CENTRO UNIVERSITÁRIO UNIVATES CURSO DE PEDAGOGIA MODELAGEM MATEMÁTICA NOS ANOS INICIAIS DO ENSINO FUNDAMENTAL: UMA PROPOSTA PARA O 5º ANO Magáli Schuster Kuhn Lajeado, junho de 2015 Magáli Schuster Kuhn MODELAGEM MATEMÁTICA NOS ANOS INICIAIS DO ENSINO FUNDAMENTAL: UMA PROPOSTA PARA O 5º ANO Monografia apresentada na disciplina de Trabalho de Curso II, do curso de Pedagogia do Centro Universitário UNIVATES, como parte da exigência para a obtenção do título de Graduação em Pedagogia. Orientadora: Drª Ieda Maria Giongo Lajeado, junho de 2015 Magáli Schuster Kuhn MODELAGEM MATEMÁTICA NOS ANOS INICIAIS DO ENSINO FUNDAMENTAL: UMA PROPOSTA PARA O 5º ANO A banca examinadora abaixo aprova a Monografia apresentada na disciplina de Trabalho de Curso II, do Curso de Pedagogia, do Centro Universitário UNIVATES, como parte da exigência para a obtenção do título de Graduação em Pedagogia: Prof.ª Drª Ieda Maria Giongo – orientadora Centro Universitário UNIVATES Prof.ª Ma. Cristiane Antonia Hauschild Centro Universitário UNIVATES Lajeado, 18 de junho de 2015 RESUMO Este trabalho relata algumas ações de uma pesquisa intervenção que tem como foco a Modelagem Matemática nos Anos Iniciais do Ensino Fundamental. A escolha da temática se deu tendo em vista que existem poucos estudos realizados com este foco e que estejam direcionados aos primeiros anos do Ensino Fundamental, conforme constatado nas buscas realizadas no Banco de Teses do Portal da Capes e Biblioteca Digital UNIVATES. A questão de pesquisa - quais as possibilidades e limitações de uma prática pedagógica investigativa efetivada em uma turma de 5º ano do Ensino Fundamental tendo como aportes teóricos estudos do campo da Modelagem Matemática – delineou os objetivos que se constituem em avaliar as contribuições da prática pedagógica na reflexão crítica do aluno frente a questões sociais; promover nos discentes a capacidade de fazer uso de conhecimentos vinculados à disciplina de Matemática em outras áreas do conhecimento, e em situações cotidianas, bem como contribuir para a disseminação de conhecimentos relativos à Modelagem Matemática nos Anos Iniciais do Ensino Fundamental. O referencial teórico está alicerçado em conceitos e contribuições de Biembengut e Hein (2005), Burak e Aragão (2012), Barbosa (2001, 2004), Silva e Barbosa (2011) e Silva, Barbosa e Oliveira (2013). Os conteúdos matemáticos abordados emergiram a partir de temas de interesse dos estudantes, evidenciados por meio de diálogos efetivados no início da referida prática, que ocorreu nos meses de março, abril e maio de 2015 em uma escola pública da região do Vale do Taquari, RS. Por conta do referencial teórico escolhido para sustentar a pesquisa intervenção, a metodologia de investigação caracteriza-se por ser de natureza qualitativa e o material de pesquisa se constitui em diário de campo da professora pesquisadora, filmagens da prática pedagógica e material escrito e produzido pelos alunos. Os resultados provenientes da pesquisa apontam olhares sobre: a escrita dos alunos; uso de diferentes formas de pensar matematicamente; e crescimento da turma frente às questões sociais discutidas ao longo dos encontros. Palavras-chave: Matemática. Modelagem Matemática. Prática Pedagógica Investigativa. Anos Iniciais. LISTA DE ILUSTRAÇÕES LISTA DE FIGURAS Figura 1 – Esquema do processo de modelagem matemática, segundo Biembengut e Hein (2005, p.13) ...............................................................................................................................16 Figura 2 – O aluno e o professor nos casos de Modelagem, segundo Barbosa (2001, p.9) .........22 Figura 3 – Atividade desenvolvida pelo Aluno I.......................................................................48 Figura 4 – Atividade desenvolvida pela Aluna Q.......................................................................49 Figura 5 – Atividade desenvolvida pelo Aluno K.....................................................................50 Figura 6 – Atividade desenvolvida pelo Aluno F......................................................................51 Figura 7 – Atividade desenvolvida pelo Aluno H.....................................................................52 Figura 8 – Atividade desenvolvida pelo Aluno D......................................................................53 LISTA DE QUADROS Quadro 1 – Questionário proposto à turma no dia 14 de abril de 2015.......................................38 Quadro 2 – Desafio proposto à turma no dia 23 de abril de 2015................................................42 Quadro 3 – Atividade 1, proposta à turma no dia 28 de abril de 2015.........................................43 Quadro 4 – Atividade 2, proposta à turma no dia 28 de abril de 2015.....................................44 Quadro 5 – Questões propostas à turma no dia 30 de abril de 2015.........................................45 SUMÁRIO 1 INTRODUÇÃO...................................................................................................................7 2 REFERENCIAL TEÓRICO............................................................................................14 3 PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS ...................................................................25 3.1 Da metodologia de investigação.......................................................................................26 3.2 Da prática pedagógica investigativa ...............................................................................27 4 DO TRABALHO PEDAGÓGICO...................................................................................36 4.1 Para início de conversa......................................................................................................36 4.2 Primeiro encontro - 14 de abril de 2015..........................................................................37 4.3 Segundo encontro - 16 de abril de 2015...........................................................................39 4.4 Terceiro encontro - 23 de abril de 2015...........................................................................41 4.5 Quarto encontro - 28 de abril de 2015..............................................................................42 4.6 Quinto encontro - 30 de abril de 2015..............................................................................44 4.7 Sexto encontro - 6 de maio de 2015..................................................................................46 5 LANÇANDO ALGUNS OLHARES SOBRE A PRÁTICA PEDAGÓGICA INVESTIGATIVA .................................................................................................................47 5.1 Sobre as escritas dos alunos...............................................................................................47 5.2 Uso de diferentes formas de pensar matematicamente ..................................................51 5.3 Crescimento da turma frente às questões sociais discutidas ao longo dos encontros ...................................................................................................................................................55 6 CONSIDERAÇÕES FINAIS...............................................................................................62 REFERÊNCIAS......................................................................................................................67 APÊNDICE..............................................................................................................................69 APÊNDICE A - Termo de consentimento informado aos responsáveis pelo(a) aluno(a)...70 ANEXOS..................................................................................................................................71 ANEXO A – Autorização da escola para o desenvolvimento da prática pedagógica investigativa no 1º semestre do ano de 2015.........................................................................72 ANEXO B – Reportagem: Quadra poliesportiva coberta da Cidade [...] começa a receber cobertura..................................................................................................................................73 ANEXO C- Levantamento de dados acerca das questões respondidas pela turma do 5º ano no dia 14 de abril de 2015................................................................................................74 1 INTRODUÇÃO A presente monografia, vinculada ao Curso de Graduação em Pedagogia do Centro Universitário UNIVATES, tem como tema de pesquisa/intervenção: Modelagem Matemática nos Anos Iniciais do Ensino Fundamental. A escolha do assunto justifica-se por quatro razões distintas. A primeira razão pela qual escolhi desenvolver este estudo está ligada ao fato de que, como aluna, desde os Anos Iniciais do Ensino Fundamental até hoje, sempre gostei de assuntos relativos à disciplina de Matemática. Nos Anos Finais do Ensino Fundamental, lembro-me de ter uma professora de Matemática considerada por todos “muito competente”, e que para mim, além disso, também tornava os conteúdos relativos ao ensino de Matemática mais acessíveis. No meu Ensino Médio (Curso Normal), discutíamos muito, na minha turma, sobre a aplicabilidade da Matemática, buscando em diversos momentos da aula, explicações que nos remetiam a pensar quando, onde e como utilizaríamos certos conceitos da Matemática no nosso dia a dia. De fato, dentre todas as disciplinas escolares que cursei, a que mais me identifiquei foi a Matemática. Num primeiro momento, até cogitei em desenvolver um Trabalho de Conclusão de Curso que não estivesse relacionado à Matemática, mas logo percebi que se não fosse associar meu tema de pesquisa a algo que tivesse relação com esta área de conhecimento, a pesquisa certamente não me interessaria; e faria algo apenas para “cumprir o currículo” de meu curso. Também, sobre isso, minhas colegas mais próximas disseram que não adiantaria tentar deixar a Matemática de lado e que eu deveria seguir alguma linha de pesquisa nesta área. A segunda razão, justifica-se pela minha participação do I Seminário Observatório da Educação UNIVATES, que aconteceu no Campus do Centro Universitário UNIVATES, no 8 primeiro semestre do ano de 2014. No momento eu estava cursando a disciplina de “Saberes e Práticas da Matemática II” e a participação do seminário foi sugerida pela professora da disciplina, professora Cristiane Antonia Hauschild. Nossa participação prestigiou a presença da professora pesquisadora Andréia Marta Pereira de Oliveira, que discorreu sobre a temática “Práticas pedagógicas na perspectiva da Modelagem Matemática”. Inicialmente, destaco que algumas das contribuições de Andréia foram incompreendidas, pois, de certo modo, tanto eu quanto minha turma, não possuíamos conhecimento aprofundado sobre a temática até o momento. No entanto, posteriormente, nas aulas da disciplina já citada, iniciamos trabalhos de Modelagem Matemática, partindo da construção da casa dos sonhos, concomitante a leituras e discussões coletivas pertinentes ao assunto. Em suma, foi na participação deste evento que pude ter meu primeiro contato com a Modelagem Matemática. Como terceiro motivo de escolha do tema, destaco a realização da disciplina de “Saberes e Práticas da Matemática II”, já que a partir da mesma, pude conhecer a metodologia de ensino denominada Modelagem Matemática. Terminada a disciplina, o que ficou para mim sobre Modelagem Matemática, sob uma visão geral, correspondia a uma tendência de ensino em que a Matemática seria vista por meio de aplicações, onde o aluno faria suas próprias construções através de pesquisas sobre uma determinada temática/assunto - proposta pelo professor, ou pelo próprio aluno/turma - fazendo uso dos mais diferentes materiais e recursos. Esta temática seria trabalhada de acordo com o interesse da turma, bem como, da sua realidade. A participação do seminário e da disciplina do curso de Pedagogia citados anteriormente, foram como uma alavanca para levar-me a realizar este estudo, pensando como a Modelagem