa o direito, e na outra a espada, com a qual o defende. A espada sem a balança é força bruta, a balança sem a espada é a fraqueza do direito. Ambas se completam e o verdadeiro estado de direito só existe onde a força, com a qual a Justiça empunha a espada, usa a mesma destreza com que maneja a balança". (Rudolf Von Ihering) B D U – B ib lio te ca D ig ita l d a U N IV AT E S (h tt p: //w w w .u ni va te s.b r/ bd u) 3 AGRADECIMENTOS No momento que concluo a presente Monografia, intitulada “O novo processo civil executivo: algumas questões controvertidas”, visando à obtenção do título de Bacharela em Direito, me sinto honrada em poder agradecer a todas as pessoas que de qualquer forma colaboraram com o desenvolvimento deste trabalho. Entretanto, alguns agradecimentos especiais se fazem indispensáveis. Em primeiro lugar, agradeço a Deus, por me proporcionar a vida e diante desta possibilitar que hoje consiga estar concluindo este trabalho. A Mestra Stefani Urnau Bonfiglio, orientadora do presente trabalho, meus agradecimentos pela colaboração e atenção a mim dispensandos. A todos os demais professores do Curso de Direito que, no decorrer do curso, contribuíram para meu crescimento acadêmico. Aos meus amigos e colegas do Curso de Direito, que estiveram diariamente em minha companhia, registro meu muito obrigado pelos conselhos, incentivos e companheirismo. Aos meus amigos especiais Valéria Bertamoni, Bruna Fermino, Michele Gomes da Broi, Fabiana Caldas, Annia Rossini, Andrelise Daltoé, Ângela Maria Pezzi, Josiane Graciola, Ana Paula Backes, Maria Elena Carneglutti agradeço por todo o apoio em momentos difíceis e pela sincera amizade com qual me brindaram. À minha mãe, Marisa e a minha irmã Marcela, um agradecimento especial, pelo conforto e pela força e, por não me deixarem desistir nunca, acreditando sempre na minha capacidade. B D U – B ib lio te ca D ig ita l d a U N IV AT E S (h tt p: //w w w .u ni va te s.b r/ bd u) 4 À toda minha família, que compreenderam os momentos de ausência e me apoiaram nos momentos de angústia. B D U – B ib lio te ca D ig ita l d a U N IV AT E S (h tt p: //w w w .u ni va te s.b r/ bd u) 5 RESUMO Este trabalho se propõe a esboçar um mapeamento sintético da reforma processuais civis, que se encontra em sua terceira etapa, de modo a oferecer uma visão geral de todo o movimento e ainda, a análise dos pontos em controvérsia Consiste, além disso, em um exame pontual das recentes inovações legislativas que modificaram o antigo processo de execução (Leis 11.232/2005 e 11.382/2006), à luz das garantias e princípios que constituem o modelo constitucional do processo civil brasileiro. Abordam-se aspectos estruturais e terminológicos das normas em contendo como forma de apresentação da nova estrutura que o processo civil executivo se depara. As controvérsias acerca de determinadas legislações são definidas como problemas que as leis apresentam ao se depararem com as realidades forenses. Observa-se que estes problemas decorrem, na maioria das vezes, da dificuldade de atingir o equilíbrio entre rapidez e justiça. PALAVRAS-CHAVE: Princípios constitucionais/processuais. Emenda Constitucional 45/2004. Reforma do Judiciário. Execução de título judicial (cumprimento de sentença) – Lei 11.232/2005. Execução de título extrajudicial – Lei 11.382/2006. Pontos controvertidos. B D U – B ib lio te ca D ig ita l d a U N IV AT E S (h tt p: //w w w .u ni va te s.b r/ bd u) 6 LISTA DE ABREVIATURAS A.C. Antes de Cristo APUD Citado por ART. Artigo CC Código Civil CF Constituição Federal CLT Consolidação Leis do Trabalho CPC Código de Processo Civil D.C. Depois de Cristo DJ Diário da Justiça LICC Lei Introdução ao Código Civil NCC Novo Código Civil P. Página S.D. Sem data STF Supremo Tribunal Federal STJ Superior Tribunal de Justiça REsp Recurso Especial RS Rio Grande do Sul B D U – B ib lio te ca D ig ita l d a U N IV AT E S (h tt p: //w w w .u ni va te s.b r/ bd u) 7 SUMÁRIO 1 CONSIDERAÇÕES INICIAIS........................................................................ 2 A EVOLUÇÃO DO PROCESSO CIVIL E A RECENTE REFORMA DO JUDICIÁRIO.................................................................................................. 2.1 A evolução do processo civil.................................................................. 2.2 Princípios fundamentais do processo civil............................................ 2.3 A Reforma do Judiciário e a atualização do processo civil.................. 3 A ATUAL EXECUÇÃO DE TÍTULOS EXECUTIVOS JUDICIAIS................ 3.1 Alterações trazidas pela Lei 11.232/2005................................................ 3.2 O Título Executivo Judicial e sua Liquidez............................................ 3.3 O cumprimento de sentença e sua impugnação................................... 3.4 Pontos controvertidos em destaque em relação à nova legislação.... 4 DOS TÍTULOS EXECUTIVOS EXTRAJUDICIAIS........................................ 4.1 Considerações sobre a execução de títulos executivos extrajudiciais............................................................................................. 4.2 Principais alterações trazidas pela Lei nº. 11.382/2006 ao título executivo extrajudicial............................................................................. 4.3 Alguns pontos controvertidos em relação à nova legislação.............. 5 CONSIDERAÇÕES FINAIS.......................................................................... 09 14 15 26 38 46 47 51 62 70 82 83 89 110 128 B D U – B ib lio te ca D ig ita l d a U N IV AT E S (h tt p: //w w w .u ni va te s.b r/ bd u) 8 REFERÊNCIAS................................................................................................ ANEXOS........................................................................................................... 138 147 B D U – B ib lio te ca D ig ita l d a U N IV AT E S (h tt p: //w w w .u ni va te s.b r/ bd u) 9 1 CONSIDERAÇÕES INICIAIS Objetivando melhorar a ritualística excessivamente formal, que se verifica no direito processual civil, o legislador brasileiro tem se engajado para modernizar o processo de execução, substituindo o atual sistema, taxado de pragmático, por mecanismos mais flexíveis e céleres. Tal consideração pode ser verificada desde o momento da instalação dos juizados especiais até mais recentemente, com a extinção do processo de execução de títulos judiciais, num percurso de mais de 20 anos de estudo. Desta forma, é de extrema relevância identificar-se não apenas quais as efetivas alterações sofridas pelo Direito Processual, como também os resultados práticos impetrados por essa reforma. Neste contexto sócio-jurídico, deve-se levar em conta o anseio social que busca a implementação dos direitos fundamentais de acesso à justiça e da presteza da prestação jurisdicional, até então descrentes. Sendo assim, com o objetivo de atenuar as dificuldades e a morosidade do processo civil, o Código de Processo Civil brasileiro (CPC) vem sofrendo alterações na sua sistemática, tornando a prestação jurisdicional mais ágil. A etapa de reformas introduzidas pela Lei nº. 11.232, de 22 de dezembro de 2005, e pela Lei nº. 11.382, de 06 de dezembro de 2006, contemplam uma nova fase desse sistema de reformas, em específico no que diz respeito às execuções de títulos judiciais e extrajudiciais, respectivamente. Tais mudanças, buscando unidade e coerência no ordenamento jurídico, proporcionaram a criação de novos sistemas executivos e uma fase de B D U – B ib lio te ca D ig ita l d a U N IV AT E S (h tt p: //w w w .u ni va te s.b r/ bd u) 10 modernização do direito processual pátrio baseada nos princípios da celeridade e da efetividade processual. Na verdade, o início das reformas ocorreu anteriormente à publicação das normas citadas acima. Com base na idéia do sincretismo processual, criou-se a Lei n.º 8.952/94, que agregou à nossa legislação positiva, entre outros dispositivos, a possibilidade de antecipação da tutela jurisdicional. Depois, houveram outras reformas setoriais, atinentes a base recursal do processo civil brasileiro (Leis nº. 139/95, 10.352/01 e Lei nº. 11.187/05), sempre no intuito de melhorar a prestação jurisdicional . Assim, por concentrar a maior parte das reformas no processo de execução ou cumprimento das decisões judiciais, realizar-se-á uma análise sistemática e contextual das alterações ocorridas nas legislações pertinentes. É importante destacar a relevância da discussão de tal tema, em virtude das referidas reformas estarem diretamente relacionadas a atender a realidade das lides forenses, em detrimento à demora dos litígios postos ao crivo do Poder Judiciário. Isto porque, é evidente, diante dos diagnósticos dos problemas atinentes à questão judiciária no Brasil, a necessidade de se realizar tais ponderações para aprimorar o ordenamento legal, uma vez que a morosidade dos processos judiciais e a baixa eficácia de suas decisões retardam o desenvolvimento nacional, desestimulam investimentos, propiciam a inadimplência, geram impunidade e sustentam a crença dos cidadãos no regime democrático. Buscar-se-á neste trabalho, então, demonstrar as inúmeras novidades apresentadas pelos novos textos legais (Leis nº 11.232/2005 e 11.382/2006), as quais serão analisadas e esclarecidas para que possam chegar ao conhecimento dos acadêmicos e interessados no assunto como forma de aprimorar o conhecimento desta nova dinâmica ainda embrionária na prática forense. Neste contexto, tal pretensão se instala na busca pela efetividade e celeridade que, nada mais são, que os princípios norteadores de todo o movimento reformador. Sendo assim, após a verificação minuciosa de toda a mudança processual, este estudo apresenta como objetivo específico a análise dos pontos controvertidos em discussão no atual sistema processual brasileiro, através de conceitos que B D U – B ib lio te ca D ig ita l d a U N IV AT E S (h tt p: //w w w .u ni va te s.b r/ bd u) 11 sintetizam a situação em controvérsia, dos fundamentos jurídicos para tanto e, das posições doutrinárias pertinentes às situações elencadas e discriminadas. Primeiramente será necessário apresentar noções gerais acerca da execução, basicamente apontando a sua evolução histórica no direito brasileiro até o momento de sua codificação, bem como descrever os aspectos mais relevantes do processo civil brasileiro diante da Reforma do Judiciário, especificamente no que diz respeito à legislação processual civil e os princípios constitucionais e processuais a ela aplicados. Isto porque o conhecimento do passado do Direito, dentro das coordenadas do tempo e do espaço, é que a ciência do direito assenta na idéia de se construir um ordenamento jurídico ideal, através de um conjunto hierarquizado de normas jurídicas (regras e princípios) que disciplinam coercitivamente as condutas humanas, com a finalidade de buscar harmonia e paz social. Desta maneira, o progresso normativo está diretamente ligado aos pensamentos e idéias oriundas de anos de estudo e debate para então se fazer possível a publicação do Código Processual Civil brasileiro. Ainda, salienta-se que a primeira contribuição da reforma para o sistema normativo brasileiro foi a aprovação da Emenda Constitucional nº. 45/2004, alterando e acrescentando vários dispositivos à Constituição Federal brasileira (CF/1988), os quais foram importantes como forma de agilizar o ingresso à justiça e criar mecanismos de acesso ao Judiciário. Isto só vem demonstrar que o Poder Legislativo não tem se eximido da tarefa de contribuir para um Judiciário melhor, e é o primeiro passo diante das várias modificações nas leis processuais, almejando-se sempre o resultado prático e satisfatório para as resoluções de conflitos, já que, sabe-se que tal órgão é estritamente preso a um excessivo formalismo, sendo o poder que