CENTRO UNIVERSITÁRIO UNIVATES CURSO DE DIREITO A PARTICIPAÇÃO DA VÍTIMA NO DELITO: A RELAÇÃO CAUSA-EFEITO DA DUPLA PENAL Fernanda Battisti Lajeado, junho de 2015 Fernanda Battisti A PARTICIPAÇÃO DA VÍTIMA NO DELITO PENAL: A RELAÇÃO CAUSA-EFEITO DA DUPLA PENAL Monografia apresentada na disciplina de Trabalho de Curso II, do Curso de Direito, do Centro Universitário Univates, como parte da exigência para obtenção do título de bacharel em Direito. Orientador: Prof. Me.Helio M. Schauren Junior Lajeado, junho de 2015 AGRADECIMENTO Agradecer será o menos complicado nessa caminhada para chegar até aqui. O único risco que corro, é de faltar espaço. Agradeço a vocês Pai e Mãe, que honra tê-los comigo sempre apoiando da melhor forma possível; Samuca, longe, mas sempre um irmão amoroso; Dani, Tati, irmãs que Deus me permitiu escolher. Ivete e Maristela, uma mãe é pouco, duas é bom e três foi meu melhor presente. Ka e Bruninha, para vocês, aquela história de muito amor envolvido; Morga, quando eu crescer quero ser que nem você, está longe mas nunca te esqueço; dinda Ivete, tento fazer dos teus passos os meus, nem sempre acerto, mas continua acreditando em mim! Hélio, meu querido orientador, obrigada pelo companheirismo e atenção até mesmo em feriados chuvosos. A todos, desejo um orientador como o meu! E para ti meu amor, obrigada por esperar, obrigada por cada sorriso, por não me deixar cair e por ser a razão que me fez querer chegar vitoriosa no final, afinal não poderia desaponta-lo depois de tanta força, para ti Jeh, todo o amor que houver nesta vida! “Quem não houver lido O homem delinquente, de Lombroso, a Filosofia penal, de Tarde, e a Sociologia Criminal, de Ferri, não sabe Direito Penal.” (LYRA, apud BARBOSA JUNIOR, 2000, p. 9) “Há uma idade em que se ensina o que se sabe; mas vem em seguida outra, em que se ensina o que não se sabe: isso se chama pesquisar.” (BARTHES, apud SCHECAIRA, 2014, p. 18). RESUMO A verificação da culpabilidade da vítima diante de um delito ganha grande importância quando se fala em aplicação adequada da pena. Para que não haja uma grande disparidade entre o delito e a pena aplicada a ele, é necessário que se compreenda todos os fatores que estão interligados ao acontecimento do delito. Desta forma, o objetivo geral será analisar a contribuição da vítima na ocorrência do delito, primando demonstrar a culpabilidade da vítima no crime, em busca de uma forma de autotutela que reduza as chances da vitimização, através da análise do caso Eliza Samúdio. Trata-se de pesquisa qualitativa, realizada através do método dedutivo, bibliográfico, documental e também através do estudo de caso. Assim, o estudo começa através do ensinamento do que é a Criminologia, seus aspectos, conceitos e objeto. Em seguida será feita a análise vitimológica da vítima e do crime, bem como de todos os aspectos relacionados a ela, quais sejam, o processo de vitimização, o grau de vitimização, a vítima como testemunha e suas classificações. Finalmente far-se-á o exame do estudo de caso, que se utilizará do caso Eliza Samúdio para esclarecer e classificar a parelha penal. Palavras-chave: Criminologia. Vitimologia. Processo de Vitimizaçao. Tipologia de vítimas. Estudo de caso. Estudo de caso. Eliza Samúdio. 7 SUMÁRIO INTRODUÇÃO ........................................................................................................... 8 2 O DESENVOLVIMENTO E RECONHECIMENTO CIENTÍFICO DA CRIMINOLO GIA ............................................................................................................................ 13 2.1 Breve histórico da criminologia ......................................................................... 13 2.1.1 A repercussão da Escola Positiva no Brasil .................................................. 19 2.2 A Criminologia como ciência ............................................................................. 23 2.2.1 A Criminologia como “práxis” e como “saber” ............................................... 27 2.2.2 Metedologia criminológica .............................................................................. 28 2.3 Relações da Crimonologia com outras disciplinas empíricas e normativas ... 31 3 CONCEITO E OBJETOS DA CRIMINOLOGIA .................................................. 35 3.1 Conceito e objeto ............................................................................................... 36 3.1.1 Crime/Delito .................................................................................................... 39 3.1.2 Delinquente ..................................................................................................... 42 3.1.3 Vítima .............................................................................................................. 44 3.1.4 Controle Social................................................................................................ 45 3.1.4.1 Desde quando e porque deixamos de utilizar o controle informal, para emergirmos em um controle mais rígido? ................................................................. 46 3.2 Agentes do crime sob a ótica da Criminologia ................................................. 48 4 DA VITIMOLOGIA ................................................................................................ 75 4.1 Origem da Vitimologia ....................................................................................... 53 4.1.1 Síntese do histórico vitimológico no Brasil .................................................... 56 4.2 Será a Vitimologia uma ciência autônoma? ..................................................... 57 4.3 Conceito vitimológico ......................................................................................... 60 4.4 Conceito de vítima ............................................................................................. 62 4.4.1 Predisposições da vítima ............................................................................... 64 4.5 Processo de vitimização .................................................................................... 65 8 4.5.1 Iter Victimae .................................................................................................... 67 4.5.2 Graus de vitimização ...................................................................................... 69 4.6 Tipologias de vítima ........................................................................................... 71 5 ANÁLISE VITIMO/CRIMINÓLOGICA DO CASO ELIZA SAMÚDIO ................. 76 5.1 Parelha-Penal .................................................................................................... 77 5.1.1 Precipitação da vítima .................................................................................... 79 5.1.2 Vítimas Propensas e Facilitadoras ................................................................ 80 5.1.3 Vítima Provocadora ........................................................................................ 83 5.2 A vítima e os Direitos Humanos ........................................................................ 84 5.3 A vítima perante o Código Penal e o Código de Processo Penal ................... 85 5.4 A fixação da pena frente ao art. 59 do Cógido Penal ...................................... 87 5.5 Breve relato do caso Eliza Samúdio ................................................................. 88 5.5.1 As sentenças – aspectos circunstancias do caso Eliza Samúdio ................ 93 5.5.2 Análise da relação causa-efeito da dupla-penal ........................................... 97 5.5.3 Iter Victimae: o caminho da vitimização ...................................................... 102 6 CONCLUSÃO ..................................................................................................... 107 REFERÊNCIAS ...................................................................................................... 111 ANEXO A ................................................................................................................ 116 ANEXO B ................................................................................................................ 123 9 INTRODUÇÃO A vitimologia é um tema ainda pouco estudado e que ganhou grandes proporções após a segunda guerra mundial. Atualmente, o seu estudo é um instrumento imprescindível para uma boa política criminal, que se faz cada vez mais necessária diante da violência e da ausência de respeitos básicos que a população brasileira vem sofrendo nos tempos hodiernos. Após o período que se seguiu às duas grandes guerras mundiais, que foram sucedidas por grandes movimentos em busca dos direitos humanos, houve uma redescoberta da vítima no fenômeno do crime, que fulminou no início do processo da sua revalorização. Enquanto muitos buscavam ações que levassem à criação de associações preocupadas em definir os direitos da vítima, o que levou à aprovação da Declaração Universal dos Direitos das Vítimas de Crime e Abuso de Poder pela Organização das Nações Unidas, alguns grandes pensadores como Benjamin Mendelsohn e Von Hentig buscavam não só cuidar das vítimas dos crimes, como também tratar do seu relacionamento com o delinquente, analisando de que forma a vítima contribui e qual o seu grau de culpabilidade frente à ocorrência do delito. O crescimento da criminalidade e da violência traz como consequência a insegurança pública e a depreciação na qualidade de vida, o que vai de acordo com a percepção de cada indivíduo frente aos perigos reais com que se defronta. Medidas como penas mais brandas, reforço policial nas ruas e atividades preventivas com a comunidade são empregadas em busca do decréscimo da criminalidade. 