0 UNIVERSIDADE DO VALE DO TAQUARI - UNIVATES CENTRO DE CIÊNCIAS DA VIDA CURSO DE PSICOLOGIA VIOLÊNCIA DOMÉSTICA CONTRA AS MULHERES: UMA REVISÃO INTEGRATIVA DE LITERATURA Gabriela Predabon Lorenzini Lajeado/RS, julho de 2021 Gabriela Predabon Lorenzini VIOLÊNCIA DOMÉSTICA CONTRA AS MULHERES: UMA REVISÃO INTEGRATIVA DE LITERATURA Pesquisa apresentada na disciplina de Trabalho de Conclusão de Curso II, do curso de Psicologia, da Universidade do Vale do Taquari - UNIVATES, como parte da exigência para obtenção do título de Bacharel em Psicologia Orientadora Profa. Ma. Elisângela Mara Zanelatto Lajeado/RS, julho de 2021 APRESENTAÇÃO O interesse por entender mais dessa difícil realidade, da violência de gênero e doméstica, juntamente da vontade de oferecer cuidado a mulheres fragilizadas em no município de Lajeado, motivou-me a participar, em 2017, do Projeto de Extensão Maria da Penha - Enfrentamento à Violência contra a Mulher e apoio às Famílias (projeto de extensão ofertado pela Universidade do Vale do Taquari – Univates), que integra estudantes dos cursos de Psicologia e Direito, o qual retomei em 2021 a participação. Os caminhos enfrentados na construção deste artigo sofreram alterações, mas nem por isso perdi o desejo de continuar a pensar sobre o tema da maneira que fosse possível. Assim, apresento meu artigo intitulado: VIOLÊNCIA DOMÉSTICA CONTRA AS MULHERES: UMA REVISÃO INTEGRATIVA DE LITERATURA, para vossa apreciação. Este artigo se constitui nas normas para trabalhos acadêmicos da Univates. 3 Violência doméstica contra as mulheres: uma revisão integrativa de literatura Gabriela Predabon Lorenzini1 Elisângela Mara Zanelatto2 Resumo: A violência contra as mulheres no Brasil e no mundo é um problema de extrema gravidade, com índices de crescimento alarmantes, permeando muitas áreas e impactando todo o contexto social. Conceitua-se como relacionada à conduta de outrem cuja ação ou omissão, fundada no gênero provoque sofrimento ou dano psicológico, sexual, físico, moral, patrimonial ou a morte. Este estudo teve como objetivo analisar o perfil das mulheres vítimas de violência doméstica e de seus agressores, conforme a Lei nº 11.340/2006, através do método de revisão integrativa da literatura. Esta foi realizada nas bases de dados: da Agência de Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes), na Biblioteca Virtual em Saúde (BVS) e na Scientific Electronic Library Online (Scielo), objetivando analisar artigos publicados nos últimos dez anos no idioma português. Os descritores utilizados na busca foram: Violência Doméstica, Lei Maria da Penha, Perfil das Vítimas e Agressores. Quanto aos resultados e conclusões nesta revisão foram construídas três categorias de análise: Perfil das vítimas e marcadores sociais, Perfil dos agressores, Violência doméstica: as diversas formas de manifestação. Diante disto, observou-se a necessidade de mais pesquisas sobre a temática, reconhecendo a singularidade das situações enfrentadas pelas vítimas, bem como dados mais precisos ou não negligenciados no momento de inscrição nos sistemas de informação. Ao final percebe-se que a Psicologia não teve destaque na produção literária acerca desta temática, evidenciando uma lacuna na análise e problematização dos fenômenos sociais e culturais que atravessam a vida das (os) envolvidas (os). Palavras-chave: Violência doméstica contra as mulheres. Violência de gênero. Perfil das vítimas. Lei Maria da Penha. Perfil dos agressores. 1 INTRODUÇÃO A violência é uma das grandes causas de sofrimento e adoecimento das mulheres brasileiras, se apresentando de diversas formas: psicológica, física, moral, sexual, doméstica e patrimonial, e como consequência mais grave de seus desdobramentos ocasiona a morte de milhares de mulheres no Brasil pela simples condição de serem mulheres (BRASIL, 2006). O recorte deste estudo analisa a violência contra a mulher cometida por parceiro íntimo. A literatura contempla expressões como violência doméstica, relacionada às situações que ocorrem dentro do lar, no espaço privado e entre membros da família que exercem diferentes figuras parentais e afetivas. Encontra-se também o termo violência intrafamiliar, que também é cometido por pessoas da família 1 Acadêmica do Curso de Psicologia pela Universidade do Vale do Taquari – Univates. gplorenzini@universo.univates.br 2 Docente mestre do Curso de Psicologia pela Universidade do Vale do Taquari. – Univates. elisangela.zanelatto@univates.br 4 ou relação íntima da vítima, mas não restritas ao ambiente de moradia. E a própria expressão de violência contra a mulher, referindo-se à conduta violenta de outrem praticada simplesmente pela condição de ser mulher (TELES; MELO, 2003). A violência contra mulher, doméstica ou intrafamiliar, exige a análise do problema por um prisma mais amplo, capaz de englobar outras variáveis para além da marcação biológica, sexual e parental em sua raiz. Nesse aspecto Butler (2003), afirma a importância da definição de gênero, integrando a este mais que a representação feminina ou masculina, justificando a complexidade e singularidade de cada sujeito e de suas múltiplas expressões no campo do discurso, da linguagem e do ato político, performando para além dos marcadores biológicos. Butler (2003), não nega o longo percurso epistemológico para a construção do conceito de gênero e analisa principalmente a sociedade ocidental, na qual a produção de regras e comportamentos visam modular as experiências de ser e estar no mundo, naturalizando umas e condenando outras. A padronização dos corpos e suas regulamentações, fixadas às práticas sociais, visam a repetição de determinados scripts, efetivados através da reiteração de padrões impostos, que por muito tempo condicionam e limitaram o tornar-se mulher ou homem através de marcadores comportamentais e atitudinais esperados para ambos. Esses marcadores, ainda hoje são utilizados como dispositivos que distribuem de forma desigual as relações de poder entre estes, amparando assim uma cultura de violência, onde um gênero sente- se autorizado e confortável em oprimir ou ameaçar aquele que se distingue dele (BUTLER, 2003). Segundo Teles (2006), o problema da violência contra a mulher no contexto brasileiro demorou até ser reconhecida e entendida de forma mais ampla, como violência de gênero. Dificuldade justificada por uma cultura patriarcal, onde o causador dos atos violentos pertence ao gênero entendido como dominante, sendo expressado em vários âmbitos do convívio em sociedade. Essa normalização de formas machistas e sexistas de se relacionar com os gêneros opostos, fomenta injustiças e desigualdades estruturais, que inviabilizam a plenitude de direitos assegurada constitucionalmente para todas (os) (TELES, 2006). Os crescentes números de violências contra as mulheres e outras minorias no Brasil e no mundo são um problema de extrema gravidade, permeando muitas áreas e impactando todo o contexto social, principalmente o da saúde (ARAÚJO, 2008). 