menos acompanhou as crescentes modificações da sociedade. Segue-se no estudo apresentando os princípios constitucionais/processuais que possuem íntima ligação com o tema deste trabalho, que estão assim elencados: princípio do devido processo legal, do juiz natural, da igualdade, do duplo grau de jurisdição, da imparcialidade, do acesso ao judiciário, da ampla defesa, da celeridade, dentre outros. B D U – B ib lio te ca D ig ita l d a U N IV AT E S (h tt p: //w w w .u ni va te s.b r/ bd u) 12 Levando-se em conta que aquelas alterações legislativas dizem respeito diretamente aos princípios da celeridade, efetividade, da instrumentalidade, do devido processo legal, da boa-fé e da lealdade processual, como também ao princípio da economia processual, os mesmos serão tratados individualmente, destacando-se, no entanto, suas características, objetivos e pontos importantes. Os princípios processuais norteadores da jurisdição e inspiradores da doutrina vigente em nosso país são formadores e integrantes da base legal/normativa do direito brasileiro. São indispensáveis para a ordem jurídica, revelando valores e critérios que devem orientar a compreensão, a formação e a aplicação das regras diante das situações concretas. Posteriormente, cumpre demonstrar os requisitos gerais e específicos da execução baseada nos títulos executivos judiciais. Neste sentido, o diploma legal, em síntese, extingue o ordinário processo de execução de título judicial, estabelecendo a chamada "fase de cumprimento das sentenças no processo de conhecimento". Ademais, esta norma modifica, ainda, o tradicional conceito de sentença como ato que põe fim ao processo. Ainda, agiliza o rito de cumprimento da sentença, ao simplificar a notificação do réu, que passa a ser por intimação ao invés de citação, além de arbitrar multa de 10% sobre o valor devido em caso de não cumprimento tempestivo, em 15 dias, da sentença. Dessa forma, são reduzidos os incentivos a atitudes protelatórias que passariam a ter um ônus maior para as partes. Além disso, propõe que o autor passe a indicar os bens do réu a serem penhorados e põe fim aos embargos à execução, que tem o efeito automático de suspender o processo, criando a figura da impugnação, sem efeito suspensivo automático. Enfim, tratar-se-á dos pontos controvertidos originários de tal edição normativa. Outra lei comentada reformou a sistemática da execução dos títulos executivos extrajudiciais, base de estudo do terceiro capítulo, alterando de forma geral, a idéia dos embargos à execução e as regras da penhora e da alienação dos bens. Dentre os pontos essenciais em que se alicerça o presente trabalho encontrar- se-á uma visão geral dos aspectos mais relevantes destas inovações trazidas pela Lei nº 11.382/2006, em especial no que diz respeito a execução por quantia certa. B D U – B ib lio te ca D ig ita l d a U N IV AT E S (h tt p: //w w w .u ni va te s.b r/ bd u) 13 E nesta perspectiva se pretende direcionar o presente trabalho, objetivando uma visão da estruturação das novas legislações executivas (títulos judiciais e extrajudiciais) concernente ao processo civil brasileiro, enquanto processamento mais simplificado, rápido e eficaz para a prestação jurisdicional de um direito justo e igualitário, tecendo ainda, um paralelo entre as normas que vigoravam e as atuais com a intenção de demonstrar ao final, quais os pontos em controvérsia decorrentes das normas referidas. A pesquisa será qualitativa, que tem como característica o aprofundamento do pesquisador no contexto o qual será elemento do estudo e a perspectiva interpretativa desses possíveis dados para a realidade. Utiliza-se também o método dedutivo, que parte de argumentos gerais e abstratos para aplicá-los a casos particulares. Por fim, o exame será organizado através de um embasamento teórico, por meio de uma revisão bibliográfica nas áreas de direito constitucional e direito processual civil, bem como outros recursos doutrinários de estudiosos no assunto, por meio de artigos de revistas, artigos digitais e decisões jurisprudenciais dos Tribunais competentes para o julgamento da matéria. B D U – B ib lio te ca D ig ita l d a U N IV AT E S (h tt p: //w w w .u ni va te s.b r/ bd u) 14 2 A EVOLUÇÃO DO PROCESSO CIVIL E A RECENTE REFORMA DO JUDICIÁRIO O estudo do processo civil brasileiro, nas últimas décadas, baseia-se nas idéias de instrumentalidade e efetividade processual como meio de alcançar a autêntica prestação jurisdicional e proporcionar a todos os cidadãos resultados eficazes e céleres. Já superada a busca conceitual e formal acerca do processo, o que se procura é alcançar um resultado prático e satisfatório para a resolução de diferentes lides. Contudo, sem estarem presentes as coordenadas históricas, as quais influenciaram e determinaram o atual universo normativo, seria impossível compreender, aceitar ou modificar o que hoje se apresenta. Os traços fundamentais que ligam o direito processual civil brasileiro são importantes e servem para melhor abarcar a necessidade de regulamentar as relações interpessoais e os conflitos de interesses a que os particulares são submetidos diariamente. Assim, o primeiro capítulo deste trabalho pretende fazer uma análise acerca da evolução histórica do direito processual civil brasileiro até o momento de sua codificação e, em especial, no que diz respeito a sua origem e as múltiplas reformas do direito positivo, que proporcionaram e inspiraram a formação do atual diploma. Para isso, é necessário arguir sobre os princípios que norteiam essa relação jurídica, como também acerca da Reforma do Poder Judiciário por meio da Emenda Constitucional nº. 45 que proporcionou as alterações, objeto deste estudo. B D U – B ib lio te ca D ig ita l d a U N IV AT E S (h tt p: //w w w .u ni va te s.b r/ bd u) 15 2.1 A evolução do processo civil O conhecimento do passado do Direito através de investigações, pesquisas e comparações, viabiliza uma visão mais ampla da atual legislação processual civil brasileira. É por meio da análise desta evolução que se percebe que a ciência do direito assenta na idéia de se construir um ordenamento jurídico ideal, através de um conjunto hierarquizado de normas jurídicas (regras e princípios) que disciplinam coercitivamente as condutas humanas, com a finalidade de buscar harmonia e paz social. No entanto, o direito encontra-se disperso em vários preceitos, que surgiram em épocas diferentes, que são destinados a satisfazer necessidades criadas por variadas situações sociais e culturais e que pretendem solucionar os mais diferentes conflitos de interesses, priorizando e protegendo os mais relevantes (Gusmão, 2008). Para que fosse possível a publicação do Código Processual Civil brasileiro muito se estudou e se debateu sobre o assunto. Como preleciona Theodoro Júnior (2007), desde o momento em que se chegou à conclusão de que os particulares não deveriam fazer justiça com as próprias mãos, e isso já faz algum tempo, e que os conflitos deveriam ser submetidos à apreciação da autoridade pública, fez-se necessário regulamentar a atividade exercida pela administração da Justiça. O progresso normativo está ligado aos pensamentos e idéias do direito grego, do direito romano e do direito francês. Da mesma forma, sofreu a influência do método cartesiano (racionalismo), fato que marcou o pensamento do mundo ocidental como um todo. Importante ainda destacar as legislações brasileiras, anteriores à promulgação da legislação pertinente ao processo civil, quais sejam: ordenações afonsinas, ordenações manuelinas, ordenações filipinas, as constituições federais e os códigos de processos civis de 1939 e 1973, que possibilitaram a criação do mesmo (Souza; Oliveira, 2004). Os primeiros vestígios de normas aplicáveis às lides foram as sanções penais e a composição dos litígios civis (Theodoro Júnior, 2007). No entanto, com o passar dos anos, o papel dos órgãos judiciários se expandiu e outras funções foram designadas para a sua competência, como é o caso da tutela de interesses de pessoas desvalidas ou incapazes, através das ações de interdições, curatelas, B D U – B ib lio te ca D ig ita l d a U N IV AT E S (h tt p: //w w w .u ni va te s.b r/ bd u) 16 ausências (chamada de jurisdição contenciosa), dentre outras e a fiscalização de determinados atos, como exemplo, a extinção do usufruto e fideicomisso, a sucessão de causa mortis (chamada de jurisdição voluntária) etc. É possível compreender, diante dos ensinamentos de Baptista da Silva e Gomes (2002), que o estudo da história do direito baseia-se na idéia de três grandes sistemas jurídicos: o romano-germânico, o sistema socialista e a commom law1. O direito brasileiro integra o sistema romano-germânico que agrupa outros sistemas jurídicos da Europa continental, como o da Alemanha, França, Itália, Portugal e Espanha. Além dos países de colonização espanhola, francesa e holandesa, há alguns locais da África que sofrem influência da colonização européia. Iniciaremos os comentários históricos através do grande papel dos gregos e romanos que, primeiramente, influenciaram o direito processual civil. As regras processuais do direito grego de que se têm conhecimento dizem respeito, por exemplo, ao direito probatório e as regras de convicção lógicas. Segundo Theodoro Júnior, o legado relativo ao processo grego foi: O processo observava a oralidade e o princípio dispositivo aparecia como regra dominante, tocando o ônus da prova às partes e, só excepcionalmente, se permitia à iniciativa do juiz em questões probatórias. Conheciam-se as provas testemunhais e documentais. Faziam-se restrições ao testemunho de mulheres e crianças. Dava-se grande importância aos documentos, especialmente em matéria mercantil. O juramento era, inicialmente, muito valorizado, mas perdeu prestígio na época clássica. O mais importante, contudo, era o respeito à livre apreciação da prova pelo julgador, que exercia uma crítica lógica e racional, sem se ater a valorações legais prévias em torno de determinadas espécies de prova (Theodoro Júnior, 2007, p. 12). Constata-se também como legado que o princípio do contraditório - princípio que impõe ao juiz a prévia audiência de ambas as partes antes de se proferir a decisão - tem origem grega. 