UNIVERSIDADE DO VALE DO TAQUARI – UNIVATES CURSO DE JORNALISMO O AGENDAMENTO EM VEJA: UMA ANÁLISE DE COMO A MAIOR REVISTA DE CIRCULAÇÃO NACIONAL ABORDA, A PARTIR DOS CONCEITOS DE DIREITA E ESQUERDA, A DELAÇÃO DA JBS Tiago da Silva Lajeado, novembro de 2017. Tiago da Silva O AGENDAMENTO EM VEJA: UMA ANÁLISE DE COMO A MAIOR REVISTA DE CIRCULAÇÃO NACIONAL ABORDA, A PARTIR DOS CONCEITOS DE DIREITA E ESQUERDA, A DELAÇÃO DA JBS Monografia apresentada à disciplina de Trabalho de Conclusão de Curso II, do curso de Jornalismo da Universidade do Vale do Taquari – Univates, como parte da exigência para a obtenção de título de Bacharel em Jornalismo. Orientador: Prof. Me. Fábio Luís Kraemer Lajeado, novembro de 2017. RESUMO O jornalismo se estabeleceu como um mediador dos discursos e discussões dos mais variados campos sociais, e a disseminação da opinião nos veículos de comunicação sempre foi alvo de debate. Nas revistas, a problemática ganha ainda mais força pois elas promovem um jornalismo mais interpretativo que os outros meios e as fronteiras entre opinião e informação podem não ser tão claras. Com efeito, os veículos podem estar direcionando os seus leitores a terem uma interpretação que converge com as pautas de uma ou outra ideologia política. Nesse sentido, o presente trabalho busca perceber como a revista Veja se posiciona editorialmente quando aborda a colaboração premiada dos executivos do grupo JBS com o Ministério Público Federal no âmbito da Operação Lava Jato. A pergunta norteadora é de que forma as bandeiras atribuídas à direita e à esquerda são agendadas editorialmente pelas instituições jornalísticas? Como uma pesquisa quanti-qualitativa, de caráter exploratório e descritivo, viabilizada por meio de pesquisa bibliográfica e documental, o presente estudo constitui-se de uma análise de conteúdo de oito edições publicadas entre os meses de maio e julho. Como resultados, verificamos que o assunto foi agendado no topo da hierarquia da ordem do dia pela revista durante todas as edições analisadas; que o enquadramento dominante produzido pela Veja foi de que há uma corrupção endêmica, generalizada, nos poderes da República; que, para o veículo, a corrupção independe de partidos e ideologias políticas. Por isso, a revista não se colocou como parte e nem promotora do debate ideológico entre os dois polos do espectro político e, eventualmente, abordou temas caros à direita ou à esquerda dentro de um contexto amplo. Como proposições, sugerimos a continuidade de estudos com essa proposta norteadora, para que possam ser ocorrer uma evolução dos conceitos de agendamento e enquadramento no sentido de identificar o por que pensar, por parte do receptor. Palavras-chave: Jornalismo. Agendamento. Enquadramento. Ideologia. Corrupção. LISTA DE ILUSTRAÇÕES Quadro 01 – Tipologia de Acapulco .......................................................................... 50 Quadro 02 – Divergências em relação a temas ligados às ideologias clássicas ....... 75 Quadro 03 – Divergências em relação aos novos temas .......................................... 76 Quadro 04 – Categorias de classificação dos manifestos ......................................... 77 Quadro 05 – Composição da escala esquerda-direita .............................................. 80 LISTA DE TABELAS Tabela 01 – Incidência do tema Delação JBS nas edições analisadas ..................... 83 LISTA DE FIGURAS Figura 01 – Políticos se unem contra as investigações ............................................. 88 Figura 02 – Primeira capa do período de análise, com a manchete “Basta” ............. 96 Figura 03 – Temer se segura na faixa presidencial à beira do abismo...................... 98 Figura 04 – Revista passa a impressão de que presidente é menor que o cargo ..... 98 Figura 05 – Temer fardado para a guerra contra as investigações ........................... 99 Figura 06 – Reportagem contextualiza situação do presidente ............................... 100 Figura 07 – Reação de Aécio ao tomar conhecimento da divulgação da delação .. 100 Figura 08 – Ex-presidentes acusados por delator de terem contas de R$ 150 mi .. 101 Figura 09 – Imagem e gráfico compõem quadro informativo................................... 102 Figura 10 – “Deputado da mala”, Loures foi filmado recebendo mala de R$ 500 mi ................................................................................................................................ 102 Figura 11 – Em arte sobre foto, Veja deduz o interesse dos investigados .............. 103 Figura 12 – O salto da JBS nos governos petistas .................................................. 104 Figura 13 – Analogia com expressão popular ......................................................... 105 Figura 14 – “Foro, Temer!” ...................................................................................... 106 Figura 15 – “Dentro, Temer” .................................................................................... 107 Figura 16 – O “milagre” de Joesley ......................................................................... 108 Figura 17 – Tratamento diferenciado aos Neves ..................................................... 109 SUMÁRIO 1 INTRODUÇÃO ......................................................................................................... 7 2 CONTEXTO GERAL .............................................................................................. 11 2.1 A Veja ................................................................................................................. 11 2.2 Dos gêneros e formatos ................................................................................... 14 2.2.1 Classificação de Marques de Melo ............................................................... 16 2.3 Gêneros .............................................................................................................. 17 2.3.1 Gênero informativo ........................................................................................ 17 2.3.2 Gênero opinativo ............................................................................................ 19 2.3.3 Gênero interpretativo ..................................................................................... 22 2.3.4 Gênero diversional ......................................................................................... 25 2.3.5 Gênero utilitário .............................................................................................. 26 2.4 O formato e a opinião nas newsmagazine ...................................................... 27 3 MÉTODO................................................................................................................ 30 3.1 Pesquisa qualitativa .......................................................................................... 30 3.2 Pesquisa exploratória ....................................................................................... 33 3.3 Pesquisa descritiva ........................................................................................... 33 3.4 Pesquisa bibliográfica ...................................................................................... 33 3.5 Pesquisa documental........................................................................................ 34 3.6 Amostra .............................................................................................................. 35 3.7 Análise de conteúdo ......................................................................................... 36 4 REFERENCIAL TEÓRICO..................................................................................... 40 4.1 Teorias do Jornalismo ...................................................................................... 40 4.1.1 Teoria da Agenda ou agenda setting ............................................................ 41 4.1.1.1 O pseudoambiente ...................................................................................... 42 4.1.1.2 Efeitos de longo prazo e “efeito de enciclopédia” ................................... 46 4.1.2 Enquadramento ou framing ........................................................................... 55 4.1.2.1 Elementos do frame .................................................................................... 59 4.1.2.2 A perspectiva dominante ............................................................................ 60 4.2 Direita e esquerda ............................................................................................. 63 4.2.1 Surgimento ..................................................................................................... 63 4.2.2 Pós-revolução e questionamentos ............................................................... 65 4.2.3 O que defendem direita e esquerda .............................................................. 68 4.2.4 Particularidades da América Latina .............................................................. 73 5 ANÁLISE................................................................................................................ 81 5.1 Sobre o pseudoambiente.................................................................................. 84 5.2 Sobre o enquadramento ................................................................................... 94 5.3 Sobre direita e esquerda................................................................................. 110 5.4 Sobre o agendamento ideológico .................................................................. 115 6 CONSIDERAÇÕES FINAIS ................................................................................. 120 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ....................................................................... 124 7 1 INTRODUÇÃO Há um debate forte, polarizado, entre esquerda e direita nos últimos anos no Brasil. A observação mostra que esse acontecimento extrapola a arena política, onde os candidatos duelam pela preferência do eleitor, e alcança a sociedade, dividindo-a em dois polos antagônicos. Somado a um fenômeno de bolhas ideológicas — potencializado pelas redes sociais online —, quando não se produz mais o consenso, e sim o dissenso, nenhum dos lados do espectro político-ideológico modera seu discurso e aceita fazer concessões ao diferente para retomar o diálogo. Tendo em vista que esse debate mais acalorado não fica circunscrito somente a militantes mais ativos — tanto no ambiente online como nas manifestações públicas em defesa de suas bandeiras —, importa percebermos como o cidadão comum, alheio aos movimentos e agendas ideológicas, é informado e se comporta nesse ambiente conflagrado. Segundo a teoria da agenda, como vivemos em uma sociedade de massa complexa em sua organização, na maioria dos casos, torna-se impossível para o grande público ter informações de primeira-mão, ser testemunha ocular de acontecimentos que, por certo, direta ou indiretamente, afetam a sua vida e, no futuro, podem ser instados a tomarem decisões sobre esses acontecimentos. São os casos, por exemplo, da política, da economia, da segurança pública, saúde, educação, entre outras grandes áreas. Nesse quadro, as informações chegam por intermédio dos grandes veículos de comunicação. Estes veículos, por sua vez, seguindo conceitos subjetivos, proporcionam aos receptores das mensagens relatos jornalísticos que se constituem como um fragmento da realidade, um retrato, uma reconstituição do fato de segunda-mão oferecido ao leitor, ouvinte ou telespectador. 