5 Para a Organização Mundial da Saúde (OMS) (KRUG et al., 2002) desde o início da década de 1990 a violência contra as mulheres é tratada como um problema de saúde pública mundial. Referente às mulheres, Jesus (2010) discorre sobre o histórico de violências sofridas pelas mesmas, ocorrendo por longos períodos e sob tutela do Estado. Em 1830, o Código Criminal abrandava o homicídio praticado pelo marido quando houvesse adultério, por parte da esposa, já se o marido mantivesse relações com outras mulheres era tratado como concubinato (JESUS, 2010). Em 1917 o Código Civil considerava a mulher casada incapaz, essa condição de inferioridade sofreu alteração quase meio século depois (JESUS, 2010). A Constituição Federal criada em 1988, em seu segundo capítulo assegura que homens e mulheres, são iguais em direitos e obrigações, também passa a regular questões pertinentes aos bens do casal e à responsabilidade com os filhos (BRASIL, 1988). Segundo Soares (2005) o Brasil inicia a caminhada de transformação dos direitos das mulheres impulsionada pelos esforços de grupos feministas. No ano de 1994, a Assembleia Geral da Organização dos Estados Americanos (OEA), é sediada no Brasil, e gera um documento denominado, Convenção de Belém do Pará, resultando um relatório e a criação de um documento que visa a garantia de diversos direitos para as mulheres (SOARES, 2005). Conforme Bandeira e Almeida (2015) a Convenção Interamericana para Prevenir, Punir e Erradicar a Violência contra a Mulher de Belém do Pará, é ratificada em novembro de 1995, mas de fato só passa a ser cumprida no ano de 2001 pelo estado brasileiro. Isso ocorreu devido à condenação do mesmo, pela Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH/OEA), pela omissão, negligência e tolerância no julgamento dos processos movidos por Maria da Penha Maia Fernandes, referente a diversas violências e dupla tentativa de homicídio cometidas contra ela por seu parceiro íntimo (BANDEIRA; ALMEIDA, 2015). Segundo Ribeiro e Coutinho (2011) a criação da Lei 11.340/2006, intitulada Lei Maria da Penha (LMP), leva este nome devido ao resultado da sentença deferida contra o Brasil pela CIDH/OEA, que dentre outras obrigações exigiu a reparação simbólica das omissões cometidas pelo judiciário brasileiro, na condução deste caso. A LMP apresenta em seus regulamentos o incremento de uma rede de enfrentamento, com órgãos multisetoriais, serviços e estratégias efetivamente criados visando mitigar 6 a violência doméstica, também propõe o fomento de estudos e estatísticas capazes de auxiliar na melhoria e implementação de novas políticas públicas (BRASIL, 2006). No ano de 2011, o fortalecimento da Política Nacional de Enfrentamento à Violência contra as Mulheres, valida o acordo entre os governos federal, estaduais e municipais para o desenvolvimento de ações que visem o atendimento, combate e prevenção da violência (BRASIL, 2011). A assistência às mulheres em situação de violência deve contemplar a premissa básica do atendimento humanizado, devido à gama de demandas apresentadas pelas mesmas em situação de violência doméstica, exigindo dos operadores públicos e comunitários um contínuo aprendizado e disposição a atualizações, para o reconhecimento dela em suas diferentes apresentações: física, psicológica, sexual, moral e patrimonial (BRASIL, 2011). No ano de 2015 outra lei é implementada visando reduzir o processo contínuo de violência contra mulher que culmina no seu óbito, é a Lei do Feminicídio 13.104/2015, que passa incluir o rol dos crimes hediondos. Qualifica como agravante de Feminicídio o crime de homicídio ou de tentativa contra a mulher por razões ligadas ao seu gênero, contemplando a violência doméstica e familiar, menosprezo ou discriminação à condição de mulher como seus maiores agravantes, sem justificativa por motivo torpe (BRASIL, 2015). Dados recentes comprovam a gravidade deste problema, onde o Brasil ocupa o quinto lugar, de um montante de 83 países no índice de feminicídio (WAISELFISZ, 2015). Tendo em vista os dados apresentados acima, e a discussão teórica realizada, justifica-se a realização deste estudo, voltado a conhecer e compreender a violência doméstica, de modo especial acerca do perfil das vítimas e dos agressores, refletindo acerca dos desdobramentos da violência. A seguir será explicado o percurso metodológico para a realização deste estudo. 2 PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS A revisão integrativa de literatura é uma abordagem assertiva para o levantamento e a síntese de produções científicas. Por meio desta, é possível mensurar o que foi produzido de relevante referente a determinado tema dentro de um período delineado, selecionando referenciais e compilando conclusões de 7 estudos, que permitam um conhecimento global acerca de determinado assunto (SOUZA; SILVA; CARVALHO, 2010). Segundo Souza, Silva e Carvalho (2010) a revisão integrativa de literatura apresenta seis fases distintas, sendo elas: elaboração da pergunta norteadora, busca da amostragem na literatura, coleta de dados, análise criteriosa dos estudos incluídos, discussão e apresentação dos resultados. De acordo com essa proposta apresentada pelos autores, destaca-se que este estudo iniciou com a escolha da pergunta norteadora, a saber: Qual o perfil das vítimas de violência doméstica e dos agressores? Ainda nesta etapa, buscou-se os descritores que melhor se aproximavam da temática, através da plataforma de Descritores em Ciências da Saúde (DeCS), pensando em obter uma assertividade maior em relação aos indexadores pesquisados. Sendo assim, foram usados os seguintes descritores e suas combinações: Violência Doméstica, Lei Maria da Penha, Perfil das Vítimas e Agressores. Na segunda etapa, foram definidos os critérios de inclusão dos materiais, sendo: artigos empíricos e teóricos relacionados ao tema, período de publicação dos materiais entre os anos de 2010 e 2020, totalizando um período de 10 anos e idioma em português. Destaca-se que foram excluídos os artigos em duplicidade, fora do período de tempo proposto, dissertações e teses. Com base nestes elementos, foram realizadas pesquisas nos seguintes portais científicos nos dias quinze e dezesseis de maio de 2021: Agência de Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes), Biblioteca Virtual em Saúde (BVS) e na Scientific Electronic Library Online (Scielo). Na terceira etapa, realizou-se a coleta de dados através da busca nos portais citados. Foram analisados no primeiro momento as palavras-chave, os resumos e resultados verificando quanto à concordância com o tema da pesquisa. Neste processo foram encontrados 83 artigos. A etapa seguinte se caracterizou pela análise criteriosa dos materiais, sendo que para isso, foi construído um instrumento de registro contendo as seguintes informações: (1) ano da publicação e autores, (2) título do artigo, (3) periódico de publicação e base de dados, (4) objetivos, (5) métodos, (6) resultados e (7) conclusões. Nota-se que este instrumento auxiliou na compilação dos principais 8 elementos de cada estudo, bem como para análise dos mesmos. Assim, obteve-se como resultado final 10 artigos. Por fim, a partir da análise dos dados encontrados foi possível construir três categorias de análise que serão apresentadas e discutidas na próxima seção. 3 ANÁLISE E DISCUSSÃO DOS RESULTADOS Conforme as etapas descritas anteriormente, foram identificados 10 estudos que validaram essa revisão integrativa de literatura, apresentados no quadro 1. Partindo da discussão e da categorização dos dados encontrados construiu-se três categorias de análise: Perfil das vítimas e marcadores sociais, Perfil dos agressores e Violência doméstica: as mais diversas formas de manifestação. Estas categorias serão apresentadas e discutidas na próxima seção de análise com aporte de referenciais complementares. Quadro 1 - Detalhamento dos estudos sobre o perfil das vítimas e agressores de violência doméstica contra mulher no período de 2010 a 2020 Código numeral Ano da Publicação Autores Título Periódico Portal de busca Objetivo Método 1 2012 Carneiro e Fraga. A Lei Maria da Penha e a proteção legal à mulher vítima em São Borja no Rio Grande do Sul: da violência denunciada à violência silenciada Serviço Social & Sociedade. São Paulo, n. 110 Scielo Mapear os casos de violência doméstica que foram registrados na polícia civil e no Fórum de São Borja, RS, durante os anos 2009 e 2010 Pesquisa exploratória-descritiva, de delineamento documental, (mapeamento dos registros de ocorrência, inquéritos policiais, processos e sentenças judiciais), envolvendo mulheres vítimas de violência doméstica, segundo a LMP nos anos de 2009 a 2010. 