CENTRO UNIVERSITÁRIO UNIVATES PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO STRICTO SENSU MESTRADO EM BIOTECNOLOGIA EFEITOS DE VARIANTES GENÉTICAS DO SISTEMA DOPAMINÉRGICO EM PARÂMENTROS ANTROPOMÉTRICOS E BIOQUÍMICOS DE INDIVÍDUOS ADULTOS Stephanie Cristine Hepp Rehfeldt Lajeado, dezembro de 2016 2 Stephanie Cristine Hepp Rehfeldt EFEITOS DE VARIANTES GENÉTICAS DO SISTEMA DOPAMINÉRGICO EM PARÂMENTROS ANTROPOMÉTRICOS E BIOQUÍMICOS DE INDIVÍDUOS ADULTOS Dissertação apresentada ao Programa de Pós- graduação Stricto Sensu em Biotecnologia, do Centro Universitário Univates, como parte da exigência para a obtenção do título de Mestre em Biotecnologia, na linha de pesquisa Aspectos Moleculares em Processos Fisiopatológicos. Orientadora: Profª. Drª. Verônica Contini Co-orientadora: Profª. Drª. Julia Pasqualini Genro Lajeado, dezembro de 2016 3 DEDICATORIA Aos meus pais, Paul e Márcia, que sempre me apoiaram nos estudos; aos meus amigos e colegas pelas alegrias e tristezas compartilhadas; e àqueles que disseram que eu não era capaz: “Segura essa!” 4 AGRADECIMENTOS Primeiramente ao meu maior exemplo, minha mãe, a super Prof. Dra. Márcia Rehfeldt, a Marcinha, que certamente foi minha maior incentivadora, desde sempre. Obrigada por me apresentar o mundo científico, aplicar teorias e fazer “experiências” comigo e estimular minha capacidade cognitiva. Obrigada por me esclarecer, com riqueza de detalhes, o que era “fotossíntese” e “clorofila” aos meus quatro anos, por criar aranhas e cobras dentro de casa, por me deixar fazer bagunça... Obrigada pelos conselhos, compreensão e troca de experiências! Ao meu pai Paul Rehfeldt, que também me mostrou logo cedo, o mundo da biologia, química e física. Assim que aprendi a ler, já percebeu meus interesses sobre dinossauros, teorias da evolução, sistema solar e gravitação universal e sempre que podia, lia comigo livros acerca dos temas. Sempre muito paciente, soube ouvir tudo o que tinha a dizer sobre o que aprendia nas aulas. Apesar de “falar grego”, sempre me ouvia falar sobre “nomes esquisitos” e “doenças estranhas”. Obrigada por me ouvir e me incentivar! À minha orientadora Profª Drª Verônica Contini que me deu uma oportunidade e me adotou quando eu mais precisei, acreditou em mim e nas minhas capacidades. Agradeço também por tudo que me ensinou, pela paciência que demonstrou e por nunca ter desistido de mim. À minha co-orientadora Profª Drª Júlia Genro por todas as suas contribuições para que meu trabalho enriquecesse. Aos demais professores, por serem os melhores condutores possíveis para que eu pudesse aprender e vivenciar uma grande paixão. À todo o grupinho da nutrigenética, por deixarem meus dias mais felizes e transformarem o ambiente de trabalho em um ambiente leve e pra cima! Mas um agradecimento super especial pra minha nooooovis (Kemby) e para a minha colega de profissão e de mestrado Mile: obrigada por toda a ajuda (tanto no laboratório quanto na vida), vocês foram verdadeiros presentes! Antes de colegas, considero vocês grandes amigas! Um dia eu juro que eu pago os “10 pila” agradecendo, hahaha (<3). Por último, à todos os voluntários participantes do projeto e demais pessoas envolvidas. 5 I'm definitely in my zone Ni**as in Paris - Jay-Z & Kanye West 6 RESUMO Dentre os sistemas neurais responsáveis pela ingestão dos alimentos, destaca-se a via dopaminérgica mesolímbica que, por ação da dopamina (DA), impulsiona comportamentos gratificantes como a alimentação. Sendo assim, a obesidade pode estar intimamente relacionada à capacidade individual de liberação de DA, em resposta à ingestão de um alimento palatável de alta energia. Uma vez que os receptores de dopamina D2 e D4 integram o sistema de recompensa dopaminérgico e modulam respostas DA-dependentes, variantes nos genes DRD2, ANKK1 e DRD4 representam candidatos para estudos genéticos e podem implicar diretamente na predisposição dos indivíduos a ganharem de peso no futuro. Nesse sentido, esse trabalho teve por objetivo avaliar a associação dos polimorfismos rs2283265 do gene DRD2, rs1800497 do gene ANKK1, e o VNTR de 48pb no exon III do gene DRD4 com parâmetros antropométricos e bioquímicos em uma amostra de indivíduos adultos. Após assinar o TCLE, os participantes realizaram anamnese clínica e nutricional, avaliação antropométrica e coleta de sangue. Após a extração de DNA, os polimorfismos rs2283265 e rs1800497 foram genotipados pelo sistema de discriminação alélica TaqMan, em equipamento de PCR em Tempo Real (StepOnePlus®, Applied Biosystems), de acordo com os protocolos do fabricante. Já o VNTR de 48pb no exon III do gene DRD4 foi genotipado por PCR convencional conforme protocolo descrito anteriormente por Lichter et al. (1993). Dentre os 601 participantes incluídos no presente estudo, a média de idade observada foi de 25,4 anos, sendo 74,2% da amostra pertencente ao sexo feminino. Evidenciou-se uma associação significativa entre índices de gordura corporal e o alelo de risco 7R, do polimorfismo localizado no gene DRD4, bem como entre consumo diário de carboidratos e os alelos de risco dos polimorfismos rs2283265 e rs1800497, localizados nos genes DRD2 e ANKK1, respectivamente, corroborando com a literatura existente. Além disso, os resultados encontrados indicam uma possível associação entre os níveis elevados de HDL e polimorfismos e haplótipos de risco no sistema dopaminérgico. Uma vez que não há uma hipótese biológica clara que justifique tais achados, são necessários mais estudos para comprovar o efeito desses polimorfismos. Palavras-Chave: Obesidade, Receptores de Dopamina, Nutrigenética, Polimorfismos Genéticos. 7 LISTA DE ILUSTRAÇÕES LISTA DE FIGURAS Figura 1. Representação esquemática das interações de entre os sistemas homeostático e hedônico na ingestão alimentar em indivíduos eutróficos e obesos 28 Figura 2. Representação esquemática da via dopaminérgica do SNC .................... 29 Figura 3. Localização do gene DRD2 no cromossomo 11........................................ 33 Figura 4. Localização do polimorfismo rs1800497 ................................................... 37 Figura 5. Localização do gene DRD4 no cromossomo 11........................................ 40 LISTA DE TABELAS Tabela 1. Classificação internacional de baixo peso, sobrepeso ou obesidade de acordo com o IMC ..................................................................................................... 21 Tabela 2. Estudos de associação entre o polimorfismo rs2283265 e transtornos psiquiátricos .............................................................................................................. 35 Tabela 3. Estudos com o polimorfismo rs1800497 e fenótipos de obesidade .......... 38 Tabela 4. Estudos realizados com o polimorfismo do éxon 3 do gene DRD4 e obesidade .................................................................................................................. 41 Tabela 5. Características clínicas dos participantes ................................................. 49 8 Tabela 6. Frequências alélicas e genotípicas dos polimorfismos estudados ............ 50 Tabela 7. Análise de regressão linear individual de SNPs em parâmetros antropométricos ......................................................................................................... 52 Tabela 8. Análise de regressão linear de SNPs em parâmetros bioquímicos........... 54 Tabela 9. Análise de regressão linear de SNPs e consumo de macronutrientes ...... 56 Tabela 10. Efeitos haplotípicos dos SNPs nos genes DRD2 e ANKK1 .................... 57 LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS %GC – Percentual de gordura corporal 5-HT - 5-hidroxitriptamina ou serotonina (do inglês, 5-hydroxytryptamine ou serotonin) 5-HTR2C - 5-Hydroxytryptamine Receptor 2C ACDC – Gene Adiponectin, C1Q and Collagen Domain Containing Ach – Acetilcolina (do inglês, Acetilcholine) ADRA2A - Gene Adrenergic Receptor Alpha-2A ADRA2B - Gene Adrenergic Receptor Alpha-2B ADRB1 - Gene Adrenergic Receptor Beta-1 ADRB2 - Gene Adrenergic Receptor Beta-2 ADRB3 - Gene Adrenergic Receptor Beta-3 AgRP – Peptídeo relacionado ao Agouti (do inglês, Agouti Related Peptide) AMPc – Adenosina Monofosfatada Cíclica (do inglês, ciclic Adenosine Monophosphate) ANKK1 – Gene Ankyrin Repeat and Kinase Domain Containing 1 ARC – Núcleo Arqueado AVC – Acidente Vascular Cerebral 9 CART – Transcrito relacionado a cocaína e anfetamina (do inglês, Cocaine and Amphetamine-related Transcript) CC – Circunferência da Cintura CCK – Colecistocinina (do inglês, Cholecystokinin) CNS – Conselho Nacional de Saúde DA - Dopamina DAG – Diacilglicerol DCV – Doença Cardiovascular DM2 – Diabetes mellitus tipo 2 DNA – Ácido desoxirribonucleico (do inglês, Desoxyrribonucleic acid) DRD2 – Receptor de dopamina D2 (do inglês, Dopamine Receptor D2) DRD4 – Receptor de dopamina D4 (do inglês, Dopamine Receptor D4) EDTA - Ácido etilenodiamino tetra-acético (do inglês, Ethylenediamine Tetraacetic Acid) EPI – Equipamento de proteção individual FTO – Gene Fat Mass and Obesity GLP-1 – Peptídeo semelhante ao glucagon 1 (do inglês, Glucacon-like Peptide 1) GWAS – Estudo de associação genômica (do inglês Genome-wide Association Study) GABA – Ácido γ-aminobutírico (do inglês, γ-aminobutiric Acid) HAS – Hipertensão Arterial Sistêmica HDL – Lipoproteína de alta densidade (do inglês, High Density Lipoprotein) IBGE – Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística IMC – Índice de massa corporal IP - Fosfatos de Inositol (do inglês, Inositol Phosphates) ISRS – Inibidores Seletivos da Recaptação da Serotonina LEP – Gene Leptina (do inglês, Leptin) LEPR – Gene Receptor de Leptina (do inglês, Leptin Receptor) LDL – Lipoproteína de baixa densidade (do inglês, Low Density Lipoprotein) 10 MC4R – Gene Melanocortin 4 Receptor mRNA – RNA mensageiro NAc – Nucleum Accumbens NPY – Neuropeptídeo Y (do inglês, Neuropeptide Y) NR3C1 - Gene Nuclear Receptor Subfamily 3, Group C, Member 1 PAHO – Organização Pan-americana da Saúde (do inglês, Pan-american Health Organization) PC1 - Gene Prohormone Convertase 1 PCR – Reação em cadeia da polimerase (do inglês, Polymerase Chain Reaction) PIP2 – Phosphatidylinositol-bisphosphate PKA – Proteína cinase A (do inglês, Protein Kinase A) POMC - Gene Proopiomelanocortin PPARG - Gene Peroxisome Proliferator-Activated Receptor Gamma PYY – Peptídeo YY (do inglês, Peptide YY) RCQ – Relação cintura-quadril RI – Resistência à Insulina rpm – Rotações por minuto SM – Síndrome Metabólica SN – Substância Negra SNC – Sistema Nervoso Central SNP – Polimorfismos de Nucleotídeo Único (do inglês, Single Nucleotide Polymorphism) TCLE – Termo de Consentimento Livre e Esclarecido TGI – Trato Gastrointestinal VNTR – Número Variável de Repetições em Tandem (do inglês, Variable Number Tandem Repeat) VTA – Área Tegmental Ventral UCP1 - Gene Uncoupling Protein 1 11 UCP2 - Gene Uncoupling Protein 2 UCP3 - Gene Uncoupling Protein 3 WHO – Organização Mundial da Saúde (do inglês, World Health Organization) 12 SUMÁRIO 1 INTRODUÇÃO ....................................................................................................... 14 1.1 Tema ................................................................................................................ 16 1.2 Problema ......................................................................................................... 17 1.3 Objetivos ......................................................................................................... 17 1.3.1 Objetivo Geral .......................................................................................... 17 1.3.2 Objetivos Específicos .............................................................................. 17 1.4 Justificativa .................................................................................................... 