UNIVERSIDADE DO VALE DO TAQUARI – UNIVATES CURSO DE DIREITO DOLO EVENTUAL E CULPA CONSCIENTE NOS CRIMES DE TRÂNSITO RELACIONADOS À EMBRIAGUEZ AO VOLANTE E A RESPONSABILIZAÇÃO DO AGENTE João Pedro Rosa da Luz Lajeado/RS, junho de 2023 João Pedro Rosa da Luz DOLO EVENTUAL E CULPA CONSCIENTE NOS CRIMES DE TRÂNSITO RELACIONADOS À EMBRIAGUEZ AO VOLANTE E A RESPONSABILIZAÇÃO DO AGENTE Artigo apresentado ao curso de Direito da Universidade do Vale do Taquari – Univates, como requisito para obtenção do título de Bacharel em Direito. Orientadora: Prof. Me. André Eduardo Schröder Prediger Lajeado/RS, junho de 2023 João Pedro Rosa da Luz DOLO EVENTUAL E CULPA CONSCIENTE NOS CRIMES DE TRÂNSITO RELACIONADOS À EMBRIAGUEZ AO VOLANTE E A RESPONSABILIZAÇÃO DO AGENTE A Banca examinadora abaixo aprova o Artigo apresentado no componente curricular Trabalho de Conclusão de Curso II, do Curso de Direito, da Universidade do Vale do Taquari - Univates, como parte da exigência para a obtenção do título de Bacharel em Direito: Prof. Me. André Eduardo Schröder Prediger - Orientador Universidade do Vale do Taquari – Univates Profa. Exp. Gustavo Azeredo Pereira Universidade do Vale do Taquari – Univates Profa. Ma. Giovana Beatriz Schossler Universidade do Vale do Taquari – Univates Lajeado/RS, junho de 2023 SUMÁRIO 1 INTRODUÇÃO ........................................................................................................ 4 2 O CRIME DE EMBRIAGUEZ AO VOLANTE NO CÓDIGO DE TRÂNSITO BRASILEIRO (CTB) .............................................................................................. 7 2.1 Conceito do crime de embriaguez ao volante .................................................. 7 2.2 Lei seca n° 11.705/08 e as alterações da lei nº 13.546/17 no CTB. ............... 10 2.3 Do homicídio culposo e doloso no trânsito ................................................... 12 3 A CARACTERIZAÇÃO DO DOLO EVENTUAL E CULPA CONSCIENTE NOS CRIMES DE TRÂNSITO QUE ENVOLVEM EMBRIAGUEZ AO VOLANTE E A PUNIÇÃO DO AGENTE....................................................................................... 15 3.1 Conceito de Dolo eventual e culpa consciente .............................................. 15 3.2 A embriaguez ao volante e a aplicação do dolo e da culpa e suas espécies. ............................................................................................................................. 18 3.3 O Código Penal e o crime de homicídio doloso na direção de veículo automotor que envolve embriaguez ao volante .............................................. 23 4 POSIÇÕES JURISPRUDENCIAIS DOS TRIBUNAIS TJRS E TJRJ SOBRE A APLICAÇÃO DO DOLO EVENTUAL E DA CULPA CONSCIENTE NOS HOMICÍDIOS DE TRÂNSITO CAUSADOS PELA EMBRIAGUEZ AO VOLANTE ............................................................................................................................. 25 4.1 Visão jurisprudencial da culpa consciente nos crimes de trânsito ............. 26 4.2 Visão jurisprudencial do dolo eventual nos crimes de trânsito ................... 28 4.3 Comentário sobre as divergências dos tribunais .......................................... 30 5 CONCLUSÃO ....................................................................................................... 31 REFERÊNCIAS ........................................................................................................ 33 4 DOLO EVENTUAL E CULPA CONSCIENTE NOS CRIMES DE TRÂNSITO RELACIONADOS À EMBRIAGUEZ AO VOLANTE E A RESPONSABILIZAÇÃO DO AGENTE João Pedro Rosa da Luz1 André Eduardo Schröder Prediger2 Resumo: No Brasil, a ocorrência do crime de homicídio culposo causado por embriaguez ao volante tem se tornado cada vez mais comum, revelando uma preocupante falta de responsabilidade por parte daqueles que consomem álcool e decidem conduzir veículos automotores. Isso evidencia que as leis de trânsito ainda não têm sido eficazes em desencorajar os cidadãos a dirigir sob efeito de bebidas alcoólicas, resultando em consequências trágicas. Este artigo possui o objetivo de analisar a aplicação do dolo eventual e da culpa consciente no crime de homicídio por embriaguez ao volante, através da análise de decisões de diferentes tribunais de justiça. O artigo foi realizado de modo qualitativo, através de pesquisa bibliográfica e análise jurisprudencial. Conclui-se que a aplicação do dolo eventual ou da culpa consciente está ligada a vários fatores e elementos, de forma que cada caso deverá ser julgado observando as suas peculiaridades e circunstâncias. Palavras chaves: Trânsito; Embriaguez; Homicídio; Dolo eventual; Culpa consciente. 1 INTRODUÇÃO No Brasil o crime de homicídio culposo provocado por embriaguez ao volante tem se tornado frequente, estando intrinsecamente ligado à irresponsabilidade desenfreada por parte de quem consome álcool e assume a direção de veículo automotor, demonstrando que as leis de trânsito ainda não são eficazes para coibir o cidadão da prática de dirigir embriagado. Apesar das disposições do Código de Trânsito (Lei n° 9.503/1997), a imprudência ainda se faz presente no cotidiano da sociedade, resultando no aumento considerável do número de mortes no trânsito. Diante disso, foi necessário que os 1 Graduando em Direito pela Universidade do Vale do Taquari. 2 Orientador. Mestre em Direito pela Universidade de Santa Cruz do Sul. 5 legisladores implementassem a atual Lei Seca, qual seja a Lei nº 12.760/2012, que é mais rigorosa no que se refere a condutores embriagados. Dentre essas mudanças, cite-se a mais recente Lei n° 13.546/2017 que inseriu o § 3° no artigo 302, majorando a pena aplicada ao autor de homicídio, quando praticado na direção de veículo automotor sob influência de álcool. Outrossim, buscar-se-á explanar a problemática que envolve os acidentes de trânsito com vítima fatal, notadamente à responsabilidade penal do motorista que ceifou a vida de outrem na direção do seu veículo em decorrência da embriaguez ao volante. Sendo assim, a primeira seção deste artigo abordará o conceito do crime de embriaguez ao volante no Código de Trânsito Brasileiro (CTB). Será discutida a definição desse crime, as consequências da Lei Seca n° 11.705/08 e as alterações introduzidas pela Lei nº 13.546/17, que tornaram mais rigorosas as penalidades nos casos de embriaguez ao volante. Além disso, serão abordados os aspectos relacionados ao homicídio culposo e doloso no trânsito, destacando o artigo 302 do CTB que trata desse tema. Serão explorados os elementos que configuram a culpa e o dolo nesses casos, considerando a responsabilidade do condutor que, sob efeito de álcool ou substâncias psicoativas, causa acidentes de trânsito resultando em lesões graves ou morte. Em prosseguimento, a segunda seção abordará a caracterização do dolo eventual e da culpa consciente nos crimes de trânsito que envolvem embriaguez ao volante, bem como a punição do agente. Será discutido o conceito de dolo eventual e culpa consciente, explorando as diferenças entre eles e sua aplicação específica nos casos de embriaguez ao volante. Serão analisadas as espécies de dolo e culpa que podem estar presentes nesses casos, considerando a consciência do risco e a aceitação do resultado. Além disso, será abordada a relação entre a embriaguez ao volante e a aplicação do dolo e da culpa, analisando como esses elementos são considerados na responsabilização penal do condutor. Será discutido também o crime de homicídio doloso na direção de veículo automotor envolvendo embriaguez ao volante, levando em conta as disposições do Código Penal relacionadas a esse crime específico. A terceira e última seção abordará as posições jurisprudenciais dos Tribunais de Justiça do Rio Grande do Sul (TJRS) e do Supremo Tribunal Federal (STF) em relação à aplicação do dolo eventual e da culpa consciente nos homicídios de trânsito 6 causados pela embriaguez ao volante. Será examinada a visão jurisprudencial da culpa consciente nos crimes de trânsito, levando em consideração as decisões proferidas pelos tribunais e os critérios utilizados para caracterizar a consciência do risco por parte do agente. Será igualmente abordada a visão jurisprudencial do dolo eventual nos crimes de trânsito, analisando os posicionamentos dos tribunais sobre a aceitação do resultado e a assunção do risco pelo condutor embriagado. Ademais, serão comentadas as divergências existentes entre os tribunais em relação à aplicação do dolo eventual e da culpa consciente nesses casos, com o objetivo de compreender as diferentes interpretações adotadas e suas consequências para a responsabilização penal dos envolvidos. Por meio dessa análise jurisprudencial, busca-se uma compreensão mais aprofundada das abordagens dos tribunais em relação aos elementos do dolo eventual e da culpa consciente nos homicídios de trânsito relacionados à embriaguez ao volante, destacando a importância da jurisprudência na definição dos critérios de responsabilidade criminal nesses casos. O objetivo deste trabalho é entender as diferenças entre culpa consciente e dolo eventual, bem como compreender de que forma são aplicadas nos crimes de homicídio por embriaguez ao volante. Nesse sentido, pretende-se comparar decisões de diferentes tribunais, demonstrando a aplicação da responsabilidade penal e realizando um comparativo dos motivos que ensejaram a aplicação do dolo eventual ou da culpa consciente. O presente artigo adota a abordagem da pesquisa qualitativa, baseada em uma perspectiva interpretativa, que considera a realidade como uma construção resultante da interação entre indivíduos e o mundo ao seu redor. A escolha do método qualitativo se deve à sua