8 Com efeito, pelo grau de comprometimento que os mass media têm na criação das "imagens em nossas cabeças" — definição de Lippmann (2008) — relativas a acontecimentos do cotidiano social, é necessário ficarmos atentos às linhas editoriais adotadas pelos veículos de imprensa e também às suas relações — e eventuais interesses por trás delas — com políticos, empresários, organizações, movimentos sociais e grupos de interesse —, no sentido de direcionar a opinião pública a um objetivo comum entre eles. Como pano de fundo dessa chamada de atenção, encontram-se as duas ideologias que abarcam posicionamentos e visões de mundo distintas: a direita e a esquerda. Costumeiramente, entende-se por esquerda, de acordo com Bobbio (1995), a defesa da igualdade e pela qual se pode sacrificar a liberdade; e a direita se posiciona no sentido de preferir a liberdade — de expressão e econômica, principalmente —, abrindo mão, se necessário, do princípio da igualdade. Ou seja, a esquerda prioriza ideias pelas quais entende que conseguirá a justiça social, e, para esse fim, o Estado tem papel fundamental em proporcionar a igualdade social e redistribuição de renda. Já a direita acredita na liberdade do indivíduo e, a partir dessa liberdade, em uma sociedade de livre mercado (free market society), as pessoas se tornam agentes das mudanças em suas vidas, reduzindo a dependência do Estado. Com efeito, a direita segue o liberalismo econômico enquanto a esquerda é mais intervencionista e dirigista. Embora conceitos que possibilitem margem para questionamentos, direita e esquerda são terminologias usadas como referência para a definição de defesas adotadas em discussões no cotidiano comum — quando a pauta é segurança, por exemplo, com a discussão de leis mais duras e repressão à criminalidade ou, em oposição, modelos de ressocialização e progressão de pena —, ou em questões mais complexas, que exigem maior bagagem filosófica, como a teoria da política — o Estado deve interferir na economia de modo a corrigir eventuais distorções no mercado ou esta intervenção seria ainda mais danosa à população? A imprensa, que, ao longo de sua evolução, se estabeleceu como mediadora do debate público, não fica alheia às ideologias. Se, nos seus primórdios, os jornais poderiam ser vistos como extensões ideológicas de grupos político-partidários e eram rotulados por isso, hoje, em grande medida, os veículos procuram não se identificar 9 como de direita ou de esquerda. Ao invés disso, buscam, sempre que podem, destacar que ressaltam a pluralidade de ideias em suas publicações. No nosso modo de ver o quadro, essa postura é perigosa porque os receptores, em um exame preliminar, ao se depararem com essa aludida isenção e neutralidade por parte do veículo, podem estar tomando como verdade um relato jornalístico que pode estar enviesado, construído com a intenção de se enquadrar a uma narrativa para favorecer e municiar a esquerda ou a direita no embate ideológico. Ou seja, nessa hipótese aventada, estariam avançando à tese clássica do agenda-setting de que a mídia não diz somente como pensar, mas o que pensar. Dessa forma, estariam enquadrando o noticioso para induzir determinada interpretação. Isso aconteceria porque as notícias têm uma aparência de objetividade e neutralidade e, assim, seus enquadramentos tendem a ser mais aceitos do que as mensagens contidas nos editoriais e outros formatos onde a opinião impera. Essas questões apontadas nesta exposição inicial servem para nos conduzir ao nosso problema de pesquisa deste trabalho acadêmico: de que forma as bandeiras atribuídas à direita e à esquerda são agendadas editorialmente pelas instituições jornalísticas? Para respondermos essa indagação, o presente estudo tem por objetivo geral identificar como a maior revista de circulação nacional, a Veja, agenda seus leitores com pautas direcionadas a um viés de direita ou de esquerda. Especificamente, buscaremos caracterizar qual o pseudoambiente (ver conceito no cap. sobre teoria da agenda) construído pela revista e apresentado à opinião pública sobre a delação dos executivos da holding J&F, dona do frigorífico JBS, assinada com a Procuradoria Geral da República (PGR) no âmbito da Operação Lava Jato. Outra finalidade é identificar os elementos que formam o enquadramento nas publicações gerado por Veja no recorte de tempo estipulado na amostragem. E, por fim, após o exame das informações trazidas e do enquadramento, buscaremos indicar se houve agendamento ideológico e direcionamento das pautas, à direita ou à esquerda, pela revista. Inicialmente, trabalhamos com a hipótese de que a posição da empresa jornalística é demarcada pela escolha das pautas e pelo tratamento editorial que elas recebem, já que um fato pode ser ignorado pela edição ou ser abordado conforme o viés defendido pela empresa. Esse fato nos leva a nossa segunda hipótese: de que 10 as publicações constroem um ambiente, consciente ou inconscientemente, de informações e o apresenta ao leitor, que pode ficar sujeito à influência do veículo e construir sua visão de mundo a partir dele se não buscar outras fontes de informação. Além disso, que diversos mecanismos — como palavras-chave, metáforas, analogias, números e imagens visuais — são usados pela imprensa para dar peso à mensagem e facilitar a assimilação da mesma pela audiência. Por fim, em relação ao fato concreto — a delação da JBS — supomos, em análise inicial, que a revista Veja, embora adote um tom duro contra o Palácio do Planalto, aponta a necessidade de se aprovar as reformas trabalhista e previdenciária por serem agendas de Estado e não de governo, além de que, se o presidente sair, que sua substituição ocorra dentro dos limites e determinações constitucionais. Tal estudo se mostra necessário porque a mídia, onipresente, se estabeleceu como uma mediadora de discursos em todos os campos sociais. Ela tem significativa parcela de influência na formação na opinião pública, haja vista que a pauta midiática, como mostram pesquisadores do agenda-setting, tem grandes chances de ser incluída pelo público em sua agenda de preocupações. Por esse motivo, acreditamos ser pertinente verificar como a orientação e o direcionamento ideológico empregados pelos veículos de comunicação podem fazer com que as pessoas produzam sentido sobre um fato e o levem em conta nas suas tomadas de decisões. Nesse quesito, nos estudos acadêmicos em Comunicação Social, é fundamental identificar quais métodos a imprensa usa para fazer com que o público assuma como suas, bandeiras levantadas por um empresa jornalística. Dentre esses métodos, devemos destinar especial atenção ao fato de que a opinião, que, em tese, deveria estar restrita ao gênero opinativo e bem destacada ao público, pode estar se difundindo em formatos que se pretendem mais objetivos na apresentação dos fatos noticiosos. Após a apresentação das linhas gerais do trabalho, o capítulo seguinte apresenta um contexto geral para situar o leitor sobre i) a Veja, ii) os gêneros e iii) o formato das newsmagazine. Depois, temos um capítulo que esclarece o método científico que será adotado na coleta e análise de dados. Posteriormente, será reunido o referencial teórico que sustenta essa produção, subdividido em Teoria do Agendamento, do Enquadramento e as ideologias de direita e de esquerda. O quinto capítulo dedicamos à análise do material colhido para a pesquisa. E, por fim, o capítulo derradeiro reúne as considerações finais deste estudo. 11 2 CONTEXTO GERAL O capítulo a seguir tem como objetivo situar o leitor sobre a revista (história, influência e colocação no mercado editorial), bem como orientar a leitura com a caracterização dos gêneros e formatos jornalísticos e, em especial, o formato das newsmagazines. Entendemos essa ser uma forma de, a posteriori, facilitar a apreciação do estudo. 2.1 A Veja A revista Veja é uma publicação semanal do Grupo Abril, um dos maiores e mais influentes grupos de comunicação e distribuição da América Latina, que produz conteúdo em diversas plataformas e opera com base em dois principais segmentos empresariais: a Abril Mídia, que concentra os negócios da Editora Abril (que edita a Veja), da Abril Gráfica e do CasaCor; e a DGB, holding de Distribuição e Logística (GRUPO ABRIL, 2017). A Veja foi lançada no mercado brasileiro no dia 11 de setembro de 1968. A revista foi a primeira semanal de notícias a adotar o formato da americana Time no Brasil. Seu projeto começou a ser idealizado pela editora no início da década de 1960, com o objetivo de criar uma revista ilustrada — por isso o nome Veja — semelhante às norte-americanas Look e Life, à francesa Paris Match ou à italiana Oggi e concorrer com a brasileira Manchete. Porém, em função da crise política no Brasil em 1961, o projeto foi adiado e retomado apenas 1967. Levou um ano de estudo e planejamento até que a publicação fosse lançada (ALMEIDA, 2008). 12 A ideia inicial para uma nova publicação da Abril vem de navio junto com Roberto Civita, filho do fundador do Grupo Abril no Brasil, Victor Civita, que retornava ao país após anos de estudo e trabalho nos Estados Unidos. Seu entusiasmo inicial por fazer uma revista semanal ilustrada demorou a contagiar o pai (VILLALTA, 2002, p. 3). Com a proposta estruturada, a família Civita, dona do Grupo Abril, foi ao mercado selecionar os profissionais para trabalhar no veículo. O jornalista genovês e radicado no Brasil Mino Carta foi convidado para ser o diretor de Redação. Conforme Almeida (2008), de início houve um impasse entre Carta e os Civita quanto à autonomia editorial. A resolução foi no seguinte sentido: o diretor de Redação tinha independência para fazer a revista, mas não autonomia editorial; as linhas editoriais defendidas pela família deveriam ser seguidas por Carta. Após seu lançamento, segundo Villalta (2002), o modelo decepcionou os anunciantes em sua versão brasileira pelas sucessivas quedas em suas tiragens. A reação do público também não foi favorável ao produto: em 1968, o público consumidor de revistas estava acostumado com dois tipos de publicações: as semanais ilustradas, representadas por Manchete e o modelo de revista de economia e política da internacional Visão. Veja vinha com uma proposta diferente para os padrões brasileiros, “abria um verdadeiro leque, passava a se interessar por tudo” (VILLALTA, 2002, p. 7). Para Mino Carta, a dificuldade para se implementar esse modelo de revista no mercado nacional residia no fato de o público-leitor não estar acostumado com uma publicação de pequeno formato e muito texto que, além de informativo, propunha uma perspectiva dos acontecimentos da vida nacional. Mas o fator decisivo, para ele, dizia respeito ao fato de o mundo viver, à época, um momento de inquietações e o Brasil estar sob um regime ditatorial — a revista surgiu três meses antes do governo militar editar o Ato Institucional nº 5, que, entre outras medidas, instituiu a censura prévia à imprensa (VILLALTA, 2002). A consolidação da revista junto ao mercado consumidor levou alguns anos para acontecer. Os resultados positivos começaram a acontecer quando aconteceu uma reforma editorial: a publicação passou a dar maior destaque à cobertura da política nacional. 13 Veja descobriu seu caráter nacional com a cobertura de política. Buscaria o furo, teria de ser corajosa e independente. Daria o sentido dos acontecimentos e, com isso, encontrou a fórmula de revista semanal de informação brasileira (ALMEIDA, 2008, p. 30). Conforme Almeida, formato dos textos também vem dessa época, com o uso do adjetivo, apuração minuciosa e cuidado com o texto; a preocupação com a descrição e os detalhes passou a ser fundamental. De acordo com Villalta (2002), o veículo, amparado em concepções técnicas, mercadológicas e conceituais dos modelos das revistas Time e Newsweek, se firmou “no contexto da organização capitalista da cultura, como um produto cultural em sintonia com o projeto de modernização do Brasil através da implantação definitiva do capitalismo” (VILLALTA, 2002, p. 12). A estabilização da revista no Brasil ocorreu a partir de 1976, quando passou a operar com um número médio de 170 mil exemplares por semana. No começo do referido ano, porém, a publicação perdeu seu diretor de redação. Mino Carta saiu em um processo que, até hoje, conta com duas versões conflitantes: o jornalista alega que sua saída ocorreu de forma negociada em troca do fim da censura, enquanto que Roberto Civita alega que Carta rompeu o acordo no sentido de sair da linha editorial estabelecida pelo Grupo Abril. A carta de demissão foi entregue a Victor Civita em 17 de fevereiro de 1976 (ALMEIDA, 2008). Já sob a direção do jornalista José Roberto Guzzo, dois anos mais tarde, a Veja passou por uma reforma gráfica, quando foi introduzido definitivamente o uso da cor em todas as suas imagens. Em 1979, o Élio Gaspari passa a trabalhar em sintonia com Guzzo e atribui- se à dupla o novo estilo de talento que se potencializou. Gaspari foi responsável pela redação dos principais textos desta fase: o Caso Baungartem, a doença, agonia e morte de Tancredo Neves, dentre outros. Nesse período José Roberto Guzzo trabalha diretamente na seção de Economia e Negócios. No começo da década de 80, a revista Veja alcança 400 mil exemplares/semana, com 340 mil assinantes. O parque gráfico da Editora Abril torna a ser modernizado com a aquisição de novas máquinas e com um reajuste na distribuição de suas publicações (VILLALTA, 2002, p. 13). Durante seus 49 anos de história, o veículo contou apenas com seis diretores de Redação: Mino Carta, José Roberto Guzzo, Mario Sergio Conti, Tales Alvarenga, Eurípedes Alcântara e André Petry (atual). 