1 O sistema do Common Law, ao contrário do sistema do Civil Law tem sua origem e evolução marcada claramente pela perspectiva política e associada à história de um único e determinado país, a Inglaterra. É um jude made law , ou seja, um direito elaborado pelos juízes; a fonte principal do direito é, aí, a jurisprudência, o procedente judiciário. O common law escapou em larga escala à influência do direito romano e da ciência jurídica das universidades medievais e modernas. Os seus conceitos jurídicos e a terminologia são muito diferentes dos dos sistemas jurídicos das famílias romano-germânica. O common law tornou-se no direito de todos os países que foram dominados ou colonizados pela Inglaterra, nomeadamente o País de Gales, a Irlanda, os Estados Unidos (salvo a Luisiana), o Canadá (salvo o Québec), a Austrália, a Nova Zelândia e numerosos países africanos (Gilissen, 1995, p. 20). B D U – B ib lio te ca D ig ita l d a U N IV AT E S (h tt p: //w w w .u ni va te s.b r/ bd u) 17 A audiência bilateral tem origem na Antiguidade grega, mencionada por Eurípedes, Aristófanes e Sêneca, chegando ao direito comum como um princípio de direito natural inerente a qualquer processo judicial, consistente no princípio segundo o qual o juiz somente está apto a decidir o pedido do autor depois de notificá-lo ao réu e de dar a este a oportunidade de se manifestar (Greco, 2005, p.71). Entretanto, foi com a herança do direito processual romano, influenciado nitidamente pelos gregos, no que diz respeito à livre apreciação das provas e ao tratamento do juiz como um árbitro, que se construiu o caminho para a formação do nosso atual sistema processual. A evolução do direito processual se dá a partir das instituições do Direito Romano, afinal, como leciona Carreira Alvim: [...] o direito processual como ramo autônomo da ciência do direito é relativamente recente, possuindo pouco mais de cem anos. Mas, o que o direito processual tem de recente, o processo, como método de resolução das lides, tem de antigo, embora apenas em Roma tenha alcançado o seu mais alto grau de desenvolvimento. Aliás, as instituições jurídicas, em geral, evoluíram de tal forma em Roma que, ainda hoje, o direito de quase todas as nações cultas do mundo se inspira no direito romano (Alvim, 1996, p. 31). Em obra de Ovídio A. Baptista da Silva e Fábio L. Gomes, não destoam os autores, que referem: [...] é possível estabelecer, pelo menos, duas características que marcam, para nossa compreensão, a natureza do processo civil, na fase inicial de sua formação. A primeira deles decorre da circunstância de encontrar-se o direito, nesse período, confundido com o misticismo religioso, sem o sentido de racionalidade, que ele acaba adquirindo modernamente. Dizem-nos os romanistas que a revelação do direito, nessa fase primitiva da formação do direito processual, era segredo dos pontífices, a quem cabia o julgamento dos litígios de natureza privada. A segunda particularidade marcante dessa época primordial do fenômeno, que, de uma perspectiva moderna, diríamos jurisdicional, é a circunstância de somente ter lugar a intervenção de um terceiro imparcial , convocado para dirimir um determinado litígio entre particulares, depois que aquele, que se julgasse com direito, privadamente já o tivesse exercido pela força, compelindo o adversário a suportar a autorealização do próprio direito (Da Silva; Gomes, 2006. p. 13). Convém registrar, por oportuno, nos dizeres dos mesmos processualistas, que no direito germânico ocorreu fato quase idêntico ao registrado anteriormente no direito romano. O direito dos povos germânicos estava baseado no instituto da penhora privada, através da qual, quem se dizia possuir um crédito, apossava-se, executivamente, dos bens da parte classificada e condicionada a devedor. Quem sofria a penhora, é que deveria como parte autora, propor a lide e buscar sua proteção jurisdicional, procurando demonstrar a lesão sofrida. B D U – B ib lio te ca D ig ita l d a U N IV AT E S (h tt p: //w w w .u ni va te s.b r/ bd u) 18 Retomando do pensamento acerca do direito romano, sabe-se que o conceito de jurisdição é o verdadeiro paradigma que determina e condiciona os demais institutos com que a ciência processual moderna organiza suas teorias (Da Silva, 1997). A história do direito romano abarca mais de mil anos, desde a Lei das Doze Tábuas (Lex Duodecim Tabularum, em latim, 449 a.C. ) até o Corpus Iuris Civilis por Justiniano (c. 530 d.C.), trazendo a idéia de dois institutos de proteção e defesa para os cidadãos: o “actio” (poder do juiz de dizer e declarar o direito) e os “interdictos” (poder do pretor de mandar, isto é, ordenar as ações para que as partes cumprissem). Os juristas dividem esse período em três grandes fases, cada qual marcada por suas particularidades, e que se classificam da seguinte forma: a) Período Primitivo, denominado de legis actiones, que compreende o período da fundação de Roma até o ano 149 a.C.; b) Período formulário, que recebeu a denominação de formulário, que se estenda do final do período primitivo até ao Século III, mas precisamente no ano de 194 d.C.; c) Fase do cognitio extraordinária, terceira fase do processo romano conhecida como cognitio extra ordinem, e que vigourou entre os anos de 200 e 565 d.C (Dutra, 2008). As principais características da primeira fase estão baseadas na possibilidade das partes poderem manipular as ações da lei, que totalizam o número de cinco (Theodoro Júnior, 2007). O autor revela que o procedimento se desenvolvia oralmente, compreendendo duas fases: uma, perante o magistrado, que concedia a ação da lei e fixava o objeto do litígio; e outra, perante cidadãos, escolhidos como árbitros, aos quais cabia a coleta das provas e a prolação da sentença. Não havia advogados e as partes postulavam o pedido pessoalmente. Para Alvim apud Cuenca (2003), no sistema então adotado pelo romanos havia verdadeira identificação da ação com a lei. E, todo o método deveria seguir regras duras, com ritual de palavras e gestos indispensáveis. Caso uma palavra não fosse usada ou fosse usada de forma incorreta, caso um gesto fosse utilizado equivocadamente o litigante era punido com a perda da demanda proposta. http://pt.wikipedia.org/wiki/Lei_das_Doze_T%C3%A1buas http://pt.wikipedia.org/wiki/Lei_das_Doze_T%C3%A1buas http://pt.wikipedia.org/wiki/Latim http://pt.wikipedia.org/wiki/449_a.C. http://pt.wikipedia.org/wiki/Corpus_Iuris_Civilis http://pt.wikipedia.org/wiki/Justiniano http://pt.wikipedia.org/wiki/530 B D U – B ib lio te ca D ig ita l d a U N IV AT E S (h tt p: //w w w .u ni va te s.b r/ bd u) 19 A segunda fase, no entanto, um pouco mais evoluída, diante do avanço do Império Romano e do surgimento de relações jurídicas mais complexas e, impossíveis de serem resolvidas pela legis actiones, baseava-se no seguinte: [...] surgiram novas e complexas relações jurídicas, cujas soluções não mais se comportavam nos acanhados limites das legis actiones. Aboliram-se, por isso, as ações de lei, ficando o magistado autorizado a conceder fórmulas de ações que fossem aptas a compor toda e qualquer lide que se lhe apresentasse. O procedimento, em linhas gerais, era o mesmo da fase das legis actiones: o magistrado examinava a pretensão do autor e ouvia o réu. Quando concedia a ação, entregava ao autor um fórmula escrita, encaminhando-o ao árbitro para julgamento. Já, então, havia intervenção dos advogados, e os princípios do livre convencimento do juiz e do contraditório das partes eram observados. A sentença, embora proferida por árbitros privados, tinha sua observância imposta pelo Estado às partes (Theodoro Júnior, 2007, p. 13). Neste mesmo sentido, cita-se a deliberação de Nancy Dutra: [...] O procedimento romano das legis actiones e o ius civile só se aplicavam aos cidadãos romanos. Aos estrangeiros, cada vez mais presentes no território romano, tiveram de ser aplicadas novas fórmulas, que lhe eram dadas pelo pretor peregrino para que comparecessem diante de um juiz. Este deveria conhecer os fatos e estabelecer uma sentença. O novo sistema passou a ser utilizado também entre os romanos. Aos poucos, o sistema processual per fórmulas substituiu a aplicação do primitivo sistema das legis actiones. No sistema formulário o procedimento também era dividido em duas fases: in iure e in iudicio. A primeira fase, in iure, desenvolvia-se diante do pretor, que concedia ou não a ação e entregava a fórmula escrita apropriada para o caso. Na segunda fase, in iudicio, realizada pelo árbitro ou colégio de juízes - continuavam sendo particulares e não autoridades - ocorria o julgamento e o estabelecimento da sentença (Dutra, 2008, p. 3) . Percebe-se então que, neste período intermediário, todo o procedimento é oral, com exceção da fórmula, realizada de maneira escrita. Nesta fase a figura do advogado começou a fazer-se presente e os princípios do contraditório das partes e do livre convencimento do juiz passaram a ser observados (Dutra, 2008). Por fim, o período da cognição extraordinária apresenta as seguintes peculiaridades: função jurisdicional oficializada pelo Estado e o desaparecimento dos árbitros privados; o procedimento adotado foi o das peças escritas contendo o pedido do autor, a defesa do réu, a instrução, a sentença e sua execução, admitindo também o recurso e com isso percebeu-se o surgimento das práticas do processo civil modernizado. No direito processual civil brasileiro até hoje estas ideias provenientes do direito romano se mantêm. Por exemplo, o conceito de jurisdição como responsável pela formação do processo de conhecimento guarda fidelidade à concepção B D U – B ib lio te ca D ig ita l d a U N IV AT E S (h tt p: //w w w .u ni va te s.b r/ bd u) 20 romana, como se a jurisdição fosse uma forma de manifestação da “actio”. Outra herança deste período foi a classificação trinária das sentenças (constitutiva, declaratória e mandamental) (Da Silva, 2006) . Com a queda do Império Romano e a consequente dominação pelos povos germânicos por aproximadamente meio século (568 d.C a 1.100 d.C) estes impuseram, além de seus costumes, o seu direito (Theodoro Júnior, 2007). No entanto, em virtude da rudimentarização trazida por este povo, conhecido como bárbaros, o direito processual europeu retrocedeu, se comparado ao direito romano. A prova, por exemplo, já não era valorada pelo Juiz na formação de seu convencimento servindo, isto sim, como um meio rígido de fixação da própria sentença. O juiz apenas reconhecia a existência da prova, sendo o processo eminentemente acusatório e com o ônus da prova imputado ao acusado. Ainda, neste mesmo período, preponderou o fanatismo religioso entre os povos, sendo que os juízes da época eram comparados a deuses, muitas vezes, utilizando-se de expressões como: “juízos de Deus”, “duelos judiciais” e “ordálias”, pois os mesmos acreditavam que a divindade participava dos julgamentos. Por essa razão, o que se tinha não era a verdade real e, sim, uma verdade meramente formal. Contudo, paralelamente ao período processual civil dos povos germânicos, a Igreja Católica conservava as instituições de Direito Romano, adaptando-as ao direito canônico. Nesse mesmo espaço de tempo, começam a aparecer as primeiras universidades, impulsionando o gosto pelo estudo, em especial do direito romano (Baptista da Silva e Gomes, 2006). Surge então, o direito comum, produto das regras e pensamentos deixados pelos direitos romanos, germânicos e o direito canônico. Este modelo processual comum, de acordo com os ensinamentos de Alvim (2003), desenvolveu-se na Itália, ou melhor, no espaço territorial onde viria a ser este país, e possuía a seguinte divisão em períodos: a) período dos glosadores (de 1100 até 1271); b) período dos pós-glosadores (de 1271 a 1400) e c) período da jurisprudência culta (de 1400 até 1500). Destaca o mesmo doutrinador, que na fase denominada por período dos glosadores em decorrência do advendo das universidades, formaram-se grupos de estudos destinados a discutir e analisar o Direito. Os mesmos utilizavam textos B D U – B ib lio te ca D ig ita l d a U N IV AT E S (h tt p: //w w w .u ni va te s.b r/ bd u) 21 romanos, conhecidos como “Pandectas” e faziam as anotações pertinentes através das “glosas”. Em 1271, com a obra de Guilherme Duranti, que fez um compêndio de todo este processo, põe-se termo ao período. Nesta fase o procedimento era escrito e muito complexo, o que, muitas vezes, tornava o processo menos célere (Theodoro Júnior, 2007). Vestígios e influências destes períodos podem ser, igualmente, encontradas nas legislações atuais, pois diversas características serviram de base para o processo moderno. Com a Revolução Francesa, na Idade Média, pode-se perceber que os revolucionários tinham como objetivo potencializar os poderes executivo e legislativo, ao mesmo tempo em que tentaram reduzir a atuação do judiciário na figura dos juízes. No entanto, foi nesta fase que o conceito de livre convencimento do juiz voltou a ser utilizado e se iniciou a tentativa de classificação e tarifação das provas. Parte-se então, para a chamada fase científica do processo, também batizada como processo civil moderno, onde se concedeu ao juiz a livre análise das provas e a produção destas quando tal iniciativa se fizesse necessária para a justiça da decisão. A jurisdição civil foi reconhecida como de caráter público e de interesse geral, mesmo que os interesses das partes em litígio