capacidade de explorar e compreender as razões subjacentes aos fenômenos estudados, bem como identificar o que é considerado apropriado em determinados contextos. Ao analisar de forma descritiva e detalhada os dados coletados, por meio de diferentes abordagens, esse método proporciona uma investigação mais aprofundada e contextualizada sobre a aplicação do dolo eventual e da culpa consciente nos casos de homicídio por embriaguez ao volante. Essa abordagem qualitativa permite uma compreensão mais abrangente e significativa desses fenômenos, fornecendo reflexões valiosas para a discussão e análise dessas questões no campo jurídico. A importância deste trabalho está no grande número de acidentes causados devido a embriaguez ao volante, bem como na necessidade de compreender que a 7 aplicação do dolo eventual ou da culpa consciente deve ser baseada em cada caso, uma vez que apesar de serem institutos parecidos, a sua aplicação reflete consequências diferentes, desde o julgamento pelo Tribunal do Júri, até o regime inicial de cumprimento da pena. 2 O CRIME DE EMBRIAGUEZ AO VOLANTE NO CÓDIGO DE TRÂNSITO BRASILEIRO (CTB) O Código de Trânsito Brasileiro, em seu capítulo XIX, estabelece as condutas que são consideradas crimes no contexto da condução de veículos, apresentando normas penais para regular ações consideradas ilícitas em vias públicas. Essas ocorrências não podem ser punidas apenas por meio de medidas administrativas, uma vez que estão relacionadas à segurança e à preservação da vida. 2.1 Conceito do crime de embriaguez ao volante Os crimes de trânsito estão elencados no Código de Trânsito Brasileiro (Lei 9.503/97), do artigo 302 ao 312, onde estão previstas diversas condutas do motorista infrator, dentre eles o homicídio culposo e a lesão corporal, a condução de veículo sobre a influência de álcool, a participação em competição não autorizada em via pública, entre outras. Segundo dados fornecidos pela Polícia Rodoviária Federal (PRF), em 2019 foram registrados 5.419 acidentes causados por motoristas embriagados. Já em 2020, houve uma redução de 6%, totalizando 5.070 acidentes desse tipo. Durante os meses de janeiro a maio de 2021, foram registrados 1.738 acidentes causados por motoristas sob efeito de álcool. No que diz respeito à fiscalização, em 2020, quase 12 mil infratores foram retirados das rodovias federais por dirigirem sob a influência de álcool. Em 2019, esse número foi de 18.467. Esses dados mostram a ocorrência frequente de acidentes de trânsito relacionados à embriaguez ao volante, ressaltando a importância da legislação sobre o assunto (GOVERNO DO BRASIL, 2021). 8 O Código de Trânsito Brasileiro, em seu artigo 306 aborda a problemática do presente trabalho, a qual é cada vez mais recorrente nos dias atuais, e o texto de seu dispositivo já passou por 3 alterações. Sendo assim, importa trazer o texto original do referido arquivo: Conduzir veículo automotor, na via pública, sob a influência de álcool ou substância de efeitos análogos, expondo a dano potencial a incolumidade de outrem. Penas: detenção, de 6 (seis) meses a 3 (três) anos, multa e suspensão ou proibição de se obter a permissão ou a habilitação para dirigir veículo automotor (BRASIL, 1997, texto digital). Verifica-se, que a embriaguez ao volante do condutor por si só não caracteriza o delito tipificado no artigo referido, sendo necessário comprovar o perigo real (dano potencial) gerado a outrem em razão de dirigir sob a influência do álcool. A comprovação do crime de embriaguez ao volante podia ser por testes como exames clínicos, perícia e por meios técnicos e científicos em aparelhos homologados pelo Conselho Nacional de Trânsito (CONTRAN), que assim permite atestar o estado do motorista, nos termos do artigo 277 do Código de Trânsito Brasileiro3. Posteriormente, o legislador acabou por editar a Lei nº 11.705/2008, denominada de “Lei Seca”, como forma de tentar coibir o consumo de bebida alcoólica por condutor de veículo automotor. A partir da referida alteração normativa, no artigo 3064 incorpora-se ao texto legal a previsão da ingestão de uma quantidade igual ou superior a seis decigramas de álcool por litro de sangue por parte do condutor de veículo automotor, como forma de configurar o crime de embriaguez ao volante. Importante ressaltar que as penas não foram alteradas neste momento. Contudo os elementares do tipo fundamental, caput do artigo, foram modificadas, com o acréscimo do parágrafo 1º, dispondo sobre a forma de constatação do delito; do parágrafo 2º, autorizando o uso de todos os meios de prova admitidos em direito para a demonstração da infração; e, por fim, do parágrafo 3º, que atribui ao Conselho Nacional de Trânsito (CONTRAN) disporá sobre a equivalência dos testes de alcoolemia. Por fim, a nova Lei Seca dispôs sobre a questão da quantificação de álcool 3 “Artigo 277. O condutor de veículo automotor envolvido em acidente de trânsito ou que for alvo de fiscalização de trânsito poderá ser submetido a teste, exame clínico, perícia ou outro procedimento que, por meios técnicos ou científicos, na forma disciplinada pelo Contran, permita certificar influência de álcool ou outra substância psicoativa que determine dependência” (BRASIL, 1997, texto digital). 4 “Art. 306. Conduzir veículo automotor com capacidade psicomotora alterada em razão da influência de álcool ou de outra substância psicoativa que determine dependência: § 1o As condutas previstas no caput serão constatadas por: I- concentração igual ou superior a 6 decigramas de álcool por litro de sangue ou igual ou superior a 0,3 miligrama de álcool por litro de ar alveolar; II- sinais que indiquem, na forma disciplinada pelo Contran, alteração da capacidade psicomotora” (BRASIL, 1997, texto digital). 9 por litro de sangue, ampliando a possibilidade de responsabilização penal dos transgressores (OLIVEIRA; COTA, 2021). Como se não bastasse, a segunda alteração foi trazida pela Lei nº 12.760/20125 que alterou o texto da Lei nº 9.503, de 23 de setembro de 1997 (Código de Trânsito Brasileiro), nos artigos 165, 276, 277 e 306, tornando mais rígidos os efeitos da Lei nº 11.705, de 19 de junho de 2008. Em suma, implementou a “tolerância zero” na concentração de álcool, e de substâncias que causam dependência, e que altera a capacidade psicomotora dos condutores. Segundo Oliveira (2012), a celeridade com que se deu a aprovação da Lei nº 12.760/2012, se relaciona a necessidade de dirimir os conflitos gerados pela lei anterior, que estipulava uma quantidade mínima de álcool para a caracterização do crime, tornando-a ineficaz para o delito criminal. A última alteração trazida é de suma importância, a Lei nº 13.546/20176 introduziu o §3º ao art. 302 do CTB, estabelecendo que: Artigo 302 [...] §3o Se o agente conduz veículo automotor sob a influência de álcool ou de qualquer outra substância psicoativa que determine dependência: Penas - reclusão, de cinco a oito anos, e suspensão ou proibição do direito de se obter a permissão ou a habilitação para dirigir veículo automotor (BRASIL, 2017, texto digital). No final de 2017, especificamente em 19 de dezembro, foi promulgada a Lei nº 13.546/17, introduzindo novas alterações no Código de Trânsito Brasileiro. Essas modificações tinham como objetivo impor medidas mais rigorosas em relação às condutas que causam um impacto significativo na sociedade, especialmente no que diz respeito aos casos de "acidentes" causados por motoristas embriagados (LEITÃO, 2018). Dessa forma, segundo Carvalho (2018), o objetivo do legislador foi assegurar maior rigidez aos casos de embriaguez ao volante, substituindo a pena prevista de detenção para reclusão. Buscou-se, portanto, diante das alterações legislativas, reduzir a maior causa de mortes no trânsito, qual seja, o consumo de bebida alcoólica, mediante a tipificação da referida conduta como crime. Encerrando essa variedade de leis, destaca-se a introdução da Lei nº 13.546/17, cujo objetivo foi estabelecer penalidades mais severas para o ato de causar a morte de outra pessoa ao conduzir um veículo automotor sob influência de álcool ou qualquer substância psicoativa que cause dependência (BARROS, 2018). 5 Lei nº 12.760, de 20 de dezembro de 2012 que alterou o texto da Lei 9.503, de 23 de setembro de 1997 (Código de Trânsito Brasileiro), nos artigos 165, 276, 277 e 306, acesso em: 07 mai. 2023. 6 Lei nº 13.546/2017 que alterou o texto da Lei 9.503, de 23 de setembro de 1997 (Código de Trânsito Brasileiro) modificou §3º do art. 302 do CTB. 10 Por fim pode-se observar que a maior mudança está em seu parágrafo terceiro onde a pena do infrator de fato aumenta significativamente nos casos de homicídio de trânsito que passa de reclusão, de cinco a oito anos de prisão e assim demonstrar para aqueles condutores que pretendem pegar a direção de veículo automotor embriagados botar a mão na consciência e repensar suas atitudes no trânsito. 