10 Não é possível falar em segurança pública sem levar em conta fatores que estão em jogo como a prevenção e a repressão do delito, a participação da sociedade e a atenção à vítima, que são deveres indelegáveis do Estado. Existe um grande empenho das instituições no sentido de prevenir, investigar e reprimir o delito. Porém, é necessário voltar à atenção, também, para a sociedade que está à mercê desse sistema, para que seja compensado o desequilíbrio experimentado hoje. Diante do atual contexto de violência, justifica-se a importância de estudar a influência da vítima na ocorrência do crime e cuidar de todos os momentos relacionados com o fato, como também suas consequências. A motivação para o trabalho foi pautada na premissa de que a vítima se sente depreciada pelo sistema judiciário, uma vez que, genericamente, o sistema penal encontra-se falido, precário e sem perspectivas de aprimoramento efetivo, sistêmico. Sendo assim, é de extrema importância que se compreenda de que forma a vítima contribui para o delito e como as pessoas podem se proteger para que não se tornem vítimas em potencial. Um dos pontos fundamentais a se considerar, é a importância de se estudar a Vitimologia e suas nuances doutrinárias, uma vez que sua finalidade é identificar na personalidade da vítima aspectos psicológicos, sociais e econômicos que possam garantir a proteção individual de cada uma delas. E, dessa forma, mostrar por intermédio de uma nova perspectiva que a vítima pode encontrar uma forma de se autoproteger da recidiva de alguns delitos. Assim, nesta linha de pensamento, o presente trabalho tem como objetivo geral analisar a contribuição da vítima na ocorrência do delito, demonstrando o papel da vítima no crime, em busca de uma forma de autotutela que reduza as chances da vitimização, através da análise do caso “Eliza Samúdio”. O estudo aborda, como problema, a relação de causa e efeito para com a dupla-penal, que explique o grau de participação da vítima e do vitimizador na ocorrência do crime. Para isso, utiliza- se do estudo de caso do crime de “Eliza Samúdio”, que repercutiu mundialmente, buscando interpretar a participação da vítima no delito e a relação vítima e vitimizador. 11 Como hipótese para tal questionamento, entende-se que a vítima, de alguma forma, concorre para que o crime ocorra. Concebe-se que, além da dupla-penal vítima e vitimizador, existe um processo de vitimização que diz respeito à ação de alguém se auto vitimar, percurso que, ao final, acaba tendo uma pessoa ou grupo de indivíduos como vítima. Para que ocorram essas duas formas de vitimização, fatores endógenos, exógenos e psicossociais atuam concomitantemente na formação da personalidade da parelha penal e ajudam a compreender o crime. Assim, conclui-se que é possível identificar e classificar grupos de vítimas e de criminosos baseando- se no seu comportamento. O objetivo de compreender e interpretar, ou mesmo reinterpretar, de forma ampla e conjugando diversos elementos vai ao encontro da pesquisa qualitativa, conforme explicam Mezzaroba e Monteiro (2009), referindo que, nessa forma, a investigação é mais global e se interrelaciona com diversos fatores, justamente o objetivo do futuro trabalho, que aprofundará aspectos relativos à abrangência e à viabilidade da relação causa-efeito da dupla-penal. O método utilizado para o desenvolvimento do trabalho monográfico é o dedutivo, o qual, segundo Mezzaroba e Monteiro (2009), parte de fundamentação genérica chegando à dedução particular, o que faz com que as conclusões do estudo especifico geralmente valham para aquele caso em particular, sem generalizações de seus resultados. A instrumentação se dará por meio de procedimentos técnicos bibliográficos (fundados em referencial teórico que envolve doutrina, artigos de periódicos e materiais de estudiosos da área encontrados em sites especializados), documentais (com o uso de legislação, como o código Penal e o Código Processual Penal) e estudo de caso. Para o estudo de caso fez-se necessário verificar a participação da vítima “Eliza Samúdio”, com base em artigos, reportagens, acórdãos judiciais e jurisprudências referentes ao crime em questão, identificando-se as circunstâncias decorrentes da atuação da vítima sob o enfoque da vitimologia, analisando seu comportamento frente ao criminoso e delimitando o nível de culpabilidade para a ocorrência do delito. 12 Dessa forma, o primeiro capítulo do presente trabalho historiciza e conceitua doutrinariamente a criminologia. Inicialmente, trata da evolução histórica da criminologia, em especial, a brasileira. Em seguida, aborda a discussão da cientificidade criminológica, bem como os métodos utilizados para a amostragem, demonstrando qual a relação empírica da Criminologia com outras disciplinas empíricas e normativas. No segundo capítulo faz-se um estudo teórico e conceitual do termo criminológico e de seus objetos, com a finalidade de classificar os agentes do crime e compreender o uso dos controles formal e informal. Para tanto, o presente estudo trata dos quatro objetos que compõem a Criminologia, a saber: Crime/Delito, Delinquente, Vítima e Controle Social. Por fim, são analisados os agentes do crime e suas características, bem como as suas diferentes nomenclaturas. Já no terceiro capítulo, trabalhou-se o conceito de Vitimologia e os aspectos necessários à sua compreensão. Com isso, neste diapasão, aborda-se a origem da vitimologia, a discussão existente acerca da sua cientificidade e conceito, além do processo de vitimização e as tipologias da vítima, bem como os graus de vitimização e suas peculiaridades doutrinárias. Por fim, no quarto capítulo debate-se o lugar ocupado pela vítima na atual legislação brasileira, examinando, por derradeiro, através do estudo de caso, os aspectos vitimológicos do “caso Eliza Samúdio”, sob o viés dos conceitos doutrinários apresentados ao longo dos três primeiros capítulos. 13 2 O DESENVOLVIMENTO E RECONHECIMENTO CIENTÍFICO DA CRIMINOLOGIA Antes de iniciar o estudo do objetivo fulcral da presente monografia, o qual pretende demonstrar a culpabilidade da vítima no delito penal, utilizando-se para isso de um caso concreto que ocorreu em nosso país, mostra-se imperioso compreender a criminologia, seus precursores históricos, seus métodos e a relação da criminologia com outras disciplinas empíricas e normativas. Para compreender a vitimologia e buscar demonstrar algum grau de culpa à participação da vítima no delito é necessário, antes, depreender mais sobre a criminologia. A criminologia nada mais é que um conjunto de investigações que busca compreender as características que levam o indivíduo a delinquir e assim, se possível, buscar formas de erradicar a criminalidade. Assim, este primeiro capítulo terá como objetivo historicizar e conceituar doutrinariamente a criminologia. 2.1 Breve histórico da Criminologia Podemos iniciar este breve histórico citando o código de Hamurabi1. Em consonância com o pensamento de Elbert (2003), este foi o primeiro código 1 “O Código de Hamurabi é visto como a mais fiel origem do Direito. É a legislação mais antiga de que se tem conhecimento, e o seu trecho mais conhecido é a chamada lei de talião. Ele é pequeno, tendo em seu original três mil e seiscentas linhas, sendo essas linhas ordenadas em duzentos e oitenta e dois artigos, sendo que de alguns deles não há conhecimento completo de sua redação. 14 completo a ser criado em 1700 a.c. e que apesar de dispor punições severas, possuía importantes ensinamentos como de que pobres e ricos deveriam ser julgados de formas diferentes, uma vez que estes dispunham de mais oportunidades que aqueles, ou seja, os ensinamentos de quatro mil anos atrás já estavam de acordo com a nossa carta magna que reza que os desiguais devem ser tratados de forma desigual. Quanto ao nascimento de uma nova disciplina, Elbert (2003) ensina que não seria correto afirmar que uma disciplina nasça da noite para o dia. Analisa ele que os juristas carregam um sentimento de autossuficiência, de que nossas técnicas legais são melhores que as de antigamente. Porém o passado apresenta bons modelos de justiça que foram se perdendo na contemporaneidade, assim: É difícil afirmar que uma disciplina nasça da noite para o dia, por obra de um iluminado ou de uma publicação específica. Parece mais lógico seguir algumas linhas evolutivas do pensamento e da busca, até desembocar em um resultado sólido, forjado em contribuições múltiplas. Por este motivo, podemos dizer que a busca de conhecimento científico sobre o fenômeno criminal se originou através de três circunstâncias que habitualmente acompanham o processo de investigação: o questionamento das ideias antes dominantes, a crítica à situação dos sistemas processuais e a necessidade crescente de comprovação que se afirmava com o paradigma de ciência do século XIX (ELBERT, 2003, p. 42). De acordo com o autor, o questionamento às ideias antes dominantes, teria aparecido na sociedade pré-moderna, através da obra Utopia, de Thomas Morus em 1516, onde ele questionava o poder de justiça concedido ao rei. Porém esse conflito com o monarca o levou à morte. Já a crítica quanto aos sistemas processuais surgiu em uma obra de Cesare Bonesana2. Ela consistia em dizer que a lei deve estar em “contrato” que as penas devem ser proporcionais ao crime e já fazia menção de alguns princípios hoje norteadores do processo penal, quais sejam o da publicidade, da inocência e do direito a ampla defesa. Por fim, o especialista supramencionado [...] A despeito do que muitos pensam, talião não é um nome próprio. O termo vem do latim talionis, que significa “como tal”, “idêntico”. Daí temos a pena que se baseia na justa reciprocidade do crime e da pena, frequentemente simbolizada pela expressão “olho por olho, dente por dente” (SANTIAGO [2006-2015], texto digital). 