Matemática pode ser desenvolvida nos Anos Iniciais. Certamente, com o aprofundamento de estudos, minha visão sobre Modelagem Matemática expandiu-se, levando- me a pensar que esta tendência da Educação Matemática vai muito além de simples “aplicações” matemáticas. Na concepção que adotei em meu estudo – corrente sociocrítica de Modelagem Matemática idealizada por Barbosa - a Modelagem tem uma preocupação muito maior com o fator social, com a possibilidade de provocar momentos de reflexão nos alunos, promovendo sua capacidade de refletir sobre aspectos sociais pertinentes ao seu contexto social. A busca por novas possibilidades de ensinar e aprender nos Anos Iniciais do Ensino Fundamental, pode ser considerado como o quarto motivo que levou-me a investigar sobre Modelagem Matemática. Como professora, tenho buscado diferentes alternativas de “fazer” Matemática, priorizando um ensino de qualidade e que possibilite ao aluno utilizar o conhecimento escolar nas práticas cotidianas. Por meio desta perspectiva, a Modelagem 9 Matemática vem com o propósito de qualificar o ensino de Matemática, partindo de situações reais, relativas ao contexto no qual os alunos se encontram. Também há o propósito de contribuir para a resolução de dúvidas pertinentes ao meio social, possibilitando ao educando que ele, cada vez mais, participe de forma ativa na sociedade da qual faz parte, contribuindo e opinando de maneira crítica sobre os mais diferentes assuntos, fazendo uso da Matemática de forma contextualizada, ou seja, uma Matemática engajada com sua função social. Sobretudo, ao mesmo tempo em que estou ciente de todos os benefícios de um trabalho centrado na Modelagem Matemática, também tenho a certeza de que esta estratégia de ensino não pode ser considerada a solução para todos os problemas relativos ao ensino e aprendizagem, principalmente, por se tratar da Matemática nos Anos Iniciais. As leituras que efetivei me permitiram inferir que, por meio da Modelagem Matemática, a Matemática está contextualizada com outras áreas de conhecimento, bem como, com o contexto no qual o aluno está inserido. As propostas de Modelagem priorizam momentos de troca, vivências, compartilhamento de saberes, e dúvidas; como, também, a pesquisa sobre a problemática em questão. Diferentes metodologias e estratégias se fazem presentes para se atingir o objetivo da proposta. Metodologias estas, que vão além da Matemática pura, mas que permitem a compreensão do processo, seja este feito por meio de uma tabela, gráfico, cálculo ou outro. Ademais, esta monografia visa contribuir com os estudos relativos à Modelagem Matemática no campo educacional, mais especificamente voltada aos Anos Iniciais do Ensino Fundamental, já que, atualmente, existem poucos estudos realizados sobre esta temática, que estejam direcionados aos Anos Iniciais. Digo isso porque, nas buscas desenvolvidas no Portal da Capes, utilizando os termos “modelagem matemática nos anos iniciais”, surgiram apenas cinco estudos relativos à pesquisa. No entanto, destes, apenas dois estão de fato relacionados à Modelagem Matemática nos Anos Iniciais. A seguir, apresento uma breve síntese sobre cada uma das duas pesquisas encontradas no referido portal, que são pertinentes a estudos relativos à Modelagem Matemática nos Anos Iniciais. A Modelagem Matemática como metodologia de ensino e aprendizagem nos Anos Iniciais do Ensino Fundamental, de autoria de Marinês Avila de Chaves Kaviatkovski, é uma dissertação de mestrado, apresentada no Programa de Pós-Graduação em Educação da Universidade Estadual de Ponta Grossa, tendo como professor orientador Dr. Dionísio Burak. 10 O trabalho visa investigar as contribuições que a Modelagem Matemática, como metodologia nos Anos Iniciais do Ensino Fundamental, pode oferecer ao Ensino de Matemática. Para que tal investigação fosse alcançada, foram desenvolvidos questionários com professores atuantes nos Anos Iniciais e que participaram de uma formação relativa à Modelagem Matemática. Como resultado, a autora comprovou que a Modelagem Matemática, apesar de ser um tema de estudo nos últimos trinta anos, não se consolidou como metodologia de ensino na Educação Básica, por inúmeros fatores – falta de atualização de professores, receio frente ao uso da Modelagem Matemática, visões distorcidas perante os conceitos de Modelagem Matemática. Também, a autora observou que a Modelagem Matemática, como metodologia de ensino, visa aproximar os conhecimentos matemáticos à realidade do aluno, além de caracterizar-se por ser um ensino dinâmico e significativo. Os usos da linguagem em atividades de Modelagem Matemática nos Anos Iniciais do Ensino Fundamental, de autoria de Emerson Tortola, caracteriza-se por ser uma dissertação apresentada no Programa de Pós-Graduação em Ensino de Ciências e Educação Matemática da Universidade Estadual de Londrina, tendo como professora orientadora, a Drª Lourdes Maria Werle de Almeida. Neste estudo, Tortola (2012) desenvolve uma série de atividades de Modelagem Matemática em uma turma de 4º ano do Ensino Fundamental, centradas nos três momentos sugeridos por Almeida e Dias (2004). O objetivo do estudo consiste em investigar os usos da linguagem em atividades de Modelagem Matemática, visto que os estudantes estão integrados a diferentes linguagens e, ao mesmo tempo, iniciando na linguagem Matemática. Os demais estudos (três) encontrados no Banco de Teses da Capes relativos às palavras- chave “modelagem matemática nos anos iniciais” não estão vinculados à Modelagem Matemática, sendo que, a partir de seus títulos, já podemos ter uma noção básica do que se trata o estudo: “Cultura amazônica e Educação Matemática na formação de professores dos Anos Iniciais: caminhos oferecidos pelo curso Pedagogia das águas1” de autoria de Janaina Carvalho de Souza, “Resolução de problemas e formação docente: saberes e vivências no curso de Pedagogia” de autoria de José Luiz Cavalcante, e “Câncer de pulmão: tendências de mortalidade e fatores associados à sobrevida dos pacientes do Instituto Nacional de Câncer José Alencar Gomes da Silva” de autoria de Mirian Carvalho de Souza. Apesar dos estudos do primeiro e segundo título apresentados neste parágrafo estarem relacionados à Matemática, isso 1 A referida tese não foi encontrada na web, no entanto, destaco que, seu resumo consta no Banco de Teses do Portal da Capes, assim como, no endereço < https://sigaa.ufpa.br/sigaa/public/programa/defesas.jsf?lc=pt_BR&id=379> https://sigaa.ufpa.br/sigaa/public/programa/defesas.jsf?lc=pt_BR&id=379 11 não quer dizer que eles também discorram sobre a Modelagem Matemática. Lendo seus resumos pude ter um contato maior com suas linhas de pesquisa e pude perceber que ambas não levantam questões sobre assuntos relacionados à Modelagem; desta forma, não contribuem para este trabalho. Em relação ao terceiro estudo citado, este está vinculado à área da saúde, portanto, também não contribui com meu estudo. Também desenvolvi buscas utilizando termos mais abrangentes em termos de quantidades de materiais acadêmicos produzidos acerca da Modelagem Matemática. Desta forma, utilizando como descritores “modelagem matemática”, foi possível encontrar novecentos e cinco registros no banco de teses. Em outro momento, utilizei como palavras- chave “modelagem matemática no ensino médio”, para fazer uma comparação entre estudos realizados no campo da Educação Matemática relativas à Modelagem Matemática, observando em termos quantitativos a incidência de pesquisas desenvolvidas no Ensino Médio, em comparação com os estudos desenvolvidos acerca da mesma temática – Modelagem Matemática – nos Anos Iniciais do Ensino Fundamental. Com este propósito, foram encontrados quarenta registros relativos a este descritor. Portanto, por meio destas buscas, observa-se uma grande diferença no número de estudos desenvolvidos no Ensino Médio em relação aos Anos Iniciais. Tendo em vista a diferença no número de estudos desenvolvidos acerca da Modelagem Matemática nos Anos Iniciais, parte integrante no nível de Ensino Fundamental, para com o nível de ensino posterior – Ensino Médio -, também nota-se a mesma desproporção em relação à incidência de trabalhos desenvolvidos nos Anos Finais, em comparação com os Anos Iniciais. Usando como referência os termos “modelagem matemática no ensino fundamental”, foi possível encontrar trinta e três registros, sendo que, destes, apenas dois são pertinentes a estudos desenvolvidos na área da Modelagem Matemática nos Anos Iniciais. Todavia, estes são os mesmos que surgiram na pesquisa anterior, utilizando como referências os descritores “modelagem matemática nos anos iniciais”. Os demais estudos estão voltados, principalmente, aos Anos Finais do Ensino Fundamental e Médio, bem como, Ensino Superior e grupos de professores. Também desenvolvi buscas na Biblioteca Digital da UNIVATES, onde utilizei para investigação, a expressão “modelagem matemática”. A partir desta pesquisa, encontrei vinte e nove estudos, no entanto, destes, os que de fato se remetem à Modelagem Matemática, constituem em apenas cinco. Destes, ainda, dois estão voltados ao Ensino Médio, um para a 12 Educação de Jovens e Adultos (EJA), outro para a Educação Infantil e o último, relativo a um estudo que buscou elaborar um modelo matemático que simulasse o volume de consumo de água, tendo em vista a população total e tempo, verificando se há a possibilidade de acontecer um colapso pela falta de água. Logo, observando o número restrito de estudos relativos à Modelagem Matemática nos Anos Iniciais do Ensino Fundamental, tenho em vista que a presente pesquisa vem a contribuir com futuras pesquisas relativas à Modelagem Matemática nos Anos Iniciais, já que nota-se uma limitação de estudos nesta perspectiva nos Anos Iniciais, indicando um campo ainda pouco explorado e desenvolvido. Diante disso, e do que motivou-me a desenvolver a pesquisa, destaco o seguinte questionamento que foi objeto deste estudo: - Quais são as possibilidades e limitações de uma prática pedagógica investigativa efetivada em uma turma de 5º ano do Ensino Fundamental, tendo como aportes teóricos, estudos do campo da Modelagem Matemática? A partir desta questão, apresento como objetivo principal da pesquisa: - Elaborar uma prática pedagógica centrada nas teorizações do campo da Modelagem Matemática em uma turma de 5º ano do Ensino Fundamental. Como objetivos específicos: - Avaliar as contribuições da prática pedagógica na reflexão crítica do aluno frente às questões sociais; - Promover, nos alunos, a capacidade de fazer uso de conhecimentos vinculados à disciplina de Matemática em outras áreas do conhecimento e em situações cotidianas; - Contribuir para a disseminação de conhecimentos relativos à Modelagem Matemática nos Anos Iniciais do Ensino Fundamental. A monografia está estruturada em seis capítulos. O primeiro constitui-se nesta introdução, que tem o propósito de apresentar o tema, a delimitação do tema, os objetivos da pesquisa e as razões que levaram-me a escolher a temática de pesquisa em questão. No capítulo 2 – Referencial teórico - desenvolvo um resgate histórico da Modelagem Matemática no Brasil, estabelecendo relações históricas acerca da temática de modo mais 13 amplo, mas, principalmente, voltando-me à Modelagem Matemática na Educação. Neste mesmo capítulo, apresento alguns apontamentos sobre Modelagem Matemática, embasando- me a partir de concepções de Barbosa (2001), Biembengut; Hein (2005), Burak; Aragão (2012), Silva; Barbosa; Oliveira (2013), bem como, demais estudiosos no campo da Educação Matemática. Ao final, são apresentadas as contribuições da Modelagem Matemática para o campo educacional. No capítulo 3 – Procedimentos metodológicos - apresento os caminhos que foram percorridos ao longo da pesquisa. Neste capítulo, consta a definição de uma metodologia de pesquisa qualitativa, tendo por referência, contribuições de Neves (1996), e Bauer e Gaskell (2002). Ainda, descrevo algumas etapas realizadas em termos de procedimentos metodológicos (apresentação formal e informal à escola e secretaria de educação do município onde foi desenvolvida a investigação, através de cartas de apresentação), apresento situações que me chamaram atenção durante o acompanhamento das aulas ministradas pelo professor titular em uma turma de 5º ano do Ensino Fundamental, de uma escola pública do Vale do Taquari. Também, neste capítulo, descrevo os temas de interesse que surgiram na turma, temas possíveis para desenvolver o trabalho de Modelagem Matemática e demais procedimentos utilizados ao longo do estudo. No capítulo 4 – Do trabalho pedagógico – descrevo as situações de ensino vivenciadas por mim e pelos alunos do 5º ano ao longo de seis encontros, realizados durante os meses de abril e maio de 2015, na perspectiva sociocrítica de Modelagem Matemática. No capítulo 5 – Lançando alguns olhares sobre a prática pedagógica investigativa – teço uma análise sobre as propostas desenvolvidas ao longo da prática pedagógica investigativa, bem como, em relação aos materiais produzidos pelos alunos ao longo dos seis encontros. Este capítulo é subdividido em três seções, sendo estas, as três unidades de análise escolhidas para apreciação: sobre a escrita dos alunos, o uso de diferentes formas de pensar matematicamente e, por fim, o crescimento da turma frente às questões sociais discutidas ao longo dos encontros. No capítulo 6 – Considerações finais – aponto algumas possibilidades, implicações e limitações da proposta de Modelagem Matemática com uma turma de 5º ano do Ensino Fundamental, bem como demais percepções relativas ao estudo desenvolvido. Por fim, apresento as referências que fundamentam e subsidiam o desenvolvimento desta monografia, seguido do apêndice e anexos. 