2.2 Lei Seca n° 11.705/08 e as alterações da Lei nº 13.546/17 no CTB. O crescente número de acidentes ocasionados por embriaguez ao volante tem se tornado um grande problema, importante frisar o perigo que se torna um veículo sendo conduzido em vias públicas por uma pessoa embriagada. São acidentes que destroem famílias e que muitas vezes poderiam ser evitados pela consciência dos condutores de não beber e dirigir. O condutor sob os efeitos do álcool tende a ser mais impulsivo e distraído, menos atento com uma tendência a diminuir os processos perceptivos, a tolerância à frustração e elevando seu sentimento de raiva, podendo tornar-se mais agressivo e com isso ser mais propício a cometer erros. Temos então a concepção de Júlio Fabbrini Mirabete (2008, p. 212) onde, “a embriaguez é intoxicação aguda e transitória causada pelo álcool e, nos termos legais, por substância de efeitos análogos, que podem diminuir ou privar o sujeito da capacidade normal de entendimento”. Diante disso, algumas tentativas de solucionar este problema foram criadas uma normatização muito importante como as alterações introduzidas pelas Lei Federal nº 11.705/2008 chamadas de “Lei Seca”, que acabou por modificar os artigos 10, 165, 276, 277, 291, 296, 306. Do CTB. A ideia pela legislação em destaque, está discriminado no art. 1º Art. 1º 7 Pode-se observar que a própria alteração, a finalidade principal é a imposição de penalidades mais severas ao condutor que vier a dirigir sob a influência de álcool. 7 Artigo 1º. “Esta Lei altera dispositivos da Lei nº 9.503, de 23 de setembro de 1997, que institui o Código de Trânsito Brasileiro, com a finalidade de estabelecer alcoolemia 0 (zero) e de impor penalidades mais severas para o condutor que dirigir sob a influência do álcool, e da Lei nº 9.294, de 15 de julho de 1996, que dispõe sobre as restrições ao uso e à propaganda de produtos fumígeros, bebidas alcoólicas, medicamentos, terapias e defensivos agrícolas, nos termos do § 4º do art. 220 da Constituição Federal, para obrigar os estabelecimentos comerciais em que se vendem ou oferecem bebidas alcoólicas a estampar, no recinto, aviso de que constitui crime dirigir sob a influência de álcool” (BRASIL, 2008, texto digital). 11 Antes da criação da lei seca a legislação anterior permitia a ingestão de até 6 decigramas de álcool por litro de sangue equivalente a dois copos de cerveja. Naquela época, dirigir sob efeito de álcool e expor outras pessoas ao perigo era considerado um crime e poderia render de 3 a 6 meses de prisão. A tolerância para álcool agora é zero, pois qualquer concentração desta substância detectada hoje no sangue é sujeito de punição, Além da multa e da suspensão do direito de dirigir, a pena ainda se cumula a medida administrativa da retenção do veículo até a apresentação de um condutor habilitado, e do recolhimento do documento de habilitação. Atualmente, o condutor que ingerir qualquer quantidade de bebida alcoólica e for submetido à fiscalização de trânsito está sujeito à multa, considerada gravíssima, no valor de R$2.934,70, terá o carro apreendido e a suspensão do direito de dirigir por 12 meses. Se houver reincidência no período de 12 meses, a multa é dobrada para R$5.869, 40. Segundo Cabette (2009, p. 12): O antigo artigo 276, CTB, estabelecia que a “concentração de seis decigramas de álcool por litro de sangue” comprovava que o condutor estava impedido de dirigir veículo automotor. Agora a nova redação do mesmo dispositivo estabelece uma verdadeira “tolerância zero” para a combinação do álcool com a direção. Atualmente, qualquer concentração de álcool por litro de sangue impede o condutor de dirigir e o submete às sanções do artigo 165, CTB. Não há como negar que desde a implementação da lei 11.705/08 às fiscalização e punições sobre condutores que dirigem embriagados foram bastante repressivas, mas de certo modo continuou a aumentar os índices de embriaguez ao volante. Muitos motoristas mudam seus hábitos nos que prezam a lei em vigor, mas a grande maioria ainda continua infringindo a lei e assim acreditando na impunidade das leis e nos perigos do trânsito. Diante disso As evidências científicas internacionais apontam que os principais impactos resultantes de uma lei desde tipo devem-se à contundência da fiscalização dos motoristas com bafômetros e às decorrentes penalidades administrativas. Desta forma, esta lei seca, como já foi visto anteriormente, promove uma modificação no ambiente em que se bebe, alterando o comportamento e os hábitos dos bebedores, modificando a associação, outrora natural, entre bebida e direção. Em outras palavras, com o aumento da sensação de que podem ser pegos pela fiscalização da lei, motoristas mudam seu comportamento de consumir bebidas alcoólicas e dirigir. Isso apresenta muito mais eficácia e efetividade do que medidas educacionais isoladas, como mensagens do tipo “se beber, não dirija”, ou programas do tipo “piloto da vez”. (DUAILIBI; PINSKY; LARANJEIRA, 2011, p. 98). É importante lembrar que a nova alteração chamada de “nova lei seca” Lei nº 12.760/2012 também ampliou a penalização do condutor. Como cita Marcão (2013, texto digital): 12 A denominada “Nova Lei Seca” resolveu a questão da quantificação de álcool por litro de sangue, exigida na redação anterior do artigo 306, caput, e com isso ampliou a possibilidade de responsabilização penal, o que é positivo. Por outro vértice, trouxe novas discussões jurídicas, todas evitáveis se o legislador fosse mesmo técnico e se preocupasse em ouvir e acolher, durante o processo legislativo, opiniões jurídicas realmente abalizadas. Ela é mais severa tendo maior rigor punitivo à conduta da embriaguez ao volante, reduzindo para zero a tolerância no nível de álcool no sangue para motoristas. O objetivo principal é reduzir os acidentes e transtornos causados pelo uso do álcool combinado à direção de um veículo. Dentro desse viés, se observa que se legislador tivesse o conhecimento e perícia, essas novidades da Lei 12.760/2012 já estariam inseridas na Lei 11.705/2008. A alteração do Código de Trânsito Brasileiro (CTB) pela Lei nº 12.760/12 teve como principal objetivo confrontar o entendimento do Poder Judiciário, que vinha se consolidando a favor da exigência de medição da quantidade de álcool no organismo do condutor. A redação anterior do artigo 306 estabelecia o limite mínimo de seis decigramas de álcool por litro de sangue. Com a nova redação, a modificação do CTB pela Lei nº 12.760/12 permitiu a punição criminal dos condutores que são flagrados visivelmente sob influência de álcool, mas se recusam a realizar os testes de alcoolemia. Agora, é possível configurar o crime inclusive por meio de evidências em vídeo e depoimentos testemunhais sobre a condição do acusado (ARAÚJO, 2016). A combinação de álcool e direção de veículo automotor de fato não combinam, gerando uma série de problemas a todos os envolvidos. Toda lei que venha a endurecer punições para condutores infratores será sempre bem-vinda, visando pela preocupação com a coletividade e com a segurança viária, prudência e respeito às regras de trânsito podem garantir a diminuição de acidentes e em decorrência disso também a diminuição do número de mortes. 2.3 Do homicídio culposo e doloso no trânsito Antes de abordar o dolo eventual e a culpa consciente é preciso, primeiramente, conceituar os termos dolo e culpa. Inicialmente, é de suma importância buscar na doutrina a definição lato sensu de dolo e culpa. 13 Segundo Cardoso (2017), para uma melhor compreensão da diferença entre dolo e culpa, é imprescindível compreender que ambas são atitudes voluntárias que acabam ocasionando um ato ilícito, estando a diferença na atitude do agente, o qual pode atuar de forma intencional (dolo) ou descuidada (culpa). Com muita propriedade, Greco (2013) define que dolo é a intenção e consciência direcionadas para executar a conduta descrita como crime no tipo penal correspondente. Paralelamente, Zaffaroni e Perangeli (2001, p. 480-481) entendem que: O dolo é o querer do resultado típico, a vontade realizadora do tipo objetivo. O nosso código fala em dolo no seguinte sentido: ‘quando o agente quis o resultado’ (art. 18, I). Assim sendo, para que um sujeito possa querer algo como, por exemplo, o ‘querer pintar a igreja da Antuérpia’, que havia na conduta de Van Gogh ao pintá-la, ele necessariamente deve também conhecer algo: Van Gogh devia conhecer a igreja de Antuérpia e os meios que necessitava para pintá-la Todo querer pressupõe um conhecer. Acontece o mesmo com o dolo, pois é um querer. O conhecimento que este ‘querer’ pressupõe é o dos elementos do tipo objetivo no caso concreto, transformar em direta. De acordo com Nelson Hungria e Heleno Cláudio Fragoso, o dolo é a forma mais grave de culpabilidade, sendo simultaneamente representação e vontade. Em suma, o dolo consiste na vontade consciente e livre direcionada ao resultado contrário à lei ou, pelo menos, na aceitação do risco de produzi-lo (HUNGRIA; FRAGOSO, 1978). Para breve esclarecimento, o dolo é entendido como uma intenção de forma consciente de praticar ato criminoso, há a existência da vontade e a consciência do resultado pelo agente, ao passo que na modalidade eventual, o agente prevê o resultado e o aceita, mesmo não sendo ele a sua intenção (GRECO, 2012). Por outro lado, temos a culpa onde na concepção de Bitencourt (2011), se caracterizando pela falta de cumprimento do dever objetivo de cuidado expresso em uma conduta que resulta em um resultado não desejado, porém, previsível de forma objetiva. No mesmo sentido, a culpa pode ser definida como sendo A culpa pode ser igualmente descrita como uma conduta negligente, intencional em relação a um objetivo específico, seja ele lícito ou ilícito, mesmo que resulte em um resultado ilícito, não desejado, porém previsível e evitável (NUCCI, 2015) 14 A legislação brasileira apresenta no artigo 188 do Código Penal a previsão legal da culpa e do dolo. Ademais, o crime de homicídio culposo é originário no §3º do artigo 1219 do Código Penal Brasileiro, onde prevê a pena de detenção, de um a três anos, para aqueles que mediante negligência, imperícia ou imprudência, dão causa à morte de outrem. Igualmente, observa-se que um crime culposo não ocorre meramente porque alguém não tinha a intenção de praticá-lo. Dessa forma, segundo a doutrina, a culpa advém de três diferentes tipos de conduta: a negligência, a imprudência e a imperícia. Neste sentido, a negligência seria a ausência de cuidado ou desatenção no que se refere ao ato realizado, ou seja, o agente deixa de desempenhar a ação que a prudência determina; enquanto que na imprudência ele pratica uma conduta cuja cautela indica que não deve ser realizada (JESUS, 2015). Sobre o elemento imprudência, é importante trazer a seguinte reflexão: Imprudência é a prática de uma conduta arriscada ou perigosa e tem caráter comissivo. É a imprevisão ativa (culpa in faciendo ou in committendo). Conduta imprudente é aquela que se caracteriza pela intempestividade, precipitação, insensatez ou imoderação do agente. Imprudente é, por exemplo, o motorista que embriagado, viaja dirigindo seu veículo automotor, com visível diminuição de seus reflexos e acentuada liberação de seus freios inibitórios (BITENCOURT, 2011, p. 337, grifo do autor). Já no que diz respeito a imperícia esta ocorre quando ocorre quando há uma inaptidão do agente quando atuando em sua profissão ou ofício, portanto, a imperícia está atrelada ao exercício de sua função. Não diferente é a conduta descrita no artigo 30210 do CTB. No entanto, por tratar-se de norma específica (ocorrência do delito na condução de veículo automotor), esta prevalece sobre a regra geral descrita no Código Penal (GRECO, 2013). 