2 O crítico Cesare Bonesana, posteriormente conhecido como Marquês de Beccaria, para Elbert (2003) era um indivíduo talentoso, porém difícil de lidar, orgulhoso. Teve uma educação religiosa, motivo de grande desgosto, era um grande seguidor das obras de Rousseau, Montesquieu e Voltaire. Aconselhado por um amigo, para sair da depressão acabou escrevendo um livro onde sintetizou suas ideias, que são apresentadas no corpo do presente trabalho. A obra se chamou “Dos delitos e das penas”. 15 afirma a necessidade de comprovação da realidade, aludindo às obras de John Howard e Jeremy Bentham, dois autores que influenciaram em muito na reforma penal inglesa. Acreditavam que não basta apenas filosofar sobre as necessidades, é necessário reconhecer e valorizá-las. Defendiam a ideia de que nada adianta o cárcere se esse não puder ressocializar o delinquente. Aquilo que hoje acordamos em chamar de criminologia, foi estudo de muitos autores que nem mesmo se davam conta de que faziam dela seu objeto de análise. Importante, ainda, compreender que o crime é influenciado por variáveis que mudam de acordo com o tempo e o lugar3, Sykes apud Andrade e Dias (1997, p. 3) diz que “Ao estudar o crime devemos ter consciência de que as descobertas científicas, normalmente consideradas como impessoais e objectivas [sic], trazem invariavelmente consigo a marca do tempo e do lugar”. Nesse sentido, é o posicionamento de Castiglione, quando demonstra o pensamento de Garófalo, ao questionar se algum crime já existente foi punível todo tempo em todos os lugares. Nós não procuremos indagar se todos os atos que o nosso tempo e a nossa sociedade consideram criminosos tiveram ou deixaram de ter em todos os tempos e em todos os lugares a mesma significação. Sabem todos que os costumes de muitos povos não só toleravam o homicídio por vingança de sangue, mas o impunham como dever sagrado ao filho do assassino; que o duelo, uma vez sujeito a gravíssimas penas, era, outras vezes, considerado pela própria lei uma das principais formas de julgamento; que a blasfêmia, a heresia, o sacrilégio e a feitiçaria, tidos outrora em conta de negros malefícios, desapareceram dos códigos atuais em nações cultas [...] (CASTIGLIONE, 1962, p. 70). A criminologia como ciência, sublinham Andrade e Dias (1997), apareceu há pouco mais de um século. Ela é resultado de uma constante evolução e divergência de métodos e técnicas de investigação de diferentes Escolas Criminológicas. Ressaltam ainda que quanto mais se sabe da criminologia, mais necessita-se saber. De acordo com Molina (2013), a criminologia não é um descobrimento recente. O crime é um fato antigo que sempre preocupou as sociedades e, por isso, desde sempre foi objeto de estudos. Para ele, a criminologia foi considerada uma 3 Neste ponto as ciências sociais (tempo e lugar) estão historicamente condicionadas. 16 disciplina empírica a partir do surgimento da Escola Positiva, cujos representantes foram Lombroso, Garófalo e Ferri. Para o estudioso Elbert (2003) o estudo da criminologia se torna dominante a partir de 1900 com o aparecimento da Escola Positiva do Direito Penal, que, a seu ver, foi Ferri o precursor jurídico mais importante, cujo autor já tinha publicações a respeito da Criminologia, datadas em 1880. Ensina ele que, em sequência, poderíamos citar Spencer4 + Lombroso5 + juristas6, como os precursores da criminologia. Nesta mesma linha de pensamento Lira (1964, p. 67) enfatiza e acrescenta: “Os antecedentes próximos da Criminologia definem-se como o estudo técnico científico do criminoso sistematizado, principalmente por CESARE LOMBROSO (Itália, 1835- 1909) e ENRICO FERRI (Itália, 1856- 1929)”. Feitas essas considerações históricas iniciais, importantes para o bom entendimento do estudo, partiremos para as Escolas que foram as precursoras do estudo criminológico. Foram três as grandes escolas que deram início aos estudos criminológicos, a saber: a Clássica, a Positiva e a Escola Eclética (Terza Escuola). Sumariva (2013) leciona que primeiramente surgiu a Escola Clássica, que teve como precursor Cesare Beccaria com sua obra “Dos delitos e das penas”, em 1764, e que, dentre os vários autores que compuseram a Escola Clássica, Francesco Carrara defendia a ideia de que o delito era formado por duas forças: a física (dano causado) e a moral 4 Nos estudos de Elbert (2003) verifica-se que Spencer era engenheiro, mas interessou-se pela sociedade, seguiu o evolucionismo, acreditava que os melhores deveriam ocupar os melhores postos em todas as áreas da sociedade, a seu ver o estado não deveria ter tanto poder, tudo o que era estatal deveria ser privatizado, uma vez que o Estado atrapalhava a caminhada dos melhores. 5 “A maioria dos autores no campo da criminologia, mesmo muitos daqueles que assumem posição mais crítica no interior deste, atribui aos trabalhos de Cesare Lombroso (1838-1909) um lugar de destaque na constituição do conhecimento criminológico moderno. [...] Formado em medicina, e influenciado desde cedo por teorias materialistas, positivas e evolucionistas, Lombroso tornou-se famoso por defender a teoria que ficou popularmente conhecida como a do ‘criminoso nato’” (ALVAREZ, 2002, p. 3-4). 6 Nos ensinamentos de Alvarez (2002, grifo nosso) verifica-se que Lombroso tentou estabelecer cientificamente o que era o crime a partir das doutrinas da Escola Clássica, que foram desenvolvidas a partir das ideias de Cesare Beccaria e Jeremy Bentham, e posteriormente foram complementadas com os pensamentos da Escola Positiva que teve como precursor Lombroso e como seus seguidores Rafaele Garófalo e Enrico Ferri, juntamente com outros. 17 (vontade consciente do delinquente). O doutrinador relata, ainda, que os clássicos se basearam na teoria do Jusnaturalismo7, que acreditava na imutabilidade do ser e na do Contratualismo, no qual os homens fazem um contrato com o Estado onde abrem mão de uma parcela de sua liberdade em favor da sociedade. Na visão dos doutrinadores Andrade e Dias (1997), o vocábulo “criminologia” foi utilizado pela primeira vez pelo expoente da Escola Clássica, Topinard8, mais ou menos em 1879. Contudo foi na obra intitulada “A Criminologia”, de Garófalo, que o nome foi utilizado pela primeira vez cientificamente. Por isso a origem da criminologia é relacionada à Escola Positiva, a qual Garófalo pertenceu. Porém o autor acredita que esse ensinamento não deve ser visto como totalmente correto. Para ele seria mais correto afirmar que a Criminologia ganhou consciência de si e passou a ser vista como ciência, a partir do positivismo. A Escola Positiva ficou conhecida em razão das suas novas concepções sobre a natureza e o homem. Segundo Barbosa Júnior (2000, p. 36-37), três importantes autores alteraram o rumo dos estudos penais, a saber: Cesare Lombroso, [...] foi o pioneiro desta Escola. A primeira edição da obra de Lombroso foi em 1876, alterando o rumo dos estudos penais. Lombroso demonstrou a necessidade de estudar a personalidade do delinquente para surpreender a origem biológica do delito. Porém a grande figura da Escola Positiva foi Enrico Ferri, [...]. Pelos estudos de Ferri, as análises do crime e dos criminosos passaram do plano antropológico para o plano sociológico. [...] Rafel Garófalo [...] trouxe para a Escola Positiva o conteúdo jurídico, definindo como crime natural a ofensa feita à parte do senso moral formada pelos sentimentos altruístas de piedade e probidade. Para o autor acima mencionado, a Escola Positiva introduziu o método indutivo da observação e da responsabilização, buscando compreender o criminoso e quais as razões que o levam a delinquir, afirmando que foi com o positivismo que surgiu a Criminologia, que visa estudar o criminoso e a criminalidade sob seus vários aspectos, procurando-se compreender e explicar o delito. 7 Molina (2013, p. 66, grifo do autor) “Deduz todos os postulados que a caracteriza do justanuralismo. Concebe o crime como fato individual, isolado, como mera infração à lei: é a contradição com a norma jurídica que dá sentido ao delito, sem que seja necessária uma referência à personalidade do autor (mero sujeito ativo do fato) nem à sua realidade social ou ambiente para compreendê-lo”. 8 Posterli (2001, p.1, grifo do autor), afirma que “A denominação ‘criminologia’ foi empregada pela primeira vez em 1879 por PAUL TOPINARD (médico e antropólogo francês: 1830-1911)”. 