18 2 REFERENCIAL TEÓRICO ..................................................................................... 20 2.1 Obesidade e sobrepeso ................................................................................. 20 2.2 Controle da ingestão de alimentos pelo SNC .............................................. 25 2.2.1 Via dopaminérgica ...................................................................................... 29 2.3.4 Gene DRD2 ............................................................................................... 32 2.3.4 Gene ANKK1............................................................................................. 36 2.3.5 Gene DRD4 ............................................................................................... 39 3 PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS ............................................................... 43 3.1 Delineamento do estudo................................................................................ 43 3.1.1 Critérios de Inclusão ............................................................................... 43 3.1.2 Critérios de Exclusão .............................................................................. 43 3.2 Coleta de dados ............................................................................................. 44 13 3.2.1 Anamnese ................................................................................................. 44 3.2.2 Antropometria .......................................................................................... 44 3.2.3 Recordatório de 24 horas (R24h) ............................................................ 45 3.2.4 Coleta de sangue periférico .................................................................... 46 3.3 Análise de dados ............................................................................................ 46 3.3.1 Análises bioquímicas .............................................................................. 46 3.4.2 Extração de DNA ...................................................................................... 46 3.3.3 Genotipagem dos polimorfismos ........................................................... 47 3.3.4 Análise estatística .................................................................................... 47 3.4 Questões éticas .......................................................................................... 48 4 RESULTADOS ....................................................................................................... 49 5 DISCUSSÃO .......................................................................................................... 58 6 CONCLUSÃO ........................................................................................................ 62 6 REFERÊNCIAS ...................................................................................................... 63 7 ANEXOS ................................................................................................................ 86 14 1 INTRODUÇÃO De acordo com a Organização Mundial de Saúde (WHO, 2015) e a Organização Pan-americana da Saúde (PAHO, 2015), a obesidade pode ser caracterizada como uma doença crônica e, como tal, é considerada um problema de saúde pública global, apesar da escassez de alimentos em diversas partes do mundo. Em adição, a maioria dos indivíduos obesos possui múltiplas comorbidades que agravam ainda mais seu estado de saúde. Algumas delas incluem o diabetes mellitus tipo 2 (DM2), a hipertensão arterial sistêmica (HAS), a resistência à insulina (RI) e a síndrome metabólica (SM), além de possuírem um risco elevado para o desenvolvimento de doenças cardiovasculares (DCV), acidente vascular cerebral (AVC) e doenças psicológicas e psiquiátricas, que, geralmente, ocorrem devido à humilhação e discriminação associadas à obesidade (MOUSTAFA e FROGUEL, 2013; HOARE et al., 2015; KRZYSZTOSZEK et al., 2015). Do ponto de vista etiológico, a obesidade é caracterizada como uma doença complexa multifatorial e, clinicamente, é definida pela presença de um índice de massa corporal (IMC) acima de 30 kg/cm² e sobrepeso acima de 25 kg/cm², ambos associados a um acúmulo excessivo e generalizado de gordura. Esta condição parece ser impulsionada por um aumento exagerado do consumo de alimentos, geralmente hipercalóricos, combinados a uma redução da atividade física, o que acarreta em um desequilíbrio energético. Em consequência, há um acúmulo exagerado de lipídeos no interior dos adipócitos, o que leva ao aumento do tecido adiposo (MOUSTAFA e FROGUEL, 2013; MARTINEZ et al., 2014; PAHO, 2015; WHO, 2015). Devido a sua etiologia complexa, tem sido observada uma variabilidade significativa na susceptibilidade à obesidade entre os indivíduos expostos aos mesmos fatores de risco ambientais. Esta observação sugere que as diferenças 15 genéticas possuem um papel significativo na variação individual observada no peso corporal e na susceptibilidade à obesidade. As primeiras estratégias para investigar o papel da genética na obesidade consistiram em estudos genéticos clássicos, com famílias, gêmeos e adotados. Os estudos com gêmeos estimam que a herdabilidade deste fenótipo varie entre 40% e 70% (STUNKARD et al., 1990; BELL et al., 2005; ICHIHARA e YAMADA, 2008; HASSELBACH et al., 2010; D’ANGELO e KOIFFMANN, 2012; MOUSTAFA e FROGUEL, 2013). Posteriormente, diversas abordagens foram utilizadas objetivando a identificação dos genes envolvidos, dentre elas, estudos de genes candidatos, estudos de ligação e, mais recentemente, os estudos de varredura genômica (GWAS, do inglês genome wide assocation studies) (ALONSO et al., 2015; DANI; POGGI, 2014; ELBEIN, 1997; HINNEY; VOGEL; HEBEBRAND, 2010; HUANG; HU, 2015; LEVIAN; RUIZ; YANG, 2014; LOOS, 2009; MIN; CHIU; WANG, 2013; PINTO; COMINETTI; DA CRUZ, 2016; POMP; NEHRENBERG; ESTRADA-SMITH, 2008; RAMACHANDRAPPA; FAROOQI, 2011; RISSELADA, [s.d.]; XIA; GRANT, 2013). Os diversos GWAS já realizados, e as meta-análises de estudos de associação, descrevem diferentes loci, ao longo de todo o genoma humano, envolvidos com a obesidade. Dentro eles, destacam-se genes como o ACDC (Adiponectin, C1Q and Collagen Domain Containing), os receptores adrenérgicos ADRA2A (Adrenergic Receptor Alpha-2A), ADRA2B (Adrenergic Receptor Alpha-2B), ADRB1 (Adrenergic Receptor Beta-1), ADRB2 (Adrenergic Receptor Beta-2) e ADRB3 (Adrenergic Receptor Beta-3), o gene da leptina e seu receptor, LEP (Leptin) e LEPR (Leptin Receptor), o NR3C1 (Nuclear Receptor Subfamily 3, group C, member 1), o PPARG (Peroxisome Proliferator-Activated Receptor Gamma) e genes de proteínas descacopladoras, UCP1 (Uncoupling Protein 1), UCP2 (Uncoupling Protein 2) e UCP3 (Uncoupling Protein 3), entre outros (BELL et al., 2005; LOCKE et al., 2015). Um conjunto de genes relacionados com a função sináptica e a sinalização do glutamato, em particular, mas também relacionados com a noradrenalina, dopamina e serotonina, também têm sido associados à etiologia da obesidade. Alterações genéticas em genes envolvidos em tais vias de sinalização podem desencadear fenótipos comportamentais característicos e evidenciar que determinados processos biológicos do sistema nervoso central (SNC) possuem participação ativa na regulação 16 da massa corporal (LOCKE et al., 2015) e na homeostase energética (RAO et al., 2014). Dentre os sistemas neurais responsáveis pela ingestão dos alimentos, destaca- se a via dopaminérgica mesolímbica que, por ação da dopamina (DA), impulsiona comportamentos gratificantes, como a alimentação (O’RAHILLY, 2009; RAO et al., 2014). Uma vez que a DA modula o comportamento emocional e motivacional, anormalidades em suas vias de sinalização podem desencadear comportamentos patológicos, como a ingestão exagerada de alimentos ou vício em certas substâncias (ARIAS-CARRIÓN et al., 2010; BAIK, 2013). Contudo, o mecanismo responsável pela modulação da DA que leva a tais comportamentos permanece não elucidado. Uma das hipóteses mais aceitas é que a DA promove a motivação para a obtenção de recompensa, uma vez que a ingestão de alimentos de elevada palatabilidade está associada a uma maior liberação de DA no núcleo estriado. Em indivíduos obesos, há uma menor capacidade de sinalização da DA, bem como uma maior ativação dopaminérgica em resposta a imagens de alimentos, comparativamente aos controles. Isso sugere que obesos possuem uma dificuldade na obtenção da recompensa através da ingestão e uma maior sensibilidade aos estímulos de alimentos (RIBEIRO e SANTOS, 2013). Sendo assim, a obesidade pode estar intimamente relacionada à capacidade individual de liberação e transporte de DA, em resposta à ingestão de um alimento palatável de alta energia. Em casos nos quais há um comprometimento da função do SNC, geralmente, observa-se um aumento significativo do apetite e uma diminuição considerável da saciedade, além de uma maior procura por carboidratos ou alimentos ricos em açúcar e/ou gordura (LEIBOWITZ, 1990; NARAYANASWAMI et al., 2005; GEIGER et al., 2009; FEIJÓ et al., 2011; MEULE e GEARHARDT, 2014). 1.1 Tema Avaliação do efeito de polimorfismos em genes do sistema dopaminérgico em parâmetros bioquímicos e antropométricos relacionados à obesidade. 17 1.2 Problema Polimorfismos nos genes DRD2 (dopamine receptor D2), ANKK1 (Ankyrin Repeat and Kinase Domain Containing 1) e DRD4 (dopamine receptor D4) influenciam os perfis bioquímico e antropométrico na amostra estudada? 1.3 Objetivos A seguir, o objetivo geral e os específicos: 1.3.1 Objetivo Geral Avaliar a associação de polimorfismos nos genes DRD2, ANKK1 e DRD4 com parâmetros antropométricos e bioquímicos em uma amostra de 601 indivíduos adultos. 1.3.2 Objetivos Específicos - Determinar as frequências alélicas e genotípicas dos polimorfismos rs2283295, no gene DRD2, rs1800497, no gene ANKK1 e 48pb-VNTR, no gene DRD4 na amostra investigada; - Verificar se há associação entre os polimorfismos selecionados e os parâmetros antropométricos índice de massa corporal (IMC), circunferência da cintura (CC), relação cintura-quadril (RCQ) e percentual de gordura corporal (%GC) na amostra estudada; - Verificar se há associação entre os polimorfismos selecionados e os parâmetros bioquímicos glicemia, colesterol total, colesterol HDL (lipoproteína de alta densidade), colesterol LDL (lipoproteína de baixa densidade) e triglicerídeos na amostra estudada; - Analisar se há interação entre o consumo alimentar de macronutrientes e os polimorfismos selecionados; - Testar o efeito de possíveis interações gene-gene nos desfechos bioquímicos e de consumo de macronutrientes. 