8 “Art. 18 - Diz-se o crime: I – doloso, quando o agente quis o resultado ou assumiu o risco de produzi- lo; II - culposo, quando o agente deu causa ao resultado por imprudência, negligência ou imperícia” (BRASIL, 1940, texto digital). 9 “Art. 121. [...] § 3ºCP Se o homicídio é culposo: (Pena – detenção, de um a três anos) § 4º No homicídio culposo, a pena é aumentada de 1/3 (um terço), se o crime resulta de inobservância de regra técnica de profissão, arte ou ofício, ou se o agente deixa de prestar imediato socorro à vítima, não procura diminuir as consequências do seu ato, ou foge para evitar prisão em flagrante. Sendo doloso o homicídio, a pena é aumentada de 1/3 (um terço) se o crime é praticado contra pessoa menor de 14 (quatorze) ou maior de 60 (sessenta) anos” (BRASIL, 1940, texto digital). 10 “Art. 302.. Praticar homicídio culposo na direção de veículo automotor: Penas – Detenção, de dois a quatro anos, e suspensão ou proibição de se obter a permissão ou a habilitação para dirigir veículo automotor. § 3o Se o agente conduz veículo automotor sob a influência de álcool ou de qualquer outra substância psicoativa que determine dependência: Penas - reclusão, de cinco a oito anos, e suspensão ou proibição do direito de se obter a permissão ou a habilitação para dirigir veículo automotor” (BRASIL, 1997, texto digital). 15 No caso de embriaguez completa decorrente de caso fortuito ou força maior, a total falta de imputabilidade é reconhecida, uma vez que o indivíduo perde a capacidade de compreensão e vontade. Nesse sentido, o agente deve ser absolvido, conforme disposto no artigo 28, parágrafo 1º do Código Penal. É importante ressaltar que, ao contrário do que ocorre em casos de doença mental ou desenvolvimento incompleto ou retardado, não há a imposição de medidas de segurança (absolvição imprópria), uma vez que não é necessário submeter o indivíduo a tratamento médico. Portanto, a absolvição é considerada adequada (CAPEZ, 2015). Portanto, resumidamente, pode-se dizer que o dolo traz consigo uma vontade, que envolve intenção e objetivo. Desse modo, um crime doloso sempre tende a ser mais grave do que um crime culposo, pois o agente atingiu o objetivo que pretendia. Por exemplo, trata-se de um homicídio doloso quando alguém quis matar outrem e assim o fez; enquanto que no homicídio culposo, o agente acabou matando alguém mediante uma ação que não tinha a finalidade do resultado morte. 3 A CARACTERIZAÇÃO DO DOLO EVENTUAL E CULPA CONSCIENTE NOS CRIMES DE TRÂNSITO QUE ENVOLVEM EMBRIAGUEZ AO VOLANTE E A PUNIÇÃO DO AGENTE Estabelecida de forma breve e genérica a distinção entre dolo e culpa, buscar- se-á tecer algumas considerações entre o dolo eventual e a culpa consciente nos crimes de trânsito que envolve embriaguez ao volante, assim como da aplicação do dolo eventual nos crimes de homicídio no trânsito 3.1 Conceito de dolo eventual e culpa consciente O dolo eventual e a culpa consciente são institutos do Direito Penal com semelhanças, porém com efeitos práticos diferentes. Ambos ocorrem quando o agente, ao realizar uma conduta, tem conhecimento do risco de causar danos a um 16 bem jurídico protegido pela lei penal, de forma que é necessário trazer o que os diferencia. De acordo com Bitencourt (2014), existe uma divergência histórica na doutrina penal em relação à diferenciação entre dolo eventual e culpa consciente para a correta classificação do ato ilícito cometido. O autor ressalta que há uma zona cinzenta, uma área de incerteza, e é crucial estabelecer com a maior clareza possível os limites dessa fronteira, considerando o tratamento jurídico diferenciado dado a essas duas categorias. Quando o autor menciona o tratamento jurídico diferenciado, refere-se ao fato de que, embora os limites entre dolo eventual e culpa consciente sejam próximos na teoria, as consequências legais para cada um deles são significativamente diferentes. Inicialmente, no que tange ao dolo, este se configura na presença dos seguintes requisitos: a) Abrangência: O dolo deve abranger todos os elementos objetivos do tipo penal. Isso significa que a vontade do agente deve compreender todos os elementos descritos na definição legal do crime. b) Atualidade: O dolo deve estar presente no momento da realização da conduta criminosa. Não pode ser apenas anterior (dolo anterior) ou posterior (dolo subsequente) à ação delitiva. É no momento da execução do ato que o agente deve possuir a intenção de praticar o crime. c) Possibilidade de influenciar o resultado: É indispensável que a vontade do agente seja capaz de influenciar diretamente o resultado típico, ou seja, a concretização do fato previsto como crime. O agente deve ter a capacidade de produzir, por sua vontade, o resultado descrito na tipificação penal. Essas características do dolo são essenciais para a configuração da responsabilidade penal do agente, já que é a presença desses elementos que demonstra sua intenção consciente e voluntária de praticar um crime (CAPEZ, 2015). Enquanto isso, o dolo eventual ocorre quando o indivíduo assume conscientemente o risco de produzir um determinado resultado, ou seja, ele reconhece e aceita o risco envolvido. Nesse caso, o agente não deseja diretamente o resultado, pois se assim fosse, caracterizaria o dolo direto. Em vez disso, o agente prevê o resultado e age de acordo com essa previsão. Sua vontade não está direcionada ao resultado em si, mas sim à conduta, sabendo que essa conduta pode levar ao resultado em questão. O agente percebe que é possível causar o resultado e, mesmo assim, decide realizar a ação. Em vez de desistir da conduta para evitar o resultado, ele opta por prosseguir e aceitar que o resultado ocorra (ESTEFAM, 2023). 17 Outro importante conceito sobre dolo eventual é trazido por Bitencourt (2011, p. 321): Haverá dolo eventual quando o agente não quiser diretamente a realização do tipo, mas aceitá-la como possível ou até provável, assumindo o risco da produção do resultado, (art.18, I in fine, do CP). No dolo eventual o agente prevê o resultado como provável ou, ao menos, como possível, mas apesar de prevê-lo age aceitando o risco de produzi-lo. Como afirma Hungria, assumir o risco é alguma coisa mais que ter consciência de correr o risco: é consentir previamente no resultado, caso este venha efetivamente a ocorrer. De forma semelhante, pode-se afirmar que o dolo eventual representa a vontade do agente que não está direcionada diretamente à produção do resultado, mas sim a algo diferente. O agente, mesmo antecipando a possibilidade de o resultado ocorrer, assume conscientemente o risco de causá-lo. Essa possibilidade de ocorrência do resultado não o impede de agir, e ele prossegue com a conduta, aceitando o resultado como consequência de suas ações (BARROSO, 2016). Sendo assim, é possível compreender que o dolo eventual ocorre quando o agente age ou se abstém de agir, estando plenamente ciente do risco de causar um resultado prejudicial a um bem jurídico protegido pela lei penal, por meio de sua conduta, e aceita esse resultado caso venha a ocorrer. No dolo eventual, o indivíduo representa o resultado como provável de ser produzido e, embora não tenha a intenção direta de produzi-lo, continua agindo e admite sua eventual ocorrência. O agente não deseja o resultado, mas o considera como uma possibilidade real, assume o risco envolvido. Já no que importa à culpa consciente, também denominada de culpa com previsão, esta ocorre quando o agente prevê que sua conduta pode levar a um determinado resultado prejudicial, apesar de crer que tal acontecimento não se realizará, acreditando na sua determinação para evitar o resultado (GANEM, 2017). A culpa consciente também é conhecida como culpa com representação ou culpa ex lascívia, ocorrendo quando o indivíduo é capaz de prever o resultado danoso, o antecipa, mas acredita firmemente que esse resultado não ocorrerá. O agente confia que sua ação levará apenas ao resultado que ele pretende, mas isso não se concretiza devido a um erro de cálculo ou falha na execução. Nesse contexto, o agente possui o conhecimento prévio do risco existente, mas, devido a uma convicção equivocada ou excesso de confiança, acredita que o resultado indesejado não se concretizará. Ele subestima a probabilidade de ocorrer o resultado danoso, confiando erroneamente em sua habilidade ou controle sobre a situação. Dessa forma, a culpa consciente envolve uma negligência imprudente por parte do agente, que, mesmo prevendo o risco, 18 acredita erroneamente que poderá evitá-lo. No entanto, suas expectativas se mostram equivocadas, resultando na efetiva ocorrência do dano ao bem jurídico tutelado (JESUS, 2015). Conforme a interpretação de Bittencourt (2011), a chamada culpa consciente, também conhecida como culpa com previsão, ocorre quando o indivíduo, ao negligenciar o cuidado devido, antecipa a possibilidade de um resultado ocorrer, porém acredita firmemente que ele não se concretizará. Portanto, pode-se concluir que a diferença fundamental entre o dolo eventual e a culpa consciente reside no fato de que, no dolo eventual, o agente, ao prever o resultado prejudicial, se mostra indiferente ao resultado, enquanto na culpa consciente o agente acredita sinceramente que o resultado não vai acontecer. Essa diferença está relacionada à atitude mental do agente em relação ao risco envolvido, ou seja, é de caráter subjetivo. 