2 2013 Sousa; Nogueira; Gradin. Perfil da violência doméstica e familiar contra a mulher em um município de Minas Gerais, Brasil Caderno de Saúde Coletiva, vol.21 nº.4. Scielo Análise amostral de Boletins de Ocorrência, referente violência contra a mulher na 2ª Delegacia Regional de Polícia Civil de Alfenas, Minas Gerais no ano de 2011. Quantitativa, descritiva- exploratória e transversal tipo estratificada, caracterizada por uma confiança de 95% e um erro de aproximadamente 3,3%. Sobre: 392 de um montante de 715 registros, no ano de 2011. 3 2013 Vale, S. L. L. et al. Repercussões psicoemocionais da violência doméstica,perfil de mulheres na atenção básica. Rev. Rene. Revista Mineira de Enfermagem v. 14, n. 4. BVS Perfil sociodemográfico e as repercussões de mulheres atendidas em um serviço de saúde nos dois primeiros meses de 2010, na Paraíba. Entrevista exploratória- descritiva quantitativa, com 211 mulheres, em uma Unidade de Saúde da Família no interior da Paraíba, de janeiro a fevereiro no ano de 2010. 4 2016 Vasconcelos; Holanda; Albuquerque. Perfil do agressor e fatores associados a Violência contra as Mulheres Cogitare Enfermagem, v. 21, n. 1 BVS Analisar o perfil do agressor e os fatores associados à violência doméstica, no interior de Pernambuco, nos anos de 2008 a 2012. Estudo transversal e documental referente a 512 casos de violência contra a mulher, na Secretaria da Mulher do município de Vitória de Santo Antão, entre junho de 2008 a dezembro 2012. 9 5 2016 Ferreira, Rebeca Monteiro et al. Características de saúde de mulheres em situação de violência doméstica abrigadas em uma unidade de proteção estadual. Ciência & Saúde Coletiva. v. 21, n. 12 CAPES Características sociodemográficas e de saúde das vítimas de violência que estiveram sob a tutela protetora do Estado no interior do Ceará, antes e depois a Lei Maria da Penha entre 2001 e 2012. Estudo seccional, exploratório- descritivo, documental, quanti- qualitativo realizado em uma unidade de proteção especial as vítimas de violência, no 2º sem. de 2013. Amostra composta por 197 prontuários (30% do total de 608 mulheres, considerando 7% ref. perdas/critério de exclusão) atendidas entre 2001 e 2012. 6 2016 Amaral, Luana Bandeira de Mello et al. Violência doméstica e a Lei Maria da Penha: perfil das agressões sofridas por mulheres abrigadas em unidade social de proteção. Revista Estudos Feministas, v. 24, n. 2, Florianópolis. CAPES Conhecer as diferenças antes e após a criação da Lei Maria da Penha nas agressões sofridas pelas mulheres atendidas na Unidade de Proteção Especial do Estado do Ceará Estudo seccional, exploratório- descritivo, documental. A amostra foi composta por 197 prontuários das mulheres atendidas em uma Unidade de Proteção, entre os anos de 2001 e 2012. Análise através do SPSS versão 20. 7 2017 Bozzo, Ana Clara Borborema et al. Violência doméstica contra a mulher: caracterização dos casos notificados em um município do interior paulista Revista Enfermagem UERJ, v. 25. BVS Perfil das mulheres vítimas de violência doméstica no município de Ribeirão Preto Revisão documental com abordagem quantitativa, 5.643 notificações de violência doméstica, a partir de dados contidos na ficha de notificação (SINAN), 01 de 2009 a 06 de 2013 8 2017 Mendes, Zilma dos Reis et al. Mulheres Vítimas de Violência Doméstica: uma Abordagem no Núcleo da Delegacia em Atendimento à Mulher de um Município do Estado da Bahia Rev. bras. Ciênc. Saúde; 21 LILACS BVS Perfil das vítimas de violência doméstica, atendidas em um núcleo de assistência à mulher na Delegacia Civil entre 2012 a 2014, em São Francisco do Conde, interior da Bahia. Estudo do tipo quali-quantitativo com base em 67 registros de boletins de ocorrência de mulheres vítimas de violência doméstica que deram entrada no Núcleo da Delegacia Especializada em Atendimento à Mulher (NUDEAM), no período de 2012 a 2014 9 2018 Macarini; Miranda. Atuação da Psicologia no Âmbito da Violência Conjugal em uma Delegacia de Atendimento à Mulher. Pensando famílias, Porto Alegre, v. 22, n. 1 BVS Caracterizar a violência conjugal denunciada por mulheres em uma delegacia de proteção à mulher, atendidas junto ao serviço de psicologia, em Maringá SC. Pesquisa documental, de análise não probalistica dos boletins de ocorrências registrados na delegacia, encaminhados ao serviço de psicologia por violência doméstica, no período de 08/2012 a 08/2015. 10 2020 Ferreira, Patrícia Chatalov; et al. Caracterização dos casos de violência contra mulheres Revista de enfermagem UFPE BVS Caracterizar os casos de violência contra a mulher, na cidade de Maringá, PR, através da análise dos registros no banco de dados do SINAN. Estudo quantitativo, descritivo, ecológico, de séries temporais (2010 a 2015), através da coleta de dados no SINAN. Aplicou-se a estatística inferencial por meio da análise univariada. Consideraram-se, para todas as análises, um intervalo de confiança de 95% e o nível de significância 5% Fonte: Das autoras, 2021. A partir dos dados expostos no Quadro 1, nota-se que a maioria dos artigos optou pela metodologia exploratória-descritiva. Para estes percursos, os autores utilizaram dados documentais para descrever as características referentes à população estudada. Em sua grande maioria mulheres jovens, com baixa escolaridade, que devido aos desdobramentos das violências sofridas em seus relacionamentos com parceiros íntimos, procuram serviços da rede de saúde e enfrentamento tentando reprimir os agravos da violência doméstica. 10 Em relação à produção de artigos, percebe-se que houve mais publicações no ano de 2016, sendo encontrados três artigos nas bases de dados pesquisadas (4, 5, 6)3, seguido dos anos de 2017 com dois (7, 8), e 2013 (2, 3) também com dois. Nesse sentido, parece que o interesse pelo tema vem crescendo e provocando os estudiosos sobre a importância de descrever e escrever mais referenciais sobre a violência contra as mulheres. A base de dados com maior número de artigos selecionados foi a BVS com seis (3, 4, 7, 8, 9, 10), seguido do portal da Capes (5, 6) e da Scielo (1, 2), ambos com dois artigos. As regiões brasileiras, cujas amostras foram estudadas e constam nesta revisão integrativa, são a Sul do país (1, 9, 10), Sudeste (2, 7) e Nordeste (3, 4, 5, 6, 8). Quanto ao local de pesquisa dos estudos selecionados identifica-se maior participação dos serviços de segurança pública, em alguns, observa-se que outros serviços estão associados, como o de Psicologia (9) e Justiça (1), totalizando quatro artigos (1, 2, 8, 9). Aparecem também serviços como unidades de proteção às vítimas, abordadas em dois artigos (5, 6), e em dois, serviços da rede de saúde municipal (3, 4). Identifica-se também que dois estudos (7, 10) foram realizados com base nos dados do Sistema de Informações de Agravo e Notificação (SINAN). A análise dos artigos apresenta outro dado que ganha importância referente às áreas de conhecimento responsáveis pela elaboração dos mesmos. Nesse sentido, observa-se que a área de conhecimento que mais se dedicou a este tema foi o da saúde, com pelo menos um dos autores do núcleo da Enfermagem em seis estudos (2, 3, 4, 6, 7, 10), a Psicologia apareceu somente em um (9). A partir dos dados encontrados, de modo especial, dos resultados apresentados pelos estudos, foi possível agrupar informações e construir três grandes categorias que emergiram dessa análise: 1. Perfil das vítimas e marcadores sociais, 2. Perfil dos agressores e 3. Violência doméstica: as diversas formas de manifestação. 