18 Ensina Molina (2013, p. 77-78) que o jurista Francês Tarde9 enfrentou o positivismo, infringindo a ele algumas críticas: Para Tarde, o delinquente é um tipo de profissional, que necessita de um longo período de aprendizagem, como os médicos, advogados e outros profissionais, em um meio particular: o criminal; e de particulares técnicas de intercomunicação e convivência com seus camaradas. A célebre frase que se atribuiu a Tarde (‘Todo mundo é culpável, exceto o criminoso’) expressa não só sua crítica ao positivismo antropológico, senão a convicção de que a própria sociedade, ao propagar suas ideias e valores, influi mais eficazmente no comportamento delitivo que o clima, a hereditariedade, a doença corporal ou a epilepsia. [...] Para o autor, o delito, como qualquer outro comportamento social, começa sendo moda, tornando-se, depois, hábito ou costume; e, como em qualquer outro fenômeno social, o mimetismo – a imitação – assume um papel decisivo. O delinquente é consciente ou inconscientemente, um imitador. Por fim, houve a criação da Terceira Escola, que consistia na ideia de conciliar os ensinamentos das duas anteriores. Penteado Filho (2010) faz importante observação ao afirmar que somente as Escolas Clássica e Positiva, que na época assumiram posições tão antagônicas filosoficamente. Posteriormente, as escolas que surgiram adotaram teorias ecléticas, assim como a “Terza Escuola Italiana”, como ficou conhecida a Terceira Escola que teve como pioneiros, Manuel Carnevale, Bernardino Alimena e João Impallomeni. Em relação à variedade de escolas que existiram, esclarece Linton apud Castiglione (1962, p. 65): Como todas as ciências jovens, a antropologia está incerta de seus objetos e das maneiras pelas quais seus materiais devem ser manejados, o que resulta no desenvolvimento de certo número de escolas diferentes, tendo todas contribuído de maneira valiosa para o desenvolvimento da ciência, mas também apresentado alegações um tanto extravagantes. Esta situação de multiplicidade de escolas tem sido característica da primeira fase do desenvolvimento de todas as ciências. À medida que qualquer ciência amadurece, as escolas em conflito tendem a fundir-se ou desaparecer. 9 Molina (2013, p, 78), ensina que os pensamentos de Tarde “[...] já contém o germe de posteriores concepções subculturais, e analisa a gênese da criminalidade derivada do progresso tecnológico e da moderna civilização: não em vão atribuiu o incremento daquela à quebra da moral tradicional, ao desenvolvimento de um desejo de prosperidade na classe média e baixa, que determina uma grande mobilidade geográfica com o correlativo debilitamento dos valores familiares; ao êxodo do campo para a cidade; a formação de subculturas desviadas como consequência da mudança social; e por último, à perda de segurança em si mesma que experimentariam as classes sociais dominantes, incapazes de seguir servindo de guia e modelo. De outro lado, Tarde, consciente do efeito preventivo da pena, mostrou-se partidário da pena capital e se opôs ao sistema do Júri, mostrando-se partidário de uma justiça profissionalizada e técnica”. 19 Assim, nesse sentido, Castiglione (1962) verifica que nos ensinamentos de Linton encontra-se outro prefácio, que insiste no mesmo ponto de vista recém exposto. Consiste em dizer que as escolas surgem a partir do aparecimento de novas ciências, quando estas ainda estão no ninho e os pensadores que as estudam estão incertos de seus pontos de vista, finalidades e métodos. À medida que elas vão crescendo e se tornando capazes de verificar suas próprias verdades aplicadas ao mundo real, as escolas acabam por fundir-se ou desaparecer. 2.1.1 A repercussão da Escola Positiva no Brasil Utilizando-nos dos ensinamentos de Alvarez (2002) podemos concluir que foi a partir da segunda metade do século XIX que as ideias científicas começaram a ser importadas da Europa para o Brasil. Foi por volta de 1930 que aqui no Brasil se deu início ao processo de autonomização das ciências sociais e à partir daí que elas começaram a ser estudadas como instituições autossuficientes. Dentre as novas ideias que passaram a ser estudadas, pode-se destacar as criminológicas que foram minuciosamente analisadas pelos bacharéis e juristas brasileiros “que as utilizaram não apenas para pensar a sociedade nacional, mas também para propor e por vezes realizar reformas legais e institucionais inspiradas nos conhecimentos criminológicos” (ALVAREZ, 2002, p. 678). Nas palavras do doutrinador supracitado a antropologia criminal ganhou repercussão na América latina no mesmo momento em que entrava em decadência na Europa foi esta a razão de os doutrinadores brasileiros ganharem repercussão no setor internacional, uma vez que possuíam grande interesse em divulgar as ideias do precursor italiano e positivista Lombroso. Porém se alguns foram apreciadores das novas teorias, por outro lado outros consideraram radicalmente exagerada algumas das novas ideias. No entanto como ponto em comum, a grande maioria viu o estudo da criminologia como extremamente necessário para a compreensão do Direito Penal. “Desse modo, mesmo conhecendo as críticas mais significativas apresentadas na Europa contra a antropologia criminal, os simpatizantes no Brasil não deixam de reafirmar a importância fundamental dos conceitos dessa escola” (ALVAREZ, 2002, p. 10). 20 Assim, nessa linha de pensamento, podemos citar as palavras de Soares, apud Alvarez (2002, p. 685): A única conclusão a tirar é que os estadistas e professores italianos estão quase no mesmo caso dos professores e estadistas brasileiros. Para uns, como para outros, estes estudos estão por fazer, são novos e como toda a novidade que abala desde os alicerces um sistema inteiro, incutem receio e provocam resistência. O positivismo brasileiro teve início com o estudo das teorias de Lombroso, por Tobias Barreto e João Vieira de Araújo, como leciona Castiglione (1962, p. 269, grifo do autor) “TOBIAS BARRETO examinou O homem delinquente no livro Menores e Loucos10, cuja primeira edição é de 1984. JOÃO VIEIRA DE ARAÚJO ocupou-se de LOMBROSO no Ensaio de direito penal sobre o Código Criminal do império no Brasil11, edição também de 1984”. De acordo com Lira (1964), Tobias Barreto foi um precursor da Escola Positiva no Brasil, que criticou a teoria patológica12 do crime, que consistia em dizer que o delinquente era patologicamente diferente dos demais e, que se assim fosse, seria necessário recolher aos hospitais a humanidade inteira. A seu ver, Barreto pregava que o homem deve ser reformado pelo próprio homem13 e que não se deve 10 “Em sua obra, Barreto faz referência ao L’Uomo Delinquente, ao discutir a necessidade de diferenciação das diversas categorias de irresponsáveis no campo penal” porém, “essa obra não é, no entanto, totalmente elogiosa, pois, se, de um lado, admite que o trabalho de Lombroso ‘pertence ao pequeno número dos livros revolucionários’, [...], por outro, não deixa de censurar os exageros naturalistas da abordagem da questão criminal feita por Lombroso” (ALVAREZ, 2002, p. 683). 11 “E, de fato, em seu livro [...] João Vieira de Araújo já aponta para a necessidade de analisar a legislação nacional de um ponto de vista mais filosófico mais ‘moderno’, que no campo do direito criminal seria sobretudo representado pela obra de Lombroso” (ALVAREZ, 2002, p. 683). 12 Quanto à patologia, explica Penteado Filho (2010, p. 21) “A Escola Positiva entendia que o criminoso era um ser atávico, preso a sua deformação patológica, às vezes nascia criminoso”. Complementando, para Alvarez (2002), Lombroso que era formado em medicina, foi influenciado pelas ideias positivistas e ficou famoso por defender a teoria do criminoso nato, partindo da noção de que os comportamentos são biologicamente determinados; em suas teorias o criminoso aparece como um homem atávico, ou seja, de acordo com sua fisionomia e sinais anatômicos poder ia-se identificar o indivíduo que está hereditariamente destinado ao crime. 13 Não há nada mais certo que o curso de um rio e mesmo assim pode-se desvia-lo, com base nessa premissa que Lira (1964, p. 142) ensina: “também o direito, máxime o direito penal, é arte de mudar o rumo das índoles e o curso dos caracteres [sic], que a educação não pode amoldar, não no sentido da velha teoria da emenda, no intuito de fazer penitentes e preparar almas para o céu, mas o sentido da moderna seleção darwínica, no sentido de adaptar o homem à sociedade, de reformar o homem pelo homem mesmo, que, afinal, é o alvo de toda política humana”. 21 corrigir o homem matando-o ou humilhando-o, mas sim o modificando como ao curso de um rio, que mesmo já determinado pode ser corrigido. E não hesito em glosar: o homem é todo feito à imagem e semelhança, não de Deus, porém da natureza, isto é, do céu que ele contempla, do ar que respira, da terra em que pisa, do leito em que dorme e até das flores que colhe se não dos lábios que beija. Seja, porém como for, o certo é que a alma humana, quer individual, quer socialmente considerada, é o produto de mil circunstâncias, de mil fatores diferentes, em cujo número entra a própria atmosfera com sua cota de calor e eletricidade (LIRA, 1964, p. 141). Ainda de acordo com Lira (1964, p. 107), Barreto acredita que a culpa da criminalidade é atribuída aos “[...] vícios da organização social, da riqueza mal distribuída e do trabalho mal recompensado.”. Acrescenta Castiglione (1962), que Tobias Barreto não seguia a doutrina de Carrara, da Escola Clássica, e que nutria grande admiração por Lombroso. Barreto acreditava que Cesare escrevia livros revolucionários, apesar de não aderir as suas teorias. Apesar de não seguir as teorias do estudioso de Turim, a criação das obras de Barreto só foram possíveis depois do debate dos expoentes da Escola Positiva. Já em relação a João Vieira de Araújo14, refere Castiglione (1962, p. 276), que ele, internacionalmente, ocupava uma posição elevada em relação a Barreto, “é superior a este, porém, pela extensão de conhecimentos criminológicos referentes as obras publicadas pelos fundadores e continuadores da Escola Positiva. Escreveu CLÓVIS BEVILAQUA [...] para o estrangeiro era ele [...] o representante mais conhecido.” João Vieira foi um seguidor dos ideais do positivismo. Foi através dele que as ideias positivistas se popularizaram no país. Quanto aos comentários de Araújo e Barreto sobre a criminologia, sinaliza Alvarez (2002, p. 10), que “foram publicados antes do primeiro congresso de antropologia criminal, em 1885, que foi o marco a partir do qual as ideias de Lombroso ganham efetivamente repercussão internacional”. 