3.2 A embriaguez ao volante e a aplicação do dolo e da culpa e suas espécies. Esclarecida brevemente a diferença entre dolo eventual e culpa consciente, insurge a necessidade de demonstrar a aplicação destes institutos de culpabilidade frente ao crime de embriaguez ao volante. Quando se trata de crimes de trânsito, a distinção entre os referidos institutos torna-se uma tarefa árdua, principalmente porque em alguns casos o agente pratica uma conduta descrita como sendo culposa, no entanto é condenado por crime doloso, com pena mais grave; já em outros, age com dolo eventual, porém é condenado por delito culposo, cuja pena é mais branda, inclusive sem acarretar privação de liberdade. Portanto, para evitar injustiças, o Judiciário deve estar atento à correta adequação dos institutos ao caso concreto (OLIVEIRA; COTA, 2021). Na situação de embriaguez ao volante, Ganem (2017, p. 09) observa que se deve falar apenas em culpa consciente, pois: [...] ao conduzir o veículo sob efeito de álcool, o condutor acredita e espera, sinceramente, que o resultado não se realize, conseguindo, assim, chegar ao seu destino sem que nada aconteça, agindo, consequentemente, com culpa consciente. 19 Segundo Oliveira e Cota (2018), a doutrina majoritária tem defendido que, em regra, deve-se aplicar a culpa consciente nos crimes de trânsito, justificando tal entendimento sob a ótica de que mesmo o agente tendo praticado o resultado morte previsto antecipadamente, ele não consentiu mentalmente com o resultado, uma vez que, sob efeito de álcool ou de qualquer outra substância psicoativa que determine dependência, não estão presentes os elementos subjetivos consciência e vontade de causar a morte de terceiro, característicos do dolo; do contrário, agiram com imprudência, portanto, justifica-se a imputação por homicídio culposo. A negligência é caracterizada pela displicência no agir, pela falta de precaução e pela indiferença do agente diante de suas obrigações. Refere-se à omissão em adotar as cautelas necessárias, revelando imprevisão passiva, desleixo e inação (culpa in omittendo). É a ausência de realização do que deveria ser feito. Um exemplo de conduta negligente seria um motorista de ônibus que conduz o veículo com as portas abertas, resultando na queda e morte de um passageiro. Nesse caso, a negligência está relacionada à falha do motorista em cumprir sua obrigação de zelar pela segurança dos passageiros. Ao não tomar as medidas adequadas, como fechar as portas corretamente antes de iniciar a viagem, o motorista demonstra desconsideração pelos riscos envolvidos e pela integridade das pessoas que estão sob sua responsabilidade (BITENCOURT, 2019). Imperícia é caracterizada pela falta de habilidade ou competência para exercer uma determinada arte ou profissão. Profissionais como químicos, eletricistas, motoristas, médicos, engenheiros, farmacêuticos, entre outros, necessitam de conhecimentos teóricos e práticos para desempenhar suas atividades adequadamente. No entanto, é possível que, devido à falta de conhecimento técnico ou prática, essas pessoas causem danos aos interesses jurídicos de terceiros durante o exercício de suas funções. É importante ressaltar que a imperícia está relacionada ao desempenho inadequado no contexto específico da arte, ofício ou profissão em questão. Se o indivíduo realiza uma conduta fora de sua área de atuação, não se pode falar em imperícia, mas sim em imprudência ou negligência. A imperícia pressupõe que o fato tenha sido cometido no exercício dessas atividades profissionais. Portanto, a imperícia decorre da falta de habilidade, conhecimento ou competência necessários para o desempenho adequado de uma determinada arte, ofício ou profissão (JESUS, 2020). 20 No mesmo sentido, Callegari (1995, p. 511) estabelece uma crítica que merece ser repassada: Não é possível afirmar, como querem alguns aplicadores do direto do nosso Estado, que da conduta daquele que se embriaga, dirige em velocidade elevada e fere ou mata mais de uma pessoa, que estaria agindo com dolo eventual, visto que tal conduta não há manifestação de vontade do agente em relação ao resultado. Neste sentido, conduzir veículo sob a influência de bebidas alcoólicas, na visão de Rizzardo (2004), já é suficiente para afirmar que ele está assumindo o risco de produzir um resultado danoso (dolo eventual), pois, apesar da condição física e psíquica ficar mais vulnerável, ele continua a desenvolver a conduta criminosa. Por sua vez, para Carvalho (2018) para a aplicabilidade do dolo eventual nos crimes de trânsito, é necessário um número maior de informações comprobatórias, não se prendendo somente ao fato do motorista estar embriagado, trazendo mais possibilidade de elementos e argumentações nessas situações. Para Nucci (2022), dolo eventual é a vontade consciente do agente de alcançar um resultado específico, mesmo que ele esteja ciente da possibilidade da ocorrência de um segundo resultado indesejado, mas que ele aceita como consequência provável. Nesse sentido, a lei utiliza a expressão "assumir o risco de produzi-lo". Em casos mais complexos, o agente não busca diretamente o segundo resultado, mas reconhece que ele pode ocorrer junto com aquilo que ele pretende, e essa eventualidade lhe é indiferente. Dolo eventual implica que o agente tenha consciência da probabilidade de um resultado indesejado, mas mesmo assim prossegue com a conduta, assumindo o risco de produzi-lo. O agente não deseja diretamente esse resultado, mas está disposto a aceitá-lo como parte da realização de sua vontade principal. Em outras palavras, o agente prevê a possibilidade do resultado indesejado, mas age de qualquer maneira, sem se importar com sua ocorrência. Portanto, o dolo eventual envolve a vontade consciente do agente de buscar um resultado específico, mesmo que ele esteja ciente da possibilidade de um segundo resultado indesejado, que ele admite como provável. O agente não tem a intenção direta de causar o segundo resultado, mas aceita sua ocorrência como um risco aceitável. No entendimento de Tobias (2012), a conjugação de embriaguez ao volante e velocidade excessiva configura o dolo eventual, não isentando o condutor da pena mais grave, uma vez que acaba assumindo o risco de provocar dano à integridade física de terceiros, pois, ao dirigir nestas condições, caracteriza-se um risco à 21 sociedade. Portanto, não há dúvidas que o condutor concordou com o resultado produzido, devendo ser responsabilizado por dolo eventual. Nesse sentido, Greco (2017, p. 341), traz uma importante reflexão sobre os institutos de culpabilidade e sua aplicação ao caso prático: Imagine-se o exemplo daquele que, durante a comemoração de suas bodas de prata, beba excessivamente e, com isso, se embriague. Encerrada a festividade, o agente, juntamente com sua esposa e três filhos, resolve voltar rapidamente para a sua residência, pois queria assistir a uma partida de futebol que seria transmitida pela televisão. Completamente embriagado, dirige em velocidade excessiva, a fim de chegar a tempo para assistir ao início do jogo. Em razão do seu estado de embriaguez, conjugado com a velocidade excessiva que imprimia ao seu veículo, colide seu automóvel com outro veículo, causando a morte de toda a sua família. Pergunta-se: Será que o agente, embora dirigindo embriagado e em velocidade excessiva, não se importava com a ocorrência dos resultados? “É claro que se importava”. A diferenciação dos institutos do dolo eventual e da culpa consciente nos crimes de trânsito é bastante complexa, tendo em vista que a decisão sobre enquadrar ou não a conduta como sendo crime doloso está sujeita a aspectos psicológicos do agente. O dolo eventual e a culpa consciente se distinguem também pelo aspecto psicológico, que provoca bastante discussão, uma vez que é muito difícil determinar se o agente teve culpa consciente ou dolo eventual neste caso (NUCCI, 2022). De acordo com Greco (2020), há uma constatação de que muitos casos semelhantes são julgados de maneiras diferentes. Ele destaca a existência de insegurança jurídica nesse aspecto, pois um acidente automobilístico amplamente divulgado pela mídia pode resultar no autor sendo indiciado, denunciado e levado a julgamento pelo Tribunal do Júri por homicídio com dolo eventual. No entanto, em outro caso semelhante, mas que não recebe a mesma atenção da mídia, é provável que seja tratado no juízo singular como um caso de natureza culposa. Essa discrepância nos tratamentos jurídicos adotados em situações semelhantes gera incertezas e inconsistências no sistema