14 Atualmente a Veja conta com 1.208.916 em circulação total (revista impressa + digital), segundo dados do Instituto Verificador de Comunicação atualizados em setembro de 2017 (VEJA, 2017, texto digital). Conforme a publicação, a revista é a maior entre as semanais de informação do Brasil e a segunda maior no mundo, alcançando toda semana mais de 6 milhões de leitores no impresso e no digital. O site da revista lançado em abril de 1996 e, cinco anos mais tarde, juntamente com outros títulos da editora Abril, passou a fornecer o conteúdo da revista e de cobertura de eventos por meio de sites WAP, aplicativos para Palm e por SMS. Em comemoração aos seus 40 anos, no final de 2008, a Veja lançou o portal Acervo Digital VEJA, disponibilizando todas as edições da revista para leitura online. No meio digital também, como forma de agregar conteúdo exclusivo aos assinantes, o veículo passou a disponibilizar um novo modelo de interação que soma o conteúdo digital ao impresso utilizando a tecnologia de realidade aumentada, por meio do aplicativo Blippar e sinalizado em suas páginas como MV, de Mobile View (OLIVEIRA; KNEIPP, 2016). Do público leitor, 54% são mulheres e 46%, homens. Quanto à classe social, 58% pertencem às classes AB (VEJA, 2017, texto digital). Conforme Kucinski (apud VILLALTA, 2002), a Veja se estabeleceu como um hábito porque [...] as revistas semanais ilustradas preenchem no Brasil uma necessidade importante de leitura, devido à sua longevidade e alcance nacional, especialmente entre as classes médias, que não compram jornais diários. Ao contrário dos jornais, possuem um universo grande e próprio de leitores, distinto do universo dos protagonistas das notícias, e mantém com esse público um forte laço de lealdade (KUCINSKI apud VILLALTA, 2002, p. 13). Apresentada a revista, vamos contextualizar os gêneros e formatos jornalísticos na próxima seção deste capítulo de contextualização. 2.2 Dos gêneros e formatos Os gêneros jornalísticos servem para orientar os leitores ao lerem jornais e revistas ou quando assistem o noticiário pela TV ou o escutam pelo rádio. Os gêneros servem, também, como um diálogo entre o veículo e seu público. Tem a função de identificar uma determinada intenção do texto — escrito ou falado —, qual seja: informar, opinar, interpretar ou divertir. A classificação das manifestações jornalísticas é objeto de instigante debate entre estudiosos tema. As diferentes formulações teóricas postuladas se explicam em razão dos múltiplos lugares de observação em 15 que se situam os estudiosos desse campo. Todos, no entanto, têm o mesmo objetivo: compreender como a imprensa se articula. Nesse propósito, arriscam-se a dar nomes e atribuir status às muitas classes textuais que jornalistas e colaboradores regularmente produzem. Um consenso entre os autores que se dedicam a exercícios classificatórios é: o trabalho jornalístico, em sua organização e sistematização, subdivide-se em pelo menos dois estágios: os gêneros e os formatos (MARQUES DE MELO; ASSIS, 2016). Conforme demonstra Moura Filho (2015), no Brasil, três autores têm seus estudos sobre essa temática mais visitados: Luiz Beltrão (1980), pioneiro no tema no país, o precursor da categorização de relatos jornalísticos, estudioso principalmente do gênero opinativo; José Marques de Melo, cuja tese de doutoramento sobre jornalismo opinativo é considerada um marco, devido à amplitude e ao aprofundamento, além de proporcionar tipificação específica dos relatos jornalísticos; e Manuel Chaparro (1998), que, ao realizar uma pesquisa comparada entre jornais brasileiros e portugueses, termina por discordar do binômio entre opinativo e interpretativo — centro dos trabalhos de Beltrão e Marques de Melo. Chaparro coloca como intermediário, entre os gêneros informativo e opinativo, o gênero interpretativo. Marques de Melo e Assis (2016) anotam que os gêneros e seus formatos enquadram-se dentro de uma ampla gama de processos comunicacionais, especialmente no que se refere aos fluxos de distribuição de mensagens midiáticas. Entre as principais funções dos meios de comunicação, eles elencam (ps. 45-46): informação; correlação (interpretação de significados e sugestão de rumos); continuidade (fortalecimento de valores consensuais); entretenimento; e mobilização. Com efeito, concluem que os gêneros jornalísticos correspondem a um sistema de organização do trabalho jornalísticos, a partir das formas de expressão adotadas nas empresas. “Consistem, acima de qualquer taxionomia, em motores da indústria jornalística, que a movimentam segundo as expectativas dos consumidores de informação sobre a atualidade” (MARQUES DE MELO; ASSIS, 2016, p. 49). Em síntese: 16 O campo da comunicação é constituído por conjuntos processuais, entre eles a comunicação massiva, organizada em modalidades significativas, inclusive a comunicação periodística (jornal/revista). Esta é estruturada, por sua vez, em categorias funcionais, como é o caso do jornalismo, cujas unidades de mensagem se agrupam em classes, mais conhecidas como gêneros, extensão que se divide em outras, denominadas formatos, os quais, em relação à primeira, são desdobrados em espécies, chamadas tipos (MARQUES DE MELO apud MARQUES DE MELO; ASSIS, 2016, p. 41). Ainda no plano teórico, é possível adotar a seguinte linha de raciocínio para a compreensão do papel dos gêneros: O funcionalismo faz dos gêneros uma espécie de “cavalo de batalha”, à medida que eles se estruturam refletindo as funções sociais básicas assimiladas pelos meios de Comunicação e atualizadas de acordo com as transformações sociais. Assim sendo, seus conteúdos são moldados por categorias funcionais (entre elas o Jornalismo) que se reproduzem em classes (ou gêneros), por sua vez organizadas em formas de expressão com certas características comuns (formatos) e subdivididas em espécies (tipos) (MARQUES DE MELO; ASSIS, 2016, p. 45). Na próxima seção, esmiuçamos os gêneros a partir da classificação do pesquisador José Marques de Melo, uma das mais difundidas e adotada como referência no Brasil. 2.2.1 Classificação de Marques de Melo Para chegar a seu modelo, o autor ressalta duas características básicas que definem um gênero, quais sejam: a aptidão para agrupar diferentes formatos e sua função social. Os gêneros refletem aquilo que os cidadãos querem e precisam saber/conhecer/acompanhar, porque justamente nos gêneros esse público encontra respaldo para suas ações cotidianas ou, mesmo, para o exercício da cidadania. Atender às finalidades condensadas nessas cinco vertentes (a saber: informativo, opinativo, diversional, interpretativo e utilitário) é a razão de ser do trabalho da imprensa, que foi se construindo ao passo do próprio desenvolvimento da sociedade. (MARQUES DE MELO; ASSIS, 2016, p. 49-50, trecho entre parênteses e grifos nossos). Na visão do referido autor, em consequência, o formato jornalístico é o modelo de construção da informação. Essa construção, descreve, ocorre por meio de parâmetros estruturais para cada forma (aspectos textuais, procedimentos e particularidades de cada unidade). Isto posto, Marques de Melo classifica os 17 gêneros e a distribuição de formatos dentro de cada um dos gêneros da seguinte forma: 1. Gênero informativo Nota Notícia Reportagem Entrevista 2. Gênero opinativo Editorial Comentário Artigo Resenha Coluna Caricatura Carta Crônica 3. Gênero interpretativo Análise Perfil Enquete Cronologia Dossiê 4. Gênero diversional História de interesse humano História colorida 5. Gênero utilitário Indicador Cotação Roteiro Serviço No tópico subsequente, buscamos caracterizar — de forma sintética, sem a pretensão de esgotar a discussão teórica — os gêneros e formatos acima elencados. 2.3 Gêneros 2.3.1 Gênero informativo Conforme síntese apresentada por Costa (2010), após visitar entendimentos de diversos autores, o gênero informativo — ou jornalismo informativo, como refere- se na conclusão — é o resultado da articulação que existe, do ponto de vista 18 processual, entre os acontecimentos que surgem da realidade social e sua expressão jornalística na forma de relato noticioso. Esse relato, por sua vez, visa informar o receptor do que se passa na realidade. E essa informação chega por meio dos formatos nota, notícia, reportagem e entrevista. Nota, notícia e reportagem distinguem-se entre si pela progressão dos acontecimentos. Em um quadro expositivo, Costa (2010) apresenta que nota se configura por um relato do acontecimento que ainda está em processo de configuração. De acordo com ele, no caso deste formato, nem todos os elementos da notícia (ação, agente, tempo, lugar, modo, motivo) são conhecidos do jornalista. “Trata-se de um ‘furo’: antecipação de um fato que pode gerar notícia. [..] É mais frequente no rádio, na televisão e na internet” (COSTA, 2010, p. 55). Para Tresca (2010), nota é uma notícia curta. A autora ainda aponta que não é possível definir nota sem o uso da noção de notícia, pois ambos os formatos não possuem caráter opinativo. Porém, segundo ela, a notícia tem como elemento diferenciador a extensão maior do texto. Já a notícia, contextualiza Costa (2010), além das já citadas semelhanças com a nota, representa o relato puro e simples do fato apurado, sem juízo de valor ou acréscimo de opinião do jornalista. Em tese, a notícia fundamenta-se pela exatidão entre o acontecimento e o relato narrado que chega ao receptor. Para isso, deve responder necessariamente as perguntas do chamado lead jornalístico, quais sejam: que? Quem? Onde? Quando? Como? Por quê? O lead — tanto na nota, como na notícia e na reportagem — objetiva introduzir o leitor ao texto e despertar seu interesse já nas linhas iniciais, seja com uma revelação, uma ideia significativa ou declaração de impacto do personagem, um fato curioso ou polêmico. O formato da notícia, “narrado em ‘pirâmide invertida’, compõe- se de duas partes: ‘cabeça’ (lead) e corpo (body). Privilegia o ‘clímax’ (sensação) evitando a ‘cronologia’ (nariz de cera)” (COSTA, 2010, p. 55). Passando à definição de reportagem, Costa — ancorado no entendimento de Nilson Lage (2001) —, marca uma diferença entre notícia e reportagem: a primeira aborda fatos, e a segunda, assuntos. Por isso, infere-se que a reportagem é um trabalho de maior apuração, por parte do jornalista, das nuances e implicações dos 19 fatos narrados em notícias; dá maior amplitude aos possíveis desdobramentos do caso. Em síntese: Trata-se do aprofundamento dos fatos de maior interesse público que exigem descrições do repórter sobre o “modo”, o “lugar” e “tempo”, além da captação das “versões” dos “agentes”. De autoria originalmente individual, esse formato converteu-se em trabalho de equipe (COSTA, 2010, p. 55) Último formato dentro do gênero informativo, a entrevista é descrita por Costa como uma técnica de coleta de informações imprescindível ao ofício do jornalismo, legitimada em diversas mídias, desde às redações jornalísticas até a produção acadêmica. Especificamente, a entrevista é um relato que privilegia a visão de um ou mais protagonistas de um acontecimento. “Configura uma espécie de relato da alteridade, dando ‘voz’ aos ‘elegantes’ da cena jornalística. O repórter assume a função de ‘mediador’, assumindo empaticamente o papel de ‘intérprete’ do receptor” (COSTA, 2010, p. 55). Tresca (2010), ancorando-se no manual de redação da Folha de S. Paulo, complementa que a maioria das notícias têm a entrevista como sua matéria-prima — embora nem sempre isso fique claro. 