14 “Vieira de Araújo fortaleceu ainda mais sua reputação como jurista ao divulgar as ideias da antropologia criminal no Brasil. Ele se correspondia com o próprio Lombroso, o que facilitou o reconhecimento de seus trabalhos na Itália [...]. Provavelmente inspirado pelo espírito militante de Lombroso e seus seguidores, João Vieira de Araújo se propôs a divulgar as noções da Nova Escola para além do Recife” (ALVAREZ, 2002, p. 691). 22 Dentro da criminologia brasileira imperioso se faz compreender a presença da antropologia criminal e da sociologia criminal. Pontua Alvarez (2002, p. 686), que o estudo das novas ideias criminológicas estava longe de se caracterizarem apenas como modismo e que essas novas teorias surgiram em razão de “às urgências históricas que se colocavam para certos setores da elite jurídica nacional. Não se pode negar, entretanto, que o estilo dos autores brasileiros, [...], é bastante eclético e, na maioria das vezes pouco, original em termos teóricos”. Relevante também citar as conclusões do doutrinador Alvarez (2002, p 687- 688) sobre o que pensava Beviláqua em relação à Escola Antropológica e sociológica: Como resultado da recepção eclética e conciliadora das teorias criminológicas europeias pelos juristas brasileiros, o crime e o criminoso passam a ser pensados como problemas complexos demais para serem observados de um ponto de vista único. Tanto os aspectos biológicos quanto o meio social devem ser assim estudados pelas disciplinas criminológicas. Nessa direção Clóvis Beviláqua argumenta que, mesmo sendo simpatizante da Escola Sociológica, não deixa de admitir a presença de causas biológicas na origem do crime: [...]. O que Beviláqua censura na Escola Antropológica é o exagero daqueles que interpretam de maneira exclusivamente biológica as causas do crime, subestimando os aspectos propriamente sociais igualmente presentes. Em contra partida o autor supra mencionado cita, no oposto da discussão, que Antonio Moniz Sodré de Aragão “em seu livro As Três Escolas Penais, [...], na qual critica as abordagens sociológicas do crime (inclusive a de Beviláqua), não deixa de admitir que as causas sociais estão igualmente presentes, embora sejam secundárias em relação as causas biológicas individuais” (ALVAREZ, 2002, p. 688). Concluindo os ensinamentos do doutrinador então em questão, cabe enfatizar que muitos foram os estudiosos da criminologia no Brasil entre as Escolas Antropológicas e Sociológicas, que se preocupavam principalmente quanto as acentuações que eram atribuídas aos fatores biológicos ou socioculturais na ocorrência e compreensão do crime, porém sempre concordando com o fato de que uma melhor compreensão do delito requer que se estude e aborde tanto o crime quanto o criminoso. Frente ao exposto, acrescenta Lira (1964), que muitas foram as obras históricas que contribuíram para a criminologia brasileira como, por exemplo, a de 23 Vieira de Araújo, “Comentário Filosófico-Científico do código Criminal Brasileiro” e a de Adelino Filho, “Nova Escola de Direito Criminal”, dentre outras tantas que poderiam ser citadas no presente estudo. Pontua o doutrinador acima citado que, de acordo com os nomes já vistos anteriormente, muitos foram os doutrinadores que dominaram o assunto aqui no Brasil, tendo cada um seguido linhas diferentes porém interligadas. Acrescenta ainda, o autor, que eram ecléticas até mesmo as nomenclaturas utilizadas para denominar uma única disciplina, valendo-se de terminologias como: antropologia criminal, criminologia e sociologia criminal. Os primeiros pensadores criminalistas brasileiros serviriam futuramente de base a uma escola disposta e aberta as distinções e aos traços registrados de uma sociedade, ou seja, deixaram o caminho livre para que se entenda a criminologia livre dos freios da matéria normativa. 2.2 A criminologia como Ciência Em sua obra sobre a Criminologia, Lira (1964), aponta que a procura pela verdade absoluta está totalmente ligada à evolução, ao desenvolvimento e à transformação da vida que estão eternamente acontecendo e, que todos os problemas são dotados de mutabilidade e, por isso, passíveis de debates e de novas definições. Para ele tudo deve ser questionado, inclusive a fé e a ciência que pode ter a dúvida como condição, assim: Em ciência, a dúvida pode ser o Estado de Graça; a variação é a coerência; o conflito é a ordem. ‘Para não mudar basta não pensar’ (RENAN). [...] Os limites, em que nosso conhecimento se aproxima de uma verdade, estão condicionados historicamente. Entretanto, a existência de verdade absoluta é incondicional. O fato, de que nos avizinhamos dela cada vez mais, é, também incondicional. [...] não se trata mais de duvidar por impulso, cálculo ou prazer. Investigar sempre, isto sim, sem compromissos prévios, em busca da verdade. Devemos duvidar do consagrado sem verificação e controle ou ainda fora do verificável e controlável (LIRA, 1964, p. 49). Quando se trata de discutir o conhecimento de alguma ciência, é natural que classifiquemo-las por seus traços em comum, entre os quais se destaca a questão do método. Quanto à criminologia como ciência, o método utilizado, qual seja o empírico-indutivo, necessita de muitas amostras do mundo real para que se alcance 24 a certeza de alguma verdade. Com base nisso, Elbert (2003, p. 34) consagrou: “Ao contrário da metodologia consagrada das ciências naturais, nas ciências sociais não se pode superar a diversidade existente e em uso, que inclui, ademais, grande quantidade de técnicas”. Inicialmente, utilizando-nos dos aportes iniciais dos estudos de Elbert (2003, p. 37), quanto a sua cientificidade ou não, cabe salientar: Os conceitos de Kuhn têm produzido um grande impacto na epistemologia [...], não se pode negar a importância dessas teorizações para compreender a relatividade temporal da ciência, a provisoriedade de seu conceito, a transitoriedade e transformação das ideias ao compasso da evolução histórica da sociedade e seus problemas. Resta, então, ainda uma vez enfatizado o caráter relativo do que chamamos conhecimento científico. Conceito e definição não significam a mesma coisa para alguns autores, como supõe Schecaira (2014, p. 38), “[...] definir um objeto é dar a oração reveladora do que a coisa é; enquanto o conceito é apresentar uma visão global, não reduzindo a uma oração, do que essa mesma coisa seja.” Em outras palavras, segundo ele, alguns autores acreditam que o conceito vem a ser apenas uma visão geral do objeto, enquanto a definição exprime a determinação exata. Por isso, esclarece o doutrinador, que a maior parte dos autores define a criminologia como uma ciência. Molina (2013) aduz que a criminologia é uma ciência válida e confiável graças a um método que fornece informações baseando-se em observações reais, qual seja, um método empírico, uma ciência do ser, o que não significa que podemos avaliá-la como exata. No entanto, de acordo com Shecaira (2014, p. 39), deve-se levar em consideração a discussão segundo a qual a ciência social não seria realmente ciência: Não se ignora a discussão segundo a qual as ciências humanas ou sociais não são realmente ciências, porque não trazem teorias de validade universal, nem dispõem de métodos unitários ou específicos. Em nosso entender, crê-se que a criminologia reúne uma informação válida e confiável sobre o problema criminal, que se baseia em um método empírico de análise e observação da realidade. É claro que tal informação não traz, necessariamente, uma forma absoluta, concludente e definitiva de ver toda a realidade fenomênica. Como ciência, ou saber do ‘ser’, não é uma ciência ‘exata’, que traduz pretensões de segurança e certezas inabaláveis. Não há que ser considerada uma ciência ‘dura’, como são aquelas que possuem conclusões que as aproximam das universais. Como qualquer ciência ‘humana’ apresenta um conhecimento parcial, fragmentado, provisório, fluido, adaptável à realidade e compatível com evoluções históricas e 25 sociais. De sorte que o saber empírico, subjacente ao conhecimento da criminologia, não deixa de apresentar certa dose de inexatidão em oposição às férreas leis universais das ciências ‘exatas’. Na mesma linha de pensamento de Molina, Elbert (2003, p. 34) entende como oportuno recordar que “as ciências humanas ou sociais não são realmente ciências, porque não aportam teoria de validez universal nem dispõem de métodos unitários ou específicos”. A dúvida quanto à Criminologia ser ciência ou não, de fato existe. Pouca coisa quanto a criminologia se mantém imutável por toda a contemporaneidade. De acordo com Castiglione (1962, p. 65), “A existência de ‘teorias’, ‘escolas’, ‘doutrinas’, prova que não estamos na fase da certeza, mas da investigação”, logo sempre surgem novos doutrinadores e pesquisadores com estudos diferentes, dando amparo ou não, a cientificidade criminológica fazendo assim com que o tema esteja sempre em mutação. Lira (1964, p. 39) sinaliza que a Criminologia é uma ciência social filiada à sociologia, onde seu objeto de estudo é: a) as causas e as concausas da criminalidade e da periculosidade preparatória da criminalidade; b) as manifestações e os efeitos da criminalidade e da periculosidade preparatória da criminalidade e, c) a política a opor assistencialmente, à etiologia da criminalidade e da periculosidade preparatória da criminalidade, suas manifestações e seus efeitos. Conforme sintetiza Menezes ([entre 2003 e 2015], texto digital) a criminologia não é uma ciência social desorientada, “em relação ao seu objeto – a criminalidade – a criminologia é ciência geral porque cuida dela de um modo geral. Em relação a sua posição, a criminologia é uma ciência particular, porque, no seio da sociologia e sob sua égide trata, particularmente, da criminalidade”. Nas palavras de Sumariva (2013) a Criminologia é uma ciência que se utiliza de métodos biológicos e sociais, valendo-se do método indutivo na análise do fenômeno criminal, uma vez que seu objeto se insere no mundo real e se torna mensurável. 