2 REFERENCIAL TEÓRICO Neste capítulo, além de apresentar um breve histórico da Modelagem Matemática, desenvolvo uma análise acerca de três concepções de Modelagem Matemática distintas. A primeira, defendida por Biembengut e Hein, a segunda, elaborada por Burak, e a última, idealizada por Barbosa e pelos seus orientandos. Certamente há outras concepções de Modelagem Matemática além das três que serão apresentadas aqui; no entanto, para a realização deste estudo, optei em realizar uma análise das concepções citadas. A tendência da Educação Matemática denominada de Modelagem Matemática, mesmo sendo alvo de inúmeras pesquisas no âmbito dos Ensinos Fundamental e Médio, apresenta poucas produções no que se refere aos Anos Iniciais do Ensino Fundamental, como foi apontado no capítulo de introdução desta pesquisa. Embora a Modelagem Matemática seja considerada uma proposta recente nos Anos Iniciais, tendo por referência os poucos estudos desenvolvidos sobre esta tendência nos Anos Inicias, a […] arte de expressar por intermédio da linguagem matemática situações-problema de nosso meio, tem estado presente desde os tempos mais primitivos. Isto é, a modelagem é tão antiga quanto a própria Matemática, surgindo de aplicações na rotina diária dos povos antigos (BIEMBENGUT E HEIN, 2005, p.7). Como é possível compreender, a partir do excerto acima, apesar de estar presente na história da humanidade desde os tempos mais antigos, a Modelagem Matemática nem sempre foi chamada como a conhecemos hoje. De acordo com estudos de Biembengut e Hein (2005), a expressão “Modelagem” surgiu no período do Renascimento, acompanhada pelo surgimento das primeiras ideias da Física. Sobretudo, Blum & Niss (1991) e Fiorentini (1996), citados por Barbosa (2001, p.1), apontam que “o movimento de Modelagem Matemática internacional e nacional tomou contorno nos últimos trinta anos, contando com a contribuição decisiva de 15 matemáticos aplicados que migraram para a área da Educação Matemática.” Contribuindo para com esta temática, Biembengut e Hein (2005) também defendem a visão de que a Modelagem Matemática na educação é mais recente, levando em consideração que: Nas últimas três décadas, a modelagem vem ganhando seu “espaço” em diversos países, nas discussões sobre o ensino e aprendizagem, com posicionamentos a favor e contra sua utilização como estratégia de ensino de Matemática. No Brasil, um dos primeiros trabalhos de modelagem no ensino foi do professor Aristides Camargos Barreto, da PUC do Rio de Janeiro, na década de 1970. A consolidação e difusão se efetuaram por vários professores, em particular, pelo professor Rodney Bassanezi, da Unicamp de Campinas-SP e seus orientandos [...] (BIEMBENGUT e HEIN, 2005, p. 7). Barbosa (2001, p.1) aponta, a partir das contribuições de Fiorentini (1996), que “as experiências no Brasil possuem um forte viés antropológico, político e sociocultural, já que têm procurado partir do contexto sociocultural dos alunos e de seus interesses”. Sobre isso, Barbosa (2001, p.1-2) ainda aponta, através dos subsídios de Kaiser-Messmer (1991), “que esta pode ser considerada uma marca dos trabalhos brasileiros de Modelagem, ao contrário do movimento internacional que não apresenta esta preocupação de forma muito aparente”. Outra questão importante, que aqui vale ser destacada, é o fato de muitas vezes não ser criado um modelo específico, ou ainda, não ser criado modelo algum, para o desenvolvimento de uma proposta de Modelagem Matemática. Isso vem ao encontro do que Barbosa (2001) apresenta de modo significativo em relação à corrente sociocrítica, que está engajada com o social, com o contexto do aluno, a fim de resolver situações-problema do dia a dia. Referente à concepção de Modelagem Matemática defendida por Biembengut e Hein, os autores atestam que “A modelação matemática norteia-se por desenvolver o conteúdo programático a partir de um tema ou modelo matemático e orientar o aluno na realização de seu próprio modelo-modelagem” Biembengut e Hein (2005, p. 18). Desta forma, temos a perspectiva de que a Modelagem Matemática é vista como uma ferramenta, uma abordagem pela qual se introduz conhecimentos matemáticos por meio de diferentes áreas do conhecimento. Este conceito de Modelagem Matemática, defendido por Biembengut e Hein (2005), também sugere a obtenção e construção de modelos matemáticos que, seguidos de uma série de procedimentos (interação – matematização – modelo matemático), culminam em um modelo matemático. De modo sintético, apontarei os procedimentos da Modelagem Matemática conforme Biembengut e Hein (2005) apresentam em seus trabalhos. O procedimento denominado Interação, subdivide-se em duas sub etapas, que caracterizam-se pelo reconhecimento da 16 situação-problema e familiarização com o assunto a ser modelado. Na interação, os alunos tendem a desenvolver pesquisas sobre o assunto em questão, bem como esclarecer a situação- problema da proposta de Modelagem Matemática. A Matematização, segunda etapa de procedimento da Modelagem Matemática, também subdivide-se em sub etapas, sendo estas, a formulação do problema e a resolução. Segundo Biembengut e Hein (2005, p.14), “é aqui que se dá a “tradução” da situação-problema para a linguagem matemática” e, ainda, Biembengut e Hein (2005, p.14) destacam que “o objetivo principal deste momento do processo de modelar é chegar a um conjunto de expressões aritméticas ou fórmulas, ou equações algébricas, ou gráfico, ou representações, ou programa computacional, que levem à solução ou permitam a dedução de uma solução”. A terceira e última etapa do processo de Modelagem Matemática, apresentado por Biembengut e Hein (2005), denomina-se Modelo Matemático. Nesta etapa acontece a avaliação do modelo matemático sugerido na etapa de matematização, tendo em vista o objetivo de verificar o nível de aproximação do mesmo para com a situação-problema representada. Caso o modelo não estiver adequado com as necessidades que o fizeram surgir, o processo de matematização deverá ser revisto, ajustando o necessário. A seguir, apresento o “Esquema do processo de modelagem matemática”, exposto por Biembengut e Hein (2005, p. 13): Figura 1 – Esquema do processo de modelagem matemática, segundo Biembengut e Hein (2005, p.13) Fonte: Biembengut e Hein (2005, p.13). Através desta representação, fica evidente a necessidade de criação de um modelo que, por sua vez, surge do uso da Matemática durante a resolução de uma situação real/situação problema, que pode ter sido sugerida pela própria turma. Mas afinal, o que é um modelo matemático? modelagem matemática matemática situação real modelo 17 Um modelo pode ser formulado em termos familiares, utilizando-se expressões numéricas ou fórmulas, diagramas, gráficos ou representações geométricas, equações algébricas, tabelas, programas computacionais etc. Por outro lado, quando se propõe um modelo, ele é proveniente de aproximações nem sempre realizadas para se poder entender melhor o fenômeno, e tais aproximações nem sempre condizem com a realidade. Seja como for, um modelo matemático retrata, ainda que em uma visão simplificada, aspectos da situação pesquisada (BIEMBENGUT e HEIN, 2005, p. 12). Na sequência, formulo algumas considerações sobre a concepção de Modelagem Matemática idealizada por Dionísio Burak, que parte de uma perspectiva cognitivista, centrada na visão construtivista de aprendizagem, no sociointeracionismo e na aprendizagem significativa. Por sua vez, o autor define Modelagem Matemática como “um conjunto de procedimentos cujo objetivo é construir um paralelo para tentar explicar, matematicamente, os fenômenos presentes no cotidiano do ser humano, ajudando-o a fazer predições e tomar decisões” Burak e Aragão (2012, p.88). Sua concepção de Modelagem Matemática parte de duas premissas: “1) o interesse do grupo de pessoas envolvidas; 2) os dados são coletados onde se dá o interesse do grupo de pessoas envolvidas” (Ibidem, p.88). Desta forma, nota-se que as atividades partem do grupo de indivíduos participantes da proposta, bem como, os conteúdos matemáticos que são trabalhados a partir de uma proposta de Modelagem Matemática emergem do tema em questão que surgiu do interesse da turma. Ainda, diferentemente de Barbosa, que não evidencia etapas para o desenvolvimento de uma proposta de Modelagem, Burak propõe cinco delas para o encaminhamento de propostas de Modelagem Matemática: “1) escolha de um tema; 2) pesquisa exploratória; 3) levantamento do(s) problema(s); 4) resolução dos problemas e desenvolvimento dos conteúdos no contexto do tema; 5) análise crítica da(s) solução(ões)” (Ibidem, p.89). É importante salientar que Burak (2012) esclarece que as etapas sugeridas por ele não podem ser vistas como passos rígidos e estanques. É possível haver alterações, já que, elas devem ser priorizadas de maneira natural ao longo do trabalho com Modelagem. Conforme Burak e Aragão (2012), a escolha do tema surge do grupo de alunos pelo qual se objetiva desenvolver a proposta de Modelagem, ou seja, curiosidades, assuntos de interesse, desejo de conhecer mais e melhor algum assunto e situações-problema apresentados pela turma. Na etapa dois, denominada pesquisa exploratória, ocorre a busca de informações no local onde possam ser encontrados dados sobre os interesses mostrados pela turma na etapa um (pesquisa bibliográfica, pesquisa a campo, e outras, dependendo da necessidade do aprofundamento conforme o assunto escolhido). Dando sequência, o próximo passo se dá pelo levantamento de problemas, ou problema. De acordo com Burak e Aragão (2012, p.94), nesta etapa: 18 Os dados coletados na pesquisa exploratória dão sustentação à etapa de levantamento do problema ou dos problemas relativos ao tema. O papel do professor, na qualidade de mediador, é de importância fundamental no trabalho com a Modelagem, pois esse é o momento em que se pode contribuir de forma significativa no desenvolvimento da autonomia do estudante e na formação de seu espírito crítico. É uma etapa em que a ação e a qualidade dessa ação, por parte do aluno, se fazem notar e podem se constituir em um diferencial educativo. É a etapa em que se inicia a ação matemática propriamente dita, pois é o início da formulação dos problemas como resultado da pesquisa exploratória (BURAK, ARAGÃO, 2012, p.94). Em suma, é aqui, na terceira etapa – levantamento de problemas - que os alunos são estimulados a pensar em todas as relações possíveis que podem estabelecer entre o assunto de interesse com a Matemática. A resolução dos problemas e desenvolvimento dos conteúdos no contexto do tema consiste em utilizar os conteúdos matemáticos para dar significado à resolução dos problemas, fazendo com que a Matemática se alie aos assuntos do cotidiano e interesse do aluno. Por fim, aproxima-se a última etapa do processo de Modelagem sugerido por Burak, a análise crítica da(s) solução(ões). É o momento em que se reflete criticamente sobre as soluções encontradas para o(s) problemas(s), analisando a viabilidade de se utilizar as soluções matemáticas encontradas em relação ao tema de pesquisa que foi estudado. A Modelagem Matemática, com o passar do tempo, foi se reinventando e, como vimos, atualmente, não existe um único modo de se operar com a Modelagem Matemática. Neste sentido, trago as contribuições de Barbosa (2001), que destaca que no Brasil esta tendência está ligada à noção de trabalho de projeto, em que os alunos são organizados em grupos e cada qual desenvolve uma investigação por meio da Matemática, tendo como foco seu tema de interesse, e, ao mesmo tempo, contando com o acompanhamento e auxílio do professor. Em seus estudos, Barbosa também aponta inúmeros registros de práticas pedagógicas centradas na Modelagem Matemática, voltadas à investigação e problematização de questões sociais. Barbosa (2004) enfatiza uma delas em que disponibilizou uma tabela de preços em relação a quatro planos de companhias distintas que ofereciam serviços de internet. Nesta tabela constava o valor da assinatura mensal, o tempo de acesso incluído e o valor por tempo adicional (hora). A partir destes dados, os alunos tiveram de optar pela companhia que oferecesse o melhor plano. Em um segundo momento, Barbosa (2004) explica que partiu de um questionamento, no qual os próprios alunos tiveram o desafio de buscar dados relativos à questão, para que, posteriormente, a situação-problema fosse solucionada. A questão partiu da seguinte problematização: “Quanto custa ter acesso à internet?” – Barbosa (2004, p. 6). 19 Trabalhos relativos à conta de luz, construção de uma casa, construção de uma quadra poliesportiva para a escola, Olimpíadas de Sidney, entre outros, são algumas das práticas centradas na Modelagem Matemática, que podemos encontrar nos materiais escritos por este pesquisador e seus orientandos. Por meio das duas propostas citadas no parágrafo anterior, é possível observarmos o viés investigativo e reflexivo destas propostas, uma vez que partem do interesse do aluno, assim como de temas relativos à realidade na qual ele se encontra. A Modelagem Matemática objetiva a compreensão da realidade, usando a Matemática como meio de possibilitar ao indivíduo a capacidade de opinar, de maneira crítica, sobre os fatos com os quais se depara, garantindo-lhe, também, a possibilidade de decidir suas escolhas de maneira crítica/reflexiva – fato visto através da proposta do melhor plano de internet. Barbosa ainda alude, pautado por contribuições de diferentes personalidades do campo da Matemática, que existem duas tendências em Modelagem Matemática: as correntes pragmática e científica. [...] A corrente pragmática argumenta que o currículo deve ser organizado em torno das aplicações, removendo os conteúdos matemáticos que não são aplicáveis em áreas não-matemáticas. Os tópicos matemáticos ensinados na escola devem ser aqueles que são úteis para sociedade. A ênfase é colocada no processo de resolução de problemas aplicados, focalizando o processo de construção de modelos matemáticos. A corrente científica, por sua vez, busca estabelecer relações com outras áreas a partir da própria matemática. Ela considera a ciência matemática e sua estrutura como um guia indispensável para ensinar matemática, a qual não pode ser abandonada. Modelagem, para os “científicos”, é vista como uma forma de introduzir novos conceitos (BARBOSA, 2001, p.3). Mas, por ambas não estarem relacionadas de modo significativo ao conhecimento reflexivo, pelo qual a Modelagem também é responsável, conhecimento este que Skovsmose apud Barbosa (2001, p.4) aponta “que se refere à natureza dos modelos e os critérios usados em sua construção, aplicação e avaliação”, surge uma nova corrente dentro da Modelagem Matemática, a corrente sociocrítica. Pelo que podemos observar, a corrente pragmática tem uma preocupação maior em reorganizar o currículo a partir da realidade dos estudantes. Também, está clara sua visão de aplicabilidade matemática, que poderá resultar em modelos matemáticos. Em contrapartida, a corrente científica de Modelagem Matemática não nos deixa clara sua preocupação com a reorganização curricular, mas deixa em evidência a importância de estudar os conceitos da Matemática, tanto que, para que isto seja possível, se desenvolverão estudos acerca de temáticas de outras áreas do conhecimento e, através delas, se estudarão termos matemáticos. 20 Como já destacado anteriormente, em relação ao conhecimento reflexivo, no qual ambas as correntes acima apresentadas não estão de modo total envolvidas, surge uma terceira corrente dentro da Modelagem Matemática, denominada corrente sociocrítica. A corrente sociocrítica é defendida e idealizada por Barbosa, que dispõe, em sua íntegra, a preocupação com o conhecimento reflexivo e com a função social da Modelagem Matemática. Desta forma, Barbosa (2001, p.4), aponta que: As atividades de Modelagem são consideradas como oportunidades para explorar os papéis que a matemática desenvolve na sociedade contemporânea. Nem matemática nem Modelagem são “fins”, mas sim “meios” para questionar a realidade vivida. Isso não significa que os alunos possam desenvolver complexas análises sobre a matemática no mundo social, mas que Modelagem possui o potencial de gerar algum nível de crítica. É pertinente sublinhar que necessariamente os alunos não transitam para a dimensão do conhecimento reflexivo, de modo que o professor possui grande responsabilidade para tal (BARBOSA, 2001, p.4). Sendo assim, por meio da corrente sociocrítica, percebe-se que a função social da Matemática é desempenhada de fato, já que ela parte do contexto no qual o aluno e a escola se encontram e onde, por meio deste panorama, a Matemática insere-se como meio de responder a questões práticas do cotidiano. Há um diálogo entre teoria e prática e, neste jogo, o que importa não é o aluno construir modelos matemáticos e verificar sua aplicabilidade na situação- problema elencada, nem como estudar a Matemática por meio de outras áreas do conhecimento. A preocupação maior está em utilizar a Matemática como meio de responder às dúvidas, as problemáticas de um dado contexto social, ampliando a capacidade de refletir criticamente nossas próprias formas de ver, estar e viver. É necessário retomarmos, também, ao que Barbosa (2001, p.4) destaca sobre a corrente sociocrítica, tendo em vista a reflexão. O autor aponta que “é pertinente sublinhar que necessariamente os alunos não transitam para a dimensão do conhecimento reflexivo, de modo que o professor possui grande responsabilidade para tal.” É através destas palavras que a função do professor fica em evidência por estar desenvolvendo um trabalho consistente e um acompanhamento efetivo com a turma, para que a Matemática cumpra com o seu dever social. Nesta perspectiva, Barbosa (2001, p.5) contribui afirmando que “o que chamamos de corrente sócio-crítica de Modelagem sublinha que as atividades devem potencializar a reflexão sobre a Matemática, a própria Modelagem e seu significado social.” Ainda, Barbosa (2001) aposta em um currículo diferenciado, que disponha de múltiplas possibilidades educativas, que seja o contrário das correntes pragmática e científica. Não busca tirar ou acrescentar conteúdos no currículo de Matemática ou, ainda, gerar discussões sobre o 21 que pode ser considerado “melhor”, ser útil ou não. Desse modo, Barbosa (2001, p.5) aponta que: [...] não advogamos um currículo baseado nem somente nas aplicações nem somente na estrutura da matemática. Julgamos que a educação matemática deve envolver todas as instâncias implicadas no conhecimento matemático. Modelagem é uma delas. É necessária, mas não suficiente (BARBOSA, 2001, p.5). Em termos de procedimentos metodológicos, Barbosa (2001, p.8) recusa “a ideia de associar Modelagem exclusivamente à modalidade de projetos. Outros tipos de atividades de Modelagem, que demandam menos tempo e são mais simplificadas, também podem ser consideradas.” Neste sentido, o autor nos apresenta três configurações distintas para a abordagem da Modelagem Matemática, de modo que cada uma delas é vista como um caso. Segundo Barbosa (2001), no caso 1, o professor é quem propõe à turma a situação- problema, bem como todos os dados necessários para sua resolução. Aos alunos cabe a responsabilidade de resolverem a problemática. No caso 2, o professor dispõe como ponto de partida para a investigação, o apontamento da situação-problema, com temática voltada às mais diferentes áreas do conhecimento. Os alunos são desafiados a buscarem todos os dados necessários para a resolução do problema em questão; fato que, certamente, se estenderá por mais aulas e para o qual poderão ser utilizados diferentes suportes de pesquisa, locais e, até mesmo, profissionais de diferentes áreas afins. Já o caso 3, exige mais autonomia por parte do aluno e flexibilidade e interação/mediação por parte do professor, onde “a partir de temas não- matemáticos, os alunos formulam e resolvem problemas. Eles também são responsáveis pela coleta de informações e simplificação das situações-problema. É via do trabalho de projetos.” (BARBOSA, 2001, p.9) É possível notarmos que, conforme os alunos vão transitando entre cada caso, seguindo a escala caso 1, caso 2 e, por fim, caso 3, há um maior envolvimento por parte do aluno para com a realização da proposta. Desta forma, apresento o esquema de Barbosa (2001, p.9), que nos auxiliará na compreensão da participação do professor e aluno durante o processo de Modelagem Matemática, tendo em vista os três casos citados anteriormente: 22 Figura 2 – O aluno e o professor nos casos de Modelagem, segundo Barbosa (2001, p.9) Fonte: Barbosa (2001, p.9) Podemos observar que, à medida que a autonomia dos alunos em cada caso aumenta, a centralização no professor diminui, de forma que a aprendizagem começa a exigir mais do aluno. Mesmo assim, a atuação do professor é essencial, mesmo que tenha tomado outra forma. Ele passa a ser um copartícipe do conhecimento. Ao mesmo tempo em que o aluno aprende, o professor também está aprendendo, sendo os dois coautores da aprendizagem. Como visto até aqui, existem diferentes conceitos e diferentes formas de pensar a Modelagem Matemática, assim como o modo pelo qual acontece a Modelagem Matemática, tendo em vista o seu procedimento metodológico. Barbosa (2004) posiciona-se de um modo que nos faz pensar que a Modelagem Matemática vai muito além da aplicação. Mesmo sabendo que a Modelagem Matemática, em sua história, foi influenciada pelos pesquisadores da Matemática Aplicada, não podemos resumir a Modelagem Matemática somente a essa perspectiva. Sendo assim, Barbosa (2004) admite que: Muitas vezes, Modelagem é conceituada, em termos genéricos, como a aplicação de matemática em outras áreas do conhecimento, o que, a meu ver, é uma limitação teórica. Dessa forma, Modelagem é um grande ‘guarda-chuva’, onde cabe quase tudo. Com isso, não quero dizer que exista a necessidade de se ter fronteiras claras, mas de se ter maior clareza sobre o que chamamos de Modelagem (BARBOSA, 2004, p 1- 2). Em virtude deste apontamento, podemos observar as convergências e divergências entre as concepções de Modelagem Matemática defendidas por Barbosa e por Biembengut e Hein. Levando em conta as concepções de Modelagem Matemática defendidas por Barbosa e por Biembengut e Hein, podemos concluir que ambas as concepções são desenvolvidas a partir de 23 uma situação/tema