3.1 Perfil das vítimas e marcadores sociais Os estudos analisados nesta revisão permitem descrever um perfil muito parecido entre as mulheres vítimas de violência doméstica incluídas nos estudos, 3 A partir daqui, para melhor organização textual será utilizado um código numérico correspondente a cada um dos dez artigos incluídos nesta revisão integrativa, a ordem numérica e respectivas referências estão detalhadas no Quadro 1. 11 elaborados em diferentes regiões do país. A partir desses dados, criou-se uma fotografia transitória, considerando que essa realidade recebe novas notificações a cada instante em nosso país e infelizmente afeta o cotidiano de tantas brasileiras. Essas mulheres são jovens das mais diversas idades, concentrando maior percentual na faixa etária dos 30 anos, de raça branca e parda predominante nos artigos analisados, alfabetizadas, com tempo de escolaridade de até oito anos, poucas com ocupação estável e consequentemente renda própria. Mães de um filho (a) ou mais, provenientes de suas relações pessoais duradouras com seus atuais ou ex- companheiros, sendo estes seus principais agressores. De acordo com a faixa etária, o artigo (2) apresenta a média de idade das mulheres vítimas de violência doméstica, encontradas nos registros de ocorrência sendo de 33,28 anos. Outro estudo (9) constata a média de 35,39 anos. O artigo (5) relata que a faixa etária mais atingida são as de mulheres acima dos 31 anos, com 43,7%, seguida da faixa etária dos 15 a 25 anos, com 33,5%. Conforme artigo (6) 55,8% das mulheres que foram atendidas antes e depois da Lei 11.340/2006 tinham idades entre os 15 a 30 anos. O estudo (8) evidencia vítimas com idade dos 19 a 30 anos, 59,7%. O artigo (10) aponta que as mulheres de 20 a 29 anos foram as mais atingidas pela violência doméstica, dentre os registros do SINAN na cidade de Maringá - PR, seguidas pelas de 30 a 39 anos. O artigo (3) refere que a faixa etária adulta é a mais atingida, com 87,2%, dos registros no serviço de saúde pesquisado, em uma cidade do interior da Paraíba, seguido das de adolescentes, com 7,6% e por último as de terceira idade com 5,2%. Tais informações fornecidas por este estudo, são corroboradas pelos dados do Fórum Brasileiro de Segurança Pública (FAIRCLOUGH, 2019), o qual refere que cerca de 16 milhões de mulheres brasileiras com 16 anos ou mais sofreram algum tipo de violência no ano de 2018. Outro dado que emergiu nessa categoria se refere ao estado civil das vítimas, em que aparecem representações que apontam para relacionamentos duradouros com diferentes marcadores e denominações. No estudo (2) 28% são amasiadas, 26% casadas e 26% solteiras. No artigo (3), são casadas 45%, em união consensual 27%, solteiras 19% e separadas 8%, já no artigo (6), a maioria das vítimas atendidas em uma Unidade de Proteção Especial no Estado do Ceará foi caracterizada em união estável em 68% dos registros. O artigo (9) as divide em: casadas 45,4%, união estável 43,7%, namorando 10,9%, traz como informação adicional que o tempo médio dos 12 relacionamentos é de 10 anos. O estudo (5) destoou dos anteriores, apresentando percentual maior de vítimas solteiras 73%, casadas 26,4%, porém, refere como dado adicional a presença de relações duradouras, o que não descaracteriza sua conformidade com os demais quanto ao agressor ser da relação íntima da vítima. Segundo Vale et al. (2013) a violência doméstica é predominante em mulheres com relacionamentos estáveis ou estado civil consolidado. Após a criação da Lei 11.340/2006 houve o aumento de denúncias, não porque não houvesse casos de violência doméstica antes da implementação da lei, mas, sim porque ocorreu reconhecimento de outras violências tão nocivas quanto à física ou sexual, a exemplo a psicológica, moral e patrimonial e a sensibilização para seu reconhecimento (VALE et al. 2013). Outro marcador que deve ser anunciado a partir da análise desses estudos, se refere à raça, etnia ou cor de pele. Nestes, aparecem com maior expressão casos envolvendo mulheres de pele clara. O artigo (2) apresentou percentual somente referente a mulheres autodeclaradas brancas 63,6%, não considerando outras raças. O estudo (3) considera a maior diversidade de raças, morenas e ou pardas 46,5%, brancas 42%, negras, 10% e 1,5% indígenas. O artigo (5) inclui pardas 47,2% e brancas 21%. O artigo (6) considera somente as de maior expressão na amostra de 197 prontuários, sendo elas pardas 47,2%. O artigo (7), também considerou o mesmo critério, mencionado somente o percentual de maior expressão, sendo 70,81% de raça branca. Negras 22,4%, pardas 17,9% e raça desconhecida ou não informada 58,2%, são referentes ao artigo (8). Conforme artigo (10) e suas faixas etárias com maior índice de violência doméstica, novamente há somente referência a cor de pele que predominou nos registros, sendo a raça branca. Estima-se que o número seja ainda maior em virtude da subnotificação dos casos. Isso ocorre por diversos motivos, um deles, refere-se às dificuldades das mulheres vítimas de violência acessarem seus direitos, seja por vulnerabilidade social e racial, medo, preconceito ou outras questões que as fazem retroceder ou não reconhecer atitudes nocivas investidas contra elas como violência (MENEGHEL; PORTELLA, 2017). Nesse sentido, segundo Werneck (2010) mulheres negras são vítimas de violência doméstica em 58,86% dos casos. Pesquisas apontam a complexidade e diversidade com a qual a violência doméstica e familiar acomete todas as mulheres, e reconhecem o agravo nas autodeclaradas pardas ou negras. Assim, a 13 violência de gênero, por exemplo, soma-se à violência étnica/racial. Ainda, segundo a autora, a estrutura do racismo está ligada intimamente à cultura, ao patriarcado e ao capitalismo. A objetificação de seus corpos potencializam as violências e as condicionam a lugares de maior exposição às vulnerabilidade (WERNECK, 2010). Nessa perspectiva, os estudos de uma forma geral alertam para importância de reconhecer a transversalidade deste fenômeno, uma vez que acomete mulheres indiferente de sua raça ou etnia e de distintas classes sociais, tornando-se principalmente demanda para a saúde pública. Uma diferença crucial observada se refere aos recursos econômicos das vítimas, o que fez emergir mais dados das classes menos favorecidas mantendo-se encobertas as que ocorrem com pessoas em situações mais abastadas A relação entre vulnerabilidade e marcadores sociais como gênero, classe social, raça engendram diferenças assimétricas que reverberam em agravos para todos envolvidos. A escolaridade que é uma ferramenta de inclusão e de desenvolvimento, aparece com pouca expressividade na realidade dos envolvidos nesta revisão. Neste aspecto, quanto à escolaridade, sete artigos abordam de forma sintética maior tendência das vítimas de serem alfabetizadas, porém, evidenciam a baixa escolaridade e precariedade de dados quanto ao grau de instrução. Os estudos (2, 5) apontam que 59,3% e 91,4% das vítimas são