fossem de ordem privada. José Frederico Marques ao discorrer sobre o direito processual científico, afirma que: [...] o Direito Processual Civil ganhou consistência e densidade científica a partir do século passado, depois que deixou de ser mero complemento do Direito Civil para adquirir posição de disciplina autônoma dentro da ciência jurídica. E isso se deve, principalmente, aos processualistas alemães - seguidos pelos da Itália a partir de Chiovenda - e à formulação, por eles, da teoria da relação processual, bem como da nova conceituação que imprimiram ao direito de ação (Marques, 1998, p. 87) O processo civil passou a ter caráter de pacificador das relações sociais, de meio pelo qual se aplica a legislação ao caso concreto e fundamentou a ampliação dos poderes do juiz no que diz respeito à produção e valoração das provas (Theodoro Júnior, 2007). O Código de Processo Civil brasileiro de 1973, assim como a maioria dos Códigos europeus, segue esta orientação. B D U – B ib lio te ca D ig ita l d a U N IV AT E S (h tt p: //w w w .u ni va te s.b r/ bd u) 22 A independência normativa brasileira ocorreu a partir do regime jurídico chamado de Ordenações do Reino. Em 1603, no reinado de Felipe I, esta legislação também conhecida como "Ordenação Filipinas” foi promulgada e vige em nosso País, por mais de três séculos, ultrapassando até mesmo a independência política de 1822. Esta fase foi influenciada diretamente pelas fontes históricas do direito romano e do direito canônico. As Ordenações Filipinas já apresentavam uma estrutura bastante moderna, se comparada com o que havia antes. A parte processual (Livro Terceiro) dividia-se da seguinte forma: 1º) “fase postulatória”, que se encontra nos códigos modernos; 2º) “fase instrutória”, destinada à prova; 3º) “fase decisória”, destinada à decisão; 4º) “fase executória”, destinada ao processo de execução (Alvim, 2003, p. 53). Com a proclamação da independência brasileira em 7 (sete) de setembro de 1822, as legislações que vigoravam pouco a pouco foram sendo substituídas. Neste contexto a primeira Constituição Brasileira de 1824, chamada de Constituição Imperial, contribui para a evolução do sistema hoje conhecido, implementando dentre outros conceitos, o da separação dos poderes e da organização judiciária do país. Por outro lado, em 1832 vinculou-se ao Código de Processo Criminal do Império uma "disposição provisória", com 27 (vinte e sete) artigos, reduzindo recursos, simplificando o procedimento e suprimindo algumas formalidades que não eram úteis ao sistema, antecipando com isso a primeira base para um futuro Código de Processo Civil (Dourado, 2005). Em continuidade, de acordo com a doutrina de Humberto Theodoro Júnior (2007), foi em 20.11.1850, logo após a publicação do Código Comercial no Brasil, que aconteceu a edição do regulamento de nº 737, o qual estabelecia normas processuais e que ficou conhecido como o primeiro Código Processual nacional, sendo que se destinava a regulamentar o processamento das causas comerciais. As ordenações filipinas, não obstante, continuaram a reger a matéria processual civil, enquanto o regulamento 737 imperava na área do processo comercial. Posteriormente, com a edição de um novo regulamento em 1890 (Decreto nº 763), o efeito destas regras estendeu-se também aos feitos civis. B D U – B ib lio te ca D ig ita l d a U N IV AT E S (h tt p: //w w w .u ni va te s.b r/ bd u) 23 Outro ponto favorável para a evolução de normas específicas em direito processual civil está relacionado à criação das primeiras Faculdades de Direito estabelecidas em nosso país, primeiramente em São Paulo e após em Pernambuco. A Constituição Republicana de 1891, baseada na Constituição política dos Estados Unidos da América do Norte, instituiu a dualidade de Justiça - Justiça Federal e Justiça Estadual - assim como a dualidade de processos, incumbindo à União Federal e aos Estados legislar sobre a matéria processual (Dourado, 2005). A partir do ano de 1905, iniciaram-se os movimentos de codificações estaduais, merecendo atenção e destaque algumas legislações tais como, a da Bahia, a de São Paulo, a do Rio Grande do Sul e a do Distrito Federal. Porém, esse sistema de Códigos Estaduais competentes para regular o rito processual de seus Estados, não obteve êxito e, em 1934 com a nova Constituição houve um retorno ao sistema unitário, quando se atribuiu exclusividade à União para legislar em matéria processual, sistema igualmente adotado nas demais Constituições promulgadas no Brasil. Foi em 1937, que se formou, por ordem do governo local, a primeira comissão que teria a função de elaborar o Código Nacional de Processo Civil o qual não obteve êxito em função das divergências entre seus membros. No dia 1º de março de 1940, entrou em vigor o primeiro código processual, designado de “Código Unificado de Processo Civil Brasileiro”, tendo sido adotado o anteprojeto elaborado por Pedro Batista Martins em 1939. Até o ano de 1973, o código de 1939 vigorou no nosso ordenamento. Foi neste ano, após muitos estudos e debates acerca das possíveis melhorias, que ocorreu a primeira reforma do código, sancionada pelo então Presidente da República, Jânio Quadros, através do número de Lei 5.869. Quem contribui para este grande progresso normativo foi a doutrina de Liebman2, sendo que o projeto foi 2 A Doutrina de Enrico Tullio Liebman, processualista italiano, influenciando profundamente a evolução da ciência brasileira. O autor define ação como instrumento, um poder igualado ao querer do Estado de assegurar a justiça, poder esse que pode ser exercido usando o direito material, logo atribui-se natureza constitucional de um Estado civilizado. http://pt.wikipedia.org/w/index.php?title=Enrico_Tullio_Liebman&action=edit&redlink=1 B D U – B ib lio te ca D ig ita l d a U N IV AT E S (h tt p: //w w w .u ni va te s.b r/ bd u) 24 elaborado e assinado por Alfredo Buzaid3. O compromisso desse novo código afere-se na Exposição de Motivos da lei e dizia respeito a “administração da Justiça”, compromissada com a satisfação do interesse público, e não com a regulação de direitos originários das lutas privada entre as partes em questão (Barbosa; Ribeiro, 2005). Percebe-se também, que “o lado ético da prestação jurisdicional foi ressalvado no Código pela enumeração dos deveres das partes e procuradores4 e pela censura aos atos de litigância de má-fé5 [...] (Theodoro Júnior, [s.d.], p. 8). 3 Alfredo Buzaid (Jaboticabal, 20 de julho de 1914 — São Paulo, 10 de julho de 1991) foi um jurista brasileiro, mais conhecido por ter ocupado o cargo de Ministro da Justiça durante o governo Emílio Garrastazu Médici. Foi aluno de Enrico Tullio Liebman no curso de extensão universitária, vindo a ser um dos integrantes da "Escola Paulista de Direito Processual". Em outubro de 1969, foi nomeado Ministro da Justiça, sendo um dos mentores intelectuais do Código de Processo Civil que entrou em vigor em 1973. Permaneceu no Ministério da Justiça até 14 de março de 1974. Em 22 de março de 1982, foi nomeado ministro do Supremo Tribunal Federal. Faleceu em sua residência em São Paulo em 9 de julho de 1991, dias antes de completar setenta e sete anos. 4 Art. 14 - São deveres das partes e de todos aqueles que de qualquer forma participam do processo: I - expor os fatos em juízo conforme a verdade; II - proceder com lealdade e boa-fé; III - não formular pretensões, nem alegar defesa, cientes de que são destituídas de fundamento; IV - não produzir provas, nem praticar atos inúteis ou desnecessários à declaração ou defesa do direito. V - cumprir com exatidão os provimentos mandamentais e não criar embaraços à efetivação de provimentos judiciais, de natureza antecipatória ou final. Parágrafo único. Ressalvados os advogados que se sujeitam exclusivamente aos estatutos da OAB, a violação do disposto no inciso V deste artigo constitui ato atentatório ao exercício da jurisdição, podendo o juiz, sem prejuízo das sanções criminais, civis e processuais cabíveis, aplicar ao responsável multa em montante a ser fixado de acordo com a gravidade da conduta e não superior a vinte por cento do valor da causa; não sendo paga no prazo estabelecido, contado do trânsito em julgado da decisão final da causa, a multa será inscrita sempre como dívida ativa da União ou do Estado. Art. 15 - É defeso às partes e seus advogados empregar expressões injuriosas nos escritos apresentados no processo, cabendo ao juiz, de ofício ou a requerimento do ofendido, mandar riscá-las. Parágrafo único - Quando as expressões injuriosas forem proferidas em defesa oral, o juiz advertirá o advogado que não as use, sob pena de lhe ser cassada a palavra. 5 Art. 16 - Responde por perdas e danos aquele que pleitear de má-fé como autor, réu ou interveniente. Art. 17 - Reputa-se litigante de má-fé aquele que: I - deduzir pretensão ou defesa contra texto expresso de lei ou fato incontroverso; II - alterar a verdade dos fatos; III - usar do processo para conseguir objetivo ilegal; IV - opuser resistência injustificada ao andamento do processo; V - proceder de modo temerário em qualquer incidente ou ato do processo; VI - provocar incidentes manifestamente infundados; VII - interpuser recurso com intuito manifestamente protelatório. Art. 18 - O juiz ou tribunal, de ofício ou a requerimento, condenará o litigante de má-fé a pagar multa não excedente a um por cento sobre o valor da causa e a indenizar a parte contrária dos prejuízos que esta sofreu, mais honorários advocatícios e todas as despesas que efetuou. § 1º - Quando forem dois ou mais os litigantes de má-fé, o juiz condenará cada um na proporção do seu respectivo interesse na causa, ou solidariamente aqueles que se coligaram para lesar a parte contrária. § 2º - O valor da indenização será desde logo fixado pelo juiz, em quantia não superior a 20% (vinte por cento) sobre o valor da causa, ou liquidado por arbitramento. http://pt.wikipedia.org/wiki/Jaboticabal http://pt.wikipedia.org/wiki/20_de_julho http://pt.wikipedia.org/wiki/1914 http://pt.wikipedia.org/wiki/S%C3%A3o_Paulo_(cidade) http://pt.wikipedia.org/wiki/10_de_julho http://pt.wikipedia.org/wiki/1991 http://pt.wikipedia.org/wiki/Jurista http://pt.wikipedia.org/wiki/Brasil http://pt.wikipedia.org/wiki/Ministro_da_Justi%C3%A7a http://pt.wikipedia.org/wiki/Em%C3%ADlio_Garrastazu_M%C3%A9dici http://pt.wikipedia.org/wiki/Em%C3%ADlio_Garrastazu_M%C3%A9dici http://pt.wikipedia.org/w/index.php?title=Enrico_Tullio_Liebman&action=edit&redlink=1 http://pt.wikipedia.org/wiki/1969 http://pt.wikipedia.org/wiki/Ministro_da_Justi%C3%A7a http://pt.wikipedia.org/wiki/C%C3%B3digo_de_Processo_Civil http://pt.wikipedia.org/wiki/1973 http://pt.wikipedia.org/wiki/Minist%C3%A9rio_da_Justi%C3%A7a http://pt.wikipedia.org/wiki/14_de_mar%C3%A7o http://pt.wikipedia.org/wiki/1974 http://pt.wikipedia.org/wiki/22_de_mar%C3%A7o http://pt.wikipedia.org/wiki/1982 http://pt.wikipedia.org/wiki/Supremo_Tribunal_Federal http://pt.wikipedia.org/wiki/9_de_julho http://pt.wikipedia.org/wiki/1991 B D U – B ib lio te ca D ig ita l d a U N IV AT E S (h tt p: //w w w .u ni va te s.b r/ bd u) 25 Apesar da nova forma, o CPC de 1973 continuou não alcançando uma das maiores buscas da sociedade, qual seja, a prestação célere da justiça. A constatação de que a morosidade redundava de certa forma do próximo ordenamento processual, levou o legislador a procurar novas alternativas, quer por meio de novas alterações do CPC, quer através de remédios processuais regulamentados por legislação extravagante. A partir desse momento, como bem disciplina o processualista Theodoro Júnior, o Código já não estagnou sofrendo contínuas mudanças, sempre com a intenção de solucionar os litígios mais rapidamente, por meio da simplicação dos meios. Na década de 1990 mais de uma dezena de leis se ocupa de alterar o texto do Código de 