e, através deste tema, desenvolvem-se questões a serem respondidas. A pesquisa é evidente que também acontece, mas o restante do procedimento é o que de fato se difere. A proposta de Modelagem Matemática, apontada por Biembengut e Hein (2005), está fortemente ligada a conteúdos matemáticos e à sua utilização por meio dos modelos matemáticos; enquanto que a corrente sociocrítica, defendida por Barbosa, tem em vista a Modelagem Matemática como um recurso para responder dúvidas e, até mesmo, problemas sociais, fazendo o uso da Matemática também, mas não de modo tão sistemático e metódico. Como apontam Silva, Barbosa e Oliveira (2013, p.48): As discussões sobre modelagem matemática têm sido crescentes na comunidade de educação matemática como uma possibilidade de gerar investigações de problemas com referência na realidade na sala de aula de matemática (Barbosa, 2007; Oliveira, 2007; Cargnin-Stieler; Bisognin, 2011). Por modelagem, compreendemos como um ambiente de aprendizagem, no qual os estudantes são convidados a investigar, utilizando a matemática, situações com referência na realidade (Barbosa, 2007). Em vista disso, argumentamos que, ao trabalhar com modelagem, os estudantes são desafiados a assumirem uma postura crítica e participativa com vistas ao exercício da cidadania (Barbosa, 2007). A expressão “ambiente de aprendizagem” é utilizada por Skovsmose (2000) para se referir às condições proporcionadas aos estudantes para desenvolverem suas ações (SILVA; BARBOSA; OLIVEIRA, 2013, p. 48). Por meio desta citação, podemos elencar uma série de fatores que contribuem na qualificação do Ensino de Matemática, tendo em vista a perspectiva sociocrítica da Modelagem Matemática. Iniciarei discutindo sobre o fato do aluno estar engajado na investigação, onde, por meio de pesquisas a diversas fontes e materiais, se fará o levantamento de dados sobre a temática, assim como o aprofundamento com o tema a ser pesquisado. A investigação não culmina na simples pesquisa, mas na inter-relação para com temas relacionados à realidade do aluno, tanto em sala de aula, como em seu âmbito social. Desta forma, a investigação provoca o aluno a refletir sobre aspectos sociais, sendo capaz de analisar e se posicionar de maneira crítica perante a situações cotidianas. A Modelagem Matemática, consoante com a corrente sociocrítica elaborada por Jonei C. Barbosa, tem como principal objetivo possibilitar que a Matemática cumpra seu papel social, permitindo que o aluno atue como um cidadão participativo (ativo), e não como um cidadão passivo que, por vezes, por desconhecer algum assunto, ou não saber vincular o conhecimento matemático ao tema em questão, passa a aceitar certas decisões sem questionar a veracidade das mesmas. Sendo assim, Barbosa (2011) contribui com esta visão destacando que: A modelagem matemática pode ter como propósito desenvolver atividades que ofereçam subsídios aos alunos na compreensão de como a matemática é utilizada nas práticas sociais (BARBOSA, 2001). Essa perspectiva de modelagem – denominada sócio-crítica por Barbosa (2003) – enfatiza a atuação do aluno na sociedade, 24 analisando o papel da matemática nos debates sociais (SILVA; BARBOSA, 2011, p. 198). De fato, a Modelagem Matemática vem para mostrar não que a Matemática está em todos os lugares, mas, sim, como e quando podemos fazer o uso da mesma para resolver problemas sociais ou, até mesmo, situações-problema sobre os quais se tenha dúvidas e curiosidades. De modo simplificado, Barbosa (2004, p. 2) salienta que, “em geral, são apresentados cinco argumentos: motivação, facilitação da aprendizagem, preparação para utilizar a matemática em diferentes áreas, desenvolvimento de habilidades gerais de exploração e compreensão do papel sociocultural da matemática”, para inserir a Modelagem Matemática no currículo, levando em consideração seus benefícios à Educação Matemática. Sobretudo, em sua bibliografia, o autor esclarece que, dentre ambas as situações, a compreensão do papel sociocultural é a mais importante. A inovação no Ensino da Matemática é outro aspecto que vale a pena ser destacado, pois a Modelagem Matemática quebra com toda e qualquer estrutura linear de conhecimento e de organização. Não se tem a previsão do que será estudado, dos termos matemáticos que serão utilizados, ao menos não no início do trabalho com Modelagem Matemática, porque esta proposta visa uma construção coletiva e colaborativa entre aluno e professor. Para além da inovação, também é possível estar trabalhando em uma mesma turma com várias temáticas e encaminhamentos diversos quanto ao uso da Matemática. Novamente, a estrutura tradicional, vista pelo olhar de que todos devem aprender a mesma coisa ao mesmo tempo, é rompida. Todos aprendem, através de seu interesse de pesquisa, principalmente no caso 3, em que a própria situação-problema/problematização é construída pelo grupo de alunos, assim como o levantamento de dados e resolução, em tempos diferentes, respeitando o tempo de aprendizagem de cada aluno. Assim, inspirada nestes referenciais teóricos, explicito que, ao longo deste estudo, principalmente ao longo da prática pedagógica investigativa, estarei trabalhando de modo mais próximo à perspectiva sociocrítica de Modelagem Matemática idealizada por Barbosa, referida no caso 1. No próximo capítulo apresento os aspectos metodológicos desta pesquisa, bem como caminhos que foram percorridos ao longo da prática pedagógica investigativa desenvolvida no primeiro semestre do ano de dois mil e quinze. 3 PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS O propósito deste capítulo é evidenciar os caminhos que foram percorridos durante a realização da pesquisa/intervenção. Para tanto, organizei-o em duas seções. A primeira intitulada “Da metodologia de investigação”, que apresenta, de modo geral, a metodologia de investigação utilizada, bem como as estratégias e procedimentos adotados. Já no segundo momento, “Da prática pedagógica investigativa”, tive a intensão de esclarecer algumas ações desenvolvidas durante o segundo semestre de 2014. Também, nesta seção, busquei descrever aspectos característicos da instituição de ensino na qual se desenvolveu a proposta de investigação/intervenção e uma breve descrição dos passos que foram efetivados ao longo do primeiro semestre de 2015, consoante à proposta de prática pedagógica investigativa. Destaco, ainda, que a prática pedagógica investigativa em questão, não teve o propósito de estar pré- estruturada antes de haver o contato com a turma na qual a proposta foi desenvolvida. Isso deve- se ao fato da proposta seguir a concepção de Modelagem Matemática idealizada por Jonei Cerqueira Barbosa, mais conhecida por corrente sociocrítica. Deste modo, a proposta de prática pedagógica investigativa partiu do interesse da turma. Por isso, não tive o intuito de trazer as propostas previamente estruturadas. Portanto, a prática pedagógica investigativa, bem como a temática que foi abordada, encaminhamentos de estudos, e outros, foram definidos ao longo do processo de conhecimento da turma, situação esta que será apresentada ao longo deste capítulo. 26 3.1 Da metodologia de investigação A metodologia de investigação utilizada nesta monografia caracteriza-se por ser de natureza qualitativa. De acordo com o problema de pesquisa, centrado no seguinte questionamento: “Quais são as possibilidades e limitações de uma prática pedagógica investigativa efetivada em uma turma de 5º ano do Ensino Fundamental, tendo como aportes teóricos, estudos do campo da Modelagem Matemática?” é visível que não tive o propósito de realizar uma análise quantitativa. Não foi de meu intuito saber quantos alunos conseguiram desenvolver com êxito a proposta de Modelagem Matemática e quantos não conseguiram. Busquei, de fato, perceber quais foram as possibilidades e limitações relativas a uma prática centrada na tendência da Modelagem Matemática, tendo por referência, a concepção de Modelagem Matemática de Jonei Cerqueira Barbosa. Para tanto, destaco as contribuições de Neves (1996, p.1) sobre a abordagem de pesquisa qualitativa: [...] a pesquisa qualitativa costuma ser direcionada, ao longo de seu desenvolvimento; além disso, não busca enumerar ou medir eventos e, geralmente, não emprega instrumental estatístico para análise de dados; seu foco de interesse é amplo e parte de uma perspectiva diferenciada da adotada pelos métodos quantitativos. Dela faz parte a obtenção de dados descritivos mediante contato direto e interativo do pesquisador com a situação/objeto de estudo. Nas pesquisas qualitativas, é frequente que o pesquisador procure entender fenômenos, segundo a perspectiva dos participantes da situação estudada e, a partir daí, situe sua interpretação dos fenômenos estudados. Ainda, Bauer e Gaskell (2002) apontam elementos característicos da pesquisa qualitativa e que, por conseguinte, diferem da pesquisa quantitativa. Os autores destacam que, enquanto a pesquisa qualitativa apresenta seus dados através de textos, realiza sua análise por meio de interpretação, seu protótipo centra-se em entrevistas de profundidade e, por fim, sua qualidade é soft; a pesquisa quantitativa busca dados numéricos, uma análise estatística, um protótipo de pesquisa de opinião e uma qualidade hard. Conforme os autores Bauer e Gaskell (2002, p. 22-23): Tem havido muita discussão sobre as diferenças entre pesquisa quantitativa e qualitativa. A pesquisa quantitativa lida com números, usa modelos estatísticos para explicar os dados, e é considerada pesquisa hard. O protótipo mais conhecido é a pesquisa de levantamento de opinião. Em contraste, a pesquisa qualitativa evita números, lida com interpretações das realidades sociais, e é considerada pesquisa soft. O protótipo mais conhecido é, provavelmente, a entrevista em profundidade. Nesse sentido, tendo por referência a discussão que os autores acima citados fazem sobre a escolha do método qualitativo e quantitativo, os mesmos, Bauer e Gaskell (2002, p. 24), ainda afirmam que: 27 [...] O que a discussão sobre a pesquisa qualitativa tem conseguido foi desmistificar a sofisticação estatística como único caminho para se conseguir resultados significativos. O prestígio ligado aos dados numéricos possui tal poder de persuasão que, em alguns contextos, a má qualidade dos dados é mascarada e compensada por uma sofisticação numérica. A estatística, como um recurso retórico, contudo, preocupa-se com o problema relativo ao tipo de informações que são analisadas: se colocarmos informações irrelevantes, teremos estatísticas irrelevantes. No nosso ponto de vista, a grande conquista da discussão sobre métodos qualitativos é que ela, no que se refere à pesquisa e ao treinamento, deslocou a atenção da análise em direção à questões referentes à qualidade e à coleta de dados (BAUER; GASKELL, 2002, p.24). O material de pesquisa que foi coletado ao longo da pesquisa/intervenção, constituiu-se em: diário de campo do pesquisador, filmagens da prática pedagógica investigativa, fotos de situações de ensino desenvolvidas ao longo da prática pedagógica investigativa, material escrito dos alunos e gravações de áudio das aulas. Por prática pedagógica investigativa, Azevedo apud Biaca e Royer, a compreendem como: [...] uma interação que se faz como corresponsabilidade de professor e alunos no processo de aprendizagem. Neste sentido, cabe ao docente [...] mediar o ensino de forma desafiadora, mantendo vivo o interesse do aluno auxiliando-o a buscar novos conceitos e estratégias de uso de conceitos, incentivando-o nas suas relações sociais (AZEVEDO apud BIACA e ROYER, 2012, texto digital). Ainda, as mesmas autoras Biaca e Royer (2012, texto digital) destacam que “Na prática investigativa, o professor assume o papel de mediador pedagógico, tornando-se provocador, contraditor, facilitador, orientador.” Ao mesmo tempo que denotam tais características que o professor assume ao longo da prática, também abordam que o mesmo possibilita a aproximação entre conhecimento científico e conhecimento cotidiano, sendo o professor “unificador do conhecimento cotidiano e científico de seus alunos, assumindo sua responsabilidade social na construção/reconstrução do conhecimento científico das novas gerações, em função da transformação da realidade” (BIACA E ROYER, 2012, texto digital). 