18 1.4 Justificativa A prevalência da obesidade dobrou desde 1980, e continua aumentando em países desenvolvidos e em desenvolvimento. No ano de 2014, a WHO estimou que mais de 1,9 bilhão de pessoas, acima dos 18 anos de idade, estivessem acima do peso e, dentre elas, 600 milhões eram, de fato, obesas. Ou seja, isto significa que 13% da população mundial é obesa. No Brasil, mais especificamente, um levantamento realizado pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), entre os anos de 2008 e 2009, concluiu que 50,1% da população encontra-se na faixa do sobrepeso e, destes, 12,5% foram classificados como obesos. Ainda, a região Sul lidera esta lista dentre as regiões brasileiras, tanto para pessoas com sobrepeso, quanto obesidade. Segundo dados do levantamento, 56,8% da população gaúcha possui um IMC maior ou igual a 25 kg/cm² e 15,9% maior ou igual a 30 kg/cm². Embora a nutrição seja um fator chave na patogênese e progressão da obesidade, sabe-se também que a presença de alelos de risco, em genes de susceptibilidade, pode agir como um facilitador para o desenvolvimento da doença. Nesse sentido, visto que a DA tem sido associada com o sistema de recompensa alimentar e pode contribuir, em parte, na inibição de apetite e em comportamentos obsessivos e ansiosos, é plausível que polimorfismos genéticos nos sistemas de neurotransmissão dopaminérgica estejam atuando na susceptibilidade ao desenvolvimento da obesidade. De fato, estudos como os de Fuemmeler et al., (2008), Argus-Collins e Fuemmeler, (2011), Michaelides et al. (2012), Hesse et al. (2014) e Stice et al. (2015) descrevem que associações entre polimorfismos em genes envolvidos na via dopaminérgica, podem, inclusive, predizer um aumento de peso e, consequentemente de IMC, no futuro. Além disso, alterações polimórficas em genes da via dopaminérgica já foram associadas com obesidade, adiposidade abdominal e IMC elevado, além do aumento da ingestão de alimentos energéticos (CARR et al., 2013; CHEN et al., 2013; LI et al., 2005; MIRANDA et al., 2015). Entretanto, ao final de tais estudos, os autores mencionam a grande necessidade de mais estudos acerca do tema para conferir maior fidedignidade aos resultados. De fato, apesar da vasta quantidade de estudos que associam polimorfismos em genes de ambas as vias a maior susceptibilidade de doenças, como 19 a obesidade, alguns resultados são ainda conflitantes (GIESSEN et al., 2013). Ainda, apesar dos avanços nos estudos de GWAS na identificação de genes e variações genéticas ligadas a doenças ou características complexas, a maioria dos loci genéticos descobertos até a data representam apenas uma pequena fração da variação fenotípica total, sendo que a maior parte do componente hereditário de risco permanece não elucidado. Esse fenômeno, conhecido como “herdabilidade perdida”, pode ocorrer devido a interações gene-ambiente que, quando presentes, podem afetar na capacidade de descobrir um loci de risco. Isso ocorre uma vez que os GWAS se concentraram na detecção e caracterização de efeitos principais e ainda não exploram totalmente o papel que os fatores ambientais, e as interações gene-gene, desempenham no fenótipo resultante (MURCRAY et al., 2009; CORNELIS et al., 2010; LLEWELLYN et al., 2013; DICK et al., 2015). Nesse sentido, é importante analisar a relevância de genes da via dopaminérgica em diferentes amostras e diferentes fenótipos e, assim, futuramente, auxiliar as ações práticas e clínicas do controle dessa doença que acomete grande parte da população. Sabendo da importância dos fatores ambientais, como o estilo de vida e alimentação, no desenvolvimento dos fenótipos relacionados com a obesidade, é fundamental analisar os possíveis efeitos das interações gene-ambiente. Por meio de análise da interação entre o consumo alimentar e a presença de determinados polimorfismos genéticos é possível investigar o papel da nutrição em condições de saúde humana e, também, em condições patológicas, permitindo, futuramente, o desenvolvimento de intervenções e prescrições dietéticas mais específicas e individualizadas (MUTCH et al., 2005; FARHUD et al., 2010; SCHUCH et al., 2010; FENECH et al., 2011; PHILLIPS, 2013). 20 2 REFERENCIAL TEÓRICO 2.1 Obesidade e sobrepeso Fatores como a hipertensão arterial sistêmica (HAS), tabagismo, ou exposição à fumaça de modo passivo, IMC elevado, inatividade física, consumo de álcool e dietas pobres em frutas e legumes, e ricas em sódio e gorduras saturadas, podem favorecer o desenvolvimento de doenças crônicas e a morte prematura ou incapacidade física. Em adição, doenças crônicas não-transmissíeis, tais como as doenças cardiovasculares (DCV), diabetes mellitus (DM), câncer e doenças respiratórias, além de possuírem um impacto negativo direto na saúde física e mental dos indivíduos, apresentam um impacto na economia do país, sendo alvos importantes na política pública de saúde, uma vez que representam quase dois terços das mortes em todo o mundo (RIPPE et al., 1998; THOW et al., 2010; FREGAL et al., 2011; BAUER et al., 2014; KENNEDY et al., 2014; PAHO, 2015; WHO, 2015). Dentre o grupo de doenças crônicas inclui-se ainda a obesidade que, em muitos indivíduos, é caracterizada pela progressão lenta ao longo da vida adulta, enquanto que, em outros, é caracterizada por períodos de estabilidade de peso ou perda de peso a curto prazo, seguido de recaída. Além disso, a obesidade está fortemente associada a outras doenças crônicas, como DCV, DM, dislipidemias, entre outras, sendo que cada uma destas comorbidades segue um padrão no qual o risco aumenta à medida que o grau de obesidade piora (RIPPE et al., 1998; MUST et al., 1999; THOW et al., 2010; FREGAL et al., 2011; BAUER et al., 2014; KEARNS et al., 2014). Em 1997, a WHO estabeleceu uma classificação do IMC que, até hoje, permaneceu inalterada. A partir do cálculo do produto do peso, em quilogramas, dividido pela altura, em centímetros ao quadrado, obtém-se o valor de IMC. De acordo com o resultado obtido, classifica-se um indivíduo em uma das categorias decritas na 21 Tabela 1, a seguir (WHO, 2015). Isso significa que, do ponto de vista clínico e epidemiológico, um indivíduo é classificado como obeso quando possui um valor igual ou acima de 30kg/cm². Já quando o indivíduo possui um IMC igual ou acima de 25kg/cm² é classificado como pré-obeso. Tabela 1. Classificação internacional de baixo peso, sobrepeso ou obesidade de acordo com o IMC Classificação Pontos de corte (Kg/cm²) Baixo peso <18.50 Magreza severa <16.00 Magreza moderada 16.00 - 16.99 Magreza leve 17.00 - 18.49 Normal 18.50 - 24.99 Sobrepeso ≥25.00 Pré-obesidade 25.00 - 29.99 Obesidade ≥30.00 Obeso classe I 30.00 - 34.99 Obeso classe II 35.00 - 39.99 Obeso classe III ≥40.00 Fonte: Adaptado de WHO (1997). A etiologia clássica da obesidade consiste em um desequilíbrio energético crônico entre a ingestão dietética e padrões de atividade física. Ou seja, é resultado de um desequilíbrio entre consumo e gasto energético e, em resposta, o organismo inicia um processo de depósito de lipídeos nos adipócitos que, ao final, encontram-se hipertrofiados. Entretanto, uma vez que a quantidade de energia se encontra superior à capacidade de armazenamento das células adiposas, tais células iniciam um processo de hiperplasia, no qual há um aumento do número de células. O processo hiperplásico geralmente ocorre apenas na fase embrionária, contudo, fatores genéticos e a dieta contribuem diretamente para a hiperplasia celular na fase extra- uterina e, consequentemente, aumento do tecido adiposo, levando ao fenótipo característico do indivíduo obeso (DROLET et al., 2008; FERRANTI e 22 MOZAFFARIAN, 2008; JO et al., 2009; SUN et al., 2011; LUTZ e WOODS, 2012; FOLLING et al., 2014; ANANTHAPAVAN et al., 2014). Conforme supracitado, embora o desbalanço energético seja a causa mais comum da obesidade, sua etiologia é extremamente complexa e inclui diversos fatores fisiológicos, ambientais, psicológicos, sociais, econômicos, entre outros, que interagem promovendo vários graus de sobrepeso ou obesidade (GUYENET e SCHWARTZ, 2012; WRIGHT e ARONNE, 2012; WHO, 2015). Dentre esses fatores, variantes genéticas de susceptibilidade vêm sendo amplamente investigadas, e associadas à etiologia da obesidade, por meio de diversas abordagens de estudos. As primeiras investigações foram realizadas com enfoque de estudos em gêmeos e familiares, bem como estudos em indivíduos ou comunidades expostas aos mesmos fatores de risco ambientais. A partir deles, inferiu-se que a herdabilidade da obesidade varia entre 40% e 70%. Estes achados sugerem que as diferenças genéticas possuem um papel significativo na variação individual observada no peso corporal e, consequentemente, da susceptibilidade à obesidade (STUNKARD et al., 1990; HIRSCHHORN et al., 2002; BELL et al., 2005; HASSELBACH et al., 2010; D’ANGELO e KOIFFMANN, 2012; MOUSTAFA e FROGUEL, 2013; LOCKE et al., 2015; SHABANA e HASNAIN, 2015). Posteriormente, diversas abordagens foram utilizadas objetivando a identificação dos genes envolvidos, dentre elas estudos de genes candidatos, estudos de ligação e, finalmente, os estudos de varredura genômica (GWAS, do inglês genome wide association studies) (HIRSCHHORN et al., 2002; FALL e INGELSSON, 2014; ANDERSEN e SANDHOLT, 2015; LOCKE et al., 2015; HÄGG et al., 2015; SANDHOLT et al., 2015; SHABANA e HASNAIN, 2015). Estudos de genes candidatos, como o próprio nome indica, são conduzidos com base em informações já disponíveis sobre a biologia e fisiopatologia da obesidade para criar hipóteses e, assim, identificar os possíveis genes envolvidos. Tais genes candidatos são geralmente identificados a partir de estudos com modelos animais knockout. Depois que um gene, um polimorfismo ou mutação no gene em si ou próximo a ele é identificado, são realizados estudos em humanos para verificar sua associação com a obesidade. Contudo, uma vez que essas variantes ou mutações tendem a ser raras, tais estudos necessitam ser realizados em grande escala, a fim de ser possível detectar uma possível associação (HIRSCHHORN et al., 2002; FALL 23 e INGELSSONN, 2014; ANDERSEN e SANDHOLT, 2015; LLEWELLYN e WARDLE, 2015; LOCKE et al., 2015; HÄGG et al., 2015; SANDHOLT et al., 2015; SHABANA e HASNAIN, 2015). Tal estratégia levou à identificação de diversos genes, como, por exemplo, o gene da leptina (LEP) em 1994, cuja função é fundamental na regulação da ingestão de energia e de gasto energético. Dentre os genes estudados, estão o FTO (Fat Mass and Obesiy), POMC (Proopiomelanocortin), PPARG, MC4R (Melanocortin 4 receptor), PC1 (Prohormone convertase 1), ADRA e suas subdivisões, e ADRB, e suas subdivisões. Tal descoberta foi considerada um marco no campo da genética da obesidade. Inclusive, após a identificação de uma série de variações nos genes MC4R, LEP e LEPR, idenfiticou- se alterações capazes de levar a uma forma de obesidade monogênica (ANDERSEN e SANDHOLT, 2015; LLEWELLYN e WARDLE, 2015; LOCKE et al., 2015; SRIVASTAVAAB et al., 2015). De fato, estudos como os de Mizuta et al. (2008), com 3.653 indivíduos, demonstraram associações entre polimorfismos nos genes LEP (rs7799039 e rs2167270) e LEPR (rs1137100, rs1137101, rs8179183, rs3790439) e a preferência por alimentos doces e outros carboidratos e o desenvolvimento da obesidade. Luperini et al. (2015) corroboram os resultados de Mizuta et al. (2008), uma vez que também encontraram associação entre os polimorfismos rs7799039 e rs1137101, dos genes LEP e LEPR, e o polimorfismo rs9939609 do gene FTO, com a obesidade mórbida. Já o estudo de Queiroz et al. (2015), com 403 indivíduos, associou o polimorfismo rs28932472, no gene POMC, com maior colesterol LDL e maior risco de excesso de peso e o polimorfismo rs1137101, do gene LEPR, foi associado com o LDL mais elevado, bem como alterações nos níveis de insulina. Já Srivastava et al. (2014) concluíram que os polimorfismos rs17782313, no gene MC4R, e rs1042571, no gene POMC, estavam significativamente associados com indivíduos obesos (IMC ≥ 30 kg/cm²), quando comparados com indivíduos não-obesos (IMC <30 kg/cm²). Hiao e Lin (2015) investigaram em uma população de 674 indivíduos os efeitos do polimorfismo rs1801282 do gene PPARG e identificaram que a presença do alelo de risco pode predizer o risco do desenvolvimento de sobrepeso. Phani et al. (2015) demonstraram que, em uma população de 1036 indivíduos de origem indiana, variantes nos genes PPARG (rs1801282) e FTO (rs9939609) possuíam associação 24 com o desenvolvimento de adiposidade e DM2. Lima et al. (2007) estudaram os polimorfismos rs1801252 e rs1801253, do gene ADRB1, rs1042711, rs1042713 e rs1042714, do gene ADRB2, rs4994, do gene ADRB3, e rs1800544 e rs553668, do gene ADRA2A, em 235 afro-americanos. Ao final, concluíram que as variantes genéticas presentes nos genes do ADRB1 estavam associadas à HAS em indivíduos obesos e que indivíduos que possuem variantes de risco no gene ADRB2 tendem a apresentar concentrações ligeiramente superiores de insulina e eram também mais resistentes à insulina. Por último, associaram também os polimorfismos à menor atividade lipolítica. Entretanto, os métodos de abordagem para desvendar a variação genética na obesidade foram alterando com o tempo. Atualmente utiliza-se estudos de GWAS e estudos de sequenciamento de última geração. Em comparação com os métodos anteriores, a principal vantagem da abordagem de um GWAS é a desnecessariedade de uma hipótese com base em conhecimentos biológicos prévios. Outra vantagem observada nos estudos de GWAS é que a detecção de uma associação se baseia em desequilíbrio de ligação entre SNPs (single nucleotide polymorphism), o que reduz o número de SNPs necessários para cobrir todo o genoma (FALL e INGELSSON, 2014; ANDERSEN e SANDHOLT, 2015; LLEWELLYN e WARDLE, 2015; LOCKE et al., 2015; HÄGG et al., 2015; SANDHOLT et al., 2015; SHABANA e HASNAIN, 2015). Em relação à obesidade, estudos de GWAS já identificaram 97 SNPs robustamente associados ao IMC, sendo que a aplicação do GWAS, no âmbito da investigação acerca da obesidade, foi iniciada em 2007. Quatro meta-análises de GWAS (WILLER et al., 2009; SPELIOTES et al., 2010; LOCKE et al., 2015; HÄGG et al., 2015), juntamente com o consórcio GIANT (Genetic Investigation of ANthropometric Traits), identificaram, até o presente, 101 loci relacionados com a obesidade. O GWAS mais recente, realizada por Locke et al. (2015), com um total de mais de 340 mil indivíduos, identificou 56 novos loci associados ao IMC. Uma vez que foi constatado que estes loci representam 2,7% da variação do IMC, os autores sugerem que 21% da variação no IMC pode ser explicada por variação genética comum. Além disso, concluíram que determinados polimorfismos em genes expressos no hipotálamo possuem relação direta com a regulação da massa corporal. 