1973, todas com o declarado intuito de simplificar seus procedimentos, com vistas à maior celeridade na solução dos litígios, e de, sobretudo, impregnar o processo de maior efetividade na realização da tutela jurisdicional. Inovações importantíssimas se deram por meio, por exemplo, da generalização das medidas de antecipação de tutela (art. 273 e 461), à ação da citação postal (art. 222), pela criação da “ação monitória” (art. 1.102 –a e segs.), pela adoção da audiência preliminar para conciliação e saneamento do processo (art. 331), pela ampliação dos títulos executivos extrajudiciais (art. 585, II) etc. (Theodoro Júnior, [s.d.], p. 9). O atual Código de Processo Civil brasileiro, com suas alterações, compõe-se de cinco livros: do processo de conhecimento, do processo de execução, do processo cautelar, dos procedimentos especiais e das disposições finais e transitórias. Tais mudanças, de acordo com Júnior (2007), resultaram em um novo diploma processual proporcionando uma grande evolução no direito processual civil vigente. A Reforma do CPC, então, orientou o processo de conhecimento para um sistema interdital, já conhecido nos direitos romanos e que vigorava ao lado da actio, permitindo ao juiz antecipar os efeitos da sentença através das liminares. Na mesma época, começam a surgir as ações possessórias. É nesta linha de reformulações, por influência de leis que foram sendo editadas ao longo dos tempos e com a intenção de um processo mais eficiente e menos burocrático e, tornando a prestação jurisdicional realmente exercida da forma que se espera que as novas leis, que alteraram as execuções de títulos extrajudiciais e judiciais, sejam editadas. B D U – B ib lio te ca D ig ita l d a U N IV AT E S (h tt p: //w w w .u ni va te s.b r/ bd u) 26 Tecidas estas considerações acerca da extensão histórica do direito processual civil brasileiro, passa-se a fazer uma análise dos princípios processuais constitucionais e infraconstitucionais que são considerados a base do sistema do direito brasileiro e estão destinados a tornar compreensível a ordem jurídica. É o que se pretende no item a seguir. 2.2 Princípios fundamentais do processo civil Os princípios processuais norteadores da jurisdição e inspiradores da doutrina vigente em nosso país são formadores e integrantes da base legal/normativa do direito brasileiro. São indispensáveis para a ordem jurídica, revelando valores e critérios que devem orientar a compreensão, a formação e a aplicação das regras diante das situações concretas (Marinoni apud Zagrebelsky, 2007). Portanto, no dizer de Lucon (2008, p. 1), “os princípios são o ponto de partida ou a regra mestra para a correta interpretação do sistema jurídico”. No mesmo sentido, segue explanação de Santos (2006): O Direito Processual Civil, como todos os ramos do Direito, orienta-se por uma série de normas que lhe permitem atingir seus fins. Essas normas, porém, não traduzem, de maneira completa, a posição diretiva do processo, mesmo porque impossível é, em repositório de leis, estabelecer-se, casuisticamente, toda a variedade de hipóteses que possam surgir no campo fático. Daí afirmar-se que as próprias normas do processo obedecem a princípios comuns que lhes permitem seu entendimento real (Santos, 2006, p. 38). No Brasil, em decorrência da origem romana do sistema jurídico, os princípios são considerados, pelos doutrinadores e estudiosos, como fonte do direito. Essa afirmação é de fácil constatação, pois seu vocábulo encontra-se presente no art. 4º da LIC, no art. 8º da CLT e no art. 126 do CPC. Ainda, a CF dispõe que: “Os direitos e garantias expressos nesta Constituição não excluem outros decorrentes do regime e dos princípios por ela adotados [...]”, em seu art. 5º, § 2º. Destacam-se como princípios gerais e norteadores de todos os outros ramos do Direito os seguintes: princípio do devido processo legal, do juiz natural, da igualdade, do duplo grau de jurisdição, da imparcialidade, do acesso ao judiciário, da ampla defesa, da celeridade, dentre outros. B D U – B ib lio te ca D ig ita l d a U N IV AT E S (h tt p: //w w w .u ni va te s.b r/ bd u) 27 Estes princípios amplos, que abrangem todo o sistema legal brasileiro, estão implicitamente previstos no artigo 5.º da Constituição Federal (Título Dos Direitos e Garantias Fundamentais). Os princípios gerais de direito, entendemos, não são preceitos de ordem ética, política, sociológica ou técnica, mas elementos componentes do direto. São normas de valor genérico que orientam a compreensão do sistema jurídico, em sua aplicação e integração, estejam ou não positivados (Diniz, 2007, p. 471). Para Paulo Bonavides (2000, p. 228/229), “[...] os princípios são verdades objetivas, nem sempre pertencentes ao mundo do ser, senão do dever-ser, na qualidade de normas jurídicas, dotadas de vigência, validez e obrigatoriedade”. Não destoa das doutrinas citadas o ensinamento de Celso Bandeira de Melo, definindo princípio como sendo o [...] mandamento nuclear de um sistema, verdadeiro alicerce dele, disposição fundamental que se irradia sobre diferentes normas compondo- lhes o espírito e servindo de critério para sua exata compreensão e inteligência, exatamente por definir a lógica e a racionalidade do sistema normativo, no que lhe confere tônica e lhe dá sentido harmônico (Melo, 2003, p. 450-451). Tendo em vista os objetivos deste trabalho, dentre os quais a análise de parte das alterações legislativas introduzidas pela Emenda Constitucional n.º 45/2004, importa a este estudo proceder a uma breve análise sobre os princípios constitucionais/processuais, suas principais características, seu uso e seu valor para o estudo da Teoria Geral do Processo. Tudo tendo em conta que aquelas alterações legislativas dizem respeito diretamente aos princípios da celeridade, efetividade, da instrumentalidade, do devido processo legal, da boa-fé e da lealdade processual, como também ao princípio da economia processual, os quais serão tratados individualmente, destacando-se, no entanto, suas características, objetivos e pontos importantes. O princípio mais abrangente, importante e fundamental do processo civil, conhecido como fonte de todos os demais princípios processuais é o Princípio do Devido Processo Legal (“expressão oriunda da inglesa due processo of law”) (Nery Júnior, 2002, p. 32), fixado em nossa legislação no art. 5º, LIV, da CF, que aduz: “Ninguém será privado da liberdade ou de seus bens sem o devido processo legal”. Também denominado “princípio do processo justo” ou ainda “princípio da inviolabilidade da defesa em juízo”, este princípio é: B D U – B ib lio te ca D ig ita l d a U N IV AT E S (h tt p: //w w w .u ni va te s.b r/ bd u) 28 [...] uma garantia do cidadão, constitucionalmente prevista em benefício de todos os cidadãos, assegurando tanto o exercício do direito de acesso ao Poder Judiciário como o desenvolvimento processual de acordo com normas previamente estabelecidas (Amaral apud Grinover, 2000, p. 1). O devido processual legal assegura um processo justo e conforme com as normas previamente estabelecidas na legislação pátria. É um garantia dos cidadãos que necessitam do aparato estatal. Na verdade, é uma “garantia constitucionalmente prevista que assegura tanto o exercício do direito de acesso ao Poder judiciário como o desenvolvimento processual de acordo com as normas previamente estabelecidas” (Portanova, 1997, p. 145). Por essa razão, “a Constituição garante a todos os cidadãos que a solução de seus conflitos obedecerá aos mecanismos jurídicos de acesso e desenvolvimento do processo [...]” (Portanova, 1997, p. 145). No entanto, para alguns estudiosos, o conceito relativo a este princípio é divergente e de difícil determinação. Para Lucon (2008), além da dificuldade de se conceituar este princípio há também a dificuldade de se estabelecer sua real extensão e aplicação: Na experiência jurisprudencial norte-americana verifica-se que não há interesse de se estabelecer uma definição precisa ao devido processo legal; percebe-se que, hoje, o importante não é delimitá-lo com uma precisão cartesiana (que não é própria da ciência jurídica, muito menos do direito positivo), mas é saber que o devido processo legal influi decisivamente na vida das pessoas e nos seus direitos (Lucon, 2008, p. 3). Dinamarco (2003), no mesmo viés do disposto acima, discorre da seguinte forma: A doutrina tem dificuldade em conceituar o devido processo legal e precisa de contornos dessa garantia – justamente porque vaga e caracterizada por uma amplitude indeterminada e que não interessa determinar...À cláusula, atribui-se hoje uma dimensão que vai além dos domínios do sistema processual, apresenta-se como um devido processo legal substancial que, em essência, constitui um vínculo autolimitativo do poder estatal como um todo, fornecendo meios de censurar a própria legislação e ditar legitimidade de leis que afrontam as grandes bases do regime democrático (Dinamarco, 2003, p. 245). Então, diante das informações e dos comentários acerca do princípio, o que se percebe, na verdade, é que o devido processo legal, por ter amplitude de interpretação, acaba estabelecendo pontos questionáveis entre os próprios estudiosos. O que sabe, no entanto, é que diante desta fonte processual em questão há uma limitação do poder do Estado, de modo a censurar a própria legislação e B D U – B ib lio te ca D ig ita l d a U N IV AT E S (h tt p: //w w w .u ni va te s.b r/ bd u) 29 declarar a ilegitimidade das leis quando conflitantes com o regime democrático do Estado de Direito (Lucon, 2008). O princípio é tão amplo e tão significativo que legitima a jurisdição e se confunde com o próprio Estado de Direito. Assim, aplica-se tanto na jurisdição civil e na penal como nos procedimentos administrativos. Ademais, engloba as reivindicações de direitos (inclusive de declarar a inconstitucionalidade de lei), a eficaz defesa e a produção de provas. No devido processo legal estão enfeixadas garantias representadas principalmente pelos princípios do contraditório, ampla defesa, duplo grau, publicidade, juiz natural, assistência judiciária gratuita (Portanova, 1997, p. 146). A partir desse princípio, são oferecidas às partes as seguintes garantias: direito à citação e ao conhecimento do teor da acusação; direito a um julgamento; direito de arrolar testemunhas e de notificá-las para comparecerem perante os tribunais; direito ao contraditório; direito de não ser processado, julgado ou condenado por uma delegada infração às leis ex post facto; direito à igualdade entre acusação e defesa; direito contra medidas ilegais de busca e apreensão; direito de não ser acusado nem condenado com base em provas obtidas ilegalmente; direito a assistência judiciária gratuita (Nery Júnior, 2002). Afinal, é necessário fazer menção às brilhantes palavras de Cintra, Grinover e Dinamarco, acerca do princípio do devido processo legal: o devido processo legal, como princípio constitucional, significa o conjunto de garantias de ordem constitucional, que de um lado asseguram às partes o exercício de suas faculdades e poderes de natureza processual e, de outro, legitimam a própria função jurisdicional (Cintra; Grinover; Dinamarco, 2004, p. 84). Deste modo, temos que o princípio do Devido Processo Legal é de grande valor para a efetividade de uma democracia justa, principalmente para aqueles que, subordinados ao judiciário, pretendem fazer valer os seus direitos. Por fim, sabe-se que o processo legal é cogente quando se preocupa com a adequação substantiva do direito em debate, com a dignidade das partes litigantes, quando coloca as vontades coletivas e difusas em detrimento aos anseios individualistas e particulares para, com isso, se alcançar a igualdade das partes no debate judicial (Portanova, 1997). Com essas características o princípio do devido processo legal