3.2 Da prática pedagógica investigativa A prática pedagógica investigativa foi desenvolvida no primeiro semestre do ano de dois mil e quinze, em uma escola municipal do Vale do Taquari, com uma turma de 5º ano do Ensino Fundamental, e esteve centrada na concepção de Modelagem Matemática defendida por Jonei Cerqueira Barbosa, partindo de uma proposta de Modelagem Matemática de caso 1. A proposta de prática não foi pensada, construída e projetada previamente; só depois de conhecer os alunos 28 e perceber seus interesses de pesquisa, em relação ao trabalho de Modelagem Matemática, é que foi construído um plano de ação. Antes de iniciar a proposta de prática pedagógica investigativa, desenvolvi duas observações em dois turnos de aula, que corresponderam a duas tardes, no mês de março de dois mil e quinze. Tive o intuito de observar as aulas de Matemática que a turma de 5º ano veio a ter, sob prática, planejamento e interferências de seu professor titular. Durante as observações, fiz uso de um diário de campo para registrar como os alunos se envolviam com a Matemática proposta em sala de aula. Também, durante as observações, tive o propósito de perceber os interesses que os alunos de 5º ano demonstraram em discutir e os assuntos que se faziam presentes em seus grupos de diálogo, curiosidades, entre outras circunstâncias, e que podiam ser trabalhadas na perspectiva sociocrítica de Modelagem Matemática. As observações ocorreram nos dias dez e doze de março. Em ambas as tardes foram ministradas, pelo professor titular/professor regente, atividades relacionadas à disciplina de Matemática, acompanhada de outra área do conhecimento, conforme cronograma semanal da turma. Na terça-feira, a aula iniciou-se com atividades de Matemática e, posteriormente, iniciaram-se atividades relativas à disciplina de História. Já na quinta-feira, a aula também iniciou-se com Matemática e, logo após, deu-se sequência com atividades relativas à Geografia. Pelo que pude observar e, após, confirmar com o professor titular, a turma possuía 20 alunos. Destes, sete eram meninas e treze eram meninos, todos de faixa etária que variava dos 9 aos 13 anos. Como a escola fica no centro do município, ou seja, na zona urbana, em um dos três bairros que o município possui, é fato que ela atende alunos das mais variadas localidades do interior e centro do município. Isso ocorre nos Anos Iniciais, mas, principalmente, nas turmas dos Anos Finais, porque não é possível encontrar a oferta destas turmas nas escolas multisseriadas da zona rural. De início, muito silêncio. Um silêncio um tanto exagerado e perturbador. Como se tivessem combinado fazer este silêncio no dia anterior. Me vem à memória aqueles combinados que ao menos eu fiz quando estava desenvolvendo meu estágio do Curso Normal – quando vier visita, sejam queridos, comportados e não façam bagunça - e que nunca dão certo. Um combinado que vai sendo esquecido aos poucos e, por fim, deixa de ser combinado e passa a ser uma promessa não cumprida. De fato, este silêncio persistiu nos primeiros momentos da aula, mas, conforme o tempo foi passando, os próprios alunos já nem se importavam com a 29 minha presença e, ao que me pareceu, passaram a agir normalmente. Além do silêncio, logo que entrei na sala, na terça-feira, pude perceber que os alunos já estavam me aguardando e, de primeiro momento, estavam preocupados com atitudes comportamentais. Isso pode ser visto através das falas dos próprios alunos que remetiam a pensar que eu estaria ali para acompanhar a aula e para observar o comportamento de cada um. Em uma breve fala, expliquei o motivo de eu estar lá naquela tarde, sobre a pesquisa que estava em andamento e as práticas que seriam realizadas no próximo mês. Neste dia (terça-feira), o primeiro momento da aula caracterizou-se pela correção de cálculos de divisão, desenvolvida de maneira simples. Para cada operação matemática, um aluno era convidado a ir ao quadro para desenvolver o cálculo, enquanto os demais faziam a correção/acompanhamento em seus cadernos. Caso surgisse algo no cálculo que não estava certo, o próprio professor apagava a parte do cálculo que não correspondia ao que se pedia e, com um giz de cor de maior destaque (vermelho, rosa ou amarelo), procedia a finalização do mesmo. No segundo momento da aula, o professor da turma transcreveu no quadro, quatro problemas matemáticos, ambos envolvendo a divisão. Os problemas matemáticos priorizavam o treino de cálculos de divisão, onde os alunos teriam que ler o enunciado, extrair as informações necessárias aos cálculos e aplicar o cálculo de divisão. Percebi que, conforme a turma concluía a atividade, os alunos ficavam livres para auxiliar os colegas, conversar, desenvolver algum desenho ou se ocupar com algo que trouxeram de casa. Nestes momentos, os desenhos de carros tomaram conta do ambiente, assim como as conversas entre duplas e, ainda, haviam aqueles que se reuniam para fazer, juntos, os cálculos propostos pelo professor. O engraçado é que, quando eu me aproximava um pouco mais, para escutar as conversas, algumas paravam no mesmo momento em que me percebiam. As conversas tinham como pauta jogos de videogame, Playstation, GTA (Grand Theft Auto), namoros e combinações entre amigos e amigas para um pousar na casa de outro. Quando foi sugerida a correção dos problemas no quadro, houve prontidão por parte dos alunos, em desenvolver os cálculos no quadro, seguido das respostas completas, fato que achei bem interessante. Me pareceu que a maioria gostava deste tipo de atividades. No recreio, acompanhei a turma e, me espantei com tamanha agitação. Praticamente todos estavam correndo e brincando de “menina pega menino e menino pega menina” – o maior 30 “fuzuê!” Mas a questão que mais me marcou, ocorreu antes de reparar neste movimentos de “liberdade” dos alunos. Logo que saímos para o recreio, conversávamos sobre a quadra que estava em construção nos fundos do pátio da escola, e que no período2 em que eu havia trabalhado na escola não existia ainda. Frente a isso, os alunos (um grupo de meninos) começaram a relatar-me que a quadra, que ali estava sendo concluída, iniciou sua construção ainda no ano de 2014, mas que, a maior parte da mesma, foi realizada durante o período de férias de verão. Portanto, não puderam acompanhar todo este processo. Neste momento, também demonstraram interesse em poder logo fazer o uso da quadra, a qual, no momento em que desenvolvi as observações, estava isolada com fita, para que ninguém a utilizasse antes da inauguração e aprovação da obra por um especialista responsável. Nos direcionamos à quadra, já que fui levada até ela pelos alunos que me acompanharam. Neste momento, eu estava movida, tanto pelo interesse dos alunos em mostrar como estava o andamento da obra e mostrar o mais novo espaço da escola que logo poderiam estar usufruindo, quanto pela minha vontade em conhecer o local, que na ocasião em que ainda trabalhava na escola, era tão aguardado. A quadra poliesportiva coberta segue o padrão de construção do Ministério da Educação. Foi construída nos fundos do pátio da escola, por meio de recursos federais e municipais. Quando foram desenvolvidas as observações, já havia data prevista para inauguração, que aconteceria ainda no mês de março. No entanto, houve um problema com a pintura da quadra, que descascou, e que, por isso, deveria ser lixada e pintada novamente. Ao chegar próximo à quadra, os alunos que me acompanharam conversavam sobre as medidas da quadra e que ela estava de acordo com o padrão das quadras olímpicas, sendo que apenas as pessoas com 2,2 metros conseguiriam se pendurar na cesta de basquete ao fazer cesta (novidade que não havia antes). Falavam sobre sua beleza e sobre sua rede que ainda estava faltando. Era nitidamente visível a alegria e ansiedade em poder desfrutar deste novo empreendimento. Outra situação que surgiu, e que ficou em evidência entre os alunos, era a natureza do dinheiro que foi investido para a construção da quadra. Frases que nos remetiam a pensar que, provavelmente, foi a prefeitura ou o governo que forneceu. Aliás, essa avaliação normalmente ocorre de maneira equivocada. 2 Lecionei na escola, através de concurso público municipal, entre os meses de fevereiro de 2013 à abril de 2014, atuando nas turmas de 4º ano do Ensino Fundamental. 31 Destaco que este acontecimento, de fato, me chamou atenção e interesse em trabalhar em sala de aula, em uma proposta futura de Modelagem Matemática, segundo as concepções de Jonei Cerqueira Barbosa. Foi um tema que, no momento real em que os alunos se encontram, despertou interesse deles, por ser novo; e também há a questão social, que vai ao encontro de um possível estudo sobre a natureza dos recursos destinados à compra e construção de bens públicos. Posterior ao recreio, a aula a ser ministrada foi de História. Nesta, cada aluno recebeu um livro didático e foi orientado a ler o capítulo dois, respondendo as questões propostas pelo professor, relativas às tribos indígenas do Rio Grande do Sul. Este momento da aula constituiu- se das seguintes etapas: cópia das perguntas, leitura do capítulo, realização das questões e correção. Por fim, sobraram alguns minutinhos antes da aula encerrar e, o professor distribuiu aos alunos um caça-palavras, com palavras diversas. Na aula de quinta-feira, logo que os alunos estraram na sala, um assunto já pairava no ar: o aniversário dos irmãos gêmeos da turma que aconteceria no outro dia (sexta-feira, 13/3). As combinações foram as mais diversas: um traria farinha, outro os ovos e, ao longe, alguém dizia que areia não poderia faltar. Fiquei surpresa por estes “rituais” ainda acontecerem nas escolas, e que ainda não se tenha discutido nada em relação ao desperdício de alimentos, sobre a fome, a miséria e a opção de fazer uma comemoração diferenciada e mais vantajosa a todos com os alimentos citados: um bolo, por exemplo. Neste dia, as atividades iniciaram-se por meio da realização de cálculos de multiplicação por dois números e de divisão por um número. Logo que os cálculos foram escritos pelo professor no quadro, surgiu do fundo da sala a seguinte pergunta: “Pode usar calculadora?”, e como resposta “Tu já sabe!” Me deparei pensando sobre o seguinte: Por que na escola não se pode utilizar a calculadora? Um recurso tão presente na vida das pessoas, assim como os celulares, os tablets, os notebooks e os computadores. Destaco que esse assunto me chamou muita atenção e logo me fez pensar em possibilidades de ação relativas ao meu estudo em questão. O procedimento dos cálculos desenvolvido pelos alunos foi o mesmo que o adotado na aula passada. Contagem pelos dedos, desenho de risquinhos, contagem mental e logo que concluíam, poderiam conversar, desenhar ou auxiliar-se nos cálculos. Neste meio tempo, em que alguns estavam prontos, me chamou a atenção um aluno que havia desenhado uma planta 32 baixa da casa de sua avó que morava em Venâncio Aires. A casa possuía três andares, garagem, inúmeros quartos, quatro banheiros e demais cômodos. A representação não ficou das melhores, não havia nenhuma proporção, escala, mas, por meio da explicação oral do aluno, foi possível compreender o que era cada espaço representado e ter uma noção de como era realmente a casa. Ao ser perguntado sobre o motivo que o levara a realizar aquele esboço, foi dado como resposta a vontade de mostrar como era a casa de sua avó para um amigo da turma. Dando continuidade à aula de Matemática, os alunos tiveram como proposta, escrever os seguintes números por extenso: 2.576 – 32.827 – 25 – 453 – 4.251 – 9.308. Logo após, ocorreu a correção, seguida do intervalo de aula. Retornando à sala de aula, deu-se início à aula de Geografia, em que cada aluno recebeu o livro didático da disciplina e teve como