25 Diante disso, uma vez que a ingestão de alimentos é controlada pelo hipotálamo, polimorfismos em genes expressos nas regiões hipotalâmicas podem influenciar diretamente no controle da ingestão de alimentos. Ao interferirem na função hipotalâmica, por exemplo, interferem indiretamente em todas as vias relacionadas e podem, assim, contribuir ativamente no desenvolvimento do sobrepeso e obesidade (SCHWARTZ et al., 2000; ANDERSEN e SANDHOLT, 2015; LLEWELLYN e WARDLE, 2015; LOCKE et al., 2015; HÄGG et al., 2015; SANDHOLT et al., 2015; SHABANA e HASNAIN, 2015; ROLLS, 2015). 2.2 Controle da ingestão de alimentos pelo SNC Para a maioria dos indivíduos, a composição e a quantidade do alimento que ingerimos ao longo de um dia varia consideravelmente. Fatores sociais, período do dia, conveniência e custo são algumas variáveis “não-biológicas” que afetam diretamente a ingestão de energia (SCHWARTZ et al., 2000). Por outro lado, de maneira intrínseca, a ingestão de alimentos e o gasto energético são fortemente controlados pelo SNC. Uma vez que a ingestão calórica é essencial para a sobrevivência e reprodução dos indivíduos, é necessário possuir um grande número de circuitos neurais responsáveis pelo controle do comportamento alimentar que garantam uma homeostase energética (SCHWARTZ et al., 2000; BERTHOUD, 2006; MORTON et al., 2006; ZHENG et al., 2005; VOLKOW et al., 2011; RUI, 2013). Os modelos que explicam tal controle sobre a ingestão alimentar propõem dois mecanismos distintos, mas relacionados: a) mecanismos homeostáticos e b) mecanismos hedônicos. O sistema homeostático consiste em um feedback negativo, no qual reguladores hormonais são secretados em proporção direta com a quantidade de massa de tecido adiposo. Esse sistema atua em circuitos cerebrais do hipotálamo e do tronco cerebral, estimulando ou inibindo o apetite, de forma a manter um balanço energético adequado e assegurando que a quantidade consumida em uma única refeição não exceda o que o corpo pode suportar com segurança (MORTON et al., 2006; ZHENG et al., 2005; NOGUEIRAS et al., 2012; WILLIAMS, 2014). 26 Durante uma refeição, uma vez que ocorre a distensão gástrica devido a ingestão alimentar, sinais de saciedade como a CCK (cholecystokinin), o GLP-1 (glucagon-like peptide-1) e o PYY (peptide YY) são gerados e, via nervo vago (X par dos nervos cranianos), atingem o núcleo do trato solitário (NTS) no tronco cerebral. Do NTS fibras aferentes são projetadas para o núcleo arqueado (ARC), onde os sinais de saciedade são integrados aos sinais de adiposidade, como a leptina e a insulina, originados no tecido adiposo e pâncreas, respectivamente. Assim, de acordo com o estímulo que chega ao ARC, neurônios podem secretar substâncias orexígenas, tais como o NPY (neuropeptide Y) e o peptídeo relacionado com agouti (AgRP), visando a indução do apetite, ou peptídeos anorexígenos, como o POMC e o CART (Cocaine and amphetamine-regulated transcript), objetivando a inibição do apetite (MORTON et al., 2006; COLL et al., 2007; FINLAYSON et al., 2007; VALASSI et al., 2008; EGECIOGLU et al., 2011; VOLKOW et al., 2011; RUI, 2013; YANG et al., 2014). Por outro lado, o sistema hedônico pode ser entendido como um sistema de recompensa cerebral que também desempenha um papel importante na ingestão alimentar, mas que, aparentemente, pouco se sabe sobre sua relação com a manutenção da homeostase energética. Este sistema de recompensa mesolímbico consiste de um centro nervoso no qual diversos mensageiros químicos, incluindo a serotonina (5-HT), o ácido γ-aminobutírico (GABA), a DA e a acetilcolina (Ach), entre outros, atuam em conjunto para estimular a liberação de DA no Nucleus Accumbens (NAc) e, consequentemente, a sensação de prazer. Além disso, esta via está intimamente relacionada não apenas com o prazer desencadeado por recompensas naturais, como os alimentos, mas também constitui a base neural para os fenômenos relacionados com a adição (MORTON et al., 2006; LOWE e BUTRYN, 2007; EGECIOGLU et al., 2011; NOGUEIRAS et al., 2012; RUI, 2014). Alimentos altamente palatáveis, e/ou energéticos, modulam os sinais metabólicos da fome e da saciedade e prolongam sua ingestão devido aos seus elevados teores de açúcar e gordura. De uma forma geral, os alimentos pouco saborosos não são consumidos em excesso, enquanto os alimentos de elevada palatibilidade são frequentemente consumidos, mesmo após as necessidades energéticas terem sido atingidas e, uma vez que ativam o sistema de recompensa cerebral, são capazes de aumentar a motivação para a procura ou obtenção desses 27 alimentos. Isso significa que o prazer obtido por meio da ingestão de tais alimentos torna-se uma motivação poderosa que, em certos indivíduos, pode se sobrepor aos sinais homeostáticos e assim promover o aumento de peso (BERTHOUD, 2006; MORTON et al., 2006; LOWE e BUTRYN, 2007; EGECIOGLU et al., 2011; VOLKOW et al., 2011; RIBEIRO e SANTOS, 2013; ROSENBAUM e LEIBEL, 2014; RUI, 2014). Segundo Finlayson et al. (2007), Berridge et al. (2009) e Ribeiro e Santos (2013), a recompensa alimentar pode ser dividida em 3 componentes principais: “liking” (componente hedônica), “wanting” (motivação de incentivo) e “learning” (aprendizagem que permite fazer associações e predições). Esses fenômenos podem ser aplicados tanto a recompensas naturais, como alimentos, quanto a reforços artificiais, como drogas. Nesse sentido, verificou-se que indivíduos com excesso de peso têm um aumento do “wanting” e da ingestão energética na ausência de fome e, também, uma diminuição do “liking” após as refeições. Isso sugere que indivíduos obesos possuem uma dificuldade na obtenção de recompensa, o que os leva a uma procura excessiva pela recompensa alimentar (FIGURA 1). 28 Figura 1. Representação esquemática das interações de entre os sistemas homeostático e hedônico na ingestão alimentar em indivíduos eutróficos e obesos Fonte: Egecioglu et al. (2011). A capacidade de resistir ao impulso de comer exige o correto funcionamento dos circuitos neuronais, para se opor às respostas condicionadas que predizem uma recompensa em comer a comida que se deseja. Em adição, visto que a via dopaminérgica é a principal envolvida com o sistema de recompensa mesolímico e está intimamente relacionada com o comportamento e a impulsividade, percebe-se o grande potencial regulatório que esta via possui sobre o comportamento alimentar e que quaisquer fenômenos que interfiram nos processos normais de sinalização podem comprometer o padrão alimentar do indivíduo (MORTON et al., 2006; LOWE e BUTRYN, 2007; EGECIOGLU et al., 2011; NOGUEIRAS et al., 2012; RIBEIRO et al., 2013; RUI, 2014). 29 2.2.1 Via dopaminérgica A DA é a catecolamina predominante no cérebro e é sintetizada por neurônios mesencefálicos na substância nigra (SN) e na área tegmental ventral (VTA). Células dopaminérgicas são encontradas quase que exclusivamente na SN e na VTA, formando as quatro principais vias dopaminérgicas do cérebro dos mamíferos: a mesolímbica, a mesocortical, a nigroestriatal e as vias tuberoinfundibulares (FIGURA 2) (BAIK, 2013; SCARR et al., 2013; COHEN, 2015). Figura 2. Representação esquemática da via dopaminérgica do SNC Fonte: Adaptado de Scarr et al. (2013). Anatomicamente, a via mesolímbica consiste de corpos celulares da VTA, que se projetam para estruturas límbicas, tais como o NAc, o hipocampo e a amígdala, bem como para o córtex pré-frontal medial. Já o sistema mesocortical está intimamente associado com o sistema mesolímbico, ligando o VTA com o córtex frontal cerebral. A via nigroestrial participa na coordenação motora e é formada por corpos celulares originários da SN do mesencéfalo, que se projetam para o núcleo caudado e putâmen. Finalmente, a via tuberoinfundibular é formada pelos corpos celulares que contêm DA nos núcleos arqueado e periventricular do hipotálamo, que 30 projetam axônios para a eminência mediana do hipotálamo, onde inibe a secreção de prolactina (MORTON et al., 2006; BAIK, 2013a; BAIK, 2013b; SCARR et al., 2013). Funcionalmente, o sistema de recompensa mesolímbico é considerado essencial para as funções cognitivas e desempenha um papel importante na memória, na motivação e na resposta emocional. Juntamente com a via mesocortical, desempenham um papel crucial em comportamentos e motivação relacionados com a recompensa (MORTON et al., 2006; SCHULTZ, 2013; CARLIER et al., 2015; MEDIC et al., 2014; REICHELT et al., 2015). Outras áreas envolvidas em processos de recompensa incluem o estriato ventral, o córtex orbitofrontal, o córtex cingulado anterior e o pallidum ventral. Adicionalmente, a amígdala, o hipocampo e outras estruturas específicas do tronco cerebral constituem componentes importantes do circuito de recompensa cerebral. Entretanto, apesar de várias zonas cerebrais constituírem parte desde circuito, o NAc, a VTA e os neurônios dopaminérgicos parecem ser as “zonas chave” da recompensa (MORTON et al., 2006; SCHULTZ, 2013; GUGUSHEFF et al., 2015; REICHELT et al., 2015). O papel exato da DA na recompensa alimentar tem sido alvo de grande debate. Até o momento, sabe-se que a ingestão de alimentos de elevada palatibilidade está associada à liberação de DA no núcleo estriado dorsal, e o nível de DA liberada relaciona-se com o nível de prazer obtido por meio da ingestão de alimentos (SCHULTZ, 2013; CARLIER et al., 2015; KEIFLIN e JANAK, 2015; REICHELT et al., 2015). Portanto, acredita-se que na obesidade exista uma menor capacidade de sinalização da DA. Estudos de neuroimagem sugerem que indivíduos obesos apresentam uma disponibilidade de receptores da DA inferior à de indivíduos eutróficos, bem como uma menor ativação da DA na região estriada, em resposta à ingestão de alimentos de elevada palatibilidade (WANG et al., 2001; EGECIOGLU et al., 2011; BAIK, 2013a; BAIK, 2013b; SCARR et al., 2013; YOKUMA et al., 2015). Amplamente distribuídos pelo SNC, receptores de DA (DARs) pertencem ao grupo de receptores acoplados à proteína G. Em mamíferos, existem cinco subtipos de DARs, divididos em duas famílias de acordo com a sua estrutura e na resposta biológica. Na família de receptores D1-like incluem-se os DARs D1 e D5, enquanto que os DARs da família D2-like consistem em D2, D3 e D4 (SCARR et al., 2013; RANGEL-BARAJAS et al., 2015). 