justifica-se como princípio informativo dos demais princípios ligados ao processo e ao procedimento judicial. Uma grande parte da doutrina entende que esses princípios B D U – B ib lio te ca D ig ita l d a U N IV AT E S (h tt p: //w w w .u ni va te s.b r/ bd u) 30 processuais constitucionais atinentes ao processo civil, possuem a sua origem no princípio do devido processo legal6. Neste sentido é uníssona a doutrina brasileira para a qual basta a adoção do Devido Processo Legal, que já decorrerão todos os outros que ensejam a garantia de um processo e de uma sentença justa (Nery Júnior, 2002, p. 30). Por essa razão, hoje o Devido Processo Legal está classificado e inserido nos direitos e garantias fundamentais assegurados aos cidadãos. Mais do que uma forma de atuação da soberania estatal, o processo proporciona aos que compõem o litígio à tutela jurídica prevista e assegurada de forma explícita nas Constituições. Descrito o princípio constitucional geral ligado ao tema proposto, não podemos olvidar de fazer referência aos princípios processuais específicos relativos ao processo civil brasileiro. São eles: princípio da instrumentalidade; princípio da efetividade; princípio da celeridade; princípio da boa-fé e lealdade processual e o princípio da economia processual. Inicia-se pelo princípio da instrumentalidade das formas, que está inserido no art. 244, do Código de Processo Civil7. Da mesma forma, ele também está presente em outros artigos do CPC, como nos artigos 154 e 250: “Art. 154. Os atos e termos processuais não dependem de forma determinada senão quando a lei expressamente a exigir, reputando-se válidos os que, realizados de outro modo, lhes preencheram a finalidade essencial”. [...] “Art. 250. O erro de forma do processo acarreta unicamente a anulação dos atos que não possam ser aproveitados, devendo praticar-se os que forem necessários, a fim de se observarem, quanto possível, as prescrições legais”. O processo civil brasileiro tem caráter instrumental, e busca em sua essência a efetividade das leis materiais. Neste termos, pode-se dizer que conceitualmente o princípio da instrumentalidade das formas prenuncia a possibilidade de atenuar o formalismo que se apresenta no rito procedimental, aproveitando todos os atos 6 Segundo Tucci e Cruz e Tucci, derivam do devido processo legal outros princípios tais como o da isonomia, do juiz natural, da inafastabilidade da jurisdição, do contraditório, da proibição da prova ilícita, da publicidade dos atos processuais, do duplo grau de jurisdição e da motivação das decisões judiciais (RODRIGUES, Marcelo Abelha. Elementos de Direito Processual Civil, [s.d.]. 27). 7 Art. 244 - Quando a lei prescrever determinada forma, sem cominação de nulidade, o juiz considerará válido o ato se, realizado de outro modo, lhe alcançar a finalidade. B D U – B ib lio te ca D ig ita l d a U N IV AT E S (h tt p: //w w w .u ni va te s.b r/ bd u) 31 processuais realizados pelas partes e pelo juiz, ainda que tenha havido algum desvio de forma, desde que a mesma não tenha causado prejuízo (Duarte e Zanchi, 2006). O que se busca, na verdade, é que o ato consiga alcançar a sua finalidade, isto é, a manifestação de vontade do sujeito processual, que pretenda criar, modificar, con4servar ou extinguir a relação jurídica processual. Assim, a prestação da tutela jurisdicional terá legitimidade quando os sujeitos envolvidos na questão em litígio manifestarem as suas vontades de maneira regrada. Assim é que: [...] a idéia de instrumentalidade do processo surge para garantir a efetiva prestação jurisdicional, entendida esta como interesse da coletividade patrocinada pelo Estado, segundo os critérios de justiça, celeridade, razoabilidade e proporcionalidade — não esquecendo a necessária preservação da segurança nas relações jurídicas. Dentro desse contexto, a instrumentalidade das formas processuais surge como o princípio do processo civil destinado a abrandar a rigidez das formas processuais e tornar o processo mais racional e menos formalista, em conformidade com os reais anseios da sociedade (Accioly da Silva, 2004, p. 1). Nesse contexto, o que se procura é a desconsideração de formalismos, haja vista a importância da instrumentalização do processo, privilegiando sempre a busca pela finalidade contida em cada ato processual. O conceito de forma está determinado no sentido de que é “considerada como relação ou conjunto de relações, cujo conteúdo mostra-se irrelevante por se conservar constante com o mudar dos termos entre os quais intercorre” (Álvaro de Oliveira, 1997, p. 2). Entretanto, observa-se que a forma do ato processual não é o mesmo que processo como forma. A forma em sentido estrito é “o invólucro do ato processual, a maneira como deve se exteriorizar; [...] signos pelos quais a vontade se manifesta e dos requisitos a serem observados na sua celebração”. Já no que diz respeito às formalidades estas são: “[...] circunstâncias, não intrínsecas ao ato, [...] consideradas como ato, fato ou prazo previsto por uma norma geral a fim de condicionar o exercício das funções de um órgão ou de um agente” (Oliveira, 1997, p. 4-5). Tais considerações são importantes para, de maneira mais precisa, delimitar de forma exata o objeto e os fins desta averiguação. B D U – B ib lio te ca D ig ita l d a U N IV AT E S (h tt p: //w w w .u ni va te s.b r/ bd u) 32 Tratando-se de acesso à justiça, uma garantia prevista constitucionalmente e um direito fundamental da nossa Carta Magna, a legislação em seu art. 5º, Inciso XXXV, assim determina: "a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito". A interpretação deste artigo permite compreender que o acesso à justiça acima referido, não equivale a mero ingresso em juízo (Dinamarco, 2002). O que o regulamento prescreve é a garantia, ou melhor, a eficácia das decisões judiciais em benefício dos jurisdicionados, indiscriminadamente. Em obra de Cintra, Grinover e Dinamarco, os autores referem que: Acesso à justiça não se identifica, pois, com mera admissão ao processo, ou possibilidade de ingressar em juízo. [...] para que haja o efetivo acesso à justiça é indispensável que o maior número possível de pessoas seja admitido a demandar e a defender-se adequadamente (inclusive em processo criminal), sendo também condenáveis as restrições quanto a determinadas causas (pequeno valor, interesses difusos); mas, para a integralidade do acesso à justiça, é preciso isso e muito mais (Cintra; Grinover; Dinamarco, 2004, p. 35, grifo do autor) Da mesma forma, para Theodoro Júnior apud Cappelletti [s.d.], a expressão “acesso à Justiça” é reconhecidamente de difícil delimitação, mas serve para determinar duas finalidades básicas do sistema jurídico, o sistema pelo qual as pessoas podem reivindicar seus direitos e que deve ser igualmente acessível a todos e, da mesma forma, a resolução do conflito deve apresentar instrumento capaz de propiciar efetividade à provocação. Ainda, complementam que o método utilizado deve ser de acesso fácil a todos, gerando proveito, exatidão e certeza. Apenas com a positivação do direito, por meio das leis, princípios e demais fontes das normas processuais é que se pode, através do seu conjunto e de sua interpretação harmoniosa, chegar-se ao destino principal da tutela jurisdicional, qual seja, o acesso à tutela jurisdicional. Se o resultado for de caráter prático, isto é, se o acesso à justiça realmente atingir o seu destino, teremos a aplicação em caráter definitivo do princípio ora em voga. Isto, segundo Dinamarco (2001), só se percebe quando três elementos estiverem presentes e forem aplicados de maneira simultânea, quais sejam: qualidade dos serviços jurisdicionais, tempestividade da tutela ministrada mediante o processo e sua efetividade. B D U – B ib lio te ca D ig ita l d a U N IV AT E S (h tt p: //w w w .u ni va te s.b r/ bd u) 33 Ainda, acrescenta: Isso significa que não basta alargar o âmbito de pessoas e causas capazes de ingressar em juízo, sendo também indispensável aprimorar internamente a ordem processual, habilitando-a a oferecer resultados úteis e satisfatórios aos que se valem do processo. Um eficiente trabalho de aprimoramento deve pautar-se por esse trinômio, não bastando que o processo produza decisões intrinsecamente justas e bem postas mas tardias ou não traduzidas em resultados práticos desejáveis; nem sendo desejável uma tutela jurisdicional efetiva e rápida, quando injusta. Para a plenitude do acesso à justiça importa remover os males resistentes à universalização da tutela jurisdicional e aperfeiçoar internamente o sistema, para que seja mais rápido e mais capaz de oferecer soluções justas e efetivas (Dinamarco, 2001, p. 114). O direito de demandar por si só não é a ferramenta a que este princípio baseia-se, é necessário o processo para cumprir a sua obrigação. Diante do modo para o qual se realiza, deve apresentar instrumentos capazes de propiciar efetividade à garantia de “acesso à justiça”. E por terem consciência de seus direitos à tutela jurisdicional, cada vez mais as pessoas passaram a ir à Justiça e a dela exigir a prestação que, de fato, correspondesse à função que as modernas constituições lhe atribuíam. Como os órgãos jurisdicionais disponíveis quase nunca se achavam servidos por pessoal, recursos e meios suficientes para o bom atendimento dos postulantes, logo tiveram início as insatisfações e reclamações dos jurisdicionados (Theodoro Júnior, [s.d], p. 2). Igualmente, a garantia do devido processo legal, princípio que tem ligação estrita com o do acesso à justiça, exige do juiz natural a observância do contraditório e da ampla defesa, assegurando às partes não apenas uma sentença, mas uma decisão justa, dentro da melhor exegese dos fatos e do direito material pertinente. Só assim se faz jus ao verdadeiro acesso à justiça (Cintra; Grinover; Dinamarco, 2004). Ao mesmo tempo, o processualista Dinamarco (2003, p. 115), faz menção ao princípio alegando que: “só tem acesso à ordem jurídica justa quem recebe justiça”. Isto denota que para estar em conformidade com a justiça é indispensável, em primeiro lugar, ser admitido em juízo, posteriormente, poder tomar parte, contar com a participação do magistrado, e por fim, receber um provimento jurisdicional. Enfim, este seria um processo imparcial, justo, equitativo que é constituído pela efetividade, próximo princípio a sofrer ponderações e considerações pelo grande mérito e valor no sistema processual civil. É cediço, com os avanços tecnológicos presentes na sociedade em grande escala, que a vida e as relações interpessoais também sofreram mutações B D U – B ib lio te ca D ig ita l d a U N IV AT E S (h tt p: //w w w .u ni va te s.b r/ bd u) 34 significativas. Culturalmente o mundo globalizado está repleto de novas descobertas, a era digital já faz parte do dia a dia, assim como também a formação de novos blocos econômicos, guerras, ataques e as grandes dificuldades econômicas, políticas e sociais dos países em desenvolvimento, como é o caso do Brasil. Diante disso, a complexidade da sociedade e a nova realidade social impõe que o direito acompanhe todas as mutações e tenha eficácia em seu desempenho prático, de forma a garantir a mantença da paz social e da ordem jurídica (Monfardini, 2008). O aumento do número de demandas também é consequência do modo de vida e ambiente contemporâneo, no sentido de que, proporciona o acesso fácil da grande maioria da população à informação. A garantia de gratuidade judiciária viabilizando a igualdade na possibilidade de representação em juízo e consequentemente, da cidadania, é outro fator que implica no crescente número de ações judiciais. Mas, no entanto, é uma proteção para a parcela da sociedade que permaneceria permanentemente marginalizada face à impossibilidade econômica de custear o processo e de obter informações e conhecimento acerca de seus direitos como cidadão. É o que se percebe no apontamento de Monfardini (2008, p. 4): [...] a dificuldade do direito em se manter “atualizado” e “preparado” para os diuturnos avanços sociais, não é inerente apenas às normas de direito substancial. De nada adiantaria um direito material desenvolvido e consentâneo com a realidade se não dispuser ao mesmo tempo de um instrumental eficiente e eficaz para a realização do direito material. (...) o avanço do direito processual civil brasileiro no sentido de rechaçar cada vez mais o formalismo exacerbado e a morosidade processual, no sentido de buscar a efetividade e proporcionar o oferecimento da tutela jurídica adequada ao jurisdicionado [...]