2.3.2 Gênero opinativo Conforme lembra Marques de Melo (2003), os primeiros veículos de imprensa eram baseados no jornalismo opinativo, por serem, em sua maioria, produzidos por somente uma pessoa. Porém, expõe que, ao longo dos anos, o processo de expressão de opinião na imprensa se modificou: os veículos saíram de seu modus operandi como empreendimento individual e transformaram-se em instituições voltadas ao mercado. Com esse fenômeno, por mais que a instituição jornalística tenha uma orientação, a manifestação da opinião passou a ser heterogênea; a expressão da opinião ficou mais fragmentada, seguindo tendências diversas e até mesmo conflitantes. Dessa fragmentação, percebe Marques de Melo, organizaram-se quatro núcleos emissores de opiniões: a empresa, o jornalista, o colaborador e o leitor. Ato contínuo, desses quatro núcleos resultaram oito formatos: editorial, comentário, artigo, resenha, coluna, crônica, caricatura e carta. Conforme o pesquisador, a opinião da empresa é percebida na orientação editorial do veículo e, mais especificamente, no editorial. Por outro lado, a opinião do jornalista apresenta-se nos comentários, em 20 resenhas, colunas, crônicas, caricaturas e artigos. Já a opinião do colaborador (personalidades representativas da sociedade que buscam espaços na imprensa para opinar sobre a vida político-social) manifesta-se na forma de artigos. E, por fim, a opinião do leitor pode ser expressada através de carta. Uma questão pertinente, aqui: diversos autores levantam como problemática dificuldade de separar a opinião da informação, ao passo que criticam a divisão entre jornalismo informativo e jornalismo opinativo. Tal debate receberá maior aprofundamento, neste trabalho, na seção destinada a tratar especificamente do formato das newsmagazines, porque entendemos as revistas como publicações que mais misturam opinião e informação. Isto posto, passamos a caracterizar os formatos do jornalismo opinativo. O editorial é o formato que expressa a opinião oficial da empresa diante dos fatos de maior repercussão. Popularmente, recorda Marques de Melo, se diz que o editorial contém a opinião do dono empresa, algo que, presume-se, seria verdade nas organizações de pequeno e médio porte, em que o controle financeiro ficaria nas mãos de um proprietário ou de sua família. Mas a relação pode ser mais complexa, com o editorial expressando, desse modo, a opinião do conjunto de forças que mantém a instituição jornalística, dentre eles proprietários, jornalistas, acionistas, anunciantes e leitores. Até por isso, inferem Marques de Melo e Assis (2016), o editorial não é assinado, já que registra um posicionamento institucional. Também formato opinativo, o comentário é um instrumento utilizado para explicar as notícias, suas circunstâncias e consequências. Nem sempre emite opinião explícita, haja vista que o julgamento dos fatos é percebido na medida em que se acompanha o raciocínio do comentarista. Como traz Costa (2010), sua estrutura é organizada em duas partes: na primeira o autor sintetiza o fato para situar o leitor sobre o tema, e na segunda o articulista desenvolve a argumentação sugerindo o julgamento do fato. O autor entende que o comentário é um texto mais próximo do artigo — por ser temático, analítico e argumentativo, que se encerra com a valoração de um fato — do que da coluna — esta mais abrangente na exposição dos relatos. Quanto ao comentarista, é um “especialista em análises e comentários sobre fatos econômicos, políticos, sociais e desportivos em programas especializados, telejornais etc.” (BARBOSA; RABAÇA apud COSTA, 2010, p. 58). 21 Já sucintamente abordado, o artigo é considerado por Marques de Melo (apud COSTA, 2010) como o gênero que democratiza a opinião, pois nele o veículo abre espaço aos mais diversos atores influentes da sociedade para que estes possam expor seus pontos de vista. O artigo possui características semelhantes as do editorial no que tange à topicalidade, estilo e natureza. Porém, sua estrutura é mais livre. O artigo confere ao seu autor uma grande liberdade de expressão quanto ao tema, juízo de valor que faz e a forma de expressão. Adentrando nas características da coluna, Barbosa e Rabaça (apud RÊGO; AMPHINO, 2010, p. 104) descrevem que o formato é “a seção especializada de jornal ou revista, publicada com regularidade e geralmente assinada, redigida em estilo mais livre e pessoal do que o noticiário comum”. Marques de Melo (apud RÊGO; AMPHINO, 2010, p. 104) subdivide o colunismo três partes pelos aspectos: i) o colunismo atende a uma necessidade de satisfação substitutiva existente no público leitor; ii) tem a função de "balão de ensaio" por insinuar fatos, lançar ideias e sugerir situações, com a finalidade de avaliar repercussões; e iii) alimentando a vaidade de pessoas importantes, o colunismo oferece modelos de comportamento. A resenha, por sua vez, corresponde a avaliação de uma obra; tem por finalidade orientar os apreciadores sobre a qualidade da obra resenhada — um filme, uma série de televisão, um álbum musical etc. De acordo com Rêgo e Amphino (2010), o formato ainda está em processo de evolução na imprensa brasileira, pois aparece diversas formas — às vezes mais simples e outras mais aprofundadas. Por vezes, nos jornais considerados mais populares, resenha aparece poucas vezes e, em algumas delas, aproxima-se do roteiro, enquanto um pequeno comentário de um filme, ou peça teatral, com o objetivo de consumo de bens culturais (RÊGO; AMPHINO, 2010, p. 103). No que tange à crônica, o formato textual é definido por Rêgo e Alphinho (2010) como algo no qual o jornalista/escritor recorre para transmitir ao leitor seu juízo sobre fatos, ideias e estados psicológicos pessoais e coletivos. Resgatando definição de Marques de Melo, os pesquisadores escrevem que a atividade dos cronistas estabelece a fronteira entre a logografia (o registro de fatos mesclados com lendas e mitos) e a história narrativa (descrição de ocorrências baseadas nos princípios de verificação e fidelidade). Dessa forma, a crônica assume um caráter de relato sobre 22 feitos, cenários e personagens a partir da observação do narrador ou informações coletadas junto a protagonistas ou testemunhas oculares. Passando à caricatura, Rêgo e Amphino (2010) avaliam que, enquanto gênero jornalístico, ela cumpre uma função social de motivar o leitor. Além disso, é um eficaz instrumento de persuasão. Conceitualmente, os autores definem caricatura como uma forma de ilustração absolvida pela imprensa como recurso para reforçar o jornalismo opinativo, já que o formato é utilizado para ridicularizar, satirizar e criticar personagens e fatos, por exemplo. Conforme Marques de Melo (apud RÊGO; AMPHINO, 2010), há várias formas de caricatura: a caricatura propriamente dita; a charge, como crítica humorística de um fato; o cartoon e o comic (histórias em quadrinho). Por fim, o gênero opinativo ainda possui o formato carta. Este é o primeiro formato a possibilitar a expressão da audiência. Conforme o entendimento de Rêgo e Amphino (2010), a seção cartas confere aos veículos de comunicação a oportunidade de conhecer o pensamento de seu público, além de trazer diversas formas de interatividade, com vistas a tornar o relacionamento mais próximo entre a empresa de comunicação e os receptores de suas mensagens. 2.3.3 Gênero interpretativo Conforme nos apresentam Costa e Lucht (2010), o marco para o surgimento do jornalismo interpretativo, no Brasil, foi a criação do Departamento de Pesquisa e Documentação do Jornal do Brasil, implementado pelo jornalista Alberto Dines na década de 1960. Mário Erbolato (apud COSTA; LUCHT, 2010, p. 109) relaciona o citado departamento ao surgimento da TV no país — ambos são contemporâneos. Pontua que a TV também teve papel importante para a formulação teórico-prática do gênero interpretativo: “obrigou o resto da veiculação a apressar-se para entrar em seu ritmo e satisfazer às novas necessidades que criou”. Com isso, os jornais impressos tiveram que adaptar as suas estratégias editoriais, optando por veicular reportagens de forma a complementar o que o público ouviu no rádio ou assistiu pela televisão. Resultado disso foi o surgimento do jornalismo interpretativo, que não se contenta “com um relato mais ou menos perceptivo do que está acontecendo, mas busca um aprofundamento (LEANDRO; MEDIDA apud COSTA; LUCHT, 2010, p. 110); é um “esforço de determinar o sentido 23 de um fato, através da rede de forças que atuam nele — não a atitude de valoração desse fato ou de seu sentido, como se faz em jornalismo opinativo (IBIDEM, p. 110). Uma diferença objetiva que os autores, acima citados entre aspas, estabelecem: enquanto o informativo registra o aqui, o já, a reportagem interpretativa determina um sentido mais amplo, reconstituiu temporalmente o fato, e, no âmbito temporal, não deixa o texto datado. Ou seja, “deixa os limites do acontecer para o estar acontecendo atemporal ou menos presente” (LEANDRO; MEDINA apud COSTA; LUCHT, 2010, p. 111). Para que tal ampliação e aprofundamento seja alcançado, os estudiosos sugerem que sejam acrescidas às indagações do lead jornalístico questões como: “em que contexto? Com que raízes? E com que envolvimento humano? (IBIDEM, p. 111). Citando obra de Beltrão, Jornalismo Interpretativo: filosofia e técnicas (1976), Costa e Lucht (2010) lembram que a interpretação jornalística é atitude de ofício do jornalista. Neste sentido, Beltrão parece assumir que a interpretação se disfarça em opinião do jornalista. Porém, em outro trecho, estabelece limites entre interpretar e opinar: “Se o jornalista ultrapassa os limites da busca do sentido das forças que atuam em uma situação, [...] estará em pleno domínio da opinião” (BELTRÃO apud COSTA; LUCHT, 2010, p. 112). Quanto aos formatos, o gênero interpretativo comporta análise, perfil, enquete, cronologia e dossiê. O perfil, conforme Dias et al (apud COSTA; LUCHT, 2010), compreende em uma apresentação das características do personagem enfocado e possui a finalidade de apresentar ao público como aquele personagem se comporta perante a fatos do cotidiano, perante à sociedade. Sodré e Ferrari (1986), também citados por Costa e Lucht, complementam que o perfil é um texto que dá protagonismo à história de vida do personagem, ao passo que Villas Boas (apud COSTA; LUCHT, 2010) considera o perfil como um formato adequado para expressar a trajetória, mesmo que de forma sintética, do perfilado ao permitir a incorporação num texto descritivo de trechos descritivos. Já o formato análise compreende em um texto no qual é apresentado, ao leitor, dados complementares para que ele possa ter maior compreensão dos fatos. A informação, neste caso, é analisada pelo autor do texto. Antes de debruçar-se sobre 24 o conceito desse formato, Costa (2010) levanta um problema de que alguns formatos do gênero interpretativo carecem de uma definição mais aprofundada — como são os casos, além da análise, do dossiê, enquete e cronologia. O pesquisador relembra que, no manual de redação da Folha de S. Paulo (2001), análise aparece como um princípio, e não uma modalidade de texto; que o texto com função de análise é publicado como instrumento de apoio a uma reportagem principal, a fim de enriquecê- la. Já Antonio López Hidalgo (2002), visitado por Costa (2010), considera a análise como um “gênero jornalístico autônomo, porque contém características próprias e suficientes para diferenciar-se de outros textos limítrofes, como a crônica, o editorial o artigo e a coluna” (p. 67). Adentrando às características da enquete, Dias et al (apud COSTA, 2010, p. 67) diz que “corresponde ao espaço dedicado a informação que seja interpretada pelo entrevistado de forma rápida e sucinta”. Por outro lado, Beltrão (1980, apud COSTA, 2010) diverge desse entendimento. O autor não vê interpretação; considera que a enquete é um espaço de opinião do leitor. Costa, então, recorre a Marques de Melo para harmonizar o formato. Sintetiza-o como: Relato das narrativas ou pontos de vista de cidadãos aleatoriamente escolhidos. Tanto pode ser restrita aos "olimpianos" quanto abrangente, incluindo os "cidadãos comuns". Destina-se a acionar os mecanismos psicológicos de "projeção" ou "identificação" (COSTA, 2010, p. 68). Próximo formato interpretativo, a cronologia é definida como um “complemento da informação principal (seja ela reportagem ou notícia), com dados cronológicos dos acontecimentos” (DIAS et al apud COSTA; LUCHT, 2010, p. 115), destinada a reconstruir o fluxo das ocorrências, para permitir melhor compreensão pelo receptor. Por último, o dossiê, é apresentado na literatura de Marques de Melo (apud COSTA, 2010, p. 68) como um mosaico destinado a facilitar a compreensão dos acontecimentos noticiosos, uma condensação de dados dispostos em “boxes” nas produções jornalísticas, ilustrados com gráficos ou tabelas. O autor ressalta que trata- se de uma matéria que objetiva complementar as narrativas principais de uma edição ou celebrar efemérides. 