26 Nos ensinamentos mais antigos, porém ainda muito utilizados, uma vez que a criminologia ainda é um estudo recente, Sutherland e Arrojo15, apud Castiglione (1962, p. 67, grifo do autor) enfatizam: Palavras de SUTHERLAND: ‘a presente edição deste livro destina-se a mostrar algum desenvolvimento da criminologia no sentido de tornar-se ciência’. Mais: ‘A criminologia não é uma ciência, mas há esperança de que venha a sê-lo’. Parece que a questão foi bem colocada por MANOEL LOPEZ-REY ARROJO, que opinou: a criminologia ‘é uma ciência em formação’. Assim, finalizando a discussão, nas lições de Castiglione (1962), verifica-se que, para alguns doutrinadores, a Criminologia é considerada ciência e, para outros, não, o que não quer dizer que uns estão em desacordo com os outros; trata-se apenas de pontos de vistas diferentes. Sendo assim, o presente estudo filia-se à Lira (1964, p. 39) quando o autor alega que “ou a criminologia é ciência social, ou não é ciência. Ciência social filiada a Sociologia e não outra ciência social solta, desorientada, inoperante para figurar na enciclopédia sociológica”. Com isso ele quer dizer que a sociologia seria o ponto de partida e o de chegada da “ciência criminológica” e de outras, sendo que aquela e estas servem como investigadoras do crescente processo do saber e compartilham entre si seus conhecimentos que depois de distribuídos e organizados se tornam a base para leis gerais que norteiam os indivíduos em uma sociedade. Assim, para reafirmar o já exposto, pode-se trazer a seguinte citação: A Sociologia tornar-se ia o foro [...] universal de prestação de contas em que as ciências sociais depositariam a colheita para uso e gozo comuns. Nem seria possível acompanhar e, muito menos, aplicar tantos conhecimentos sem central receptora e transmissora em comunicação permanente com tudo e com todos, do infinitamente pequeno ao infinitamente grande (LIRA, 1964, p. 40). 15 O ponto de vista de HENTING não se distância quanto à acepção do termo ‘ciência’ do de SUTHERLAND e do de LOPES REY ARROJO. Escreveu HENTIG, Criminologia, trad. Santillán, Buenos Aires, 1948. Págs 11 e 12: ‘Si entendemos por ciência um cuerpo de conocimientosaprendibles e ensinables que pueden ser aplicados, com um grado razonable de certidumbre a la vida cambiante, la criminologia está em caminho de convertirse em ciencia ‘. E depois de algumas considerações: ‘Mucho se haceactualmente em el campo de la criminologia’. A linguagem de ASUA é outra [...]: ‘ Anuestroenteder, la criminologia es uma Ciência que además, como hemos antecipado, está lhena de promessas’. Soler diverge quanto ao caráter unitário da criminologia [...]: ‘Se algo nos lleva, pues,a negar a la Criminologia el caráter de ciência unitária, serasu carência de objeto típico e um método característico y único de operar’ [...] “ (CASTIGLIONE, 1962, p. 67). 27 Partindo dessa premissa, e citando os grandes filósofos Comte e Bacon, Lira (1964, p. 40) acreditava que “A ciência é patrimônio de toda a humanidade, constituindo simples prolongamento da sabedoria comum [...]. Por isso há de ficar sempre a serviço do homem merecedor ou necessitado, devendo ser prática e acessível [...].” Ainda, aproveitando-nos dos ensinamentos do doutrinador supracitado temos que a criminologia como ciência se aproveita dos ensinamentos de outras ciências, não importando, assim, ser ela uma ciência não exata que analisa o mutável, o flutuante, pois seus conhecimentos de toda forma servem como pilar de sabedoria para a Sociologia e que fora desta, a criminologia será uma ciência indisciplinada. 2.2.1 A Criminologia como “práxis e como saber” Como já visto anteriormente, a Criminologia pode ser vista como uma ciência, contudo não pode ser considerada uma ciência neutra, uma vez que se inter- relaciona com outras áreas de estudo como a sociologia, história, psicanálise, antropologia e filosofia. É uma disciplina onde o observador se projeta na realidade para compreendê-la. Segundo Schecaira (2014, p. 40), a Criminologia comporta duas visões distintas: [...] podemos resumir que criminologia comporta duas visões distintas: Ela se apresenta como saber, mas não deixa de se consubstanciar em uma práxis. Como saber, terá um objeto próprio que será analisado na sequência e que contempla diferentes áreas do conhecimento. Como práxis constitui o mais efetivo instrumento de crítica ao mito da neutralidade ideológica do Direito Penal bem como autoriza a deslegitimação da pena de prisão como instrumento principal de controle social das sociedades periféricas. [...] Mesmo entendendo a ciência como uma forma de procurar o conhecimento, diversa daquela que pode existir no senso comum, também não há que se ignorar ser a ciência uma espécie de guia para a intervenção (práxis). Da mesma forma não se pode deixar de destacar a discussão segundo a qual as ciências humanas ou sociais não são realmente ciências, porque não trazem teorias de validade universal, nem dispõem de métodos unitários ou específicos. No entanto crê-se que a criminologia reúne uma informação válida e confiável sobre o problema criminal, que se baseia em um método empírico de análise e observação da realidade. Como se trata de uma ciência onde o “ser” é o membro em apreciação, não se trata de uma ciência exata, mas sim confiável, uma vez que tem como base a observação minuciosa da realidade, observação essa, que gera informações que são interpretadas, valoradas e sistematizadas com o intuito de compreender a 28 criminalidade e levar segurança e harmonia para a sociedade, como leciona Teixeira (2011). Completando, o antes já visto, Lira (1964), que acredita que a Criminologia existe como complemento da Sociologia, traz a ideia de que a Criminologia é uma ciência exata em razão da sua técnica que procura exatidão, ajustando-se as outras ciências; seria ela uma ciência introdutória onde as suas informações coletadas serão utilizadas para o núcleo sociológico de ensino, uma vez que este irá convertê- las em verdades mutáveis e úteis a todos. Para o doutrinador, não existe verdade absoluta, uma vez que nosso conhecimento e as verdades estão conectados historicamente. Como exemplo, muitas das verdades dadas por Aristóteles, foram mais tarde contestadas por Galileu e a partir disso deixaram de ser absolutas. Foi o que ocorreu, por exemplo, com a teoria dos pesos onde Aristóteles acreditava que uma moeda de 10 libras, demoraria a décima parte do tempo de uma de 1 libra para cair de uma mesma altura e que posteriormente Galileu provou que não, atirando-as de cima da torre de Pisa. Consequentemente acreditamos que cada vez nos aproximamos mais da verdade absoluta. Porém acreditamos nisso incondicionalmente. Tendemos sempre em aceitar a hipótese que nos parece melhor e, não há problema nenhum nisso, desde que seja investigada a verdade dada e duvidado daquilo que não foi verificado. 2.2.2 Metodologia criminológica Merece destaque, o fato de que nem sempre a Criminologia foi vista como natureza interdisciplinar, mas sim com uma estrutura híbrida: Até a publicação de um livro de Garófalo, que se intitulou Criminologia – em 1885 – a reunião de conhecimentos prévios, ou seja, seus precedentes imediatos, tinham uma visível estrutura híbrida de ciência social e natural, que não encontrava um ponto de equilíbrio integrador. Nesta multidisciplinaridade sobre o fenômeno criminal pode detectar-se a origem da muito complexa e sempre atual natureza interdisciplinar da criminologia (ELBERT 2003, p. 53, grifo do autor). Lombroso, para que chegasse à figura do delinquente nato, se utilizou de concepções oriundas de suas investigações anatômicas e fisiológicas. Sobre isso escreveu Parmelee, apud Castiglione (1962, p. 62): “A criminologia não é uma 29 ciência fundamental, mas o produto híbrido de outras várias, entre as quais a anatomia, a fisiologia, a antropologia, a psiquiatria, a zoologia [...]”. Porque devemos crer naquilo que afirmam os cientistas? Em busca da resposta para esta pergunta, encontramos o que chamamos de “epistemologia” que se encarrega, de acordo com Elbert (2003), a analisar historicamente, psicologicamente e sociologicamente o conhecimento científico. O doutrinador repassa os ensinamentos de Klimovsky que foi um importante filósofo Argentino, que voltou seus estudos para a epistemologia e que diz que não devemos aceitar qualquer verdade sem antes examiná-la criticamente da forma mais objetiva possível. Ainda, sobre o assunto, explica o estudioso Elbert (2003) que a ciência é uma forma de buscar conhecimentos e que a forma que ela irá utilizar para explorar esse caminho é o que chamamos de método, já a soma de vários deles é o que definimos como metodologia. Schecaira (2014, p. 64) destaca que a metodologia abordada pela Criminologia é científica e “Consiste na observação de fatos que permitam a descoberta de leis gerais que os governem.” Ainda que se utiliza da indução, que trata-se um método utilizado para se checar a verdade dos fatos, através da aplicação dos mesmo nas diferentes sociedades concretas. Nesta mesma linha de pensamento, Elbert (2003, p. 34): Geralmente, admite-se que os métodos aplicáveis em criminologia são empírico-indutivos, com pouca diferença dos empregados em outras ciências sociais. É preciso partir do empírico; para tanto analisaremos fatos do mundo real, alguns dos quais são mensuráveis e quantificáveis. Interessar-nos-emos por fatos e não por argumentos ou silogismos 16 . 