jurídico. Atualmente, aqueles que cometem homicídios no trânsito enfrentam incertezas ao serem julgados. O entendimento dos juízes não é unânime e a jurisprudência nacional demonstra como a distinção entre dolo eventual e culpa consciente é tênue, especialmente nos crimes de trânsito. Não é aceitável que a definição dessa fronteira tão delicada nas condutas dependa da sorte de ser julgado por um determinado tribunal ou de receber atenção da mídia. É necessário buscar uma abordagem mais consistente e uniforme para esses casos, que não esteja sujeita a fatores externos como o acaso do sistema judicial ou a cobertura midiática. A justiça deve ser aplicada 22 de maneira imparcial e baseada em critérios claros e objetivos, garantindo a segurança jurídica e a igualdade de tratamento para todos os envolvidos (NUCCI, 2019). Segundo o entendimento do Superior Tribunal de Justiça, a imputação do dolo eventual é justificada quando o agente conduz o veículo sob influência de álcool, em alta velocidade e na contramão. O Tribunal entende que esses elementos indicam que o agente, nesse caso específico, assumiu conscientemente o risco de causar a morte, o que sustenta a aplicação do dolo. De acordo com essa posição jurisprudencial, a combinação dessas condutas perigosas e imprudentes evidencia a ciência do agente sobre o risco de produzir um resultado letal. Dessa forma, o dolo eventual é imputado com base nos elementos delineados, respaldando a conclusão de que o agente assumiu o risco de causar a morte (STJ. HC 301.295/SP. Sexta Turma. Relator: Min. Sebastião Reis Junior. Julgado em 13/05/2015). Enquanto isso, o Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul já demonstrou entendimento diverso: Ementa: RECURSO EM SENTIDO ESTRITO. HOMICÍDIO QUALIFICADO. DOLO EVENTUAL NA DIREÇÃO DE VEÍCULO AUTOMOTOR. AUSÊNCIA DE ELEMENTOS QUE INDIQUEM O AGIR DOLOSO DO RÉU. DESCLASSIFICAÇÃO MANTIDA. 1. OS HOMICÍDIOS COMETIDOS NA DIREÇÃO DE VEÍCULO AUTOMOTOR, COMO REGRA, SÃO PERPETRADOS NA FORMA CULPOSA, ESTANDO ABRANGIDOS PELO CÓDIGO DE TRÂNSITO BRASILEIRO. EXCEPCIONALMENTE, QUANDO O CONTEXTO FÁTICO REVELAR ELEMENTOS EXTRAORDINÁRIOS, A CONDUTA PODE AMOLDAR-SE À FIGURA TÍPICA DO ARTIGO 121 DO CÓDIGO PENAL, DEMONSTRADO, SUFICIENTEMENTE, QUE O AGENTE ASSUMIU O RISCO DE PRODUZIR O RESULTADO MORTE, OU SEJA, AGIU MEDIANTE DOLO EVENTUAL. 2. PARA A CONFIGURAÇÃO DO DOLO EVENTUAL NO TRÂNSITO, A EMBRIAGUEZ OU O EXCESSO DE VELOCIDADE, EM SI E ABSTRATAMENTE, NÃO SÃO SUFICIENTES A INDICAR QUE O AGENTE, INCLUSIVE EXPONDO A PERIGO A PRÓPRIA VIDA, ASSUMIU O RISCO DE PRODUZIR O RESULTADO DANOSO E PREVISÍVEL. É PRECISO MAIS. IMPRESCINDÍVEL QUE A PROVA CARREADA AOS AUTOS REVELE SITUAÇÃO EM QUE O AGENTE TENHA ULTRAPASSADO OS LIMITES DA IMPRUDÊNCIA, NEGLIGÊNCIA OU IMPERÍCIA A PONTO DE ASSUMIR O RISCO DO RESULTADO MORTE. EM TERMOS DOGMÁTICOS, TRATA-SE DE IMPUTAR, DE ACORDO COM AS CIRCUNSTÂNCIAS CONCRETAS, DECISÃO LIVRE E CONSCIENTE PELA POSSÍVEL LESÃO AO BEM JURÍDICO VIDA, DO QUE NÃO SE COGITA NO CASO EM TELA. 3. ELEMENTOS CONSTANTES DOS AUTOS QUE, NO MÁXIMO, INDICAM QUE O RÉU TERIA AGIDO COM IMPRUDÊNCIA AO DIRIGIR EM VELOCIDADE ACIMA DO PERMITIDO, A REVELAR CONDUTA DE NATUREZA CULPOSA, SENDO IMPOSITIVA A DESCLASSIFICAÇÃO. RECURSO DESPROVIDO. (Recurso em Sentido Estrito nº 50285987920228210022, Primeira Câmara Criminal, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Jayme Weingartner Neto, Julgado em: 23/03/2023). No caso em tela, o recurso em sentido estrito analisado pelo Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul reflete a concepção deste tribunal sobre acidentes de trânsito 23 causados por motoristas embriagados. O posicionamento do tribunal é de que a embriaguez apenas configura dolo eventual quando o agente se embriaga intencionalmente com o objetivo de cometer o crime. Mesmo diante da constatação de embriaguez aliada ao excesso de velocidade, o relator entendeu, no caso concreto, que o crime deveria ser desclassificado de doloso para culposo. Sendo assim, fica demonstrado a grande incongruência e uma miscelânea de entendimentos acerca da aplicação de dolo ou culpa nos crimes de trânsito, principalmente quando estes são praticados sob influência do álcool. Nesse contexto, surge a necessidade de compreender que cada caso deverá ser observado separadamente, atentando-se às suas particularidades e circunstâncias, uma vez que, apesar da semelhança entre dolo eventual e culpa consciente, a sua aplicação possui impactos consideráveis no caso concreto. 3.3 O Código Penal e o crime de homicídio doloso na direção de veículo automotor que envolve embriaguez ao volante No Código de Trânsito, são disciplinadas apenas as condutas culposas no contexto dos acidentes de trânsito. Não existe uma figura específica que aborde a intenção de "matar alguém", mas sim ações caracterizadas pela imprudência, imperícia ou negligência que resultam na ocorrência do evento fatal. A legislação trata, portanto, dos casos em que o resultado morte ocorre como resultado de uma conduta negligente ou imprudente por parte do condutor, sem abordar diretamente a intenção de causar esse resultado específico. A respeito do crime de homicídio doloso na condução de veículo automotor, sob efeito de álcool, deve-se recorrer ao Código Penal Brasileiro. 24 De acordo com o artigo 30211 do Código de Trânsito Brasileiro, o crime de homicídio na direção de veículo automotor é mencionado apenas na modalidade culposa. Caso a conduta seja praticada com a intenção de causar a morte, ou seja, de forma dolosa, o dispositivo remete à aplicação do Código Penal. Dessa forma, o CTB trata exclusivamente dos casos de homicídio culposo no trânsito, enquanto o Código Penal abrange as situações de homicídio doloso (BRASIL, 1997) O Código Penal brasileiro não trata especificamente do crime de "homicídio por embriaguez ao volante doloso". No entanto, o homicídio doloso é tratado no Artigo 121 do Código Penal, que define o crime como "matar alguém". O tipo penal do homicídio doloso exige a existência de dolo, ou seja, a vontade consciente de causar a morte de outra pessoa (BRASIL, 1940). Assim, em casos de homicídio por embriaguez ao volante, em que fique comprovado que o agente, embriagado, assumiu o risco de produzir o resultado morte, mesmo que não tenha tido a intenção direta de matar, poderá ser imputado o crime de homicídio doloso na modalidade de dolo eventual, com base no Artigo 121 do Código Penal. 11 Art. 302. Praticar homicídio culposo na direção de veículo automotor: Penas - detenção, de dois a quatro anos, e suspensão ou proibição de se obter a permissão ou a habilitação para dirigir veículo automotor. § 1o No homicídio culposo cometido na direção de veículo automotor, a pena é aumentada de 1/3 (um terço) à metade, se o agente: (Incluído pela Lei nº 12.971, de 2014) (Vigência) I - não possuir Permissão para Dirigir ou Carteira de Habilitação; Incluído pela Lei nº 12.971, de 2014) (Vigência) II - praticá-lo em faixa de pedestres ou na calçada; (Incluído pela Lei nº 12.971, de 2014) (Vigência) III - deixar de prestar socorro, quando possível fazê-lo sem risco pessoal, à vítima do acidente; (Incluído pela Lei nº 12.971, de 2014) (Vigência) IV - no exercício de sua profissão ou atividade, estiver conduzindo veículo de transporte de passageiros. § 3o Se o agente conduz veículo automotor sob a influência de álcool ou de qualquer outra substância psicoativa que determine dependência: (Incluído pela Lei nº 13.546, de 2017) (Vigência) Penas - reclusão, de cinco a oito anos, e suspensão ou proibição do direito de se obter a permissão ou a habilitação para dirigir veículo automotor. (Incluído pela Lei nº 13.546, de 2017) (Vigência) (BRASIL, 1997, texto digital. 25 4 POSIÇÕES JURISPRUDENCIAIS DOS TRIBUNAIS TJRS E TJRJ SOBRE A APLICAÇÃO DO DOLO EVENTUAL E DA CULPA CONSCIENTE NOS HOMICÍDIOS DE TRÂNSITO CAUSADOS PELA EMBRIAGUEZ AO VOLANTE Considerando que o conceito de dolo eventual e culpa consciente já foram compreendidos, e levando em conta as disposições legais referentes ao crime de embriaguez ao volante, especialmente quando envolve o cometimento de homicídio, é relevante examinar a aplicabilidade desses institutos de culpabilidade. Portanto, é importante analisar decisões que fundamentam a utilização de um ou de outro instituto. É necessário examinar a jurisprudência e as decisões judiciais que abordam a aplicação desses institutos para melhor compreender a sua relevância em casos semelhantes. Ao analisar casos anteriores, é possível identificar precedentes que sustentam o uso do dolo eventual ou da culpa consciente em situações de embriaguez ao volante resultando em homicídio. É fundamental destacar as motivações e argumentos utilizados pelos tribunais ao fundamentar a escolha entre dolo eventual ou culpa consciente. Por meio dessas decisões, é possível determinar como os juízes interpretaram as circunstâncias específicas de cada caso, levando em consideração elementos como a consciência do agente sobre os riscos envolvidos, a possibilidade de prever o resultado e a forma como o crime foi cometido. Dessa forma, ao examinar a jurisprudência, é possível obter uma compreensão mais precisa da aplicabilidade do dolo eventual ou da culpa consciente nos casos de embriaguez ao volante, especialmente quando há a ocorrência de homicídio. Essas decisões judiciais oferecem orientações e embasamento para futuros casos semelhantes, contribuindo para a adequada aplicação da legislação penal e para a correta responsabilização dos infratores. 