. É nesta esteira, na busca pela adequada prestação da tutela jurisdicional que a reforma do código de processo civil, exigiu-se, com a intenção de resolver questões não solvidas pela doutrina, conferir a aplicação do princípio da efetividade. Implementando, assim, um sistema processual mais eficiente e capaz de atender ao trinômio anteriormente mencionado (qualidade/tempestividade/ efetividade) foi o ideal pretendido pelas novas reformas legais, visando à melhoria da tutela jurisdicional. A idéia de efetividade está ligada a uma reestruturação dos conflitos e das situações violadas. Para isso, não basta que o provimento jurisdicional assegure à B D U – B ib lio te ca D ig ita l d a U N IV AT E S (h tt p: //w w w .u ni va te s.b r/ bd u) 35 parte o bem jurídico a que tem direito, esta prestação deve ser célere em relação à lesão ou ameaça ao direito (Rosa Júnior, 2009). Sucede que a efetiva solução de conflitos, ainda é importante fazer-se presente: [...] a sociedade como um todo continuava ansiosa por uma prestação jurisdicional mais efetiva. Aspiravs-se, cada vez mais, a uma tutela que fosse mais pronta e mais consentânea com uma justa e célere realização ou preservação dos direitos subjetivos violados ou ameaçados; por uma Justiça que fosse amoldável a todos os tipos de conflito jurídico e que estivesse ao alcance de todas as camadas sociais e de todos os titulares de interesses legítimos e relevantes; por uma Justiça, enfim, que assumisse, de maneira concreta e satisfatória, a função de realmente implementar a vontade da lei material, com o menor custo e a maior brevidade possíveis, tudo através de órgãos adequadamente preparados, do ponto de vista técnico, e amplamente confiáveis, do ponto de vista ético (Theodoro Júnior, 2008, p. 4). Ainda, com muita propriedade, Bedaque (1997), faz uma análise sobre o processo atual e sintetiza a importância desta figura para o meio jurídico: Hoje não se discute mais sua independência e autonomia. Debate-se, todavia a respeito da sua efetividade, que em última análise, significa que o processo deve proporcionar a total proteção ao direito substancial. Isto é, somente se pode falar em efetividade do processo se o seu resultado for socialmente útil, proporcionando ao titular de um direito, em cada caso concreto, o acesso à ordem jurídica justa (Bedaque, 1997, p. 56). Assim sendo, a efetividade processual, tão discutida e presente no cotidiano dos sujeitos do mundo jurídico, também significa, antes de tudo, o perfeito alcance da finalidade que o processo representa se comparado ao instrumento da distribuição da justiça, haja vista sua função de garantidor de soluções ao mesmo tempo jurídicas e legítimas (Monfardini, 2008). A efetividade do processo nada mais é do que a realização prática, real dos fins ao que o processo se propõe. É o cumprimento das finalidades do processo. Logo, a efetividade diante da reforma do Judiciário tem o condão de impor uma tramitação do processo em prazo razoável e a celeridade de sua tramitação (Rosa Júnior, 2009). A previsão constitucional do princípio da celeridade processual apenas formaliza um antigo anseio há muito buscado pela sociedade, que é uma prestação jurisdicional digna e eficiente. Também conhecido como princípio da brevidade, foi recentemente positivado no ordenamento jurídico e sua introdução acrescentou mais uma garantia fundamental, aduzindo o inciso LXXVIII ao art. 5º da Lex Magna: “a B D U – B ib lio te ca D ig ita l d a U N IV AT E S (h tt p: //w w w .u ni va te s.b r/ bd u) 36 todos, no âmbito judicial e administrativo, são assegurados a razoável duração do processo e os meios que garantam a celeridade de sua tramitação”. Fica evidente então, que o direito público subjetivo a um processo célere está inserido nos direitos e garantias fundamentais do cidadão viabilizando com isso o exercício das demais normas vigentes em nosso país. O que norteia e pressupõe-se o novo ordenamento constitucional é o seu conteúdo programático, a efetiva reconstituição da tutela jurisdicional, a qual deverá se focar numa gestão humana e tecnicamente reestruturada com a criação de meios indispensáveis à rápida, mas não menos eficaz prestação da tutela jurisdicional, como um ideal a ser perseguido, descartando-se, com isso, toda e qualquer formalidade que se configure como excessiva à contenda (Madeira; Madeira, 2009). Pode-se afirmar que muitas são as formalidades que se inserem no andamento do processo na via judicial. Portanova (1997) refere que as pedras no caminho da celeridade são o acúmulo de serviço e o pequeno número de servidores e juízes. Estes seriam apenas alguns dos contratempos processuais, que não trazem nenhum acréscimo efetivo à lide e que deveriam ser descartados pela prática forense. Na mesma linha, Hélio (2006, p. 1) defende: É muito bem-vindo esse dispositivo, pois é conhecida a crônica da Justiça lenta, entre outras razões, pelo número excessivo de demandas processuais em desproporção ao quantum de operadores (juízes, serventuários) responsáveis em satisfazer tais conflitos. Mas resta uma dúvida, suscitada pelos melhores doutrinadores que têm enfrentado a análise da matéria: será esta mais uma norma de conteúdo programático, de conteúdo utópico, sem eficácia prática? Depende e muito da absorção que a sociedade fizer da força normativa das normas constitucionais, entre as quais o novo dispositivo se encontra. O princípio em tese é decorrente dos princípios da inafastabilidade de acesso ao Poder Judiciário e do devido processo legal, reiterando desta forma, a preocupação dos legisladores com a tramitação dos processos e a presteza no deslinde da questão. Desta forma, os processos devem desenvolver-se em tempo razoável, de modo a garantir a utilidade do resultado alcançado ao final da demanda (Hélio, 2006). Garantir a celeridade e a razoável duração do processo é asseverar o seu desenvolvimento pelo lapso temporal necessário a atingir seu verdadeiro escopo: a B D U – B ib lio te ca D ig ita l d a U N IV AT E S (h tt p: //w w w .u ni va te s.b r/ bd u) 37 pacificação social por meio de uma tutela jurisdicional efetiva. O Estado, detentor do direito-dever de desempenhar a verdadeira justiça, não poderia penalizar os jurisdicionados com a absurda duração do processo, mesmo antes de entrar em vigor as novas legislações através da Emenda Constitucional aludida (Cardoso, 2007). O mesmo autor acrescenta que o tempo do processo é fundamento dogmático de importantes temas do processo contemporâneo, pois a sua demora tem o condão de afetar a qualidade do serviço do juiz, já que as possibilidades de erro se multiplicam consideravelmente na medida em que transcorre o tempo entre a ocorrência do fato a ser investigado em juízo e a sua declaração por meio da sentença. Assim, o princípio da celeridade também interfere no interior das partes litigantes: “Isto tudo porque o processo interfere na felicidade do litigante que o reivindica, a delonga no processo gera um aspecto emocional negativo, ou seja, a angústia e a infelicidade” (Cardoso, 2007, p. 4). Por fim, faz-se referência ao princípio da economia processual segundo o qual, se deve orientar os atos processuais evitando desperdício de tempo e dinheiro (Santos, 2007). Neste sentido, a economia processual pode ser explicada como a tentativa de poupar qualquer desperdício na condução do processo, bem como na prática dos atos processuais, de trabalho, tempo e demais despesas que possam travar o curso do processo. O denominado princípio preconiza o máximo resultado na atuação do direito com o mínimo emprego possível das atividades processuais (Cintra; Grinover; Dinamarco, 2005). “Tal princípio consiste em se obter o máximo resultado processual com um mínimo de dispêndio, para que o processo seja menos oneroso às partes (Ribeiro; Barbosa, 2005, p. 434)”. Pode-se afirmar que, é necessária a observação das garantias relativas às partes e as regras procedimentais e legais que regem o processo civil para que o referido princípio tenha eficácia, evitando com isso repetição de atos inúteis ao processo (Portanova apud Nery Júnior, 1997). Contudo, ainda que em diversos dispositivos legais do nosso ordenamento jurídico processual (CPC), este princípio encontra-se inserido, alguns de forma B D U – B ib lio te ca D ig ita l d a U N IV AT E S (h tt p: //w w w .u ni va te s.b r/ bd u) 38 explícita, outros mencionados indiretamente, mas que no contexto elucidam o seu ideal8. Assim, em nome desta contribuição ao sistema processual civil, o princípio em questão deve ser aplicado sempre procurando alcançar a finalidade à qual se destina e jamais ferindo os direitos processuais dos litigantes, podendo até mesmo, o magistrado, em situações variáveis, adotar recursos não previstos legalmente (Santos, 2007). É nesse diapasão que se segue o estudo, preservando os princípios norteadores do direito e ao mesmo tempo criando mecanismos de adaptação da lei aos novos conflitos de interesses apresentados pela sociedade. Assim, é cogente que se avalie a nova Emenda Constitucional nº 45 de 2004, que alterou de forma expressiva o processo civil brasileiro. 2.3 A Reforma do Judiciário e a atualização do processo civil As mudanças ocorridas na estrutura do Poder Judiciário, promovidas pela promulgação da Emenda Constitucional n.º 45, de 08 de dezembro de 2004, fazem parte da terceira etapa da última Reforma Processual Civil. Essas modificações influenciaram a estrutura do aparato jurídico e serviram de base para alterar a composição dos tribunais judiciais, as regras relativas aos membros que compõem a magistratura brasileira, dentre outras alterações que, mais especificamente compõem o tema deste estudo. 