25 2.3.4 Gênero diversional Costa (2010) nos lembra que, apesar de remeter, à primeira vista, à diversão e ao entretenimento, não é essa a conceituação do gênero diversional. Ele está relacionado ao New Jornalism americano — um jornalismo “de evasão, cultivado pela in-cultura contemporânea: a interpretação adulterada ou pessoal e interessada” (BELTRÃO apud COSTA, 2010, p. 73). No Brasil este formato é mais conhecido como jornalismo literário, que, segundo Werneck (apud COSTA, 2010), é um jornalismo que busca tornar a informação mais saborosa, enriquecendo a narrativa com recursos de ficção. Enquanto este autor parece ver a formula de forma positiva — chega a dizer que o jornalista, ao escrever, está “empenhado em uma indispensável empreitada de sedução” (WERNECK apud COSTA, 2010, p. 72) —, Beltrão tem um olhar negativo sobre a fórmula; se mostra reticente quanto a introdução da ficção junto à informação. Coube a Marques de Melo, segundo a pesquisa realizada por Costa (2010), a discussão mais aprofundada sobre o gênero diversional. O autor chegou a colocar em xeque a existência do gênero, pois entendia que a “diversão” se tratava apenas de recurso narrativo para estreitar os laços entre a instituição jornalística e seu público. Porém, depois, orientou trabalho de Dies et al (1998), onde extrai-se o conceito do gênero e de seus formatos: história de interesse humano e história colorida. Passando a caracterização dos dois formatos, a história de interesse humano, conforme elucida Costa (2010) a partir da literatura de Marques de Melo, é uma narrativa que privilegia as facetas, os traços particulares dos protagonistas. Aborda um fato que foi notícia retomado a partir de sua dimensão humana. Para suscitar o interesse do público, na construção do texto, o autor vale-se de recursos literários e ficcionais. Porém, os relatos devem primar pela verossimilhança, sob pena de perder credibilidade. Já o formato de história colorida é utilizado como instrumento para descrever uma situação que envolve um fato, também empregando recursos literários, para transmitir emoções e sentimentos. A ênfase passa a ser no modo como a história se desenvolve, e não a informação; trata-se de uma leitura impressionista, para enriquecer a ação dos personagens no fato narrado (COSTA, 2010). 26 2.3.5 Gênero utilitário Último gênero jornalístico a ser descrito nesta produção, o gênero utilitário — também conhecido como jornalismo de serviço —, tem como propósito levar ao receptor a informação que ele necessita de imediato ou que pode necessitar em algum momento. Essa informação o ajuda a tomar decisões que podem influenciar em suas ações cotidianas. Manifesta-se em seções próprias, como a divulgação de indicadores meteorológicos e econômicos, que se repetem constantemente nos mais variados meios. Também se manifesta em situações como em uma reportagem sobre economia, com dicas de investimentos, ou ainda em uma matéria de saúde, com a inserção de informações sobre prevenção de doenças. (VAZ, 2010). Conforme Marques de Melo (apud VAZ, 2010, p. 128), são quatro formatos dentro do gênero utilitário. Eles são divididos em: – Indicador: dados fundamentais para a tomada de decisões cotidianas. Inclui cenários econômicos, meteorologia, necrologia, etc.; – Cotação: dados sobre a variação dos mercados: monetários, industriais, agrícolas, terciários; – Roteiro: dados indispensáveis ao consumo de bens simbólicos; e – Serviço: informações destinadas a proteger os interesses dos usuários dos serviços públicos, bem como dos consumidores de produtos industriais ou de Serviços privados. Vaz (2010, p. 129), em sua apresentação do gênero, acrescenta mais dois formatos além dos adotados na classificação de Marques de Melo. São eles: – Olho: relatos aprofundados de fatos de interesse público, que acrescentam vestígios de informações utilitárias, muitas vezes em olho ou boxes, complementando o material informativo; e – Dica: informações que unem o formato reportagem (relato estendido sobre algum acontecimento) com o formato roteiro (relato resumido sobre as opções de Consumo de bens simbólicos). Depois de inventário sobre a categorização e conceituação dos gêneros e formatos jornalísticos, a próxima seção será dedicada a tratar sobre o formato das revistas e inserir a discussão sobre a opinião nessas publicações. 27 2.4 O formato e a opinião nas newsmagazine "As revistas praticam um jornalismo mais opinativo — ou praticam mais o jornalismo opinativo — que os jornais?" (BOFF, 2013, p. 189). A indagação é pertinente, e vamos discutir o porquê neste tópico do capítulo. Antes, porém, trataremos de abordar o formato das revistas e, mais especificamente, das newsmagazine — as revistas semanais de notícias. De acordo com pesquisa de Salomão (2010), foi na Alemanha, em 1663, que surgiu a publicação considerada como a que inaugurou o estilo revista: a Erbauliche Monaths-Unterredungen (Edificantes Discussões Mensais) assemelhava-se a um livro, trazia artigos sobre teologia e propunha-se a ser periódica. No mesmo período surgiram publicações semelhantes na França, Itália e na Inglaterra. Segundo Salomão, nenhuma dessas publicações levava o nome de revista — o termo surge apenas em 1704. Já o termo magazine, originariamente sinônimo de lojas que vendiam mercadorias diversas, foi adotado pela primeira em 1731, em Londres, quando do lançamento da The Gentleman's Magazine. Porém, Ana Luiza Martins (apud SALOMÃO, 2010) coloca três outras publicações como as pioneiras no modo com as revistas são conhecidas hoje: Edinburgh Review (1802), Quarterly Review (1809) e Blackwood’s Magazine (1817), editadas na Grã-Bretanha. Boff (2013) considera, como marco do jornalismo de revista, o surgimento do formato das newsmagazine com a norte-americana Time, em 1923. A publicação instituiu e popularizou a fórmula da revista semanal de informação. Essa fórmula logo passou a ser adotada pelas demais publicações, inclusive pela Newsweek, principal concorrente da Time, em 1933. Por esse modelo, a revista passou a explorar a fundo os temas, abordando-os em texto amplos e analíticos, explorando o jornalismo interpretativo. A receita inspirou praticamente todas as revistas ao redor do mundo, inclusive a brasileiras Veja, alvo deste trabalho. A partir dessa padronização entre as newsmagazine, é possível perceber elementos comuns a cada edição, elementos que constroem a matriz do jornalismo de revista: uma reportagem de capa (destaque nas páginas internas), uma grande entrevista, notas resumindo os principais acontecimentos da semana, colunas breves de política e economia e uma seção de frases, artigos e crônica, além do editorial da 28 edição. Na revista, a apuração dos fatos é mais profunda, pois presume-se que é uma publicação onde o leitor vai encontrar informações que não verá no rádio, na televisão ou na internet. Porém, como o questionamento usado na abertura da seção, há mais opinião na revista do que em outros meios. A opinião está além do editorial; surge moldando a linha editorial do veículo (BOFF, 2013). Rêgo e Amphino (2010), embora não tratando especificamente de jornalismo de revista, levantam a questão de que “todo o discurso jornalístico é, por natureza, um discurso opinativo, mas não necessariamente um gênero de opinião” (p. 95). Os autores recordam que a separação entre opinião e informação teve início com o editor inglês Samuel Buckley, quando este resolveu separar as news dos comments no Daily Courant, no princípio do século XVIII. Neste mesmo século, já podia ser visto uma diferença entre a imprensa inglesa e norte-americana, moldadas pelo caminho da informação, e a francesa, mais opinativa. No Brasil, a opinião prevaleceu ante à informação até meados do século XX. A lógica começou a mudar, com as empresas de comunicação aderindo à defesa da objetividade jornalística, a partir da pragmática norte-americana de transformar a informação em mercadoria. Com isso, a opinião passou a se moldar dentro do jornalismo e a interagir com os conteúdos informativos. “Deste modo, os textos opinativos, em geral, se originam em algum acontecimento noticiado pelos textos informativos” (RÊGO; AMPHINO, 2010, p. 97). Voltando às revistas, Boff (2013), em estudo sobre as fronteiras entre opinião e informação no meio, conduziu uma série de exercícios e reflexões para identificar como se manifestam as opiniões nas revistas. Ele separou trechos de editoriais e reportagens e os reproduziu de forma separada, propositalmente, sem os identificar como editorial ou reportagem. A proposta era que o leitor analisasse os excertos e tentasse identificar de qual natureza o fragmento era — editorial ou reportagem —, além de ver a coesão de ponto de vista entre o que diz editorial e reportagem. Ao final, o autor diz concordar, de modo geral, com a tese de Marques de Melo de ausência de fronteiras entre opinião e informação no jornalismo brasileiro Para Boff, a opinião, sobretudo nas revistas, extrapola os limites dos editoriais e das colunas, pois considera que até o formato mais imparcial, com construção em lead e pirâmide invertida, está sujeito à opinião. Isto porque, para se construir a notícia, o jornalista tem que identificar, por meio de conceitos subjetivos, o mais importante a 29 ser noticiado. De acordo com ele, há grande resistência, entre teóricos e profissionais da Comunicação, em se admitir os traços opinativos contidos nos jornalismos informativo e interpretativo. Vilas Boas (apud BOFF, 2013) admite que as newsmagazines não possuem as mesmas pretensões de objetividade e imparcialidade que os jornais. Porém, não reconhece a "opinião" no texto, mas aceita um eufemismo: "ponto de vista". De acordo com essa leitura, o ponto de vista ao qual Vilas Boas se refere não é do jornalista; é proveniente do veículo. "Em outras palavras, obedece a uma linha editorial, refletindo, portanto, a opinião que está na raiz da linha editorial – dos proprietários, dos editores, do grupo que o veículo representa" (BOFF, 2013, p. 200). Vilas Boas, em passagem outra citada por Boff, expõe que o conceito de liberdade na construção do texto de revista depende das particularidades da matéria, e, principalmente, do ponto de vista do veículo. Podemos falar em temos liberdade de estilo, mas não no sentido de posição ideológica. [...] Dentro do assunto tratado, a reportagem de revista repercute um ponto de vista genérico, que poderíamos chamar de tendência, mas de forma velada (VILAS BOAS apud BOFF, 2013, p. 200). Ao perceber essa relutância em admitir a opinião além dos formatos naturais de opinião, Boff se permite formular algumas conclusões. Entende que o temor que a revista tem de assumir ter opinião ocorre pelo fato de a opinião poder ser refutada com argumentos, o que tornaria a revista “de opinião” mais frágil em comparação à “de informação”. Nesse sentido, o autor apresenta uma reflexão na qual apresenta como grande problema das revistas elas disfarçarem sua opinião como informação ou interpretação. O dilema da opinião no jornalismo de revista é justamente não reconhecê-la, tomá-la como um valor negativo. A opinião sempre faz parte da receita das revistas de informação, a tiracolo do chamado jornalismo interpretativo. Se a objetividade é um mito, o jornalismo interpretativo também pode ser entendido como tal. Interpretar é tirar conclusões, e tirar conclusões é opinar. Logo, a questão que se impõe às revistas não é opinar. O problema é querer disfarçar sua opinião de informação ou interpretação (BOFF, 2013, p. 202). Após essa apresentação geral sobre revista, gêneros e o formato das newsmagazines, no capítulo abaixo traremos as bases metodológicas que dão vazão científica ao trabalho. 