26 4.1 Visão jurisprudencial da culpa consciente nos crimes de trânsito Inicialmente, traz-se uma decisão que reconhece a culpa consciente no crime de homicídio por embriaguez ao volante. Uma decisão relevante que reconheceu a aplicação da culpa consciente no crime de homicídio por embriaguez ao volante foi proferida pelo Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul. Nesse caso, os julgadores entenderam que o acusado tinha consciência dos riscos de dirigir alcoolizado e assumiu voluntariamente essa conduta perigosa, resultando na morte de outra pessoa. Dessa forma, merece destaque o seguinte acórdão proferido pelo Egrégio Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul: Ementa: RECURSO EM SENTIDO ESTRITO. HOMICÍDIO NO TRÂNSITO. EMBRIAGUEZ AO VOLANTE. EXCESSO DE VELOCIDADE. CARACTERIZAÇÃO DO DOLO EVENTUAL. DECISÃO DE PRONÚNCIA. IRRESIGNAÇÃO DEFENSIVA. INSUFICÊNCIA DOS ELEMENTOS DE PROVA TRAZIDOS AOS AUTOS, INCAPAZES DE FAZER COM QUE SE RECONHEÇA PRESENTE NA CONDUTA DO ACUSADO O CHAMADO DOLO EVENTUAL. DESCLASSIFICAÇÃO DA CONDUTA. 1. - Inexistência de prova apta a demonstrar que o réu, com sua conduta, teria previsto ou assumido o risco de produzir o resultado morte. Critério doutrinário de aplicação das fórmulas de Frank, voltadas à elucidação da presença, ou não, do dolo eventual. Proximidade desta figura jurídica com a da denominada culpa consciente. Problemas práticos de aplicação da lei penal, pois em ambos os institutos o agente prevê o resultado e mesmo assim prossegue praticando a conduta, ou seja, em ambos não há mera previsibilidade (possibilidade de previsão), mas, sim, há efetiva previsão do resultado. De outro lado, a expressão “assumir o risco”, se tomada em sentido comum, permite considerar como dolosa qualquer conduta que, a rigor, é culposa. 2 – Embriaguez ao volante. Inexistência de prova de que o acusado, previamente ao fato, tenha se embriagado para cometer o delito que lhe foi atribuído, ou que, ao ingerir bebida alcoólica, se tenha colocado voluntariamente em condição tal que restasse em estado de ebriedade completa, a ponto de ocasionar um anestesiar de seus freios inibitórios e, assim, cometer o delito. Precedentes do STF e deste Tribunal voltados a delimitar minimamente a questão da embriaguez e imputação de dolo eventual em homicídios de trânsito. A mera possibilidade de embriaguez não autoriza seja o réu submetido a julgamento pelo júri popular. 3 – Excesso de velocidade. Suposto excesso de velocidade que não foi claramente delineado nos autos, seja porque a denúncia não referiu qual o limite de velocidade no local do fato, seja porque a única testemunha a mencionar um possível “excesso de velocidade” não trouxe maiores detalhes sobre como chegou a essa conclusão. 4 - Caso concreto que não aponta para a existência de dolo eventual no agir do acusado, prefigurando-se elemento subjetivo outro, a determinar a desclassificação do delito para outro que não da competência do Tribunal do Júri. RECURSO PARCIALMENTE PROVIDO (TJRS. Recurso em Sentido Estrito nº 70084634765. Terceira Câmara Criminal. Relator: Luciano Andre Losekann. Julgado em 16/12/2020, texto digital, grifo do autor). 27 A decisão em questão trata de um recurso em sentido estrito referente a um caso de homicídio no trânsito envolvendo embriaguez ao volante e excesso de velocidade. O recurso foi interposto pela defesa do acusado, contestando a decisão de pronúncia, que encaminhava o julgamento ao Tribunal do Júri. Na decisão, o Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul analisou os elementos de prova apresentados nos autos e concluiu que não havia elementos suficientes para caracterizar o dolo eventual na conduta do acusado. O tribunal mencionou a proximidade entre o dolo eventual e a culpa consciente, destacando que ambos exigem a previsão do resultado, mas ressaltou que a expressão "assumir o risco" pode levar a uma interpretação ampla, abrangendo condutas que seriam tipicamente culposas. Quanto à embriaguez ao volante, o tribunal ressaltou a falta de provas de que o acusado tenha se embriagado com o intuito de cometer o crime, ou que sua embriaguez tenha afetado seus freios inibitórios. Além disso, considerou que a mera possibilidade de embriaguez não autoriza necessariamente o julgamento pelo júri popular. No que diz respeito ao excesso de velocidade, o tribunal observou que não foram apresentados detalhes suficientes sobre a velocidade do veículo no momento do acidente, o que dificultou a comprovação do suposto excesso. Diante dessas considerações, o tribunal decidiu pela desclassificação da conduta, ou seja, a retirada da qualificadora do dolo eventual, determinando que o caso seja julgado em instância não pertencente ao Tribunal do Júri. Assim, firmando o entendimento de que no homicídio causado por condutor embriagado a embriaguez por si só, não configura dolo eventual. Essa decisão evidencia a importância de analisar as circunstâncias específicas de cada caso para determinar se há a aplicação do instituto da culpa consciente. No contexto de crimes de homicídio por embriaguez ao volante, quando o agente tem plena ciência dos riscos e mesmo assim assume o risco de produzir o resultado morte, a culpa consciente pode ser reconhecida, impondo ao infrator a devida responsabilidade penal pelos seus atos. 28 4.2 Visão jurisprudencial do dolo eventual nos crimes de trânsito Um exemplo de decisão que verifica a existência de dolo eventual em um crime de homicídio por embriaguez ao volante foi proferido pelo Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro. Nesse caso, os julgadores entenderam que o acusado, ao conduzir um veículo sob efeito de álcool, assumiu conscientemente o risco de causar a morte de outra pessoa. Nesse sentido, o Egrégio Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro proferiu o presente acórdão: APELAÇÃO CRIMINAL. HOMICÍDIO SIMPLES E CONDUÇÃO DE VEÍCULO AUTOMOTOR COM CAPACIDADE PSICOMOTORA ALTERADA EM RAZÃO DA INFLUÊNCIA DE ÁLCOOL, EM CONCURSO MATERIAL (ART. 121, CAPUT, DO CÓDIGO PENAL E ART. 306 DA LEI N.o 9.503/97, NA FORMA DO ART. 69 DO CÓDIGO PENAL). APELANTE QUE CONDUZIA O VEÍCULO TIPO GM/KADET, EM VIA PÚBLICA, ESTANDO COM CONCENTRAÇÃO DE ÁLCOOL POR LITRO DE SANGUE SUPERIOR AO PERMITIDO POR LEI E EM VELOCIDADE INCOMPATÍVEL COM A SEGURANÇA VIÁRIA E REALIZANDO DIVERSAS MANOBRAS ARRISCADAS DE ULTRAPASSAGEM, QUE, EM DETERMINADO MOMENTO, EM ALTA VELOCIDADE, TENTOU ULTRAPASSAR UM VEÍCULO E PERDEU O CONTROLE DE SEU AUTOMÓVEL, ATINGINDO A VÍTIMA FATAL WALLAS, QUE SE ENCONTRAVA GUIANDO UMA BICICLETA DO LADO DE FORA DA PISTA, VINDO, AINDA, A ATINGIR UM POSTE NA PISTA DE SENTIDO CONTRÁRIO, ASSUMINDO CONSCIENTEMENTE O RISCO DE PRODUZIR O RESULTADO MORTE. PRETENSÃO DEFENSIVA À DESCLASSIFICAÇÃO DO CRIME DE HOMICÍDIO SIMPLES PARA A CONDUTA PREVISTA NO ART. 302 DO CÓDIGO DE TRÂNSITO BRASILEIRO, E AO RECONHECIMENTO DA CONSUNÇÃO EM RELAÇÃO AO DELITO DISPOSTO NO ART. 306 DA LEI N.o 9.503/97 QUE SE NEGA. ACUSADO QUE ASSUMIU O RISCO DE PRODUZIR O RESULTADO MORTE, CARACTERIZANDO, POIS, O DOLO EVENTUAL NA SUA CONDUTA. TESTEMUNHAS QUE RELATARAM DE FORMA CLARA E PRECISA QUE O RÉU NÃO POSSUÍA CONDIÇÕES DE DIRIGIR E QUE, POR DIVERSAS VEZES, FOI ALERTADO E ATÉ IMPEDIDO DE FAZÊ-LO. IMPOSSIBILIDADE DA CONSUNÇÃO DO CRIME DE EMBRIAGUEZ AO VOLANTE PELO DELITO DE HOMICÍDIO, TRATANDO-SE DE CRIMES AUTÔNOMOS E DIVERSOS, NÃO SENDO O PRIMEIRO CRIME CONDIÇÃO OU ETAPA NECESSÁRIA PARA O SEGUNDO. FIXAÇÃO DAS PENAS-BASE NO MÍNIMO LEGAL INVIÁVEL. REPRIMENDAS FIXADAS DE FORMA ADEQUADA E DEVIDAMENTE JUSTIFICADAS, SENDO EXASPERADAS EM 3/8 EM RAZÃO DAS GRAVES CIRCUNSTÂNCIAS E CONSEQUÊNCIAS DOS DELITOS. AFASTAMENTO DA AGRAVANTE PREVISTA NO ART. 61, II, d, DO CÓDIGO PENAL QUE NÃO SE ACOLHE. CONDUTA QUE EFETIVAMENTE RESULTOU EM PERIGO COMUM, CEIFANDO A VIDA DE UM INOCENTE, ALÉM DE PASSÍVEL DE ATINGIR UMA INCONTÁVEL QUANTIDADE DE PESSOAS. REGIME INICIAL SEMIABERTO PARA O DELITO DE HOMICÍDIO IMPOSSÍVEL, EIS QUE O FECHADO É O ÚNICO ADEQUADO AOS OBJETIVOS REPRESSIVO/PREVENTIVO DA PENA, NA HIPÓTESE,CONSIDERANDO A QUANTIDADE DE PENA IMPOSTA E A CONDUTA EMPREENDIDA PELO INFRATOR. DIREITO DE RECORRER EM LIBERDADE QUE SE NEGA. NECESSIDADE DA DECRETAÇÃO DA 29 CUSTÓDIA CAUTELAR QUANDO DA PROLAÇÃO DA SENTENÇA CONDENATÓRIA SATISFATORIAMENTE FUNDAMENTADA, DIANTE DA GRAVIDADE EM CONCRETOS DAS CONDUTAS PERPETRADAS, REVELANDO-SE IMPRESCINDÍVEL À GARANTIA DA APLICAÇÃO DA LEI PENAL, NA FORMA DO ART. 312 DO CÓDIGO DE PROCESSO PENAL. AUSÊNCIA DE VIOLAÇÃO À NORMA CONSTITUCIONAL OU INFRACONSTITUCIONAL. DESPROVIMENTO DO RECURSO (TJRJ. Apelação criminal nº 0006957-79.2010.8.19.0028. Quarta Câmara Criminal. Relator: Des. Francisco José de Asevedo. Julgado em 21/07/2020, p. 1) Na decisão da Apelação Criminal analisada, trata-se de um caso de homicídio simples e condução de veículo automotor com capacidade psicomotora alterada em razão da influência de álcool. De acordo com os eventos descritos, o acusado estava dirigindo um veículo em uma via pública sem possuir habilitação para conduzir veículos automotores, além de apresentar uma concentração de álcool por litro de sangue superior ao permitido por lei. Além disso, o acusado estava conduzindo o veículo em alta velocidade, realizando manobras arriscadas de ultrapassagem, demonstrando uma velocidade incompatível com a segurança no trânsito. Em determinado momento, enquanto tentava ultrapassar um veículo, o acusado perdeu o controle de seu automóvel, resultando em um trágico acidente. Esse acidente resultou na morte de uma vítima, que estava pedalando uma bicicleta fora da pista, além de colidir com um poste no sentido oposto. Nesse contexto, pode- se argumentar que o acusado assumiu conscientemente o risco de produzir o resultado morte, tendo em vista suas ações imprudentes e perigosas. Esses elementos sugerem que o acusado agiu com dolo eventual, uma vez que, ao realizar todas essas condutas, ele previu o risco de causar danos e assumiu conscientemente esse risco, inclusive com a possibilidade de resultar na morte de outra pessoa. Portanto, não é cabível a desclassificação do crime de homicídio simples para o crime de homicídio culposo na direção de veículo automotor (previsto no artigo 302 da Lei nº 9.503/97). Isso ocorre devido ao fato de o acusado ter sido preso em flagrante enquanto dirigia embriagado e sem possuir habilitação, evidenciando que ele assumiu conscientemente o resultado previsível, característico do dolo eventual. Assim, diante das circunstâncias narradas, o acusado agiu com plena ciência dos riscos envolvidos em sua conduta, o que indica a presença do dolo eventual. Portanto, não se trata de um mero acidente causado por negligência, imprudência ou imperícia, mas sim de um comportamento consciente e deliberado que levou à ocorrência do resultado morte. 