31 Tipicamente, os DARs D1-like são acoplados positivamente a adenilil-ciclase e induzem a acumulação de AMPc (cyclic adenosine monophosphate) intracelular e a ativação da PKA (protein kinase A). Esta família de receptores é amplamente expressa no cérebro, sendo que a maior parte se encontra no núcleo estriado, putâmen, NAc e SN. Além disso, desempenham um papel importante na atividade motora, sistemas de recompensa, aprendizado e memória (MISSALE et al., 1998; BEAULIEU e GAINETDINOV, 2011; RANGEL-BARAJAS et al., 2015). Por outro lado, os DARs D2-like estão negativamente acoplados à adenil- ciclase e, como resultado, reduzem a acumulação de AMPc intracelular e, consequentemente, de PKA. Ou seja, a ativação desta família de receptores leva tanto à inibição da atividade da adenil-ciclase, como também à inibição da PKA. Os DARs D2-like, conforme supracitado, consistem em DRD2, DRD3 e DRD4, sendo que os DRD2 partilham 75% de homologia nas regiões transmembranares com DRD3 e 53% de homologia com DRD4. Ainda, são principalmente expressos na região estriada, pallidum, NAc, amígdala, córtex cerebral, hipocampo e na glândula pituitária e desempenham papel importante na ansiedade, depressão e abuso de drogas (MISSALE et al., 1998; BEAULIEU e GAINETDINOV, 2011; RANGEL-BARAJAS et al., 2015). Estudos utilizando PET (Positron Emission Tomography), como os de Guo et al. (2014) e Rominger et al. (2012), demonstraram que indivíduos obesos possuem alterações nos receptores dopaminérgicos que levam à hiperfagia e, consequentemente, à obesidade. Já um estudo de fMR (functional Magnetic Ressonance), como o de Stice et al. (2008), demonstrou que indivíduos obesos apresentam maior ativação dopaminérgica em resposta a imagens de alimentos, comparativamente a controles eutróficos. Estes dados sugerem que na obesidade há uma dificuldade na obtenção da recompensa, por meio da ingestão, e uma maior sensibilidade aos estímulos de alimentos. De fato, um estudo realizado por Stice et al. (2010) concluiu que as mulheres que aumentaram de peso nos últimos seis meses, do referido estudo, mostraram uma redução na resposta dopaminérgica em resposta à ingestão de alimentos de elevada palatibilidade, em comparação com mulheres com um peso mais estável. 32 Existem ainda evidências de que a ingestão de alimentos de elevada palatibilidade leva a uma atenuação na sinalização da DA. Em ratos, a ingestão frequente de alimentos ricos em açúcar e em gordura leva a uma diminuição dos DRD2 pós-sinápticos, bem como a uma diminuição da sua sensibilidade e da sensibilidade à recompensa (KELLEY et al., 2003; YAZDI et al., 2015). A via dopaminérgica mesolímbica medeia as recompensas naturais e não naturais. Este sistema de recompensa é composto de três partes: os receptores de dopamina, transportadores e alvos enzimáticos. Por meio de ligação da DA com seus respectivos receptores, os impulsos naturais são reforçados, geralmente pela alimentação e a reprodução, enquanto que as recompensas não naturais envolvem a satisfação dos prazeres aprendidos ou adquiridos, como os derivados de drogas, álcool, jogos de azar e outros comportamentos de risco (WONG et al., 2000; BAIK, 2013a; BAIK, 2013b; BLUM et al., 2013; MA et al., 2015). 2.3.4 Gene DRD2 Conforme já abordado anteriormente, a DA é o principal componente do sistema de recompensa cerebral e, portanto, é necessário que sua liberação seja corretamente modulada (GANTZ et al., 2015). Dentre os receptores da DA, o receptor D2 possui um papel em destaque, uma vez que atua por feedback negativo, como o principal autoregulador de liberação de DA no sistema dopaminérgico, embora possua efeitos pós-sinápticos importantes (L’HIRONDEL et al., 1998; FORD, 2014). Devido a sua inquestionável importância, é um dos mais estudados e associados ao comportamento patológico. O gene responsável pela síntese desse receptor (DRD2) é composto por oito éxons e sete íntrons e está localizado no braço longo do cromossomo 11, na posição 11q23.2. Além disso, possui 66 kpb e é responsável pela síntese de uma proteína de 443 aminoácidos (FIGURA 3). 33 Figura 3. Localização do gene DRD2 no cromossomo 11 Fonte: GeneCards (2015) Uma vez que o receptor de dopamina D2 é uma parte vital do sistema de recompensa dopaminérgico e principal modulador de respostas DA-dependentes, variantes no gene DRD2, especialmente aquelas funcionais, representam candidatos para estudos genéticos sobre dependência de substâncias e outros transtornos psiquiátricos. O gene DRD2 possui diversos polimorfismos capazes de influenciar a quantidade e funcionalidade de receptores na membrana da célula pós-sináptica, o que implica diretamente na predisposição dos indivíduos a buscarem qualquer substância ou comportamento que estimula o sistema dopaminérgico (BAIK, 2013a; BAIK, 2013b BLUM et al., 2013) e, consequentemente, têm uma maior predisposição para o ganho de peso no futuro (STICE et al., 2015). Corroborando com esse raciocínio, uma revisão sistemática realizada por Gluskin e Mickey (2016) identificou 19 variantes genéticas em 11 genes diferentes que poderiam influenciar na disponibilidade e funcionalidade de receptores D2. Dentre eles, encontrou-se variações importantes no gene DRD2 propriamente dito, como os SNP rs10795971 e rs64772, por exemplo, e em outros genes relacionados, como o extensivamente estudado TaqIA (rs1800497) localizado no gene ANKK1. Contudo, um polimorfismo em especial, o rs228265, está sendo investigado devido a sua influência sobre a transcrição de mRNA de dois importantes subtipos moleculares de receptores D2. 1 Polimorfismo também conhecido como TaqIB, no qual indivíduos portadores da variação B1 possuem menos receptores D2 e já foi associado a esquizofrenia, transtorno bipolar (LAFUENTE et al., 2008), dependência de álcool (MARTIZ et al., 2015) e heroína (VERECZKEI et al., 2013), dentre outros. 2 SNP conhecido como C957T, no qual receptores D2 em indivíduos portadores do alelo T possuem menor afinidade com a DA e foram associados com maior risco de desenvolvimento de transtornos psicóticos (RAMSAY et al., 2015), consumo exagerado de alimentos e obesidade (DAVIS et al., 2012), transtorno depressivo maior (HE et al., 2013) e esquizofrenia (FAN et al., 2010), por exemplo. 34 Os receptores D2 são expressos no cérebro humano sob duas principais isoformas: D2 longo (D2L) e D2 curto (D2S). As duas isoformas são resultado de um splicing alternativo no éxon 6 do gene DRD2, sendo que D2L difere de D2S pela presença de 29 aminoácidos adicionais no interior do terceiro loop intracelular (DAL TORSO et al., 1989; GIROS et al., 1989; KHAN et al., 1998; USIELLO et al., 2000). Este splicing alternativo resulta em duas moléculas que possuem diferenças estruturais necessárias para a correta sinalização da DA e sua interação com os demais sistemas cerebrais. Estudos com ratos identificaram que cada subtipo apresenta funções fisiológicas diferentes e respondem de formas distintas ao tratamento farmacológico e ao uso de substâncias psicoativas (MONTMAYEUR et al., 1991; L’HIRONDEL et al., 1998; USIELLO et al., 2000; XU et al., 2002; NEVE et al., 2013; GANTZ et al., 2015). Nesse sentido, Usiello et al. (2000) objetivaram identificar o local de expressão de cada isoforma e se os dois subtipos atuavam sinergicamente ou se possuiam atividades independentes e/ou antagonistas. Para tanto, foram utilizados ratos transgênicos que não expressavam o subtipo D2L (D2L -/-). Ao final do estudo, concluiu-se que cada subtipo apresentava um papel diferente e que, provavelmente, possuiam funções antagonistas in vivo. Identificou-se que D2S é expresso principalmente em células pré-sinapticas e que, dessa forma, atua como um “autoreceptor” e que a nível pós-sináptico modula negativamente respostas DR1- dependentes. Em contraste, a forma longa D2L ocorre principalmente em células pós- sinápticas e que atua de forma cooperativa/sinergística com respostas DR1- dependentes. Ainda, para alguns autores, as modificações estruturais entre D2L e D2S resultantes do splicing alternativo influenciam na afinidade dos receptores com a proteína G (SIDHU e NIZNIK, 2000; GAZI et al., 2003; LIU et al., 2006; FORD, 2014). De forma geral, conforme explorado anteriormente, o receptor DRD2 é um receptor D2-like e, portanto, ambas as isoformas ao interagirem com a proteína G inibem a atividade da adenil-ciclase e diminuem os níveis de AMPc intracelular. Entretanto, segundo Montmayeur et al. (1993) a inserção dos 29 aminoácidos que ocorre na forma longa (D2L) confere uma especificidade diferente com a subunidade α da proteína G. Ou seja, a forma longa requer especificamente a subunidade α i2 da proteína G para 35 inibir efetivamente a adenil-ciclase e a forma curta parece apresentar uma afinidade maior com a subunidade α0 (NICKOLLS e STRANGE, 2003). Ainda, esse polimorfismo parece exercer efeitos sobre a formação de heterodímeros com o receptor DRD4 (que será retomada no próximo subcapítulo), na interação com o receptor DRD1, na modulação de glutamato e GABA e, inclusive, na resposta ao tratamento farmacológico com antipsicóticos (GIROS et al., 1989; KHAN et al., 1998; USIELLO et al., 2000; XU et al., 2002; CENTONZE et al., 2004; XIAO et al., 2014). Estudos vêm associando a presença do alelo T do rs2283265 principalmente com a dimunuição da expressão de mRNA de D2S, responsáveis especialmente pela auto-regulação da liberação de DA, embora seus efeitos sobre o D2L não sejam bem conhecidos (ZHANG et al., 2007; MOYER et al., 2011). Conforme supracitado, cada subtipo possui funções específicas e variações genéticas que perturbem a correta proporção entre D2S e D2L podem resultar em maior propensão a adquirir dependência de substâncias, diferenças no funcionamento cerebral ou ainda, transtornos psiquiátricas, conforme ilustrado na Tabela 2: Tabela 2. Estudos de associação entre o polimorfismo rs2283265 e transtornos psiquiátricos Amostra Fenótipo avaliado Resultados Referência 119 casos (usuários pesados de cocaína) e 95 controles Uso de cocaína Portadores do alelo T possuem maior tendência ao abuso e overdose de cocaína em caucasianos mas não em afrodescendentes. Moyer et al., 2011 126 casos (mortes ocasionadas por intoxicação de cocaína) e 99 controles Uso letal de cocaína Alelo T confere maior risco para intoxicação fatal por cocaína Sullivan et al., 2013 36 220 casos (indivíduos diagnosticados com Transtorno por Uso de Substâncias Psicoativas [TUSP]) e 240 controles Abuso de substâncias psicoativas Alelo T está associado a maior probabilidade de desenvolvimento de TUSP Al-Eitan et al., 2012 Fonte: Da autora, 2015. 2.3.4 Gene ANKK1 Por meio de ligação da DA com seus respectivos receptores, os impulsos naturais são reforçados, geralmente pela alimentação e a reprodução, enquanto que as recompensas não naturais envolvem a satisfação dos prazeres aprendidos ou adquiridos, como os derivados de drogas, álcool, jogos de azar e outros comportamentos de risco (WONG et al., 2000; BAIK, 2013a; BAIK, 2013b; BLUM et al., 2013; MA et al., 2015). Um dos polimorfismos mais associado a comportamentos patológicos é o TaqIA (rs1800497). O polimorfismo Taq1A resulta em três genótipos, A1/A1, A1/A2, e A2/A2, sendo que indivíduos com genótipo A1/A1 ou A1/A2 têm 30-40% menos receptores D2 no corpo estriado, em comparação com indivíduos com o genótipo A2/A2. Os alelos são designados por A2 (citosina) e A1 (timina), sendo que a substituição da citosina pela timina na região 32806 pb resulta na troca de glutamato por lisina (713Glu/Lys) e afeta a especificidade da ligação ao substrato (STICE et al., 2010; KAZANTSEVA et al., 2011; DENG et al., 2015). Este polimorfismo estava originalmente associado ao gene DRD2, localizado na região 3'-UTR. Entretanto, verificou-se posteriormente que, na verdade, localiza- se no éxon 8 do gene ANKK1 (ankyrin repeat and kinase domain containing 1), adjacente ao DRD2 no cromossomo 11 (FIGURA 4) (DENG et al., 2015; MA et al., 2015). 