30 3 MÉTODO A pesquisa está ancorada em método quanti-qualitativo. Quanto aos fins, o trabalho será exploratório e descritivo; no que se refere aos meios, a produção se valerá de meios bibliográficos e documentais. O capítulo também resume os critérios para escolha da amostra e para a análise de conteúdo. Nas páginas a seguir, explicaremos mais detalhadamente o método. 3.1 Pesquisa qualitativa Pesquisadores que utilizam o método qualitativo de pesquisa, conforme Goldenberg (1998), recusam o modelo positivista aplicado ao estudo da vida social proposto por Augusto Comte. Comte defendia a unidade de todas as ciências e a aplicação de uma abordagem científica para descrever a realidade humana. O autor propôs uma hierarquia das ciências. Afirmava que cada uma dependia do desenvolvimento da que a precedeu. Exemplo: a sociologia não poderia existir sem a biologia, que não poderia existir sem a química. Esse modelo passou a ser contestado na segunda metade do século XX. Influenciados pelo idealismo de Kant, pesquisadores passaram a argumentar que o estudo da realidade social, por meio de métodos de outras ciências, poderia destruir a essência daquela realidade em análise. O cerne da questão se encontrava na objetividade e na subjetividade: nas ciências naturais, os pesquisadores trabalham com objetos passíveis de serem conhecidos de forma objetiva, enquanto nas ciências sociais os problemas são de cunho subjetivo; envolvem emoções, valores, significações (GOLDENBERG, 1998). 31 Essa discussão filosófica que diferencia uma ciência da outra possibilitou que, ao longo dos anos, fossem desenvolvidos métodos qualitativos de pesquisa social. Na pesquisa qualitativa, em resumo, o pesquisador aprofunda-se na compreensão dos fenômenos que estuda, que podem ser indivíduos, grupos ou organizações dentro de seus contextos sociais. Os signos são interpretados segundo a perspectiva daquela situação em particular, de forma subjetiva. Tal metodologia exige sensibilidade e criatividade para agregar valor ao trabalho: Estes dados não são padronizados como dados quantitativos, obrigando o pesquisador a ter a flexibilidade e criatividade no momento de coletá-los e analisá-los. Não existindo regras precisas e passos a serem seguidos, o bom resultado da pesquisa depende da sensibilidade, intuição e experiência do pesquisador (GOLDENBERG, 1998, p. 53) A autora coloca que a pesquisa qualitativa depende da biografia do pesquisador, das opções teóricas, do contexto mais amplo e das imprevisíveis situações que ocorrem no dia a dia da pesquisa. Já em pesquisas quantitativas, os resultados podem ser quantificados, resultando em tabelas, gráficos e quadros explicativos ou comparativos, entre outros recursos. Por essa metodologia, são utilizados procedimentos estruturados e instrumentos formais para a coleta de dados, enfatizando a objetividade (FONSECA, 2002). Conforme o autor, a pesquisa quantitativa apresenta, na comparação com a qualitativa, menor enfoque na interpretação do objeto e, por ter foco mais restrito, confere menor importância ao contexto em que o objeto se encontra. Por outro lado, Fonseca defende que estudos dessa natureza salientam aspectos dinâmicos, holísticos e individuais da experiência humana e possibilitam apreender a totalidade no contexto daqueles que estão vivenciando o fenômeno estudado. Influenciada pelo positivismo, [a pesquisa qualitativa] considera que a realidade só pode ser compreendida com base na análise de dados brutos, recolhidos com o auxílio de instrumentos padronizados e neutros. A pesquisa quantitativa recorre à linguagem matemática para descrever as causas de um fenômeno, as relações entre variáveis, etc. (FONSECA, 2002, p. 20) Acontece que os pesquisadores começaram a ter uma nova percepção sobre os métodos que utilizavam. Segundo Goldenberg (1998, p. 61), Max Weber acreditava que podia ser proveitoso usar da quantificação na sociologia, “desde que o método fosse utilizado para a compreensão de um determinado problema, e não 32 obscurecesse a singularidade dos fenômenos que não poderia ser captada através da generalização”. Dessa forma, ganhou força a utilização conjunta dos modelos quantitativo e qualitativo. Goldenberg (1998) explica que a integração da pesquisa quantitativa e qualitativa permite ao pesquisador fazer cruzamento de suas conclusões, para que tenha maior confiança que a situação observada não é um particular e isolado. A autora defende que a combinação de metodologias diversas no estudo do mesmo fenômeno tem por objetivo promover maior amplitude na descrição, explicação e compreensão do fenômeno estudado. Nesta perspectiva, os métodos qualitativos e quantitativos deixam de ser percebidos como opostos e tornam-se complementares. Enquanto os métodos quantitativos pressupõem uma população de objetos de estudo comparáveis, que fornecerá dados que podem ser generalizáveis, os métodos qualitativos poderão observar, diretamente, como cada indivíduo, grupo ou instituição experimenta, concretamente, a realidade pesquisada (GOLDENBERG, 1998, p. 63). Dessa forma, segundo a autora, é o conjunto de diferentes pontos de vista e formas de coletar e analisar os dados que permite uma ideia mais ampla e inteligível do problema, pois a premissa básica da integração está na ideia de que os limites de um método poderão ser contrabalanceados pelo alcance do outro. Neste trabalho, especificamente, usaremos o método quantitativo para verificarmos a intensidade com a qual o tema da delação da JBS foi abordado durante o período da amostragem selecionada pois a teoria da agenda — que está no centro do problema desta pesquisa — defende que o agendamento midiático ocorre de médio a longo prazo, a partir de uma exposição constante do assunto (McCOMBS, 2008). Essa gama de informações colhidas e quantificadas também irá fornecer elementos para nossas análises qualitativas, voltadas à mensagem jornalística. Finalizada essa breve caracterização das pesquisas qualitativa e quantitativa, começamos, a seguir, a descrever o tipo de pesquisa quanto a seus fins. Neste caso, pesquisa exploratória — pela qual iniciamos o tópico — e pesquisa descritiva. 33 3.2 Pesquisa exploratória Na qualidade de uma monografia, esta produção tem o objetivo de proporcionar maior familiaridade com o problema de pesquisa — como os discursos de direita e esquerda se mostram no contexto editorial? Gil (2002) explica que esse tipo pesquisa pode envolver, entre outras coisas, levantamento bibliográfico, entrevistas com pessoas que tiveram experiências relacionadas ao problema e análise de exemplos que estimulem a compreensão do assunto. O autor ressalta: “Embora o planejamento da pesquisa exploratória seja bastante flexível, na maioria dos casos assume a forma de pesquisa bibliográfica ou de estudo de caso” (GIL, 2002, p. 41). 3.3 Pesquisa descritiva Outro fim também é o trabalho assumir a forma descritiva. Como mostra Gil (2002), pesquisas descritivas objetivam a descrição das características de determinado fenômeno e o estabelecimento de relações entre variáveis sobre ele. Para alcançar esses objetivos, são adotadas técnicas padronizadas de coleta de dados, como por exemplo a utilização de questionários e a observação sistemática. Juntamente com as pesquisas exploratórias, as pesquisas descritivas são adotadas por pesquisadores sociais preocupados com a atuação prática. Algumas pesquisas descritivas vão além da simples identificação da existência de relações entre variáveis, e pretendem determinar a natureza dessa relação. Nesse caso, tem-se uma pesquisa descritiva que se aproxima da explicativa. Há, porém, pesquisas que, embora definidas como descritivas com base em seus objetivos, acabam servindo mais para proporcionar uma nova visão do problema, o que as aproxima das pesquisas exploratórias (GIL, 2002, p. 42). Depois dessa definição de pesquisas de tipo descritivas e exploratórias, dedicaremos a próxima parte deste capítulo a base metodológica do trabalho quando a seus meios de obtenção de dados. 3.4 Pesquisa bibliográfica Pesquisa bibliográfica, num sentido mais restrito, é um conjunto de procedimentos que visam identificar informações bibliográficas, selecionar documentos pertinentes e dados de documentos para que sejam usados como embasamento para a construção de um trabalho acadêmico. “Para estabelecer as 34 bases em que vão avançar, alunos precisam conhecer o que já existe, revisando a literatura existente sobre o assunto” (STUMPF, 2008, p. 58). Conforme discorre a autora, mesmo em um modelo de formulação de produções acadêmicas que obedecem uma série de quesitos — definição do tema, revisão literária, hipóteses, metodologia, análise de dados e conclusão —, a pesquisa bibliográfica, mesmo que informalmente, precede a definição do problema de pesquisa e acompanha o pesquisador durante toda a elaboração do trabalho. Stumpf (2008) descreve o modus operandi do pesquisador em um estudo bibliográfico: i) identificação do tema e assuntos; ii) seleção das fontes; iii) localização e obtenção do material; e iv) leitura e transcrição dos dados. Após dados esses passos é que se torna possível fazer a análise de forma adequada. 3.5 Pesquisa documental Semelhante à pesquisa bibliográfica, a pesquisa documental vale-se de materiais que não receberam ainda um tratamento analítico, ou que ainda podem ser reelaborados de acordo com os objetos da pesquisa. Nesse tipo de pesquisa, lembra Gil (2002), as fontes de informação são bastante diversificadas e dispersas. Nos dois tipos de pesquisa, bibliográfica e documental, nem sempre ficam claras as distinções, “já que, a rigor, as fontes bibliográficas nada mais são do que documentos impressos para determinado público” (GIL, 2002, p. 46). Além do mais, boa parte das fontes usualmente consultada nas pesquisas documentais, tais como jornais, boletins e folhetos, pode ser tratada como fontes bibliográficas. Nesse sentido, é possível até mesmo tratar a pesquisa bibliográfica como um tipo de pesquisa documental, que se vale especialmente de material impresso fundamentalmente para fins de leitura (GIL, 2002, p. 46). Entre as vantagens que a pesquisa documental proporciona, está o fato de não exigir contato com os sujeitos da pesquisa, já que, em muitas situações, é difícil ou até mesmo impossível esse contato. Como coloca Gil (2002), tal situação não é de todo ruim e não necessariamente prejudica a produção do trabalho, já que documentos também constituem fonte rica de dados. Após este segmento, destinado a tratar sobre os tipos de pesquisa quanto a seus meios, abordamos na sequência os critérios para a escolha da amostragem. 