alfabetizadas. O artigo 10 aponta escolaridade média de 8 anos. Das amostras pesquisadas, possuem ensino fundamental incompleto (3) 27,5%, (8) 23,9%. Fundamental completo (3) 29,5%, (7) 19,9%. Ensino médio completo (2) 14,4%, (3) 33%, (8) 17,9%. Com ensino superior (3) 7%. Dados do artigo (6) indicam que quase a maioria das mulheres atendidas na unidade de proteção possuem baixa escolaridade, 91%, porém não especificam o grau de instrução. O artigo (7) apresenta ausência de informações em 47,73% das notificações pesquisadas, assim como o artigo (8) em 43,3% nos registros. Moura et al. (2009) apontam que o maior índice de mulheres que buscam as delegacias de polícia para registrar ocorrência, apresentam baixo nível de instrução, porém se comparado com o de seus agressores, as mulheres possuem maior tempo de escolarização. Em consideração às vítimas com maior grau de instrução há indicativos de acessos a outras redes e serviços, como advocatícios, médicos, 14 psicológicos e maior suporte em sua rede de relações proximais, ampliando assim estratégias de enfrentamento para o problema (MOURA et. al. 2009). Dados referentes à renda familiar e ocupação das mulheres vítimas de violência doméstica são pouco conclusivos nos artigos analisados e parecem demonstrar uma lacuna nessas informações. Conforme tendência percebida, acredita- se que seja pela falta de registros nas bases de dados consultadas. Quatro dos dez artigos selecionados (2, 3, 5, 8) indicam que as mulheres estão em similaridade, trabalhando em serviços domésticos/manuais e não especificados, em comparação com as que estão desempregadas, aposentadas ou não trabalham, porém, não apresentam dados de sua participação efetiva no seu sustento ou na renda familiar. Neste contexto, quanto à renda familiar, amostras mais significativas dos artigos indicam proximidade das mulheres que vivem com até um salário-mínimo, com as de registros sem informações especificadas. A estimativa de renda aparece mais claramente em dois artigos, com até um salário-mínimo no artigo (5) são 27,4%. E no artigo (8) 33% com o incremento de algum benefício social governamental. O artigo (3) realizado na região Nordeste, apresentou a renda familiar mais elevada se comparada às demais, com 72% das famílias com até dois salários e 28% com mais de dois salários-mínimos. Quanto à ocupação, os dados demonstram que 53,3% (2), 57% (3), 31,5% (5), são donas de casa, não trabalham ou poderiam estar desempregadas, ainda no artigo (5) 26,9% informam receber algum benefício social complementar. No artigo (8) a maioria das informações obtidas indicam ocupação ou profissão desconhecida ou não especificada: 74,6%, e no artigo (3) 43%. As que apresentam ocupação definida são da área de serviços (gerais, informal ou indústria), conforme o artigo (5) 37,6%, e 8,9% conforme o artigo (8). Conforme Carvalho et al. (2010) em uma pesquisa realizada com mulheres vítimas de violência doméstica quanto a dinâmica relacional com seus companheiros em um bairro da cidade de Florianópolis, as mesmas relataram um cotidiano cercado de ameaças e agressões. Entretanto, quando questionadas sobre uma possível nota para seus relacionamentos, 74,2% deram nota igual ou superior a oito; e 25,8% das mulheres deram nota igual ou inferior a sete. Uma possível justificativa, para a ambiguidade destes dois relatos acerca do mesmo fenômeno pode estar relacionada dependência financeira e psicológica que essas mulheres têm da relação com seus companheiros, a pesquisa revelou que 43,6% dependem deles para complementar a 15 renda familiar, 35,5% dependem do parceiro para sustentar a família, e 8,1% das mulheres só contam com a renda dos companheiros para sua sobrevivência e de seus dependentes. A importância da valorização laboral estável, segundo Venâncio e Fonseca (2013), deve ser estimulada, pois evidencia o potencial de fortalecimento da autoestima como também predispõe as mulheres a romper com o ciclo de violência, uma vez, que a dependência financeira é um dos motivos justificados pelas vítimas em continuar em relações abusivas. De acordo com Miranda, De Paula e Bordin (2010) às mulheres em situação de violência, de um modo geral, apresentam taxas mais altas de absenteísmo, atrasos no trabalho, falta de motivação e consequentemente diminuição da produtividade. O que interfere ativamente em suas entregas profissionais, tornando-as suscetíveis ao desemprego e inviabilizando a sua autonomia, como consequência dependentes de seus agressores. Com relação à maternidade, três estudos abordam essa informação. Um deles avaliou dados anteriores à Lei 11.340/2006 e posteriores, nessa ordem 93,8% e 86,8% das mulheres atendidas no abrigo estadual possuíam de 1 a 5 filhos no momento de sua estadia no local (5). Outro estudo aponta que 43% das mulheres que buscaram o núcleo de assistência no município possuíam 1 a 2 filhos (8), e 64,4% das mulheres que registram ocorrência em uma delegacia entre os anos de 2012 e 2015, possuíam 1 ou mais filhos com o agressor (9). Conforme Silva, Coelho e Caponi (2007), a violência familiar ou doméstica, além dos prejuízos já sabidos quanto à saúde e desenvolvimento dos filhos (as), impactam em questões subjetivas, como ao desenvolvimento de estilos parentais baseados nas experiências pregressas vividas na família de origem. Com isso oportuniza que a violência seja requerida como uma estratégia comportamental para resolução de problemas, ou naturalizada como formato relacional predominante em alguns sujeitos. Com tudo, é possível observar a relação do perfil das vítimas de violência doméstica e de alguns marcadores sociais. Sendo assim, na próxima categoria de análise serão apresentados dados sobre o perfil dos agressores que cometem violência doméstica. 16 3.2 Perfil dos agressores O perfil dos homens envolvidos em violência doméstica que figuram neste estudo como autores de agressão ou de forma mais contundente, denominados de agressores, devido ao enquadramento dado na Lei 11.340/2006, possuem similaridade de idade com as mulheres vítimas de violência doméstica. A faixa etária é de sujeitos entre 20 a 40 anos de idade, com grau de instrução inferior ao das mulheres, reconhecidos como alfabetizados em sua grande maioria, porém impossível de encontrar um indicativo quanto ao grau exato de instrução. Na maioria, são trabalhadores do setor de produção e construção civil, com baixa renda, mas responsáveis pelo seu sustento e consequentemente de suas famílias. Quatro estudos (2, 4, 6, 9) mostram homens na faixa etária de 38 anos de idade (média). O estudo que analisou os boletins de ocorrência de um município no interior de Minas Gerais aponta média de idade de 35,55 anos (2). Outro estudo, aponta média de idade de 39 anos, tendo homens dos 17 aos 76 anos, nos registros de ocorrência da Delegacia de Atendimento da Mulher em um município de Santa Catarina (9). O artigo (4) apresenta percentuais bem próximos entre homens, de 19 a 30 anos 36%, de 31 a 40 anos 33,8%. O estudo (6) apresenta percentual muito parecido com o anterior, onde 71,7% dos agressores encontram-se entre 20 e 40 anos de idade. Em relação a raça ou etnia, somente o estudo (2) evidencia que a maior parte da amostra é de homens brancos 46,4%. Em relação ao estado civil ou tipo de relação dos autores de agressão aparecem diversas nomenclaturas, assim como observou-se no caso das vítimas, aparecem denominações como: casados, amasiados, namorados, companheiros, em união estável, como também, as mesmas nomenclaturas antecedidas do prefixo, “ex”. Referente aos relacionamentos atuais, os artigos (2, 4, 9) apresentam nessa mesma ordem percentuais de 49%, 53,4% e 89,2% da violência cometida por companheiros. Apenas os estudos (2, 4) mostram percentuais referente aos ex-companheiros sendo 35% e 31% como perpetradores de violência. Figuram entre os dados, informações referentes ao tempo de relacionamento com as vítimas, o artigo (4) apresenta média de 35,2% de relacionamentos de 1 a 4 anos, e 37,2% de relacionamentos com 10 anos ou mais. No artigo (9) a média de tempo dos relacionamentos é de 10 anos com 42,40% da amostragem dentro dessa categorização. 