orientação ler o capítulo dois (coincidiu com o capítulo de História) para depois responder às questões propostas pelo professor titular da turma, referentes à questões sobre noções espaciais. A atividade procedeu-se da mesma forma como as atividades de História da aula passada: leitura no livro, responder às questões propostas com base no livro e, por fim, correção coletiva. Ao término das duas observações desenvolvidas na turma, pude perceber inúmeros assuntos de interesse que foram sendo apresentados ao longo deste capítulo. Porém, levando em consideração a perspectiva sociocrítica de Modelagem Matemática idealizada por Barbosa, pensei que a quadra poliesportiva da escola, que estava em fase de conclusão, poderia se tornar um valioso assunto de pesquisa, por se tratar de um assunto que os alunos mostraram interesse, e, também, por todo o seu repertório social, já que, se trata de um bem público e que foi construído através de recursos federais e municipais, os quais, de uma forma ou de outra, foram gerados a partir da renda da própria sociedade que paga impostos, taxas, entre outros. Contudo, destaco que, através das observações que desenvolvi acerca de duas aulas, somadas aos interesses da turma, pude ter uma noção de onde partir na proposta de intervenção com a turma. Foi essencial ter desenvolvido tais observações, porque pude conhecer a turma e ter um maior contato com seus interesses. Ainda durante as observações, entreguei para os pais dos alunos, mediante encaminhamento pelos alunos, um termo de consentimento (conforme APÊNDICE A), para melhor compreensão e autorização dos pais frente às propostas que o projeto visava desenvolver 33 com a turma e a finalidade de uso das imagens e registros das atividades realizadas durante o projeto. Somente após definido o problema de pesquisa, que emergiu das observações desenvolvidas ao longo do mês de março, é que foi possível traçar uma série de possibilidades de práticas e propostas a serem desenvolvidas com a turma. No entanto, como a prática esteve centrada na perspectiva da Modelagem Matemática, não foi possível levar um planejamento pronto, fechado, acabado. Ambas as aulas direcionavam as aulas seguintes a outros rumos, de tal forma que, possibilitaram em uma reconstrução do conceito de planejamento e aula, trazendo à tona, um planejamento participativo. Para que os objetivos da pesquisa fossem atingidos, desenvolvi, nos meses de abril e maio, seis encontros com a turma, ambos de quatro horas/aula. Os encontros foram desenvolvidos semanalmente, nas terças e quintas-feiras. Apenas o último encontro, que caracterizou-se por uma roda de conversa sobre todos os encontros, ocorreu em uma quarta- feira, durante apenas uma hora. Neste, os alunos foram estimulados a relatarem suas percepções em relação à proposta de trabalho que foi conduzida com a turma, sob a perspectiva da Modelagem Matemática. Este diálogo foi gravado e conduzido por questões norteadoras mediadas pela professora investigadora, as quais foram pensadas e elaboradas ao longo da prática pedagógica investigativa. Este momento teve o propósito de fazer uma avaliação da prática pedagógica investigativa, apontar as construções individuais e coletivas alcançadas ao longo da proposta, facilidades, dificuldades e reflexões acerca do uso da Matemática para resolver situações cotidianas. Durante a realização das práticas pedagógicas investigativas, tive o intuito de desenvolver registros sobre os alunos, de suas colocações, reflexões, formas de pensar e de resolver matematicamente situações que envolvam conceitos matemáticos. Tudo isso foi registrado no diário de campo, que também foi utilizado ao longo das observações das aulas propostas pelo professor regente da turma. Registros fotográficos e cópias dos materiais, produzidos pelos alunos durante o processo de investigação, também caracterizam-se por ser alternativas adotadas como instrumentos de pesquisa utilizados ao longo das propostas de investigação/intervenção que, posteriormente, possibilitaram a análise de dados. Sobretudo, venho destacar que, para a prática pedagógica investigativa de fato acontecer, ocorreu ainda no semestre B de 2014, uma apresentação informal da temática do 34 projeto de pesquisa à equipe diretiva da escola onde ocorreu a investigação. No momento, houve um breve contato com a turma e atual professor regente. Também, houve a necessidade de fazer a retirada de cartas de apresentação com a coordenadora do Curso de Pedagogia, do Centro Universitário UNIVATES, para que fosse realizada uma apresentação formal do projeto de pesquisa, à Secretaria de Educação do município da escola onde aconteceu a pesquisa/intervenção. Além da apresentação formal à Secretaria de Educação, houve um novo contato com a equipe diretiva da escola, com prévio agendamento, para o início das atividades relativas à pesquisa através de observações. A apresentação formal aconteceu, de fato, no mês de outubro de 2014. No dia, foi apresentada a proposta do projeto de pesquisa, com o objetivo de se realizar práticas pedagógicas em uma escola do município, centrada na Modelagem Matemática, consoante a perspectiva sociocrítica, caso 1, idealizada por Jonei Cerqueira Barbosa. A proposta de pesquisa/intervenção foi aceita e autorizada, conforme apresenta o Anexo A3. A escola, na qual desenvolvi a proposta de prática pedagógica investigativa, caracteriza- se por ser uma das maiores escolas municipais de um dos municípios do Vale do Taquari que, atualmente, possui cerca de 7.744 habitantes, conforme o censo de 2.000. A escola localiza-se no centro da cidade, foi fundada no dia vinte e oito de fevereiro de mil novecentos e sessenta e dois (28/02/1.962), e, atualmente, atende cerca de 268 alunos nos três turnos (manhã – tarde - noite), ofertando o Ensino Fundamental (1º ao 9º ano), com 86 alunos nos Anos Iniciais e 159 nos Anos Finais. A escola também oferece Educação de Jovens e Adultos (EJA), em que atende cinco alunos da 3ª etapa (6º e 7º ano) e dezoito alunos da 4ª etapa (8º e 9º ano), totalizando 23 alunos nesta modalidade de ensino. Todas as turmas de Anos Iniciais frequentam as aulas à tarde e os alunos do EJA à noite. As turmas dos Anos Finais (6º ao 9º ano) estão organizadas, tanto no turno da manhã, quanto no da tarde, já que há mais de uma turma para cada ano escolar. No turno da manhã, a escola oferece o Programa Mais Educação para os alunos de 1º ao 6º ano, que participam do turno extraclasse e permanecem na escola ao meio-dia, com horário de descanso. Na escola, o programa atende 40 alunos que são organizados em duas 3 Para manter sigilo quanto ao nome da instituição e demais pessoas envolvidas com a pesquisa, no Anexo A foram retirados todos os nomes e assinaturas que pudessem expor a instituição de ensino e responsáveis pela instituição onde aconteceu a prática pedagógica investigativa. No entanto, o documento original encontra-se arquivado com a professora pesquisadora. 35 turmas. A Turma 1 constitui-se de 22 alunos do 1º ao 5º ano. A Turma 2 atende parte dos alunos do 4º e 5º ano, juntamente com os alunos das duas turmas de 6ºano, totalizando 18 alunos. Em sua estrutura, a escola oferece seis salas de aula, uma sala de professores, uma secretaria/direção, cozinha, refeitório, biblioteca com espaço para pesquisa nos computadores, e, ainda, possui uma quadra coberta logo em frente à escola, destinada a práticas desportivas (localizada no terreno frontal da escola, separado por uma rua); conta, também, com uma segunda quadra coberta, que está em construção e que se encontra no pátio da própria escola. Pracinha, área de brita, “chimarródromo” (quiosque com bancos e churrasqueira, resgatando traços da cultura gaúcha), horta, também são alguns dos espaços que a escola disponibiliza. Atualmente há 21 professores e 4 funcionários que atuam na escola. Após explicar os caminhos metodológicos adotados nesta prática pedagógica investigativa, informo que, ao longo deste estudo, as identidades dos participantes da pesquisa e da instituição de ensino, onde desenvolvi a proposta de ação/intervenção, serão mantidas em sigilo. Desta forma, referente à escola, somente se apontará que a mesma situa-se em um dos municípios do Vale do Taquari e, em relação aos alunos, estes foram identificados a partir das letras do alfabeto, que vão do A ao T, totalizando vinte letras, pois foram vinte alunos que participaram deste estudo. Vale lembrar que não foi seguida nenhuma ordem para a identificação dos alunos por meio de letras. Cada qual foi identificado por uma letra, aleatoriamente, ao longo desta pesquisa. A seguir, no próximo capítulo, apresento aspectos relativos à prática pedagógica investigativa que desenvolvi através de seis encontros, ao longo dos meses de abril e maio, na turma do 5º ano do Ensino Fundamental, de uma escola pública do Vale do Taquari/RS. 4 DO TRABALHO PEDAGÓGICO 4.1 Para início de conversa... Ao longo deste capítulo, apresento os movimentos relativos à proposta de Modelagem Matemática realizados ao longo dos seis encontros com a turma de 5º ano do Ensino Fundamental, de uma escola pública do Vale do Taquari, durante os meses de abril e maio de dois mil e quinze. Objetivo, neste capítulo, apresentar o que aconteceu ao longo dos encontros, pois não houve um planejamento sobre o que se faria desde o início, mas, uma construção com a turma. Os encontros partiram da problemática inicial relativa à natureza dos investimentos mobilizados para a construção da quadra poliesportiva coberta da escola. Vale lembrar que a referida proposta caracteriza-se por ser meu primeiro uso da Modelagem Matemática em sala de aula, com uma turma de alunos, sendo eu a mediadora da proposta. Portanto, como o próprio Dionísio Burak ressaltou, ao longo de uma das palestras do II Observatório da Educação UNIVATES, realizada do dia 10 de abril do corrente ano, iniciantes em Modelagem Matemática precisam ser estimulados a fazer Modelagem, iniciando na prática. Desta forma, precisam aprender fazendo e, de início, este fazer pode se desenvolver em curtos períodos de 5 ou 6 aulas. Ainda, Burak destacou que muitos trabalhos de Modelagem Matemática podem levar bimestres, trimestres, semestres, ou mais, mas ficou claro que não seria necessário, logo de início, fazer algo “estonteante” em termos de Modelagem. Valeria começar aos poucos, aprendendo, qualificando-se e, cada vez mais, aprimorando-se. Frente a isso, desenvolvi minhas práticas pedagógicas investigativas em seis encontros, de forma que, no sexto, aconteceu o fechamento das propostas, juntamente com um diálogo, que foi gravado e que serviu de parâmetro de qualidade da proposta de Modelagem Matemática, na perspectiva sociocrítica, para a turma. 37 4.2 Primeiro encontro - 14 de abril de 2015 Para o primeiro encontro, organizamo-nos com as classes em meia lua, dispondo as cadeiras ao centro, para que fosse possível realizar uma roda de conversa participativa. Neste momento, os alunos foram instigados a relatarem tudo o que sabiam sobre a quadra poliesportiva coberta da escola, como uma explosão de ideias que possibilitasse inúmeros caminhos para a conversa. Frente a esta situação, a professora pesquisadora lançou alguns questionamentos à turma, que remetiam a pensar sobre a natureza dos investimentos realizados na quadra. Todos os questionamentos foram realizados de maneira natural, ao longo do diálogo, possibilitando o entrecruzamento de ideias e informações trazidas pelos próprios alunos. Além das questões que seguem, naturalmente, surgiram demais problemáticas que foram lançadas ao longo da conversação. Quem fez a quadra? Quanto tempo levou para que ela fosse concluída? Tempo de construção. Quanto vocês acham que foi gasto para a construção da quadra? De onde veio o dinheiro para que a quadra fosse construída? As questões objetivavam a reflexão sobre a origem do dinheiro gasto ao longo da obra, o que repercute nos impostos que pagamos no dia a dia. A seguir, desenvolvemos a leitura coletiva da reportagem intitulada Quadra poliesportiva coberta da Cidade [...] começa a receber cobertura4, extraída do site oficial do município onde foi desenvolvida a prática pedagógica investigativa. Através da leitura da reportagem citada, ocorreu o levantamento de dados relativos à construção da quadra, tais como tempo de construção, início da obra, valor investido, valor repassado pelo FNDE (Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação) e valor repassado pelo município. Somente a partir da reportagem, não haveria como chegar a todos os dados citados. No entanto, como a professora pesquisadora havia entrado em contato com a prefeitura 4 A reportagem citada pode ser encontrada nos anexos. Salvo que, os dados exclusivos relativos ao nome do município, nome da escola e outros dados foram tarjados para que não fosse possível a identificação dos mesmos, mantendo-os assim em sigilo. 