35 3.6 Amostra A amostra, conforme Oliveira (2001), é uma etapa importante para a delimitação de uma pesquisa, pois é capaz de determinar a validade e relevância científica dos dados obtidos. Citando os pesquisadores Schiffman e Kanuk (2000), a autora escreve que um plano de amostragem deve responder às seguintes questões: quem pesquisar (unidade de amostragem); quantos pesquisar (o tamanho da amostra); e como selecionar (o procedimento da amostragem). Para a escolha da amostragem, Oliveira orienta que o pesquisador deve levar em conta o tipo de pesquisa, a acessibilidade, a disponibilidade ou não de ter os elementos necessários para o desenvolvimento do trabalho, além da representatividade necessária, entre outros fatores. Neste trabalho, a amostragem será de modo não probabilística por julgamento, em que os elementos não levam em conta, como fator primordial, o procedimento estatístico. De acordo com Oliveira (2001), a seleção de amostras por julgamento é realizada de acordo com critérios subjetivos estabelecidos pelo pesquisador que guardem relação com o objeto de estudo. A abordagem da amostragem por julgamento pode ser útil quando é necessário incluir um pequeno número de unidades na amostra. (...) A amostra por julgamento pode ser, nestes casos, mais fidedigna e representativa que uma amostra probabilística (OLIVEIRA, 2001). No caso deste trabalho, a amostra será oito edições de Veja após o dia 17 de maio de 2017, quando foi revelado, com exclusividade pelo colunista do jornal carioca O Globo Lauro Jardim, o conteúdo do acordo de delação premiada dos executivos da JBS com o Ministério Público Federal (MPF). O número de oito edições corresponde a oito semanas, haja vista que as revistas são semanais. Essas oito semanas, conforme será detalhado no capítulo sobre a Teoria do Agendamento (ler seção 4.1.1), está dentro do que autores apontam ser o tempo de transferência da agenda da mídia para a agenda pública. Na sequência da exposição dos critérios que orientam a escolha da amostragem, indicamos os procedimentos para a análise de conteúdo. 36 3.7 Análise de conteúdo Conforme Moraes (1999), a análise de conteúdo se constitui em uma metodologia de pesquisa destinada a descrever e interpretar o conteúdo de toda classe de documentos e textos. Essa análise conduz a descrições sistemáticas, qualitativas ou quantitativas, e ajuda o pesquisador a reinterpretar as mensagens, além de atingir uma compreensão dos significados delas em um nível que perpassa a leitura meramente informacional. Essa abordagem, pela sua literatura, é mais do que uma técnica de análise de dados; representa uma abordagem com características e possibilidades próprias. Moraes (1999) coloca que a análise de conteúdo possibilita, ao pesquisador, uma grande variedade de formas para realizar sua investigação, já que é adaptável a um campo de aplicação vasto, como a comunicação. A análise de conteúdo pode ter como matéria-prima qualquer material proveniente de comunicação verbal ou não-verbal, quais sejam: cartas, cartazes, jornais, revistas, informes publicitários, livros, vídeos, entrevistas, diários pessoais, fotografias, entre outros. Os dados gerados a partir desses materiais chegam ao investigador em estado bruto; por isso necessitam ser processados para facilitar o trabalho de compreensão, interpretação e inferência para prosseguir com a análise de seu conteúdo. Em sua vertente qualitativa, a análise de conteúdo parte de uma série de pressupostos, que servem de suporte para captar o sentido simbólico do material. Conforme Moraes (1999), esse sentido nem sempre é manifesto, além de seu significado não ser único. Citando Olabuenaga e Ispizúa (1989), o autor mostra que textos contém muitos significados, além do fato que: i) o sentido que o autor pretende expressar pode coincidir com o sentido percebido pelo leitor; ii) o sentido do texto poderá ser diferente de acordo com cada leitor; iii) um mesmo autor poderá emitir uma mensagem, e diferentes leitores poderão captá-la com sentidos diversos entre eles; por fim, iv) um texto pode expressar um sentido que o próprio autor não esteja consciente. Moraes ressalta que uma pesquisa realizada por meio da análise de conteúdo é orientada, de certo modo, por uma interpretação pessoal do pesquisador. Essa 37 interpretação é realizada com relação à percepção que ele tem dos dados levantados. Não é possível uma leitura neutra, pontua Moraes, para quem toda leitura se constitui numa interpretação. A mensagem da comunicação é simbólica. Para entender os significados de um texto, portanto, é preciso levar o contexto em consideração. É preciso considerar, além do conteúdo explícito, o autor, o destinatário e as formas de codificação e transmissão da mensagem (MORAES, 1999). A categorização da metodologia de análise de conteúdo normalmente é feita levando em consideração os objetivos da pesquisa. Citando Lasswell, Moraes (1999) diz que os objetivos têm sido definidos em seis categorias, classificadas a partir de seis questões: 1) Quem fala? 2) Para dizer o que? 3) A quem? 4) De que modo? 5) Com que finalidade? 6) Com que resultados? Com essa definição, podemos selecionar as categorizar relevantes conforme os objetivos deste trabalho de conclusão de curso. Como focaremos no emissor (a revista Veja) e na mensagem (os textos e elementos gráficos que tratem da delação da JBS), focaremos nas seguintes indagações: para dizer o quê? “como?” e “com que finalidade?”. Por meio delas, entendemos que é possível determinar se há orientação ideológica na revista e como isso ocorre. Conforme a descrição do autor usado como referência neste tópico, a análise de conteúdo dirigida à questão “para dizer o quê?” se volta às características da mensagem; investiga seu valor informacional, as palavras, argumentos e ideias nela expressos. É, sobretudo, uma análise temática. Já em uma análise orientada pela indagação “como?”, o pesquisador emprega especial atenção à forma como a comunicação se processa — seus códigos, estilo, estrutura de linguagem e outras características do meio. Por fim, no estudo orientado por “com que finalidade?”, o pesquisador se questionará sobre os objetivos de uma comunicação, explícitos ou implícitos, no sentido de captar as finalidades da mensagem, manifestos ou ocultos. No que se refere à abordagem, Moraes (1999) diz que uma das possibilidades que a análise de conteúdo oferece refere-se ao tipo de conteúdo que o pesquisador se propõe a examinar: se irá se limitar ao conteúdo manifesto ou procurará explorar igualmente o conteúdo latente. Vejamos o que é cada um deles, nas palavras do autor: 38 A análise de conteúdo no nível manifesto restringe-se ao que é dito, sem buscar os significados ocultos. Ao nível latente, o pesquisador procura captar sentidos implícitos. Seguidamente a análise de conteúdo parte da informação manifesta no texto para então dirigir-se à intenção que o autor quis expressar, chegando, às vezes, a captar algo de que nem o autor tinha consciência plena (MORAES, 1999, p. 9). Buscaremos, neste estudo, proceder pelos dois modos — manifesto e latente — por entendermos que é a melhor maneira de identificarmos os posicionamentos ideológicos na publicação. Quanto ao método de trabalho em uma análise de conteúdo, Moraes descreve o processo em cinco etapas, que podem ser seguidas tanto em pesquisas qualitativas ou quantitativas: 1 - Preparação das informações; 2 - Unitarização; 3 - Categorização ou classificação das unidades em categorias; 4 - Descrição; 5 - Interpretação. Observando as orientações do autor para cumprir as etapas, aproveitamos para tecer algumas considerações sobre como deveremos sistematizar o trabalho. Na unitarização criaremos quatro níveis. Procederemos com a separação dos conteúdos por edições da revista Veja (1). Em cada edição, verificaremos quais abordam a delação da JBS (2). Passo seguinte é a distinção por gêneros e formatos jornalísticos no qual o assunto foi tratado (2). Por fim, na unitarização, buscaremos identificar se o veículo se refere aos conceitos de direita e esquerda (4). A categorização terá como ponto de partida responder os objetivos específicos do trabalho. Na descrição, optamos, primeiro, por relatar os resultados pelo seu viés quantitativo. Nesse ponto, exporemos os números de menções ao caso JBS nas oito edições em análise da revista Veja, dentro dessas edições, em quais gêneros e formatos jornalísticos o tema é abordado. O intuito é mostrar quanto tempo e em qual intensidade o assunto ficou entre os destaques na hierarquia de notícias. Essa mensuração também será usada para embasar a parte qualitativa. Na análise qualitativa, lançaremos mão do expediente de apresentar fragmentos de textos, em citações diretas ou indiretas, que julgarmos pertinente para fundamentar e dar amplitude à descrição, bem como a reprodução de trechos das páginas e fotos 39 publicadas pela revista. Esse modus operandi está em consonância com a categorização de Moraes (1999) quanto ao objetivo da pesquisa, no que se refere às perguntas “para dizer o quê?”, “como?” e “com que “finalidade?”, focando nas características da mensagem. Identificar as características da mensagem é importante para cumprirmos nossos objetivos específicos. Para tanto, faremos uma síntese das informações trazidas pelo veículo de comunicação no sentido de retratar o ambiente informacional criado e transmitido ao leitor em relação ao caso concreto que analisamos. No enquadramento, buscaremos identificar quais e de que forma os elementos do framing (contexto, números, mensageiros, imagens, metáforas e tom) foram usados pela revista. Após, valendo-nos das informações levantadas nos dois primeiros tópicos de análise, e à luz do referencial teórico, pretendemos averiguar se houve direcionamento das pautas para um viés de esquerda ou de direita editorialmente, quando Veja tratou delação da JBS. Por fim, usaremos as informações colhidas e apresentadas na descrição para apresentarmos nossas considerações finais. Esse método vai ao encontro de uma vertente interpretativa em que, segundo Moraes (1999), a teoria é construída com base nos dados e nas categorias da análise. A teoria emerge das informações e das categorias. Neste caso a própria construção da teoria é uma interpretação. Teorização, interpretação e compreensão constituem um movimento circular em que a cada retomada do ciclo se procura atingir maior profundidade na análise (MORAES, 1999, p. 9). Findado este capítulo, em que expõem-se as bases metodológicas do estudo, o quarto capítulo traz o referencial bibliográfico, dividido entre a teoria do agendamento, a conceituação de enquadramento e as ideologias de direita e esquerda. 40 4 REFERENCIAL BIBLIOGRÁFICO 4.1 Teorias do Jornalismo Para ter-se um melhor entendimento de como é o processo de produção de notícias na imprensa e como o conteúdo veiculado pode direcionar as pessoas a formarem sua opinião, é importante retomar as teorias do jornalismo e as hipóteses levantadas por estudiosos deste campo da Comunicação Social. Os primeiros estudos sistemáticos partiram de questões que tinham como objetos centrais as indagações “por que as notícias são como são?", "como circulam, são recepcionadas e quais efeitos geram as notícias?" e “qual o papel do jornalista na elaboração das notícias?” (TRAQUINA, 2005). Como explica Sousa (2002), a teoria do jornalismo deve ser vista essencialmente como uma teoria da notícia, já que a notícia é o resultado do processo de produção de informação jornalística. “Dito por outras palavras, a notícia é o fenômeno que deve ser explicado e previsto pela teoria do jornalismo e, portanto, qualquer teoria do jornalismo deve esforçar-se por delimitar o conceito de notícia” (SOUSA, 2002, p.2) Dentre as várias teorias (podemos citar a Teoria do Espelho, do Gatekeeper, Teoria Organizacional, Teoria da Ação Política entre outras), este trabalho dará especial atenção à Teoria do Agendamento ou Agenda-setting — como é conhecida nos Estados Unidos, seu país de origem. A escolha justifica-se no argumento de que esta investigação pretende verificar se há agendamento ideológico, à direita ou à esquerda, na publicação de informações relativas as informações trazidas pelos delatores da JBS, que implicaram altas autoridades da República — como o 41 presidente Michel Temer — ao passo em que também colocaram em xeque a atuação da Procuradoria-Geral da República quando da assinatura dos acordos de colaboração premiada. Abaixo, abordaremos o agenda-setting, o pseudoambiente retratado nas informações jornalísticas, bem como os efeitos de longo prazo do agendamento midiático na opinião pública. 