16 “Falamos de duas linguagens diferentes – afirmou Ferri, referindo-se aos clássicos. ‘para nós, o método experimental (indutivo) é a chave de todo conhecimento; para eles, tudo deriva de deduções lógicas e da opinião tradicional. Para eles, os fatos devem ceder seu lugar ao silogismo; para nós os fatos mandam [...]; para eles, a ciência só necessita de papel caneta e lápis, e o resto sai de um cérebro repleto de leitura de livros, mais ou menos abundantes e feitos da mesma matéria. Para nós a ciência requer um gasto de muito tempo, examinando os fatos um a um, avaliando-os, reduzindo- os a um denominador comum e extraindo deles a ideia nuclear. Para eles, um silogismo ou uma anedota é suficiente para destruir milhares de fatos conseguidos durante anos de observação e análise; para nós, o contrário é a verdade’. E conclui Ferri [...] A ciência dos delitos e das penas era uma exposição doutrinária de silogismos, dados à luz pela força exclusiva da fantasia lógica; nossa escola fez disso uma ciência de observação positiva que, fundando-se na Antropologia, na Psicologia e na Estatística Criminal, assim como no Direito Penal e nos estudos penitenciários, 30 Analisaremos dados, tiraremos conclusões e as transformaremos em informação. Foi com o aparecimento da Escola Positiva, que empregou o método empírico, que a Criminologia passou a ser um a ciência autônoma, Molina (2013, p. 55), “Submeter a imaginação à observação e os fenômenos sociais às leis implacáveis da natureza era uma das virtudes, segundo Comte, do método positivo, do método empírico”. Citando Ferri, nas palavras do doutrinador acima mencionado, o conflito da Escola Classista e da Positiva, nada mais era se não a divergência quanto ao método. Esta acreditava no empírico e indutivo que consiste em dizer que os fatos mandam, e aquela no formal e dedutivo, ou seja, o fato deve ceder lugar aos silogismos. Schecaira (2014, p. 64) em seus estudos faz menção às quatro regras elencadas por Descartes em suas obras e que devem ser observadas para se chegar ao verdadeiro conhecimento: O primeiro consistia em nunca aceitar, por verdadeira, coisa nenhuma que não conhecesse como evidente; isto é, devia evitar cuidadosamente a precipitação e a prevenção; e nada incluir em meus juízos que não se apresentasse tão clara e distintamente ao meu espírito que não tivesse nenhuma ocasião de o pôr em dúvida. O segundo – dividir cada uma das dificuldades que examinasse em tantas parcelas quantas pudessem ser e fossem exigidas para melhor compreendê-las. O terceiro – conduzir por ordem os meus pensamentos, começando pelos objetos mais simples e mais fáceis de serem conhecidos, para subir, pouco a pouco, como por degraus, até o conhecimento dos mais compostos, e supondo mesmo certa ordem entre os que não precedem naturalmente uns aos outros. E o último – fazer sempre enumerações tão completas e revisões tão gerais, que ficasse certo nada omitir. Destarte, este procedimento serve para concluirmos quando devemos acreditar que temos razão quanto a uma verdade científica. Cabe destacar, de acordo com o autor acima mencionado, que a Criminologia é uma disciplina interdisciplinar, onde o método de observação e indução se afastou do método dedutivo empregado pelos iluministas, superando, assim, a especulação e o silogismo. Traduzindo mais claramente, isso significa dizer que o objeto da chega a ser ciência sintética que eu mesmo chamo Sociologia Criminal, assim esta ciência, aplicando o método positivo no estudo do delito, do delinquente e do meio, não faz outra coisa que levar a Ciência Criminal clássica o sopro vivificador das últimas e irrefutáveis conquistas feitas pela ciência do homem e da sociedade, renovada pelas doutrinas evolucionistas” (MOLINA, 2013, p. 55- 56). 31 Criminologia, que será estudado com mais afinco no próximo capítulo, é introduzido no mundo do real, do verificável, o que gera a necessidade da interdisciplinaridade, o que implica em dizer que as ciências inter-relacionam-se e completam-se e dessa interpretação que a criminologia tirará suas conclusões. É oportuno também citar, como preconiza o estudioso Schecaira (2014), que todo método de investigação empírico e interdisciplinar pode apresentar algumas dificuldades quanto ao seu objeto. Isso é o que ocorre na criminologia, uma vez que aplicá-lo ao mundo real pode ser complexo, primeiramente em razão do medo de macular a honra do criminoso e da vítima, da dificuldade em entrevistar as pessoas da sociedade ou até mesmo os presos, que não se sentem à vontade com desconhecidos; do receio dos pais, quando se trata da delinquência do próprio filho; e do sigilo das informações que não podem ser prestadas pelas autoridades policiais e administrativas; secundariamente, porque todo investigador já possui ideias preconcebidas, o que pode gerar uma determinada conclusão que não represente a realidade. 2.3 Relações da Criminologia com outras disciplinas Empíricas e Normativas A criminologia tem uma intensa relação com outras disciplinas empíricas, como a Biologia e ciências afins, a Psicologia, a Psiquiatria, a sociologia e a Etologia. No entanto, é mais importante estreitar sua relação com o Direito Penal e a Política Criminal conforme os ensinamentos de Molina (2013, p. 16): Mas interessa sublinhar sua relação com o Direito Penal e a Política Criminal, por se tratar de uma questão controvertida, pois as três disciplinas se ocupam do delito, embora selecionem seu objeto com critérios autônomos e tenham seus respectivos métodos e pretensões. O crime, como será visto adiante, além de objeto da criminologia é também o objeto em comum do Direito Penal, da política criminal e da ciência em questão: Além de objeto da criminologia, o crime constitui também o objeto de um conjunto de disciplinas – as ciências criminais em sentido amplo – onde, além da criminologia, ganham particular relevo o direito penal e a política criminal. Foi ao tentar englobar este conjunto de disciplinas numa unidade coerente e harmoniosa que v. LISZT criou o designativo, que se tornaria 32 justamente célebre, de ‘ciência global (total, universal, integral, ou conjunta) do direito penal (ANDRADE; DIAS, 1997, p. 93). Com isso, quis dizer o autor, que as leis penais por si só não são suficientes para que se compreenda a ciência criminal e se controle o problema da criminalidade. Portanto, necessário é que se compreenda as ciências de forma integrada e interdisciplinar. Importante aqui se faz salientar a opinião de Castiglione (1962, p. 192) a respeito da Criminologia, que “já tem uma personalidade própria, autônoma e tão facilmente reconhecível que, como se repetiu não poucas vezes, aqui e fora [Barcelona], não se confunde, em suas linhas características, com o direito penal.” Quanto às características divergentes entre o Direito Penal e a Criminologia, leciona o doutrinador: O penalista verifica a existência de uma conduta anti-social; o criminólogo esforça-se por indagar as causas dessa. O primeiro vê o fato e o avalia de acordo com critérios jurídicos; o segundo não se limita a ver o fato; vai além: indaga a respeito das raízes, próximas ou remotas, que o produziram; procura penetrar na consciência do criminoso para conhecer os seus impulsos íntimos e profundos, o porquê da rebeldia social, a fim de, decifrando o enigma do crime, combatê-lo com eficiência (CASTIGLIONE, 1962, p. 194). Em outros termos, para o autor, a Criminologia não se preocupa em aplicar ao delinquente uma pena que lhe traga um enorme sofrimento, mas sim em reintegrar e ressocializar o indivíduo na sociedade. Já a Política Criminal é o fator que une a Criminologia e o Direito Penal. Lira (1964, p. 93) ensina que “pela Política Criminal é que a Criminologia passa do plano científico e pedagógico para o técnico e administrativo”. Com efeito, Andrade e Dias (1997), recordam que cabe à Política Criminal delimitar qual o limite máximo de punição para um fato, pertencendo ao conjunto normativo dogmático o dever de identificar que tipo de comportamento deve ser punido dentro dos limites já estabelecidos. Salientam ainda que a valoração e a utilização da Criminologia para que se chegue a uma dogmática-jurídico penal, é o que chamamos de Política Criminal. 