17 A partir dessas informações, torna-se importante voltar o olhar para os dados do Fórum Brasileiro de Segurança Pública (FAIRCLOUGH, 2019), o qual refere que em mais de 76% dos casos as mulheres indicaram que o agressor era um conhecido, apontando um aumento de 25% em relação à pesquisa realizada em 2017. Dentre os vínculos mais citados destacam-se: namorado/cônjuge/companheiro como o principal perpetrador, 23,8% (aumento de 23%), ex-namorados e ex-companheiros com 15,2% e vizinhos com 21,1%. Consoante a estes dados encontrados na revisão integrativa, uma pesquisa realizada em 2017 pelo Datasenado, referente à Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher, apontou que 33% das mulheres pesquisadas afirmaram ter sofrido violência doméstica de seus ex-maridos, ex-companheiros ou ex-namorados. Ainda, segundo Silva e Oliveira (2015) a violência doméstica praticada pelo parceiro íntimo, atual ou passado é prevalente no que se refere à expressão de violência mais sofrida pelas mulheres no Brasil. Referente à ocupação, dois estudos sinalizam as profissões mais declaradas (industriários, auxiliar de serviços gerais e construção civil), o artigo (2) com 26,5% dos agressores nessas profissões e sem ocupação especificada 24,8%. No artigo (6) 41,5% envolvidos com trabalhos manuais, braçais. A escolaridade foi abordada somente em um artigo (2), apresentando 67,7% da amostragem como alfabetizados, destes somente 8,4% possuem ensino médio completo. Segundo Malta e Duarte (2007), são muitos os fatores que podem ser elencados para explicar os diferentes tipos de violência ocorridos entre companheiros íntimos, um destes são os fatores socioeconômicos dos envolvidos. Visto que há uma correlação significativa entre violência e pobreza, como os agravantes das desigualdades sociais, reverberando baixa escolaridade e subempregos em virtude da situação de vulnerabilidade que se encontram. O artigo (4) apresenta dados importantes quanto à prevalência da ocorrência da violência segundo algum tipo de fator associado ao perfil do agressor: violência física e psicológica foi a mais praticada por homens com idade entre 19 e 40 anos. Homens que viviam casados ou em união estável foram os mais denunciados sobre o crime de violência física. Os ex-companheiros conjugais por violência psicológica e patrimonial. Quanto à situação de renda, os homens que possuíam renda própria 18 apresentaram maior número de notificações na prática de violência física, sexual e psicológica. Os que não possuíam renda própria mostraram maior prevalência de cometer violência moral e patrimonial. A violência moral, destacou-se entre agressores com algum grau de parentesco da vítima. Conforme Welzer-Lang (2001), a aversão às liberdades femininas da qual os homens negam ter medo, somada à incapacidade de renunciarem a seus privilégios, que se sustentam na distribuição dispare de poderes, bem como lugares de fala e cultura, se mostram como pilares que sustentam a metáfora criada pelo próprio autor, denominada de “a casa dos homens”. Nesta, quem avalia os homens são os próprios homens, e quem avalia as mulheres também são os homens. Validando uma ideologia sexista em sua grande maioria, que visa sustentar a ideia de uma natureza superior (WELZER-LANG, 2001). Segundo Cavalcanti (2006) a violência de gênero é uma das mais nocivas formas de se relacionar sobretudo, desigual e impiedosa, amparada pela crença que um gênero detém mais poder que os outros e que isso lhe autoriza para condutas de destituição de valor e integridade de outro sujeito. Sustentada nesta cultura as violências parecem se multiplicar. A partir dessa análise, torna-se possível compreender um pouco da dimensão que constrói o perfil dos agressores. Análise pertinente para que também possam ser pensadas estratégias para essa população, que envolvam a educação, a sensibilização e conhecimento acerca de temas como machismo. A ampliação de espaços de cuidado, bem como de possibilidades de acesso à educação poderiam ser estratégias protetivas para que estes não adentrassem em ciclos de violência ou perpetrassem violências, tão nocivas para as mulheres vítimas, os dependentes e para os próprios agressores de violência doméstica, que assim se tornam criminosos. Nessa perspectiva, a seguir serão abordadas as formas de violência contra a mulher mais praticadas por parceiros íntimos a partir dos estudos analisados. 3.3 Violência doméstica: as diversas formas de sua manifestação A violência sofrida pelas mulheres nas mais diversas regiões do país, mostra a face da desproporcionalidade e irracionalidade com a qual o agressor perpetua seus atos violentos. Nestes, de acordo com os estudos analisados, predominam a violência 19 física, psicológica e moral, consideradas na Lei 11.340/2006, também aparecem os outros tipos de violência, porém em menor percentual. Para sintetizar os principais dados encontrados, os artigos serão reunidos por setores nos quais as informações foram coletadas. Assim, no setor de segurança pública incluem os artigos (1, 2, 8, 9), no setor de rede de saúde, os artigos (3, 4), na rede de apoio e abrigo temporário (5, 6), e pelo sistema de notificação de agravos (SINAN) os artigos (7, 10). Os dados apresentados nos artigos conforme o setor de segurança pública (1, 8,9), apresentam a violência psicológica um pouco mais preponderante perante as demais. Segundo Cavalcantti (2006), a Violência Psicológica: é a ação ou omissão destinada a degradar ou controlar as ações, comportamentos, crenças e decisões por meio de intimidação, manipulação, ameaça direta ou indireta, humilhação, isolamento ou qualquer outra conduta que implique prejuízo à autoestima, desenvolvimento pessoal. É silenciosa e causadora de impactos na saúde como depressão, ansiedade, pânico. Em dados percentuais os estudos apresentam altos índices (1) 47% nos dois anos analisados. Nos estudos (2, 3) 38,5% e 56%, respectivamente, nesta ordem. Quanto a violência física, os estudos (1, 2, 8 e 9), apresentaram índices também altos, 28% e 26%,50,3%,23,9% ,12%. De acordo com Cavalcanti (2006), à Violência Física é referida aos atos de invasão que violem a integridade da mulher através de tapas, chutes, golpes, queimaduras, estrangulamentos, podendo ou não causar marcas e lesões. A violência moral, apareceu em menor proporção, sendo considerada em muitos registros com relação aos atos de injúria, calúnia e difamação. No artigo (2) há considerações quanto a associação de mais de um tipo de violência estar anotado nos registros, constando lesões aparentes em 26,3% das vítimas e em 73% marcas não muito perceptíveis. Os domingos são os dias em que ocorrem mais denúncias. O uso de substância alcoólica por parte do agressor consta em 22,7% dos registros, e substâncias ilícitas em 6%. De acordo com Almeida, Pasa e Scheffer (2009), há uma tendência do álcool ser um potencializador para erupção dos casos de violência doméstica, usado sozinho ou associado a