30 Dessa forma foi o entendimento do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro, que decidiu por desprover o recurso, uma vez que o crime em questão deve ser tratado como homicídio doloso, pois o acusado assumiu o risco de produzir o resultado, ao conduzir o veículo embriagado e sem habilitação, demonstrando pleno conhecimento dos perigos envolvidos, mas contudo, sendo indiferente ao resultado que poderia causar. 4.3 Comentário sobre as divergências de entendimento do TJRS e TJRJ Já realizada uma análise em apartado das duas decisões, resta trazer um comparativo entre elas, trazendo suas divergências e semelhanças. As duas decisões tratam de casos diferentes envolvendo homicídio no trânsito, embriaguez ao volante e excesso de velocidade. Dessa forma, é possível fazer uma comparação por pontos essenciais entre elas. O primeiro ponto de semelhança entre as decisões diz respeito à embriaguez ao volante. Nas duas decisões, os tribunais avaliaram a embriaguez ao volante como um elemento importante para a caracterização do crime. No entanto, no primeiro caso, o tribunal do Rio Grande do Sul destacou a falta de prova de que o acusado se embriagou intencionalmente para cometer o delito e ressaltou que a mera possibilidade de embriaguez não autoriza o julgamento pelo júri popular, uma vez que não caracteriza a existência de dolo, mesmo que de forma eventual. Já no segundo caso, o tribunal do Rio de Janeiro considerou as provas apresentadas, como testemunhas que relataram que o réu não possuía condições de dirigir e foi alertado diversas vezes, para confirmar a embriaguez ao volante, independente de ser intencional ou não. Outro ponto de semelhança que foi discutido em ambos os casos, diz respeito a existência de excesso de velocidade. No primeiro caso, o tribunal do Rio Grande do Sul apontou a falta de detalhes sobre o suposto excesso de velocidade nos autos, mencionando que a denúncia não especificou qual era o limite de velocidade no local do fato. No segundo caso, o tribunal do Rio de Janeiro destacou que o acusado estava em velocidade incompatível com a segurança viária e realizando manobras arriscadas de ultrapassagem. 31 Além disso, em ambos os casos a defesa havia postulado a desclassificação da conduta, de forma a retirar a competência do Tribunal de Júri, diante da suposta inexistência de dolo eventual. Na primeira decisão, o tribunal do Rio Grande do Sul decidiu pela desclassificação do delito, considerando a ausência de elementos suficientes para configurar o dolo eventual, estando então caracterizada a incidência da culpa consciente. Já na segunda decisão, o tribunal do Rio de Janeiro negou a desclassificação e reconheceu a existência do dolo eventual na conduta do acusado. Caracterização do dolo eventual: Na primeira decisão, o Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul entendeu que não havia prova suficiente para demonstrar que o réu teria previsto ou assumido o risco de produzir o resultado morte. O tribunal discutiu a proximidade entre o dolo eventual e a culpa consciente, bem como a aplicação de fórmulas jurídicas para a elucidação da presença desse dolo. Já na segunda decisão, o Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro concluiu que o acusado assumiu conscientemente o risco de produzir o resultado morte, caracterizando o dolo eventual em sua conduta. Essas são as principais diferenças e semelhanças encontradas nas duas decisões em relação aos elementos discutidos. É importante ressaltar que cada caso é único e as decisões podem variar de acordo com a análise dos elementos de prova e a interpretação da lei realizada pelos tribunais. 5 CONSIDERAÇÕES FINAIS Inicialmente, este artigo abordou os conceitos e as características do crime de embriaguez ao volante no Código de Trânsito Brasileiro (CTB). Foram analisadas as definições legais desse crime, assim como as consequências trazidas pela Lei Seca n° 11.705/08 e as modificações introduzidas pela Lei nº 13.546/17, que estabeleceram penalidades mais severas nos casos de embriaguez ao volante. Além disso, foram discutidos os aspectos relacionados ao homicídio culposo e doloso no trânsito, com ênfase no artigo 302 do CTB, que trata dessas questões. Também foram explorados os elementos que configuram a culpa e o dolo nessas situações, considerando a responsabilidade do condutor que, sob influência de álcool ou substâncias psicoativas, ocasionou acidentes de trânsito resultando em lesões graves ou óbito. 32 Após, o artigo abordou a caracterização do dolo eventual e da culpa consciente nos crimes de trânsito envolvendo embriaguez ao volante, bem como a punição do agente. Foram discutidos os conceitos dessas modalidades de culpa e dolo, destacando suas diferenças e aplicação nos casos específicos de embriaguez ao volante. Também foram analisadas as diferentes espécies de dolo e culpa presentes nessas situações, considerando a consciência do risco e a aceitação do resultado. A relação entre a embriaguez ao volante e a aplicação do dolo e da culpa foi explorada, levando em consideração a responsabilização penal do condutor. Além disso, o artigo abordou o crime de homicídio doloso na direção de veículo automotor envolvendo embriaguez ao volante, com base nas disposições do Código Penal relacionadas a esse crime específico. Por fim, o trabalho abordou as posições jurisprudenciais dos Tribunais de Justiça do Rio Grande do Sul (TJRS) e do Supremo Tribunal Federal (STF) em relação à aplicação do dolo eventual e da culpa consciente nos homicídios de trânsito causados pela embriaguez ao volante. Foram examinadas as visões jurisprudenciais da culpa consciente nos crimes de trânsito, levando em consideração as decisões proferidas pelos tribunais e os critérios utilizados para caracterizar a consciência do risco por parte do agente. Também foram abordadas as visões jurisprudenciais do dolo eventual nos crimes de trânsito, analisando os posicionamentos dos tribunais sobre a aceitação do resultado e a assunção do risco pelo condutor embriagado. Além disso, foram comentadas as divergências existentes entre os tribunais em relação à aplicação do dolo eventual e da culpa consciente nesses casos, buscando compreender as diferentes interpretações adotadas e suas consequências para a responsabilização penal dos envolvidos. Por meio dessa análise jurisprudencial, buscou-se uma compreensão mais aprofundada das abordagens dos tribunais em relação aos elementos do dolo eventual e da culpa consciente nos homicídios de trânsito relacionados à embriaguez ao volante, destacando a importância da jurisprudência na definição dos critérios de responsabilidade criminal nesses casos. Sendo assim, é possível concluir que a comparação entre as duas decisões dos tribunais em relação aos homicídios de trânsito causados pela embriaguez ao volante revela divergências significativas quanto à caracterização do dolo eventual e da culpa consciente. Enquanto o Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul adotou uma postura mais restritiva, exigindo provas contundentes da intenção do agente de assumir o risco de produzir o resultado morte, o Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro 33 se inclinou para uma interpretação mais ampla, reconhecendo o dolo eventual com base em indícios de consciência do risco. Essas divergências destacam a complexidade e a subjetividade inerentes à análise desses elementos nos crimes de trânsito, especialmente quando envolvem embriaguez ao volante. A jurisprudência desempenha um papel fundamental na definição dos critérios de responsabilidade criminal nesses casos, buscando equilibrar a proteção da vida e a individualização das condutas. Nesse contexto, a compreensão aprofundada das visões jurisprudenciais e das divergências entre os tribunais contribui para um debate mais amplo sobre a justiça e a efetividade do sistema de responsabilização penal nos casos de homicídios de trânsito relacionados à embriaguez ao volante. REFERÊNCIAS ARAÚJO, Julyver Modesto. No trânsito, educação e fiscalização caminham juntas. CTB Digital, São Paulo, 2016. Disponível em: https://www.ctbdigital.com.br/artigo- comentarista/607#:~:text=E%20com%20qual%20objetivo%3F&text=%C3%89%20ju stamente%20por%20este%20motivo,objetivo%3A%20a%20mudan%C3%A7a%20d e%20comportamento. Acesso em: 07 mai. 2023. BARROS, Francisco Dirceu. O “novo” homicídio culposo na direção de veículo automotor e existência versus inexistência do dolo eventual. São Paulo: Gen Jurídico, 2018. BARROSO, Sérgio Luiz. Você sabe qual é a diferença entre dolo eventual e culpa consciente? 2016. 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