38 municipal, as informações puderam ser confirmadas, convergidas e, outras ainda, apresentadas à turma pelas falas da professora. Relativo ao levantamento de dados, pode-se perceber que, como a obra ainda não está totalmente finalizada, não houve como estabelecer um período de construção. No momento em que a pesquisa aconteceu, faltavam alguns acabamentos como repintura da quadra e colocação das redes e das goleiras. A obra iniciou-se em 4 de abril de 2014 e foi possível, graças a recursos federais e municipais investidos, que totalizam o valor de 279.352,59 reais. Por meio da prefeitura municipal, ficamos cientes que 180.000,00 reais foram repassados via recursos federais, e os demais 99.352,59 reais são provenientes da contrapartida do município. Para finalizar, a turma se organizou em duplas, por preferência, e teve como proposta responder ao questionário a seguir, descrevendo o que sabiam sobre cada assunto que as questões remetiam a pensar. Antes, ocorreu uma leitura coletiva, com intuito de esclarecer qualquer dúvida que viesse a surgir quanto à interpretação das perguntas. No mais, cada dupla iniciou seu trabalho, expondo seu conhecimento acerca de cada tema, suas dúvidas e contribuições. Quadro 1 – Questionário proposto à turma no dia 14 de abril de 2015 PARA PENSAR EM DUPLAS: 1. Que tipos de impostos vocês conhecem? Liste-os abaixo, acompanhados por uma breve explicação dos mesmos. 2. A coleta de impostos no Brasil se dá por diferentes instâncias (municipal, estadual e federal). Que tipos de ações prejudicam esta coleta? Citem as que vocês conhecem e expliquem. 3. Citem abaixo, em forma de lista, os bens públicos que podemos encontrar em nosso município: 4. Que atitudes devemos ter em relação aos bens públicos/patrimônios públicos? Justifiquem. Fonte: da autora. Desenvolvo, neste momento, uma breve referência ao andamento desta proposta de aula, que, ao longo de sua ação, sofreu alterações. Após os alunos terem respondido às questões, eu tinha como propósito desenvolver uma roda de conversa, com debate sobre as questões e análise 39 das respostas. Porém, isso não foi possível pelo fato da atividade ter se prolongado mais do que o esperado e, também, pelo motivo de eu ter percebido que algumas das duplas, provavelmente, não se sentiriam bem em apresentar suas respostas, o que prejudicaria a qualidade do debate. Desta forma, optei em alterar a programação, deixando a explanação das questões para o próximo dia, para que todas as respostas pudessem ser projetadas e visualizadas através de uso de um Datashow, e, a partir deste recurso, desenvolver uma análise crítica acerca de cada pergunta sugerida para pensar. 4.3 Segundo encontro - 16 de abril de 2015 Para este dia, já havia sido agendada, com antecedência, uma palestra/conversa com o contador municipal, que se dispôs a conversar com a turma sobre os impostos. Antes de sua chegada, desenvolvemos a análise das respostas de todas as duplas frente às perguntas propostas na atividade da prática anterior. Como citado anteriormente do subitem que antecede este, eu organizei todas as respostas em um único documento Word5, uma resposta abaixo da outra, sem fazer menção aos nomes dos autores das respostas. Os autores foram identificados como dupla A, dupla B, e, assim, sucessivamente, até chegar a dupla de letra J, já que se formaram dez duplas. Este momento foi essencial, já que foi possível esclarecer diversas dúvidas demonstradas pelas duplas, tais como o que seriam os impostos, diferenciação entre local público e bem público, conversa sobre as práticas que prejudicam a arrecadação de impostos (pirataria, contrabando, sonegação, desvio de dinheiro público) e outras que podem ser observadas através da leitura completa do documento. Para finalizar este momento, ao final do documento, a professora desenvolveu uma listagem de “pérolas” do quinto ano, que se caracterizaram pelas palavras que foram escritas de maneira equivocada. Ressaltei a importância de fazer a releitura de todo o material que é escrito, assim como atentar para que os mesmos erros não fossem repetidos. Em seguida, assistimos ao vídeo intitulado A origem dos tributos6, que apresenta, ao longo de sua animação, conceitos referentes à origem do dinheiro investido em bens públicos, que vem dos tributos. De forma breve, é apresentada no vídeo, a origem dos tributos, que 5 O referido documento Word está disponibilizado nos anexos desta monografia. 6 O vídeo citado pode ser encontrado no link: <https://www.youtube.com/watch?v=nVxQtbiAvMA> 40 surgiram, inicialmente, em forma de presentes que eram dados aos chefes (de tribos, de comunidades...). A palavra tributo significa o que é repartido pelas tribos. Com o passar dos anos, os tributos passaram a deixar de ser presentes e passaram a ser obrigação. O vídeo também faz referência a Tiradentes, que se revoltou pela cobrança injusta de tributos cobrados pelos governantes portugueses. Após este ocorrido, foram criadas leis que dispõem sobre a cobrança e uso dos tributos, que possuem uma finalidade social (para o benefício público). Por fim, destaca que os governantes não podem utilizar o dinheiro público como bem entendem, mas, sim, devem fazer um orçamento público, para saber como e onde vão gastar o dinheiro público. Logo em seguida ao vídeo, ocorreu uma breve conversa sobre as impressões da turma frente às informações apresentadas ao longo da animação. Dando continuidade às propostas, recebemos a visita do contador municipal, que discorreu sobre os seguintes aspectos: Principais impostos federais, estaduais e municipais cobrados no Brasil. Exemplificação da questão anterior, explicando aos alunos como ocorre a arrecadação dos mesmos. Onde fica o dinheiro que é arrecadado? O que é feito com ele? Qual é o seu destino? Planejamento orçamentário. Quando o município precisa de uma verba estadual e/ou federal, quais são os procedimentos que deve seguir? – projetos Licitações – o que são? Como funcionam? Qual é o valor obtido pelo município na arrecadação anual de impostos? Quanto é destinado a cada setor? (saúde, educação, segurança...) Como foi o procedimento para a construção da quadra poliesportiva da escola? Importância dos impostos para o município. Ações que beneficiam/auxiliam para que, de fato, a cobrança de impostos seja realizada – nota fiscal e outros. Ações que prejudicam a arrecadação de impostos. Como deve ser a nota fiscal para que ela seja considerada válida? Se possível, trazer exemplos. Quanto de impostos pagamos sobre o que compramos? Há como os munícipes acompanharem os gastos públicos municipais? Como? 41 Após a visita, a turma teve como proposta elaborar um relatório (como tema de casa) contendo as informações que lhe chamaram atenção ao longo da explanação desenvolvida pelo contador municipal. 4.4 Terceiro encontro - 23 de abril de 2015 Neste dia, a aula iniciou-se com um trabalho de análise em grupos. Desta maneira, a turma organizou-se em três grandes grupos, que tiveram a proposta de observar, ler, comparar e manusear notas fiscais diversas, a fim de desenvolver um levantamento de dados das informações que se assemelhavam entre as notas fiscais. Passado um tempo, o tempo necessário para que cada grupo realizasse a análise, cada qual apresentou o que haviam observado. Após a explanação de cada grupo, desenvolvemos, coletivamente, um levantamento, no quadro, dos itens necessários (dados/informações) de uma nota fiscal. Ainda, aproveitando o material que estava sendo manuseado/explorado, os alunos foram incentivados a buscarem, nas notas fiscais, os valores aproximados de tributos arrecadados na compra. Neste momento, aconteceu uma breve explanação realizada pela professora, frente à lei 12.741/2012, que exige que, a partir de junho/2013, todo documento fiscal ou equivalente emitido, contenha a informação do valor aproximado correspondente à totalidade dos tributos federais, estaduais e municipais, cuja incidência influencia na formação dos respectivos preços de venda. Para dar continuidade aos estudos, a professora pesquisadora desenvolveu os seguintes questionamentos à turma: De que forma são apresentados os valores dos tributos nas notas fiscais? Por que valor aproximado e não valor real de tributos cobrados? O que sabem por porcentagem? Onde encontramos situações em que utilizamos porcentagem? Se um produto custa R$ 200,00 e 50% deste valor são os impostos cobrados pelo produto, quanto pagaremos de imposto? E se a taxa fosse de 25%, quanto de imposto pagaríamos pelo produto? E no caso de 10%? 42 Busquei relacionar a porcentagem com as frações, levando em consideração que 50% é a metade, ou seja, divide-se por dois. Vinte e cinco por cento é uma parte de quatro, portanto, divide-se em quatro. Dez por cento é uma parte de dez, sendo, desta forma, necessária a divisão em 10 partes iguais. Também houve a representação simbólica, no quadro das porcentagens (100% - 50% - 25% - 10%). Outra inferência desenvolvida, partiu da própria palavra porcentagem, onde atribuí-mo-lhe o significado de por cem. Que a cada cem reais, 10 reais são impostos, juros, descontos, quando se trata de 10%, por exemplo. Após as discussões, a professora entregou, a cada aluno, o desafio a seguir que, inicialmente, foi desenvolvido de forma indivudual e, após, em conjunto. Quadro 2 – Desafio proposto à turma no dia 23 de abril de 2015 Conforme o IBPT (Instituto Brasileiro de Planejamento e Tributação), um videogame possui 72,18% de impostos cobrados sobre o seu valor. Levando em consideração que um videogame XBOX custa R$ 1.169,90, quanto pagaremos de impostos sobre o seu valor? Fonte: da autora. A questão foi lida coletivamente e foi analisada, além de desenvolver-se uma estimativa de quanto seria o valor de impostos cobrados, em dinheiro, sobre o produto. Também, os alunos foram instigados a realizarem uma aproximação, por meio de cálculos, que permitissem encontrar um valor aproximado de impostos cobrados sobre o produto informado, levando em consideração o que foi conversado anteriormente sobre 100%, 50%, 25% e 10%. 4.5 Quarto encontro - 28 de abril de 2015 Para a tarde deste dia, objetivei a resolução das duas atividades que seguem. Ambas foram propostas em duas situações, sendo a primeira individual e a segunda coletiva, com análise das diferentes maneiras (estratégias) que a turma utilizou para chegar ao resultado. 43 Quadro 3 – Atividade 1, proposta à turma no dia 28 de abril de 2015 Resolva as seguintes questões: 1) Observe o cupom fiscal a seguir e responda as questões a, b e c: FONTE: http://blogdegenerostextuais.blogspot.com.br/2014/05/cupom-fiscal-trabalhar-esse-genero-em.html a) Qual é o valor total da compra? Explique como você chegou até este valor. b) Sabendo que 26,17% da compra correspondem aos impostos cobrados, qual é, aproximadamente, o valor total (em reais) de impostos cobrados? Explique como você chegou a este resultado. c) Caso a compra estivesse livre de impostos, quanto seria o valor a ser cobrado? Explique como chegou a este resultado. Fonte: da autora. 44 Quadro 4 – Atividade 2, proposta à turma no dia 28 de abril de 2015 2) Observe o cupom fiscal a seguir e responda as questões a, b e c: FONTE: http://www.liberal.com.br/noticia/AEBE14259