37 Figura 4. Localização do polimorfismo rs1800497 Fonte: Adaptado de Ma et al. (2015). Após sua descoberta, pesquisadores da área de comportamentos aditivos, direcionaram maior atenção para ambos os genes DRD2/ANKK1. Nesse sentido, sugere-se que o gene ANKK1 está envolvido nos processos de recompensa e, portanto, variantes no ANKK1 estão envolvidas na etiologia da adição. Uma vez que os genes funcionalmente relacionados tendem a ser agrupados, é possível que genes próximos ao DRD2 também estão envolvidos em processos dopaminérgicos de recompensa, especialmente o grupo DRD2/ANKK1 (PONCE et al., 2009; KAZANTSEVA et al., 2011; DENG et al., 2015; MA et al., 2015). De fato, estudos genéticos associaram o polimorfismo rs1800497 com adição em opióides, antidepressivos, estimulantes, alucinógenos e outras substâncias, além de possuir uma maior predisposição para desenvolver alcoolismo, tabagismo, esquizofrenia, síndrome de Tourette, transtorno bipolar, estresse pós-traumático, ansiedade, transtorno obsessivo compulsivo, depressão, síndrome da deficiência da recompensa, transtorno de déficit de atenção e hiperatividade, entre outros distúrbios psiquátricos (WONG et al., 2000; McALLISTER et al., 2005; ZHANG et al., 2007; HOU e LI, 2009; PONCE et al., 2009; FERNANDES-CASTILLO et al., 2010; MARKETT et al., 2010; SIPILA et al., 2010; DAVIS et al., 2012; KUCHARSKA-MAZUR et al., 2012; LOBO et al., 2012; JABLONSKI et al., 2013; SAVITZ et al., 2013; SPELLICY et al., 2013; LEVRAN et al., 2014; HERMAN et al., 2014; ZHANG et al., 2014; CAI et al., 2015; GOLD et al., 2015; LOCHNER et al., 2015; PAN et al., 2015). De maneira semelhante ao reforço obtido por meio de drogas, a alimentação gera grandes impulsos de reforço. Nesse sentido, as propriedades de reforço de 38 alimentos justificam o estudo do possível papel de TaqIA em transtornos alimentares, como a obesidade. Noble (1994) relatou a primeira associação entre o alelo A1 e início da obesidade, e preferência por carboidratos, em indivíduos obesos. Além de Noble (1994), diversos outros estudos foram publicados demonstrando a associação entre o alelo de risco A1 e seu desfecho sobre o peso ou IMC da amostra (TABELA 3). Tabela 3. Estudos com o polimorfismo rs1800497 e fenótipos de obesidade Amostra Fenótipo avaliado Resultados Referência 40 obesos Obesidade e abuso de substâncias O alelo A1 estava presente em 52,5% dos indivíduos obesos em comparação com não-obesos Blum et al., 1996 122 obesos/so brepeso e 30 não- obesos Percentual de gordura corporal Alelo A1 presente em 67% dos indivíduos obesos ou com sobrepeso contra apenas 3,3% no grupo controle Chen et al., 2012 73 obesos Perfil lipídico e obesidade Alelo A1 presente em 45.2% dos indivíduos obesos Noble et al., 1998 88 fumantes Ingestão de calorias diárias Portadores do alelo A1 consomem em média 130 kcal a mais em comparação ao grupo controle Epstein et al., 2004 448 adolescen tes Obesidade e implicações metabólicas Alelo A1 mostrou associação com a circunferência da cintura de indivíduos com sobrepeso Durán- Gonzales et al., 2011 153 adolescen tes Ganho de peso futuro A presença do alelo A1 implica em maior ganho de peso e aumenta a chance de hiperfagia em adolescentes Slice et al., 2015 39 93 diabéticos (DM2) DM2 e obesidade Participantes que possuiam alelo A1 possuiam maior IMC e ingeriam mais alimentos ricos em lipídeos, gordura saturada e colesterol em comparação a portadores do alelo A2 Barnard et al., 2009 44 adolescen tes Predição de aumento de IMC futuro Menor ativação do córtex pré-frontal ao imaginar alimentar-se de alimentos palatáveis, em comparação com não-postadores do alelo A1 Slice et al., 2010 80 adultos IMC, hiperfagia e “food craving” Associação significativa entre IMC, obesidade severa e presença do alelo A1. Carpenter et al., 2013 202 obesos Obesidade e manutenção da perda de peso Participantes portadores do alelo A1 demonstraram maior dificuldade em manter a perda de peso mesmo durante um programa para redução de peso. Winkler et al., 2012 Fonte: Da autora (2015). 2.3.5 Gene DRD4 Outro gene que origina os receptores de dopamina é o DRD4, que codifica o receptor D4, o qual é altamente expresso no córtex pré-frontal e outras regiões do cérebro envolvidas nos circuitos de recompensa que medeiam as propriedades de reforço de alimentos, tais como o hipocampo, a amígdala e hipotálamo. De maneira semelhante ao DRD2, o receptor D4 é um dos representantes da família de receptores D2-like e possui influência no comportamento motivacional e no sistema de recompensa (McGEARY, 2009; STICE et al., 2010; AGUIRRE-SAMUDIO et al., 2014). 40 O gene DRD4 localiza-se no braço curto do cromossomo 11, na posição 11p15.5 e possui 3414 pb (FIGURA 5). Figura 5. Localização do gene DRD4 no cromossomo 11 Fonte: GeneCards (2015). O gene DRD4 codifica um receptor acoplado a proteína G com sete domínios transmembrana que responde à DA endógena e inibe o segundo mensageiro adenil- ciclase. Entretanto, o DRD4 é um gene altamente polimórfico, o que pode levar a diferentes desfechos, principalmente no comportamento individual (OAK et al., 2000; LEVITAN et al., 2004; MUNAFÒ et al., 2008; McGEARY, 2009; STICE et al., 2010; AGUIRRE-SAMUDIO et al., 2014). Particularmente no éxon 3, encontra-se um polimorfismo do tipo VNTR no qual uma sequência de 48 pb (16 aminoácidos) podem ser repetidos de duas à 11 vezes, sendo que duas (2R), quatro (4R) ou sete repetições (7R) representam os alelos mais comuns. Na literatura, os indivíduos podem ser ainda agrupados como portadores da variação "short" ou portadores da variação "long", sendo que a categoria de "short" é definida como 6 ou menos repetições e "long", com 7 ou mais repetições (OAK et al., 2000; McGEARY, 2009). A Tabela 4 apresenta alguns estudos que avaliaram o polimorfismo no éxon 3 do gene em fenótipos de obesidade. 41 Tabela 4. Estudos realizados com o polimorfismo do éxon 3 do gene DRD4 e obesidade Amostra Fenótipo avaliado Resultados Referência 359 crianças Ingestão alimentar e estado nutricional Portadores do alelo 7R possuem maior tendência ao aumento de peso e maior consumo de alimentos palatáveis Fontana et al., 2015 150 crianças Ingestão calórica e preferências alimentares Indivíduos com o alelo 7R consumiram maior quantidade de sorvete e menor quantidade de vegetais, ovos e alimentos integrais Silveira et al., 2014 506 mulheres Valores de IMC A presença do alelo 7R foi associada a um número elevado de IMC Sikora et al., 2013 115 obesos Risco de obesidade Indivíduos com o alelo de 7R possuem maior risco de obesidade Poston et al., 1998 2600 indivíduos IMC Portadores do alelo de risco (7R) possuem maior valor de IMC Guo et al., 2007 102 crianças Aumento de peso associado ao tratamento com antipsicóticos Aumento de peso maior em indivíduos com pelo menos um alelo 7R Popp et al., 2009 Fonte: Da autora (2015). Os estudos sugerem que indivíduos que possuem pelo menos um alelo 7R, do polimorfismo no éxon 3 do DRD4, possuem menor quantidade e afinidade dos receptores dopaminérgicos e, consequentemente, transmitem sinais intracelulares mais fracos, em comparação com outros alelos. Além disso, esta variante tem sido associada a menor formação de AMPc, em comparação com seis repetições ou 42 menos. Ainda, o alelo 7R tem sido associado a uma resposta mais fraca a drogas estimulantes da DA e menor liberação de DA nas regiões do caudado e ventral do NAc, após o uso do cigarro (OAK et al., 2000; McGEARY, 2009; GONZALES et al., 2012; BOROTO-ESCUELA et al., 2013). No entanto, outro fator que possui influência direta sobre os efeitos da DA é a formação de heterodímeros entre os receptores D2 e D4. Um heterodímero é definido como um complexo macromolecular constituído por, pelo menos, duas unidades funcionais do receptor, com propriedades bioquímicas diferentes daquelas propriedades individuais (FERRE et al., 2009; BOROTO-ESCUELA et al., 2011; GONZALES et al., 2012; BOROTO-ESCUELA et al., 2013). Boroto-Escuela et al. (2011) demonstraram, por imunocoprecipitação, que os DRD2, em sua forma longa, são capazes de formar heterodímeros com as três variantes mais comuns de receptores DRD4, ou seja, 2R, 4R e 7R. Entretanto, perceberam que com a variação 7R, havia uma menor afinidade entre os receptores e, portanto, uma menor capacidade de heterodimerização. Já Gonzales et al. (2012) demonstraram a formação de heterodímeros entre DRD2, na isoforma curta, e variantes 2R e 4R, mas não com 7R, e que tal associação entre DRD2S potencializa a ação do DRD4. Esses achados reforçam a importância da investigação conjunta dos polimorfismos nos genes DRD2 e DRD4. 43 3 PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS 3.1 Delineamento do estudo Este estudo é uma pesquisa do tipo quantitativa, de natureza descritiva e transversal (CHEMIN, 2015). Os dados utilizados estão vinculados ao projeto de pesquisa intitulado “Aspectos moleculares, ambientais e biomarcadores proteicos das doenças multifatoriais”, sob coordenação da professora Drª Verônica Contini. 3.1.1 Critérios de Inclusão Indivíduos adultos, de ambos os gêneros, entre 18 e 60 anos, que possuíam vínculo com a Instituição (professores, alunos e funcionários). 3.1.2 Critérios de Exclusão Os critérios de exclusão foram as seguintes condições auto relatadas: presença de nefropatias, distúrbios de coagulação, doença infecto-contagiosa, doença renal, doença adrenal, gravidez, câncer e doença mental que impedisse a compreensão do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE) (ANEXO A). 44 3.2 Coleta de dados 3.2.1 Anamnese Os indivíduos que concordaram em participar do estudo assinaram o TCLE e foram submetidos a uma anamnese, que incluiu dados demográficos, dados antropométricos, recordatório alimentar de 24 horas, histórico clínico, consumo de álcool e tabaco e prática de atividades físicas. Ao final da consulta, a pressão arterial de cada participante foi aferida, em triplicata, e a média dos valores registrada em sua respectiva ficha de anamnese. O modelo de anamnese utilizado segue o modelo padrão do Ambulatório de Nutrição do Centro Universitário UNIVATES (ANEXO B) e os dados são coletados por profissionais treinados. Em um segundo encontro, agendado previamente, foram realizadas as coletas das amostras sangue, para análises bioquímicas e moleculares, o exame de bioimpedância e um segundo recordatório aimentar. Todas estas etapas serão melhor detalhadas a seguir. 3.2.2 Antropometria Para a avaliação antropométrica dos participantes foram analisadas as seguintes características: a) Peso: a aferição do peso foi determinada por uma balança de precisão da marca Welmy, número de série 66230, modelo R-110, posicionada sobre uma superfície plana. O paciente foi posicionado na balança de forma que permanecesse ereto, descalço e com os pés unidos (WHO, 2015). b) Altura: foi utilizado um estadiômetro da marca Wiso, fixado em uma parede. O voluntário foi instruído a remover o calçado e qualquer adorno na cabeça, permanecer encostado na parede com as pernas unidas, calcanhares tocando na parede, joelhos estendidos, braços ao longo do corpo e cabeça ereta (WHO, 2015). 