8 São alguns exemplos: Art. 46 - Duas ou mais pessoas podem litigar, no mesmo processo, em conjunto, ativa ou passivamente, quando: I - entre elas houver comunhão de direitos ou de obrigações relativamente à lide; II - os direitos ou as obrigações derivarem do mesmo fundamento de fato ou de direito; III - entre as causas houver conexão pelo objeto ou pela causa de pedir; IV - ocorrer afinidade de questões por um ponto comum de fato ou de direito. Art. 56 - Quem pretender, no todo ou em parte, a coisa ou o direito sobre que controvertem autor e réu, poderá, até ser proferida a sentença, oferecer oposição contra ambos. Art. 62 - Aquele que detiver a coisa em nome alheio, sendo-lhe demandada em nome próprio, deverá nomear à autoria o proprietário ou o possuidor. Art. 70 - A denunciação da lide é obrigatória: I - ao alienante, na ação em que terceiro reivindica a coisa, cujo domínio foi transferido à parte, a fim de que esta possa exercer o direito que da evicção lhe resulta; II - ao proprietário ou ao possuidor indireto quando, por força de obrigação ou direito, em casos como o do usufrutuário, do credor pignoratício, do locatário, o réu, citado em nome próprio, exerça a posse direta da coisa demandada; III - àquele que estiver obrigado, pela lei ou pelo contrato, a indenizar, em ação regressiva, o prejuízo do que perder a demanda. Art. 77 - É admissível o chamamento ao processo: I - do devedor, na ação em que o fiador for réu; II - dos outros fiadores, quando para a ação for citado apenas um deles; III - de todos os devedores solidários, quando o credor exigir de um ou de alguns deles, parcial ou totalmente, a dívida comum. B D U – B ib lio te ca D ig ita l d a U N IV AT E S (h tt p: //w w w .u ni va te s.b r/ bd u) 39 No entanto, para se compreender o movimento que originou a publicação das novas leis relativas ao processo de execução e que são a base de estudo deste trabalho, é importante ter em mente a evolução do pensamento de diferentes doutrinadores e operadores do direito que traduziram os anseios sociais reivindicados há muitos anos. No que alude ao valor da Reforma do Poder Judiciário, pode-se ressaltar ainda, que a sua importância está diretamente ligada ao crescimento econômico do país e ao seu desenvolvimento como um todo, já que não é possível visualizar o crescimento de uma região sem uma legislação segura e bem estruturada e sem um sistema que aplique e ofereça a prestação da tutela de que todos os cidadãos necessitam. Neste sentido, pode-se já antever que a Reforma do Judiciário não encerra toda a questão pendente, mas se inclina antes de tudo à necessidade de mudanças factuais das legislações infraconstitucionais que hoje vigoram. Na verdade, a referida reforma apenas inicia a série de reformas legislativas de que o país necessita (Madeira; Madeira, 2009, p. 1). A Reforma do Judiciário foi uma iniciativa dos Poderes Executivo, Legislativo e Judiciário que formalizaram o Pacto de Estado, chamado de Pacto Republicano, em favor de um Judiciário mais rápido e republicano, com o objetivo de combater a insatisfação dos operadores do direito e do jurisdicionado e desta forma implementar uma mudança nas bases constitucionais e infraconstitucionais como forma de investir contra a morosidade do Poder Judiciário (Pacto Republicano, 2004). Segundo o documento: Poucos problemas nacionais possuem tanto consenso no tocante aos diagnósticos quanto à questão judiciária. A morosidade dos processos judiciais e a baixa eficácia de suas decisões retardam o desenvolvimento nacional, desestimulam investimentos, propiciam a inadimplência, geram impunidade e solapam a crença dos cidadãos no regime democrático. (Pacto Republicano, 2004, on line). Para que fosse concretizada essa ação, criou-se a Secretaria de Reforma do Judiciário do Ministério da Justiça com o objetivo de promover, coordenar, sistematizar e arrecadar propostas reminiscentes à reforma do Judiciário. A sua função está adstrita a um órgão de articulação entre os poderes Executivo, Judiciário e o Legislativo, como também o Ministério Público, governos estaduais, entidades da B D U – B ib lio te ca D ig ita l d a U N IV AT E S (h tt p: //w w w .u ni va te s.b r/ bd u) 40 sociedade civil e organismos internacionais com o objetivo de propor e difundir ações e projetos de melhoria do Poder Judiciário. Esta secretaria surgiu como um meio de viabilizar a reestruturação do Poder Judiciário com vista a torná-lo mais rápido, ágil e eficiente, proporcionando e contribuindo para uma justiça acessível à população brasileira (Renault e Bottini, 2006). Isto porque o Poder Judiciário, preso ao excessivo formalismo, foi o poder que menos acompanhou as crescentes modificações da sociedade, em que pese a complexidade social clamar pela prestação ágil e eficiente da tutela jurisdicional. Nesse aspecto, vale ressaltar as palavras de Melo: [...] o Poder Judiciário, fiel à balança entre os poderes da República e, por isso mesmo, responsável pela manutenção do equilíbrio de forças no complexo jogo democrático, manteve-se praticamente alheio às profundas transformações por que passava a sociedade brasileira, preso que se achava a uma estrutura concebida sob os auspícios do regime ditatorial e que em muito remontava ao início do século XX. Os problemas não tardaram a aparecer: a velha estrutura judiciária mostrou-se incapaz de atender adequadamente ao “boom” de demandas surgidas após a redemocratização do País, fruto do despertar de uma consciência voltada para a concretização dos novos direitos consagrados no texto constitucional, expressão maior da cidadania. A conjugação desses fatores intensificou consideravelmente a crise de eficiência do Poder Judiciário, já em curso (Barroso apud Melo, 2007, p. 3) Neste sentido, há quem entenda que a pressão social intensificou a urgência na apresentação de alternativas para a solução formal das diferentes e modernas demandas (Renault; Bottini, 2006). Em estudo realizado pelo Supremo Tribunal Federal no ano de 2005, pode-se perceber que o percentual de congestionamento do Poder Judiciário, mediante a grande quantidade de ações distribuídas e encaminhadas a sua apreciação, é de 60% (sessenta por cento), o que significa que de cada dez processos que entram ou tramitam, em um ano, apenas quatro chegam ao seu destino, e o restante vai se acumulando nas Varas de todo o país, contribuindo para o caos que hoje se apresenta (Renault; Bottini, 2006). Nesta busca por alternativas válidas para o enfrentamento da chamada “crise do judiciário”, a primeira contribuição da reforma para o sistema normativo brasileiro foi a aprovação da Emenda Constitucional nº. 45/2004, que alterou e acrescentou vários dispositivos à Constituição Federal brasileira (CF/1988) os quais foram B D U – B ib lio te ca D ig ita l d a U N IV AT E S (h tt p: //w w w .u ni va te s.b r/ bd u) 41 importantes como forma de agilizar o ingresso à justiça e criar mecanismos de acesso ao Judiciário. No dizer de Rodrigues (2009, p. 2-3): Assim, atendendo a uma necessidade premente da sociedade, após vários anos de tramitação nas duas Casas do Congresso Nacional, no ano de 2005 foi aprovada a Emenda Constitucional 45 (EC 45), conhecida como “Reforma do Judiciário”. Tal reforma, todavia, deu-se mais em aspectos institucionais do que propriamente funcionais, cabendo à legislação infraconstitucional o dever de adequar o preceito elevado à garantia constitucional de que “a todos, no âmbito judicial e administrativo, são assegurados a razoável duração do processo e os meios que garantam a celeridade na sua tramitação”, insculpido no artigo 5º, LXXVIII da Constituição Federal, o princípio da inafastabilidade da jurisdição, também previsto no artigo 5º, inciso XXXV da CF/88 bem como o princípio do devido processo legal, assegurado no inciso LIV do artigo 5º da Carta Magna, à realidade econômica e social do país e à própria estrutura do Poder Judiciário. Apesar do projeto da EC nº. 45 ter tramitado por muitos anos e sofrido diversas alterações durante esse período tratou-se de uma ideação madura, pois nota-se que o que se procurou alcançar com essas mudanças foi a satisfação da sociedade com a criação de métodos factíveis de melhoria da prestação jurisdicional (Wambier, 2005). A mesma autora ressalta quais são as principais mudanças e inovações proporcionadas por este projeto: As principais alterações introduzidas pela Emenda podem ser classificadas em grupos. O primeiro deles é o das que visam a dar maior celeridade ao processo com um todo, como a adoção da súmula vinculante pelo Supremo Tribunal Federal, a distribuição imediata de processos citada pela professora, a destinação de custas e emolumentos exclusivamente para o custeio dos serviços afetos às atividades específicas da Justiça e a repercussão geral (o recorrente deverá demonstrar a repercussão geral das questões constitucionais discutidas no caso, a fim de que o STF examine a admissibilidade do recurso extraordinário. Um outro grupo de mudanças tem como objetivo dar maior transparência às ações da Justiça. Neste caso, incluem se a criação do Conselho Nacional de Justiça e do Conselho Nacional do Ministério Público, a publicidade das decisões administrativas, a possibilidade de criação de órgão especial nos Tribunais com número superior a 25 julgadores, os poderes vinculantes para as decisões do Conselho da Justiça Federal e a formação de ouvidorias estaduais (Wambier, 2005, p. 4). Em continuidade a estas alterações legais, foi sancionada no dia 19 de outubro de 2005 a primeira lei proveniente deste pacto, a qual recebeu o nº. 11.187 sendo que a mesma alterou o Código de Processo Civil no que diz respeito à disciplina dos agravos retidos e de instrumento, tornando o primeiro deles o meio recursal por excelência quanto às decisões interlocutórias de primeiro grau (Bueno, B D U – B ib lio te ca D ig ita l d a U N IV AT E S (h tt p: //w w w .u ni va te s.b r/ bd u) 42 2006). Esta nova lei estabelece que o agravo de regra será o retido e, por consequência, somente será julgado no momento da apelação, salvo em casos de possível lesão irreparável, evitando, desta forma, a suspensão do processo no aguardo da decisão e reforçando as decisões proferidas em primeiro grau. O mesmo autor acrescenta, contudo, que o principal reforço normativo e marco na legislação processual civil pátria foi a aprovação e o sancionamento da Lei nº. 11.232, de 22 de dezembro de 2005, sobretudo porque acabou com a autonomia do processo de execução das sentenças judiciais, tornando-o parte, isto é, uma fase seguinte, do processo de cognição revogando dispositivos relativos à execução fundada em título judicial. Sobre o contexto lecionou Rodrigues (2009, p. 3): Sob tal contexto é que surgiram as recentes reformas do processo civil, visando a uma maior efetivação da prestação da tutela jurisdicional. Fiel representante dessa reforma, tanto em termos estruturais quanto em objetivos a serem alcançados, é a Lei 11.232, de 22.12.2005, que, modificando o modelo processual até então vigente, inspirado em Liebman9, consagrou o sincretismo processual no que tange à obrigação de pagar quantia certa, em que reúnem-se, na mesma relação processual, a atividade cognitiva e executiva. Segundo o preâmbulo do diploma legal, acima referido, a liquidação e a execução da sentença judicial deixam de ser processos independentes e passam a fazer parte do processo de conhecimento que analisa o mérito da ação, agilizando o cumprimento da sentença. Procurou-se, dessa forma, reduzir e não incentivar as atitudes protelatórias que causam ônus às partes litigantes. Esta medida significou o rompimento com o tradicional pensamento da doutrina pátria, que sempre advogou pela necessária dicotomia entre processo de conhecimento e execução. A vida em sociedade é regrada por determinados preceitos de conduta geral obrigatória e cuja obediência é sustentada por meios pacíficos. No entanto, ocorrendo conflito de interesses entre os cidadãos, aplica-se a coerção para se fazer valer a justiça (Roesler, 2007). 9 Desde a década de 40, Enrico Tullio Liebaman influenciou a cultura jurídica nacional, tendo sido a grande inspiração do Código de Processo Civil brasileiro de 1973. Dentre seus ensinamentos mais profundos, por oportuno, destacam-se os ensinamentos sobre distinção entre processo de conhecimento e processo de execução, como realidades jurídicas distintas e complementares. B D U – B ib lio te ca D ig ita l d a U N IV AT E S (h tt p: //w w w .u ni va te s.b r/ bd u) 43 As normas jurídicas são criadas pelo Estado e, diante da teoria geral do processo, quando não cumpridas geram uma exceção à regra no comportamento humano fazendo surgir, como meio de pacificação social, a jurisdição. No entanto, para que o Estado certifique, preserve, satisfaça ou integre o direito, é necessário que alguém o pleiteie. Para isso, é imprescindível a trilogia estrutural do processo: ação, competência e jurisdição. Quando se tratar de atos de investigação tem-se a aplicação do procedimento de cognição ou conhecimento; para proteger o bem ou o direito, a ação cautelar; e para a efetivação e realização do direito, a jurisdição de execução (Gama, 2006). [...] Nesse aspecto, portanto, as ações classificam-se conforme o tipo