4.1.1 Teoria da Agenda ou Agenda-setting O jornalista americano Walter Lippmann é considerado o precursor da ideia do agendamento, embora não o tenha se referido pelo termo. No capítulo “O Mundo Exterior e as Imagens em Nossas Mentes”, do clássico Opinião Pública, publicado originalmente em 1922, o autor apresenta a tese de que os veículos de comunicação determinam nossos mapas cognitivos de mundo. Lippmann diz que a opinião pública responde não ao ambiente, mas ao pseudoambiente, uma imagem da realidade construída — em grande parte — pelos meios de comunicação. O mundo que temos que considerar está politicamente fora de nosso alcance, fora de nossa visão e compreensão. Tem que ser explorado, relatado e imaginado. O homem não é um Deus aristotélico contemplando a existência numa olhadela. É uma criatura da evolução que pode abarcar somente uma porção suficiente da realidade que administra para sua sobrevivência, e agarra o que na escala do tempo são alguns momentos de discernimento e felicidade. [...] Gradualmente ele cria para si próprio uma imagem credível em sua cabeça do mundo que está além de seu alcance (LIPPMANN, 2008, p. 40) Academicamente, a fundamentação dos estudos sobre o agendamento começou a ser elaborada a partir da contribuição dos pesquisadores Maxwell McCombs e Don Shaw para a Universidade da Carolina do Norte em Chapel Hill, uma cidade pequena americana, conservadora e isolada. Tendo como mote a campanha presidencial de 1968 nos Estados Unidos, McCombs e Shaw aplicaram, nos 24 dias que antecederam o pleito nacional, cem questionários com eleitores escolhidos de modo a cobrir um universo variado de posição econômico-financeira, social e racial dentre aqueles que se encontravam indecisos entre votar em Hubert Humprey ou Richard Nixon. O objetivo foi verificar como o conteúdo dos veículos noticiosos poderia influenciar no processo decisório desses eleitores, que, por não ter opinião formada 42 em relação ao voto naquela eleição, poderiam estar mais propensos à influência dos mass media. Os pesquisadores encontraram uma relação de causa e efeito: constatou-se que havia uma correspondência entre os temas da agenda pública e da mídia. Além disso, que o grau de importância dado pelos eleitores pesquisados aos cinco principais temas em discussão na campanha aproximou-se do grau de proeminência das notícias divulgadas nos veículos que constavam na análise (McCOMBS, 2009). E mais: verificou-se que a mídia terminou por influenciar também os próprios candidatos, que incluíram em suas agendas temas que, antes, não constavam nas mesmas (HOHLFELDT, 1997). A partir do chamado Estudo de Chapel Hill, muitas outras pesquisas passaram a investigar como a atenção e a percepção do público são influenciados pela mídia e como as características dos veículos noticiosos mediam esses efeitos. A teoria do agendamento parte do pressuposto de que a maior parte dos assuntos que despertam a atenção do público não está disponível à sua percepção direta, pessoal. Isso ocorre porque, em uma sociedade de massa, não há condições de o homem estar presente em todos os ambientes e ser testemunha ocular de tudo, de modo que é necessário os veículos de comunicação levarem à população o relato do qual ela não pôde participar. Essa relação é definida por McCombs (2009) como uma realidade de segunda- mão. Ou seja, a informação fornecida pelos veículos de comunicação tem um papel central na construção da imagem que a população faz da realidade — o pseudoambiente do qual Lippmann descreve em Opinião Pública. Com efeito, “na sua seleção diária e apresentação das notícias, os editores e diretores de redação focam nossa atenção e influenciam nossas percepções naquelas que são as mais importantes questões do dia” (McCOMBS, p. 17-18). No próximo tópico, veremos a definição do pseudoambiente e como ele influencia na construção das “imagens em nossas cabeças” (LIPPMANN, 2008). 4.1.1.1 O pseudoambiente A perspectiva de pseudoambiente de Walter Lippmann, registrada em Opinião Pública, permite antecipar o conceito de subjetividade inerente à produção relatos 43 noticiosos, sobretudo porque os jornalistas interpretam e selecionam os acontecimentos mediante ‘símbolos’, ‘ficções’, ‘imagens mentais’ ou ‘estereótipos’ motivados pela sua própria consciência (PRIOR, 2016, p. 204). Por isso, os meios de comunicação são os principais formuladores da chamada realidade de segunda-mão — que, ressalte-se, não é necessariamente uma inverdade ou que a notícia seja uma fabricação; mas um fragmento da realidade, fruto de um relato baseado na observação empírica inerente à atividade jornalística. Segundo McCombs (2009), O jornalista se apoia em conjunto de normas profissionais que guia sua seleção diária do ambiente. A mídia apresenta uma visão altamente limitada do mundo exterior, como a disponível através de uma estreita fresta das janelas de alguns edifícios contemporâneos. Esta metáfora é ainda mais eficiente se a vidraça for um pouco opaca e a superfície, irregular. Os veículos noticiosos são mais do que simples canal de transmissão dos principais eventos do dia: constroem e apresentam ao público um pseudoambiente que significativamente condiciona como o público vê o mundo (McCOMBS, p. 45). Dessa forma, esses profissionais constroem, de modo mais simples para a assimilação das pessoas, significados que permitem a compreensão e explicação do mundo exterior. Segundo o entendimento de Prior (2016), Esta visão proporcionada pelos meios de comunicação constitui, muitas vezes, a nossa única perspectiva sobre o mundo, sendo certo que os acontecimentos que ficam fora da cultura mediática, os acontecimentos que não se contam, simplesmente não existem para o público. [...] A cultura mediática possibilita, deste modo, criar imagens mentais que influenciam quer a configuração dos temas da esfera pública quer, como consequência, a construção de significados na mente do público (PRIOR, 2016, p. 203). Revisitando a perspectiva lippmanniana, podemos notar que Lippmann, em sua análise, constatou que, em qualquer sociedade que não esteja completamente voltada a seus interesses e não seja tão pequena ao ponto de que todos possam saber tudo o que nela se passa, as ideias dizem respeito a eventos que estão fora da vista e do alcance das pessoas. Tal fenômeno acontece porque “o ambiente real é excessivamente grande, por demais complexo, e muito passageiro para se obter conhecimento direto” (LIPPMANN, 2008, p.31). Para o pesquisador, 44 Não estamos equipados para tratar com tanta sutileza, tanta variedade, tantas modificações e combinações. E embora tenhamos que agir naquele ambiente [o real], tentamos reconstruí-lo num modelo mais simples antes de poder manejá-lo. Para atravessar o mundo as pessoas precisam ter mapas do mundo (LIPPMANN, 2008, p.31). Essa realidade é consequência da sociedade de massa, ou, conforme definição de Töonies (1957), citada por Hohlfeldt (1997), pela passagem de sociedades comunitárias (gemeinschaften) para sociedades anônimas (gesellschafte). Nesse tipo de organização social urbana, o homem necessita da mediação dos meios de comunicação pois não tem condições de ser testemunha ocular de todos os acontecimentos. Já Wolf (2010), citando Grossi (1983), aponta que, em virtude das sociedades industriais capitalistas, foi aumentada a existência de “pacotes” da realidade que os indivíduos não vivem diretamente, mas que tem contato através da mediação simbólica dos meios de comunicação. Em resumo desse quadro, voltando a Hohlfeldt (1997), temos que: As primeiras [sociedades comunitárias] estão ligadas às civilizações primitivas, em que as relações se desenvolvem de maneira direta, em que todos se conhecem entre si e em que todo o fluxo informacional é absolutamente personalizado. Nas sociedades anônimas, contudo, fruto da urbanização, os processos de massificação se tornam necessários, uma vez que a maioria dos integrantes de tais sociedades não pode ter acesso direto aos acontecimentos. Assim é que surgem os chamados meios de comunicação de massa ou, como os americanos denominam, os mass media, constituídos pelos jornais, revistas, emissoras de rádios, cadeias de televisão e, a cada dia mais, outras redes, dentre as quais, contemporaneamente, a Internet. (HOHLFELDT, 1997, p. 45) Esse campo de atuação é um terreno fértil para a prática do jornalismo e, por conseguinte, para se testar a influência dos veículos de comunicação, haja vista que “[...] o que acreditamos ser uma imagem verdadeira, nós a tratamos como se ela fosse o próprio ambiente” (LIPPMANN, 2008, p. 22). Ou seja, o grau de questionamento/contestação tende a ser reduzido. Como coloca Roberts (apud WOLF, 2010), a influência dos mass media é admitida na medida que ajudam a estruturar a imagem da realidade e a organizar novos elementos dessa mesma imagem. Porém, como a estruturação e a interpretação desse ambiente trata-se de um processo de natureza subjetiva, “o mundo parece diferente para pessoas diferentes, dependendo do mapa que lhes é 45 desenhado pelos redatores, editores e diretores de jornal que o leem” (COHEN apud COLLING, 2001, p. 89) Lippmann ressalta que o fenômeno do pseudoambiente deve ser analisado por uma perspectiva triangular entre “a cena da ação, a imagem humana daquela cena e a resposta humana àquela imagem atuando sobre a cena da ação” (LIPPMANN, 2008, p. 31), pois a “a forma como o mundo é imaginado determina num momento particular o que os homens farão” (IBIDEM, p. 38), mas não o que alcançarão, e também “determina seus esforços, seus sentimentos, suas esperanças, não as suas realizações e resultados” (IBIDEM, p. 38). Segundo o autor, “o fato de que os homens teorizam é a prova de que seus pseudoambientes, suas representações interiores do mundo, são um elemento determinante do pensamento, sentimento e ação” (IBIDEM, p. 39). Resumindo e defendendo a sua tese, o americano afirma: Teremos que presumir que o que cada homem faz está baseado não em conhecimento direto e determinado, mas em imagens feitas por ele mesmo ou transmitidas a ele. Se o seu atlas lhe diz que o mundo é plano ele não navegará próximo ao que imagina ser o limite de nosso planeta com medo de despencar. Se seu mapa inclui a fonte da eterna juventude, um Ponce de Leon irá busca-lo (LIPPMANN, 2008, p. 38). Para Wolf (2010), o agenda-setting realça a diversidade existente entre a quantidade de informações, os conhecimentos e as interpretações da realidade social, apreendidos por meio dos mass media, e as exposições em “primeira mão” vividas pelos indivíduos. Ele sublinha que essa crescente dependência cognitiva dos receptores pelas mensagens dispostas pelos veículos de comunicação é constituída sobre dois níveis: i) a “ordem do dia” dos temas, assuntos e problemas presentes na agenda dos mass media; e ii) a hierarquia de importância e de prioridade segundo a qual esses elementos estão dispostos na “ordem do dia”. Com efeito, o autor explana que, pelo agenda-setting, a condução da opinião pública se dá por meio da estruturação, de forma hierárquica, dos relatos noticiosos. Nesse aspecto, conforme McCombs (2009), as pessoas têm opiniões sobre muitas coisas, mas somente alguns poucos tópicos realmente lhes interessam. É aí que entra os veículos de comunicação: enquanto muitos temas competem pela atenção do público, somente alguns são bem-sucedidos, e os veículos de comunicação exercem influência sobre nossas percepções sobre quais são os 46 assuntos mais importantes em pauta. Então, de acordo com os dois autores acima citados, podemos dizer que, mais do que fornecer um certo número de notícias, formando uma espécie de quadro geral de assuntos que o público deve minimamente saber, os veículos noticiosos avançam: eles apresentam as categorias para que os receptores possam, de forma simplificada, ordenar os acontecimentos noticiosos. Na estruturação desses dois níveis, ordem do dia e hierarquia de notícias, os jornalistas levam em