outras drogas ilícitas, de uso esporádico ou regular, contribui na grande maioria das situações para que os parceiros íntimos das vítimas cometam abusos. Contribui como desinibidor, prejudicando o julgamento, a percepção e o controle cognitivo e emocional, predispondo a conduta agressiva, potencializando atos de violência, entre elas psicológica, física e sexual. Do mesmo modo, impacta não 20 somente as vítimas de violência doméstica, mas expõe os dependentes a situações que irão reverberar outras disfunções sistêmicas, como também outros desdobramentos no campo social que podem envolver crimes, acidentes, entre outros (ALMEIDA; PASA; SCHEFFER, 2009). O estudo (8) aponta que foi necessário acionar Medida protetiva de urgência em 26,9% dos casos. No artigo (9) os casos mais graves de lesão corporal resultaram em instauração de Inquérito Policial, conforme prevê a Lei Maria da Penha, porém um percentual muito alto de vítimas de violência doméstica deixaram de prosseguir com a queixa crime 70%, e desistem da ação O atendimento de psicologia dentro deste serviço oferta a possibilidade de escuta e acolhimento às vítimas, além de prestar esclarecimentos e orientações acerca dos serviços que compõem a rede e o desdobramento posterior das medidas protetivas de urgência. Importante considerar a importância do dispositivo de Medida Protetiva de Urgência, que segundo Ribeiro e Coutinho (2011), confere poder de proteção às vítimas de violência doméstica. No Artigo 19 e subsequentes parágrafos, da Lei nº 11.340, 2006, regimentam sua utilização, podendo ser requerida no momento do registro da ocorrência, sendo a autoridade policial responsável pela comunicação ao juizado responsável no prazo de até 48 horas. Podem ser concedidas de três maneiras: pelo juiz responsável, por requerimento do Ministério Público, ou a pedido da vítima. O Artigo 23, da mesma lei esclarece que podem ser aplicadas isoladas ou cumulativamente, estipulando como exemplo o afastamento do lar por parte do agressor, proibição de contato ou aproximação com a ofendida, retenção de arma de fogo, prestação de alimentos aos filhos menores de idade entre outras deliberações (RIBEIRO; COUTINHO, 2011). A violência contra a mulher no ambiente doméstico é abordada de forma um pouco distinta nos artigos (3,4), cuja população da amostra era predominantemente pertencente a locais da rede de saúde. No artigo (3) através do método de entrevista, foram ouvidas 211 mulheres, constatou-se que quase a metade das ouvidas estava em situação de violência doméstica a muito tempo 44,5%. Emergiram nos relatos mais de um sentimento ou emoção desestabilizante. Como repercussões psicoemocionais, as mesmas relataram apresentar constantemente sentimentos de tristeza 21,31% e raiva 13,11%, além de outros como medo, ansiedade e humilhação. Também deve-se analisar estas 21 repercussões como uma espécie de trauma. De acordo com Lima e Werlang (2011) a vivência da violência e em especial a doméstica ocasionam um trauma, este em muitos casos age contra as tentativas de elaboração psíquica. Esse afeto não elaborado, não reconhecido insiste e se apresenta de formas muito subjetivas, aparecendo em adoecimentos e sentimentos os quais as mulheres não conseguem reconhecer dentro dos seus repertórios, assim, não conseguem nomeá-los, fazendo com que a angústia perpasse por via de vários sintomas. Conforme Schraiber et al. (2007) estudos desenvolvidos por diversas organizações internacionais indicam elevada prevalência de violências praticada por parceiros íntimos. Estes episódios mostram o caráter da desigualdade de gênero nas relações, sendo reiteradas diversas vezes nos relacionamentos íntimos pelo agressor das mais diversas formas. O homem exerce poder de forma desigual, muitas vezes amparado em uma cultura de impunidade que naturaliza e avaliza este comportamento violento. As repercussões dos atos de violência se estendem à saúde física, psicológica e reprodutiva das mulheres e podem permanecer ativas mesmo após o término da situação de violência ou do relacionamento (SCHRAIBER et al. (2007). No estudo (4) os tipos de violência que mais foram encontrados, vão ao encontro dos estudos anteriores, a agressão física figura em 65% dos registros, acompanhada bem de perto pela violência psicológica 60,4%, ocorrendo comumente a associação das duas. Aparecem dados das outras violências, moral 17%, patrimonial 10,4%, e sexual 6,1%. Importante analisar o surgimento deste dado, referente à violência sexual e a importância de abrir espaço para se pensar e debater sobre o sexo sem o consentido da parceira. Cavalcanti (2006) em seu estudo explica que a violência sexual envolve situações deste cunho não consentidas por uma das partes, incluindo também o assédio sexual, nessa conduta também entram situações em que a vítima e forçada a presenciar, participar ou ter relações não desejadas, que impeça uso de algum método contraceptivo, que force gravidez indesejada, aborto, ou doença sexual, prostituição, entre outras. O uso de alguma substância psicoativa esteve presente em 86,2% dos registros, somente 13,8% dos agressores não estavam sob efeito de alguma substância. O álcool foi a substância mais referida, considerada em 88% dos registros, indicando seu potencial de agravante nas agressões. O ciúmes foi evidenciado como motivo em 31,2% das agressões. 22 Os artigos (5, 6) foram construídos com base nos dados de registro da mesma unidade de proteção às mulheres no estado do Ceará. Porém, suas construções de análise tomam caminhos distintos. Nos dados que apresentam igualdade, os artigos (5 e 6) apontam como principal condicionante da agressão o ciúmes 20,3% dos casos, uso em excesso de substância psicoativa 17,3%, e sem nenhum motivo justificado 8,8%. O meio de agressão mais praticado foi a força física, em 40,1%. Chama atenção um dado agravante, quanto ao registro de agressão física com presença de arma de fogo, com 11,2% sendo referidos. A violência psicológica aparece em 15,7% das anotações, se efetivando principalmente pelas ameaças. O estudo (6) propôs analisar diferenças em relação aos prontuários das vítimas de violência doméstica antes e após a criação da Lei 11.340/2006. Foi realizado um comparativo entre 2001 a 2006 antes da referida lei, e de 2006 a 2012 após LMP. Foi observado que 57,8% vs 49,1%, das mulheres já apresentava histórico de violência na família de origem. A violência mais sofrida na família de origem foi a violência física 38,2% vs 34,0%. Mais da metade das mulheres abrigadas sofreram violência na gestação nos dois períodos analisados, 59,0% vs 52,8%. A repercussão deste dado fala da urgência de se constatar esse agravante, acolher e orientar as mulheres nesta condição. Vale et al. (2013), apontam para a necessidade de os profissionais da saúde estarem atentos a estes sinais pouco evidentes da violência doméstica, e perderem a crença de que não devem se envolver, atentando seu olhar para sintomas não tão óbvios. Como também maior atenção aos períodos gestacionais ou no puerpério, que justamente reportam a uma mulher mais fragilizada em decorrência desta fase. Entretanto, podem estar relacionados a repercussões da violência doméstica. Como exemplo, apontam os problemas de gestações de alto risco, abortos, parto pré-maturos, e indicadores de saúde comprometidos com a mãe e bebê (VALE et al., 2013). Os estudos (5, 6) tencionam a pensar em outros condicionantes da violência, como por exemplo armas de fogo, e à violência de repetição a que essas mulheres estão expostas. Segundo Schraiber