45 c) Índice de Massa Corporal (IMC): foi realizado um cálculo dividindo-se o peso, em quilogramas, pela altura, em centímetros ao quadrado, o qual resultou em um valor expresso em kg/cm2. d) Circunferência de cintura: foi determinada por uma fita métrica inelástica (marca Cescorf), em centímetros, a circunferência na porção mais estreita do tronco, abaixo do último par de costelas e acima da crista ilíaca ao final de uma expiração normal. Foi solicitado ao paciente que permanecesse com os pés unidos, peso distribuído entre os dois pés e braços relaxados ao longo do corpo (WHO, 2015). e) Circunferência de quadril: esta foi mensurada na maior porção do quadril com o auxílio de uma fita métrica, marca Cescorf. O paciente permaneceu com os pés unidos e braços estendidos ao longo do corpo (WHO, 2015). f) Relação cintura-quadril (RCQ): este dado foi obtido pela divisão do valor obtido de circunferência da cintura pelo valor da circunferência do quadril. g) Bioimpedância: método utilizado como técnica de medida de massa corporal, de volume líquido e de volume de gordura corporal. A análise corporal foi feita pelo equipamento Biodinamics Conmed, utilizando-se cabos conectados a eletrodos fixados na mão e no pé direito do avaliado. Os participantes são orientados a estar em jejum de quatro horas, bexiga vazia e, para as mulheres, não estar no período pré-menstrual. São ainda recomendados inatividade física e abstinência de cafeína no dia anterior, não ingerir bebidas alcoólicas nos dois dias anteriores e suspender o uso de medicamente diuréticos uma semana antes do teste. 3.2.3 Recordatório de 24 horas (R24h) O R24h, coletado durante a anamnese dos participantes, consiste no registro alimentar das últimas 24 horas. Nele estão presentes informações acerca da ingestão de todos os alimentos e bebidas consumidos no dia anterior à entrevista. Além do tipo de alimento e líquido consumidos, é solicitado aos pacientes que especifiquem detalhadamente o tamanho ou volume dos itens consumidos, podendo ser registrado em medidas caseiras (uma colher de sopa, por exemplo) ou unidades específicas (uma fatia, um pacote, por exemplo). 46 O consumo alimentar de macronutrientes e micronutrientes é calculado através do software Dietwin Profissional 2008. O consumo de proteínas, carboidratos e gorduras é calculado em percentual do consumo de energia total. 3.2.4 Coleta de sangue periférico Foram coletados aproximadamente 10 mL de sangue por punção venosa. Deste volume, 4 mL foram transferidos para um tubo estéril contendo EDTA, para a extração de DNA genômico. Os 6 mL restantes foram armazenados em um tubo estéril sem nenhum anticoagulante, para a realização das análises bioquímicas. A coleta é realizada por pesquisadores capacitados e vinculados ao projeto de pesquisa. 3.3 Análise de dados 3.3.1 Análises bioquímicas Os níveis séricos de colesterol total, colesterol HDL, triglicerídeos e glicose das amostras foram determinados utilizando kits comerciais da marca BioClin®. As dosagens foram realizadas na automação de bioquímica BS-120 da Mindray®, no Laboratório de Análises Clínicas do Centro Universitário UNIVATES. O controle de qualidade foi realizado utilizando controles comerciais normais e patológicos da marca BioClin®. Os pacientes estavam em jejum de 12 horas. Os valores de colesterol LDL foram determinados por meio da equação de Friedewald (LDL = CT – [HDL – C] – [TG/5]). 3.4.2 Extração de DNA A extração de DNA foi realizada pelo método de salting out, por meio de uma adaptação do protocolo descrito por Lahiri e Nurnberger (1991), no Laboratório de Biotecnologia do Centro Universitário UNIVATES. Após a extração, as amostras foram quantificadas utilizando espectofotometria de densidadade óptica, no aparelho L- 47 Quant®, para obter a quantidade de DNA, em ng/μL. Posteriormente, as amostras foram diluídas para uma concentração final de 20ng/μL de DNA. 3.3.3 Genotipagem dos polimorfismos As genotipagens dos polimorfismos do tipo SNP, o rs2283265 no gene DRD2, e o rs1800497 no gene ANKK1 foram realizadas por meio da Reação em Cadeia da Polimerase (PCR), por meio do sistema de discriminalição alélica Taqman®, em um aparelho StepOne Real Time PCR System (Applied Biosystems), disponível no laboratório de Biologia Molecular do Centro Universitário UNIVATES, de acordo com o protocolo do fabricante. O polimorfismo do tipo VNTR, o 48-pb-VNTR, no gene DRD4, foi amplificado pela técnica de PCR convencional, com primers e condições específicas, com protocolos adaptados de Licher et al. (1993). Após a amplificação, os fragmentos dos produtos de PCR foram separados por eletroforese em gel de agarose em uma concentração de 3,5% e, de acordo com os tamanhos dos fragmentos, foram determinados os alelos presentes em cada amostra. 3.3.4 Análise estatística Todos os dados clínicos dos indivíduos foram tabulados no software SPSS (Statistical Package for Social Sciences), versão 21.0, e as genotipagens foram posteriormente tabuladas para realização das análises estatísticas, sendo adotado como nível de significância p<0,05. As frequências alélicas foram estimadas por contagem direta e o equilíbrio de Hardy-Weinberg, para as frequências genotípicas, foi testado pelo teste do qui-quadrado de Pearson. A influência dos polimorfismos em variáveis clínicas contínuas, com destribuição normal, foi investigada por ANOVA e, em variáveis sem destribuição normal, pelo método não-paramétrico correspondente (Kruskal-Wallis). A associação dos polimorfismos com as variáveis categóricas foi testada pelo teste do qui-quadrado de Pearson ou por regressão logística binária. 48 3.4 Questões éticas O presente projeto foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Univates (COEP/UNIVATES). Foram respeitadas as exigências propostas pela Resolução CNS 466/12. Anteriormente à entrevista e coleta de sangue periférico, os participantes foram informados acerca de todos os procedimentos a serem realizados. Os indivíduos que aceitaram participar da pesquisa assinaram o TCLE. Este estudo não ofereceu riscos ou custos aos pacientes e os dados obtidos pelos questionários, bem como os termos de consentimento, serão mantidos em sigilo, sob responsabilidade da coordenadora e demais participantes da pesquisa. 49 4 RESULTADOS Dentre os 601 participantes incluídos no presente estudo, a média de idade observada foi de 25,4 anos, sendo 74,2% da amostra pertencente ao sexo feminino. A descrição das variáveis analisadas em relação às características clínicas e laboratoriais da amostra está apresentada na tabela a seguir (Tabela 5). Tabela 5. Características clínicas dos participantes n Idade (anos) 25.4 (6.5) 601 Sexo (masculino) 155 (25.8) 601 Tabagismo (sim) 26 (4.4) 597 Atividade física (sim) 364 (61.1) 596 Aeróbica (sim) 109 (18.3) 595 Anaeróbica (sim) 80 (13.4) 595 Ambas (sim) 174 (29.2) 595 Uso de medicação (sim) 74 (13.1) 564 Hipolipemiantes (sim) 7 (1.2) 564 Anti-hipertensivos (sim) 10 (1.8) 564 Hipoglicemiantes (sim) 3 (0.5) 564 Reposição de hormônios tireoidianos (sim) 15 (2.7) 564 Corticoesteroides (sim) 4 (0.7) 564 Psicofármacos (sim) 47 (8.3) 564 Parâmetros antropométricos IMC (kg/m2) 24.3 (4.2) 600 Circunferência da cintura (cm) 76.4 (10.3) 588 Gordura corporal (%) 27.6 (6.9) 568 Parâmetros bioquímicos Glicemia (mg/dL) 87.1 (7.8) 586 Colesterol total (mg/dL) 173.9 (38.2) 586 Colesterol HDL (mg/dL) 60.3 (15.5) 586 Colesterol LDL (mg/dL) 93.9 (31.1) 586 50 Triglicerídeos (mg/dL) 99.2 (48.6) 586 Ingestão diária de macronutrientes Carboidratos (g) 227.5 (88.3) 591 Proteínas (g*) 72.0 (39.5) 591 Lipídeos (g) 61.2 (34.1) 591 Colesterol (g) 243.5 (192.5) 591 Fibras totais (g) 18.9 (10.4) 591 Valor energético (Kcal) 1785.5 (672.4) 591 Dados expressos como média e (desvio padrão) ou n e (%), exceto para proteínas que está expressa como mediana e (amplitude interquartil). Abreviações: IMC, índice de massa corporal; HDL, lipoproteína de alta densidade; LDL, lipoproteína de baixa densidade. Fonte: Da autora (2016) As frequências alélicas e genotípicas dos polimorfismos investigados estão descritas na Tabela 6. As frequências genotípicas dos dois SNPs analisados estão em equilíbrio de Hardy-Weinberg e de acordo com o esperado para uma população euro-derivada. Para o polimorfismo no gene DRD4 foram calculadas as frequências genotípicas apenas para os três alelos mais comuns (2R, 4R e 7R), o qual encontra- se em desequilíbrio. Tabela 6. Frequências alélicas e genotípicas dos polimorfismos estudados Gene (polimorfismo) n (%) Valor de P* ANKK1 (rs1800497) CC 378 (62.9) 0.1170 CT 205 (34.1) TT 18 (3.0) Alelo C 961 (80.0) Alelo T 241 (20.0) DRD2 (rs2283265) GG 418 (70.5) 0.2656 GT 164 (27.6) TT 11 (1.9) Alelo G 1000 (84.3) Alelo T 186 (15.7) DRD4 (VNTR 48bp) 2R2R 21 (3.9) <0.0010 2R4R 73 (13.5) 2R7R 10 (1.9) 4R4R 286 (53.1) 4R7R 122 (22.6) 7R7R 27 (5.0) Alelo 2R 125 (11.6) Alelo 4R 767 (71.2) Allelo 7R 186 (17.2) *Valor de P para o equilíbrio de Hardy-Weinberg. 51 Fonte: Da autora (2016) Na Tabela 7 estão descritos os testes de associações entre as variáveis antropométricas da amostra e alelos de risco dos polimorfismos estudados. Foi possível observar que indivíduos portadores do alelo de 7 repetições (7R), do polimorfismo do gene DRD4, apresentam significativamente um maior percentual de gordura corporal. 52 Tabela 7. Análise de regressão linear individual de SNPs em parâmetros antropométricos Modelo aditivo Modelo dominante Modelo recessivo Gene SNP Alelo b STAT P- value b STAT P-value b STAT P- value IMC (kg/m2) ANKK1 rs1800497 T 0.19 0.62 0.5379 0.31 0.89 0.3722 -0.55 -0.55 0.5841 DRD2 rs2283265 T 0.15 0.44 0.6631 0.32 0.84 0.4031 -1.53 -1.20 0.2297 DRD4 VNTR 48bp 7R - - - 0.19 0.49 0.6236a 0.56 0.69 0.4913a Circunferência de cintura (cm) ANKK1 rs1800497 T 1.08 1.38 0.1669 1.10 1.26 0.2094 2.24 0.88 0.3785 DRD2 rs2283265 T 1.14 1.31 0.1899 1.18 1.26 0.2090 2.14 0.62 0.5388 DRD4 VNTR 48bp 7R - - - -0.16 -0.17 0.8673a 0.73 0.37 0.7124a Percentual de gordura (%) ANKK1 rs1800497 T 0.38 0.70 0.4826 0.76 1.25 0.2107 -2.34 -1.34 0.1825 DRD2 rs2283265 T 0.17 0.30 0.7663 0.53 0.82 0.4154 -3.36 -1.59 0.1132 DRD4 VNTR 48bp 7R - - - 1.49 2.24 0.0256b 0.43 0.31 0.7566b STAT = Estatísticas. Abraviações: IMC, índice de massa corporal. aAjustado para idade; bAjustado para uso de medicação (Tabela Suplementar 1) Fonte: Da autora (2016). 53 Na Tabela 8 estão apresentadas as asscociações entre os polimorfismos selecionados e os parâmetros bioquímicos. Analisando-se estes parâmetros evidenciou-se que portadores do alelo T do polimorfismo rs2283265, do gene DRD2, apresentam valores mais elevados de colesterol HDL, tanto no modelo aditivo quanto no modelo dominante. 54 Tabela 8. Análise de regressão linear de SNPs em parâmetros bioquímicos Modelo aditivo Modelo dominante Modelo recessivo Gene SNP Alelo b STAT P- value b STAT P-value b STAT P- value Glicemia (mg/dL) ANKK1 rs1800497 T 0.32 0.53 0.5941 0.47 0.70 0.4812 -0.62 -0.31 0.7532 DRD2 rs2283265 T 0.70 1.08 0.2802 0.93 1.32 0.1883 -1.40 -0.53 0.5932 DRD4 VNTR 48bp 7R - - - 0.80 1.07 0.2849a 0.09 0.06 0.9550a Colesterol (mg/dL) ANKK1 rs1800497 T 0.65 0.22 0.8228 1.94 0.59 0.5527 -9.83 -1.02 0.3098 DRD2 rs2283265 T 4.20 1.32 0.1866 4.71 1.37 0.1713 3.05 0.24 0.8117 DRD4 VNTR 48bp 7R - - - 0.74 0.21 0.8370a 5.52 0.74 0.4589a HDL (mg/dL) ANKK1 rs1800497 T 1.13 0.95 0.3411 1.76 1.33 0.1845 -3.01 -0.76 0.4449 DRD2 rs2283265 T 3.06 2.38 0.0174 3.47 2.50 0.0129 1.75 0.34 0.7355 DRD4 VNTR 48bp 7R - - - -0.15 -0.10 0.9219 0.50 0.16 0.8710 LDL (mg/dL) ANKK1 rs1800497 T -0.81 -0.34 0.7316 -0.39 -0.15 0.8829 -5.56 -0.71 0.4807 DRD2 rs2283265 T 0.93 0.36 0.7196 0.85 0.30 0.7615 3.32 0.32 0.7504 DRD4 VNTR 48bp 7R - - - 0.96 0.32 0.7471a 6.18 1.01 0.3131a Triglicerídeos (mg/dL) ANKK1 rs1800497 T 1.01 0.27 0.7844 2.11 0.51 0.6127 -7.29 -0.59 0.5549 DRD2 rs2283265 T 0.31 0.08 0.9398 1.19 0.27 0.7887 -11.32 -0.69 0.4902 DRD4 VNTR 48bp 7R - - - -0.24 -0.05 0.9573a -6.38 -0.69 0.4890a STAT = Estatísticas. Abreviações: HDL, lipoproteína de alta densidade; LDL, lipoproteína de baixa densidade. aAjustado para idade (Tabela Suplementar 1). Fonte: Da autora (2016). 