et al. (2002) um estudo realizado em uma unidade de proteção à mulher na cidade de São Paulo identificou que os casos envolvendo agressão física, foram em sua grande maioria 78%, cometidas por seus parceiros íntimos, implicando em sequelas permanentes ou temporárias devido à gravidade dos ferimentos, encontrando indícios de ameaças, entendida como violência psicológica e o implemento de armas de fogo, repercutindo negativamente na experiência de vida 23 atual e futura dessas mulheres, em muitos casos culminando com a morte (SCHRAIBER et al., 2002). Ainda no estudo (6) as reincidências das agressões estão presentes em todo o período estudado 92,4% vs 94,3%. No que se refere à avaliação clínica da mulher agredida, aparecem lesões mais severas, com quadros hemorrágicos de 4,2% vs 13,2%, um expressivo aumento de um período de tempo para o outro. As lesões corporais com maior índice se localizam na cabeça, rosto e pescoço 31,2% vs 28,3%, e a associação de diferentes tipos de violência continuaram sendo prevalentes após a LMP 59,7% vs 56,6% Através de dados coletados nos registros do SINAN com vistas às mulheres em situação de violência, dois estudos (7, 10) discorrem sobre seus achados. No artigo (7), o tipo de violência que mais predominou foi a violência psicológica, com 82,33%, sendo a ameaça sua principal apresentação, referida em 65,66% dos registros. A segunda foi a violência física com 49,48% registros, se materializando através do espancamento em 39,25% dos casos. Posterior as notificações houve encaminhamento das vítimas para Delegacia de Polícia em 80,56% dos casos, ou seja, 4.546 mulheres necessitaram acionar a rede de enfrentamento em decorrência de violência doméstica. No artigo (10) os tipos de violência mais praticados são a física seguida da psicológica. Consoante aos dados encontrados na maior parte dos artigos analisados nesta revisão de literatura, Barufaldi et al. (2017), alertam para o aumento exponencial nas notificações de violência contra a mulher em dados do Sistema de Informações de Agravos e Notificações (SINAN). Nesse sentido, ao analisar os números do período que compreende os anos de 2011 a 2015, nota-se que os registros passaram de 75.033 para 162.575 notificações. Ainda, de acordo com estes autores, o tipo de violência que predominou foi a física 78,4%, seguida da psicológica e ou moral 14,2%, estupro com 5,6%. Os dados quanto ao provável autor da violência indicam o parceiro íntimo como principal perpetrador, nas mulheres adultas 59,9%, nas idosas 27,1% e nas adolescentes 39,9%, constam nos registros. De acordo com Plichta (2004), a violência contra a mulher impacta em sua qualidade de saúde e de vida, frequentemente associada à procura por diferentes serviços que compõem a rede de atenção à saúde. A violência é reconhecida de diferentes formas nestes serviços. As mais graves e perceptíveis ocasionam fraturas, 24 lesões, ferimentos visíveis, sendo atendidas nos serviços de urgência e emergência, gerando efeitos a médio e longo prazo na vida das vítimas. E existem também, aquelas que reverberam em diferentes problemas de saúde, mas dificilmente são reconhecidas como desdobramentos da violência doméstica, como as dores crônicas, fibromialgia, dores gástricas, infecções urinárias de repetição, doenças sexualmente transmissíveis, disfunções sexuais, problemas mentais entre outros (PLICHTA, 2004). O conhecimento do chamado ciclo da violência, acompanhado de uma escuta mais atenta, pode ser um aporte para o reconhecimento de um problema de maior gravidade no futuro da mulher em um relacionamento abusivo ou em situação de violência doméstica. Conforme estudo realizado por Walker (2009) há um padrão na dinâmica relacional de mulheres e homens quando expostos a relacionamentos com condutas de violência. As vítimas são acometidas pela síndrome do desamparo aprendido e desenvolvem uma espécie de transtorno de estresse pós-traumático, a partir da reiteração do ciclo da violência em suas vidas, ocasionando instabilidade psíquica, deixando a mulher vulnerável a internalizar sentimentos de incapacidade e baixa autoestima. Três fases compõem o ciclo da violência. A primeira fase é a de Acúmulo de Tensão, onde ocorrem, situações estressoras, agressões verbais, discussões e agressões físicas leves. A segunda fase, Explosão: nesse momento ocorrem os ataques incontroláveis de fúria, as agressões físicas graves. A terceira e última fase é a de Lua de Mel: nesta etapa ocorre a fase de reconciliação, com a melhora da conduta do agressor, reações de arrependimento e gestos carinhosos, tentando compensar suas atitudes. O estado de ânimo e confiança da vítima se restabelece, assim reconcilia-se novamente com o agressor. E assim o ciclo tende a se perpetuar (WALKER, 2009). Todas essas informações trazem dados duros de uma realidade que precisa ser reconhecida, entendida e assim coibida. Também é necessário reconhecer os avanços que a Lei 11.340/2006 gerou para as vítimas no enfrentamento deste grave problema. 25 4 CONCLUSÃO A pesquisa realizada deflagrou uma parte dos agravos ocasionados na vida das vítimas de violência doméstica, propondo-se problematizar e pensar estratégias de atuação profissional, embasar ou instigar novos estudos. O perfil predominante dos envolvidos em situação de violência doméstica são de adultas (os) jovens, com pouca escolaridade, de baixo poder aquisitivo. As vítimas figuram em posição de dependência financeira, fator condicionante para a manutenção de relacionamentos abusivos. Assim, o conhecimento do perfil das vítimas e dos agressores de violência doméstica é fundamental para traçar estratégias de enfrentamento deste problema que transborda para diferentes setores, como saúde pública, assistencial, educacional e judicial. Faz-se necessário qualificar cada vez mais as informações para conhecer a realidade com suas distintas características, visando prevenir e coibir a violência e promover saúde. Ressalta-se que foi possível perceber a necessidade de ampliação das investigações tanto em frentes epidemiológicas como subjetivas ao fenômeno. Manter vigilância quanto aos direitos adquiridos e qualificar a rede de atenção e enfrentamento à violência doméstica. Assim como sensibilizar e instrumentalizar os profissionais envolvidos a não negligenciar dados cadastrais de sistemas, como também qualificá-los, ofertando espaços de educação permanente para aprimorar a escuta, de modo a ser realizada de forma ativa, sensível, acolhedora e vigilante para as informações não apresentadas explicitamente. Por fim, destaca-se que este estudo não esgota este tema, e desta forma, visa proporcionar o reconhecimento do perfil preponderante dos envolvidos no ciclo da violência doméstica, que se apresenta com gravidade, haja visto que figuram como formas prevalentes a violência física e psicológica, as quais reverberam agravos a vítima e todo entorno familiar. Refletir sobre alguns de seus agravantes e repercussões é necessário para se pensar em soluções que mitiguem este problema. A Psicologia como área de conhecimento não teve representatividade nos artigos selecionados, portanto pode-se concluir acerca da necessidade de maiores contribuições, tanto em produções científicas como em relação ao amparo e acolhimento às vítimas de violência doméstica. 26 REFERÊNCIAS ALMEIDA, Rosa Maria Martins de; PASA, Graciela Gema; SCHEFFER, Morgana Álcool e violência em homens e mulheres. Psicologia: Reflexão e Crítica, Porto Alegre, RS, v.22, n.2, p.252-260, 2009. 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