55 Na tabela 9 apresenta-se a análise de associação entre consumo de macronutrientes e os SNPs selecionados. Quanto ao padrão de ingestão de macronutrientes, observa-se que homozigotos para o alelo T do polimorfismo rs1800497, do gene ANKK1, apresentam um maior consumo diário de carboidratos, em gramas por dia. Além disso, portadores do alelo T do polimorfismo investigado no gene DRD2 também têm um maior consumo diário deste mesmo macronutriente. 56 Tabela 9. Análise de regressão linear de SNPs e consumo de macronutrientes Modelo aditivo Modelo dominante Modelo recessivo Gene SNP Alelo b STAT P-value b STAT P-value b STAT P-value Carboidratos (g) ANKK1 rs1800497 T 6.72 1.02 0.3101 2.71 0.36 0.7191 47.16 2.24 0.0255 DRD2 rs2283265 T 18.39 2.54 0.0115 16.54 2.06 0.0395 65.60 2.45 0.0146 DRD4 VNTR 48bp 7R - - - 9.19 1.10 0.2700 15.67 0.89 0.3721 Proteínas (g) ANKK1 rs1800497 T -9.66 -1.10 0.2719 -13.20 -1.32 0.1861 5.81 0.21 0.8361 DRD2 rs2283265 T -9.01 -0.93 0.3538 -11.55 -1.08 0.2811 6.53 0.18 0.8557 DRD4 VNTR 48bp 7R - - - -2.49 -0.65 0.5179 2.14 0.26 0.7936 Lipídeos (g) ANKK1 rs1800497 T -2.25 -0.88 0.3795 -2.77 -0.95 0.3413 -1.08 -0.13 0.8950 DRD2 rs2283265 T -0.63 -0.22 0.8235 -0.18 -0.06 0.9538 -6.58 -0.63 0.5286 DRD4 VNTR 48bp 7R - - - 2.39 0.72 0.4704 1.57 0.23 0.8222 Colesterol (mg) ANKK1 rs1800497 T -11.01 -0.76 0.4458 -18.80 -1.15 0.2519 36.24 0.79 0.4323 DRD2 rs2283265 T -20.06 -1.26 0.2082 -25.92 -1.48 0.1406 16.61 0.28 0.7781 DRD4 VNTR 48bp 7R - - - 9.21 0.49 0.6224 4.00 0.10 0.9191 Fibras totais (g) ANKK1 rs1800497 T 0.80 1.03 0.3048 0.52 0.59 0.5537 4.00 1.62 0.1067 DRD2 rs2283265 T 0.59 0.69 0.4913 0.42 0.45 0.6528 3.28 1.04 0.2997 DRD4 VNTR 48bp 7R - - - 0.86 0.91 0.3644a 1.60 0.80 0.4246a Ingestão calórica diária (Kcal) ANKK1 rs1800497 T 8.72 0.17 0.8629 -21.0 -0.40 0.7145 254.60 1.58 0.1138 DRD2 rs2283265 T 75.02 1.35 0.1767 65.2 1.10 0.2879 293.90 1.43 0.1520 DRD4 VNTR 48bp 7R - - - 50.87 0.80 0.4256 85.66 0.64 0.5241 STAT = Estatísticas. aAjustado para idade (Tabela Suplementar 1). Fonte: Da autora (2016). 57 Na tabela 10 a seguir estão apresentados os efeitos haplotípicos dos genes DRD2 e ANKK1. Percebe-se que o haplótipo TT, dos polimorfismos rs1800497 (ANKK1) e rs2283265 (DRD2) está estatisticamente relacionado com valores de HDL séricos e com a ingestão de carboidratos, em gramas. Tabela 10. Efeitos haplotípicos dos SNPs nos genes DRD2 e ANKK1 HDL (mg/dL) Carboidratos (g) rs 1 8 0 0 4 9 7 rs 2 2 8 3 2 6 5 Freq b STAT P- value Freq b STAT P- value T T 0.14 2.71 4.02 0.0454 0.14 16.30 4.59 0.0326 T G 0.06 -1.89 0.98 0.3220 0.06 -12.70 1.39 0.2390 C G 0.78 -1.76 2.29 0.1310 0.78 -10.10 2.37 0.1240 STAT = Estatísticas. Freq = Frequência. O limiar de freqüência de 5% foi determinado usando o comando '--mhf 0.05'. Desequilíbrio de ligação (r2 = 0.533, D′ = 0.845). Abraviações: HDL, lipoproteína de alta densidade. Para as interações gene-gene realizou-se uma análise exploratória no programa MDR. Porém, não foram evidenciadas interações significativas (dados não apresentados). 58 5 DISCUSSÃO Diversos estudos têm relacionando polimorfismos genéticos a um comprometimento da função dopaminérgica, o que pode resultar em um aumento significativo do apetite e uma diminuição considerável da saciedade, além de estimular a procura por carboidratos ou alimentos ricos em açúcar e/ou gordura (LEIBOWITZ, 1990; GEIGER et al., 2009; FEIJÓ et al., 2011; MEULE e GEARHARDT, 2014; NARAYANASWAMI et al., 2005). Apesar de não estar de acordo com o EHW, foi possível observar que indivíduos que possuem o alelo de risco 7R, do polimorfismo no gene DRD4, apresentam significativamente maior porcentagem de gordura corporal. De forma semelhante, outros estudos também descrevem que portadores do alelo de 7R apresentam uma porcentagem superior de gordura corporal (EISENBERG et al., 2008; HEBER; CARPENTER, 2011; STICE et al., 2010). Esse alelo vem sendo associado a uma hipofunção dopaminérgica e menor liberação de DA no núcleo caudado e NAc (STICE et al., 2008; VAL-LAILLET et al., 2015) e também a índices maiores de IMC e fissura por determinados tipos de alimentos (DAVIS et al., 2006; GUO et al., 2014), o que contribui para o aumento do tecido adiposo (CHOE et al., 2016; DROLET et al., 2008; JO et al., 2009; PELLEGRINELLI; CAROBBIO; VIDAL-PUIG, 2016). Todavia, dentre os polimorfismos encontrados em genes do sistema dopaminérgico, o rs1800497, localizado no gene ANKK1, continua sendo o SNP mais investigado e associado a comportamentos impulsivos, como o de comer em excesso. De fato, no presente estudo foi possível observar que indivíduos que possuem o genótipo de risco TT apresentam um consumo maior de carboidratos. Alguns autores corroboram com os achados deste estudo, uma vez que também relatam que 59 indivíduos portadores do alelo de menor frequência para o referido polimorfismo tendem a consumir uma quantidade significativamente maior de carboidratos (AGURS-COLLINS; FUEMMELER, 2011; BLUM et al., 2011; BLUM; THANOS; GOLD, 2014; NOBLE et al., 1994). Esse mesmo efeito foi percebido para o gene DRD2 e alguns estudos descrevem a associação entre o polimorfismo rs2283265 e abuso de substâncias (EISENBERG et al., 2008; LEVITAN et al., 2010; LEVRAN et al., 2015; MOYER et al., 2011; NEMODA; SZEKELY; SASVARI-SZEKELY, 2011). Entretanto, apenas um estudo investigou a associação entre o alelo de risco T e o aumento de peso. Em uma amostra de 230 indivíduos obesos, com e sem distúrbio compulsivo direcionado a alimentação, Davis el al. (2012) encontraram associação entre a ingestão de alimentos altamente palatáveis e calóricos e o polimorfismo rs1800497, mas não para o rs2283265. Apesar disso, cabe ressaltar que a amostra utilizada na referida pesquisa foi muito reduzida e que não foram identificados outros estudos que corroborem com estes achados, para descartar o papel que esse alelo de risco pode exercer e predispor a obesidade. Ou seja, até onde se sabe, este foi o primeiro estudo a relatar a associação entre o polimorfismo rs2283265 e o aumento na ingestão de carboidratos. Sabe-se que a presença desse polimorfismo implica na diminuição de receptores DRD2 e, portanto, pode desencadear a Reward Deficiency Syndrome (RDS) (BAIK, 2013; LEKNES et al., 2011; VOLKOW et al., 2011; WISE, 2006). A RDS refere-se a uma insuficiência de sentimentos habituais de satisfação, causados por uma disfunção na "cascata de recompensa do cérebro", envolvendo principalmente neurotransmissores dopaminérgicos e opioides que leva os indivíduos geneticamente predispostos a adotarem comportamentos compensatórios. Assim como algumas drogas, alimentos ricos em carboidratos possuem uma grande capacidade de liberar DA, o que pode levar a uma hiperingesta desse macronutriente e, posteriormente, um aumento de peso (BLUM et al., 2015; BOWIRRAT et al., 2012; CAMPBELL et al., 2013; KELLEY; BERRIDGE, 2002; LEICHT et al., 2013). Outro resultado que merece destaque consiste nas maiores concentrações plasmáticas de HDL em portadores do alelo de risco T do polimorfismo rs2283265, localizado no gene DRD2, e portadores do haplótipo TT, para os SNPs rs2283265 e 60 rs1800497, nos genes DRD2 e ANKK1, respectivamente. Uma vez que a literatura referente ao polimorfismo rs2283265 restringe-se quase que exclusivamente a desfechos psiquiátricos, os autores tendem a relatar alterações no perfil psicossomático e costumam não abordar aspectos metabólicos que poderiam estar associados. Nesse sentido, não foram constatados estudos que abordem a relação entre o polimorfismo rs2283265 e níveis séricos aumentados de HDL. Ainda, apesar de algumas pesquisas relatarem resultados conflitantes com os aqui apresentados ao associar o alelo T do polimorfismo rs1800497 a níveis mais baixos de HDL (KROKSTAD et al., 2013; KVALØY et al., 2015; NOBLE et al., 1994), cabe ressaltar que as amostras utilizadas nesses estudos consistem em indivíduos obesos que, muitas vezes apresentam dislipidemias. Ou seja, não é possível estabelecer uma relação fidedigna uma vez que os níveis baixos de HDL tendem a ser uma consequência e não a causa da obesidade. Ainda, é necessário destacar que a amostra investigada é composta por indivíduos jovens e eutróficos que apresentam independentemente do genótipo níveis considerados normais de HDL (> 40mg/dL) e costumam praticar exercícios físicos, o que propicia uma redução do colestetol total e LDL e aumento de HDL. Além disso, sabe-se que a amostra possui um expressivo número de mulheres, podendo gerar resultados tendenciosos. Fisiologicamente, indivíduos do sexo feminino apresentam níveis mais elevados de HDL, em comparação com indivíduos do sexo maculino, em decorrência da maior secreção de hormônios estrógenos. Além disso, cabe ressaltar que, somado ao fato de se trabalhar com uma amostra majoritariamente feminina, uma grande parte desse público faz uso de contraceptivos hormonais orais compostos por estrógenos e progestágenos, que promovem um aumento nos níveis de HDL. Nesse sentido, uma vez que a obesidade é uma doença complexa e multifatorial, é aceitável que os estudos apresentem resultados conflitantes. Ou seja, Gluskin e Mickey (GLUSKIN; MICKEY, 2016) em sua meta-análise identificaram 19 variantes em 11 genes distintos que poderiam exercer influência sobre a capacidade de ligação da DA com seu receptor DRD2 em estudos in vivo e que, devido a esse fenômeno, a disponibilidade de receptores DRD2 pode variar entre 20 e 60% dentre os indivíduos. Destes, quatro SNPs no gene DRD2 (rs1079597, rs1076560, rs6277 and rs1799732) e um VNTR no gene PER2 (Period 2 gene), envolvido na regulação do ciclo circadiano (ARCHER et al., 2003; SHUMAY et al., 2012) foram 61 significativamente associados aos níveis basais de DA, o que poderia justificar os achados conflitantes. Além disso, outro fator que possui influência direta sobre os efeitos da DA é a formação de heterodímeros entre os receptores D2 e D4. Ou seja, o fato de não identificarmos uma relação entre o peso e os alelos de risco nos polimorfismos investigados, não se pode descartar a participação do sistema dopaminérgico no desenvolvimento da obesidade. 62 6 CONCLUSÃO Apesar de estudos relacionarem variantes em alguns genes da via dopaminérgica a obesidade/sobrepeso, nesta amostra, não foi possível replicar tais resultados, com os polimorfismos investigados nos genes DRD2, DRD4 e ANKK1. Entretanto, evidenciou-se uma associação significativa entre índices de gordura corporal e o alelo de risco 7R, do polimorfismo localizado no gene DRD4, bem como entre consumo diário de carboidratos e os alelos de risco dos polimorfismos rs2283265 e rs1800497, localizados nos genes DRD2 e ANKK1, respectivamente, corroborando com a literatura existente. Além disso, nossos achados indicam uma possível associação entre os níveis elevados de HDL e polimorfismos e haplótipos de risco no sistema dopaminérgico. Uma vez que não há uma hipótese biológica clara que justifique tais resultados, são necessários mais estudos para comprovar o efeito desses polimorfismos. 63 6 REFERÊNCIAS AGUIRRE-SAMIDIO, AJ; CRUZ-FUENTES, CS; GONZALEZ-SOBRINO, BZ; GUTIERREZ-PEREZ, V; MEDRANO-GONZALEZ,L. Haplotype and nucleotide variation in the exon 3-VNTR of the DRD4gene from indigenous and urban populations of Mexico. Am. J. Hum. Biol., 26: 682–689. 2014. doi: 10.1002/ajhb.22581 AL-EITAN, LN, et al; Custom genotyping for substance addiction susceptibility genes in Jordanians of Arab descent. BMC Research Notes. December 2012, 5:497. DOI: 10.1186/1756-0500-5-497. ANANTHAPAVAN, J; SACKS, G; MOODIE, M, CARTER, R. Economics of Obesity — Learning from the Past to Contribute to a Better Future. International Journal of Environmental Research and Public Health. 2014;11(4):4007-4025. doi:10.3390/ijerph110404007 ANDERSEN, MK; SANDHOLT, CH. Recent Progress in the Understanding of Obesity: Contributions of Genome-Wide Association Studies. Current Obesity Reports. December 2015, Volume 4, Issue 4, pp 401-410. AGURS-COLLINS, T.; FUEMMELER, B. F. Dopamine polymorphisms and depressiv