33 Para Molina (2010, texto digital) em uma reflexão atual da criminologia o saber criminológico nasce do estudo e da observação: O saber criminológico conforme já foi dito, tem uma clara vocação prática: nasce do estudo e da observação do crime histórico e concreto que existe em uma sociedade e está inclinado a retornar a essa mesma realidade, para transformá-la e melhorá-la. O que distingue uma política criminal científica e moderna de uma atitude puramente despótica, do chamado despotismo não ilustrado, ou do mero decisionismo político, não é outra coisa que a perfeita coordenação entre a criminologia, a política criminal e o sistema normativo (dogmática) penal. Mais detalhadamente, ainda para Molina (2013), a Escola Clássica entendia o crime como um fato individual e isolado. Já a Escola Positiva teria proposto uma mudança, estabelecendo que o delito e o delinquente não devam ser vistos isoladamente apenas como produto da norma, deslocando o objeto do crime para a realidade social e para os fatores individuais e sociais que explicam o fenômeno criminal. Resumindo seus ensinamentos, o Direito Penal se preocupava com a especulação teórica, enquanto a Criminologia estava voltada às análises empíricas. Porém, hodiernamente é possível identificar que não cabe mais dissociar uma da outra. Feito o breve relato, com base nos ensinamentos de Molina (2013) é possível identificar que as duas matérias inicialmente propostas, quais sejam a Política Criminal e o Direito Penal, frente à Criminologia, devem ser considerados os três pilares do sistema das ciências criminais, inseparáveis e interdependentes entre si, sendo que a Criminologia é o que leva o saber empírico ao Direito Penal, uma ciência fática “do ser” que abstrai informações para que se forme a ciência do “dever ser”. A Política Criminal, por sua vez, utiliza-se das informações empiricamente coletadas pela Criminologia, enquanto o Direito Penal se vale do saber criminológico digladiado pela Política Criminal e o converte em proposições jurídicas, ou seja, em norma legal. Em relação às três ciências, Sumariva (2013) salienta que a relação Criminologia e Direito Penal sempre existiu, uma como complemento da outra em busca da prevenção e repressão do crime, bem como na criação das normas penais, se utilizando do mesmo raciocínio do doutrinador anteriormente citado quando afirma que a criminologia tem a função de auxiliar as outras duas ciências. 34 Contemplado o histórico criminológico, seus métodos e suas abordagens, partiremos agora para a conceituação da Criminologia e de seus objetos. 35 3 CONCEITO E OBJETOS DA CRIMINOLOGIA Inicialmente, por volta do ano de 1870, através da Escola Clássica, se considerou que as causas da criminalidade seriam de cunho patológico. Porém com o surgimento da Escola Positiva por volta de 1900, o estudo na área da Criminologia foi aprofundado e, percebeu-se que outros vetores precisavam ser estudados para que se compreendesse o delito. O ambiente onde vive o indivíduo, as causas sociais, a convergência entre fatores pessoais e sociais e outros fatores de cunho psicológicos, que serão descritos ao longo do capítulo, são imprescindíveis para a compreensão do tema. A violência vem crescendo nos grandes centros urbanos. A dificuldade de acesso aos recursos, a desigualdade social, a corrupção de quem deveria nos representar através do Estado e a impunidade, bem como a dificuldade de algumas comunidades em ascender socialmente são causas ensejadoras do crescimento da criminalidade. E qual seria a melhor forma para combater essa violência crescente? Atualmente, ela é combatida com o aprisionamento, porém existe uma grande discussão se essa resposta punitiva seria a ideal, devido ao custo financeiro com a manutenção dos presídios e devido às consequências sociais que o cárcere gera no indivíduo. Além disso, ele só é efetivo no tempo que a pessoa está presa, eis que, quando solta, volta a delinquir, pois sai do cárcere com os laços sociais rompidos, com a estrutura financeira comprometida e possivelmente não conseguirá um emprego por ser ex-recluso e, em contrapartida, ele fortaleceu os laços dentro da prisão e essa nova rede de relações facilita a prática de novos delitos. 36 Mais sensato seria investir em prevenção do que gastar milhões em construções e manutenção de cadeias, efetivando assim o controle social formal e deixando em segundo plano o informal, pois mais vale a efetividade da pena, do que a severidade dela. Com base no exposto, o objetivo deste capítulo será conceituar a Criminologia e seus objetos. 3.1 Conceito e objeto Deixando à parte discussões sobre a relação da criminologia com outras ciências, mister se faz compreender seu conceito e objeto. Importante, antes de adentrar no tema, esclarecer que a Criminologia e o Direito Penal possuem objetos diferentes, como já foi visto anteriormente. Sublinha Barbosa Junior (2000) que é vital a diferença entre os dois campos de estudo. Enquanto o crime é objeto do Direito Penal, que busca reprimir e prevenir utilizando- se de normas, para a Criminologia o objeto de estudo inicialmente considerado é o criminoso, buscando formas de tratar e retratar o delinquente para que não ocorra a reincidência. Nas palavras de Michelángelo Peláez, da Universidade de Nápoles, no livro intitulado Introdução ao estudo da criminologia ‘competirá à criminologia observar a conduta criminosa do homem, o porquê da sua produção e como poderia ela evitar-se ou reduzir-se’. [...] João Farias Junior (1996), disserta que o objeto da Criminologia é o homem criminoso e não o crime. O crime é objeto de estudo do Direito Criminal; o estudo do homem criminoso e a sua personalidade, as razões de sua personalidade no comportamento criminoso (BARBOSA JÚNIOR, 2000, p. 31, grifo do autor). Feitos os aportes iniciais, vamos à matéria. Castiglione (1962, p. 66) ao estudar Lombroso, um dos primeiros pensadores positivistas, ressalta uma de suas ideias: “[...] o objetivo da criminologia não poderá deixar de ser, principalmente, o de conhecer as raízes profundas, o de descobrir os elementos produtores do crime, sejam quais forem os resultados das investigações”. A criminologia positivista, que via o criminoso como um “ser” patológico, predominou entre o final do século passado e princípios deste, como se pode verificar na lição de Baratta (2013, p. 29): 37 A criminologia contemporânea, dos anos 30 em diante, se caracteriza pela tendência a superar as teorias patológicas da criminalidade, ou seja, as teorias baseadas sobre as características biológicas e psicológicas que diferenciariam os sujeitos ‘criminosos’ dos indivíduos ‘normais’, e sob a negação do livre arbítrio mediante um rígido determinismo. Estas teorias eram próprias da criminologia positivista que, inspirada na filosofia e na psicologia do positivismo naturalista, predominou entre o final do século passado e o início deste. [...] A este fato novo na história da ciência pode-se associar o início de uma nova disciplina científica. Por isso, tende-se a ver nas escolas positivistas o começo da criminologia como uma nova disciplina, isto é, um universo de discurso autônomo. Este tem por objeto não propriamente o delito, considerado como conceito jurídico, mas o homem delinquente considerado como um indivíduo diferente e, como tal, clinicamente observável. Desde os primórdios, a criminologia sofreu constantes mudanças quanto ao seu objeto de estudo, o que pode ser observado nos ensinamentos de Penteado Filho (2010, p. 21): “Houve tempo em que ela apenas se ocupava do estudo do crime (Beccaria), passando pela verificação do delinquente (Escola Positiva). Após a década de 1950, alcançou projeção o estudo das vítimas e também os mecanismos de controle social [...]”. Conforme doutrina Teixeira (2012, p. 2), contemporaneamente a criminologia vem ampliando seu objeto de estudo: A criminologia moderna tem como característica destacada a progressiva ampliação e problematização de seu objeto. Fala-se em ampliação porque a criminologia tradicional não contemplava a vitimologia (ciência que se atem a vítima criminal) em seus estudos, concentravam suas observações e pesquisa na pessoa do delinqüente e do delito. O enfoque na vítima é positivo a ciência uma vez que propicia dinamismo, interatividade e pluridimensionalidade. Inicialmente a Criminologia tinha a intenção de explicar as causas do crime. Conforme Bastos (2015), a constante mudança nas relações sociais refletiram no aumento da criminalidade, o que levou o campo das ciências humanas a tentar compreender o seu próprio objeto: o crime. O aumento da criminalidade levou a humanidade a criar medidas que refreassem a prática criminal e protegessem a vítima possibilitando assim a convivência social. Na mesma linha do autor supracitado, preceitua Sumariva que “na fase pré- científica, o objeto de estudo da criminologia limitava-se ao crime e ao criminoso. Atualmente, o objeto da criminologia está dividido em quatro vetores: crime, criminoso, vítima e controle social” (2013, p. 6). 38 A criminologia é uma ciência empírica e interdisciplinar que se dedica ao estudo do crime, da vítima, da pessoa do infrator e do controle social do comportamento delitivo, contemplando o crime como problema individual e social. É o que revela Molina (2013, p. 15): Cabe definir a Criminologia como ciência empírica e interdisciplinar, que se ocupa do estudo do crime, da pessoa do infrator, da vítima e do controle social do comportamento delitivo, e que trata de subministrar uma informação válida, contrastada, sobre a gênese, a dinâmica e as variáveis principais do crime – contemplando como problema individual e problema social –, assim como sobre os programas de sua prevenção eficaz, as técnicas de intervenção positiva no homem delinquente e em sua vítima e os diversos modelos ou sistemas de resposta ao delito. Reforçando essa ideia, ainda para Sumariva (2013, p. 5-6), a Criminologia, além de ver o crime como um problema social, o vê como um fenômeno comunitário: Em suma, a criminologia é a ciência empírica e interdisciplinar que estuda o crime, o criminoso, a vítima, e o controle social, tendo como finalidade combater a criminalidade por meio de métodos preventivos. Vê o crime como um problema social, isto é, um fenômeno comunitário que envolve quatro vertentes: a) o crime como fatos ilícitos reiterados na sociedade. b) o crime como causador de dor à vítima e à sociedade. c) o crime deve ocorrer reiteradamente por um período juridicamente relevante de tempo e no mesmo território. d) a criminalização de condutas deve incidir após uma análise detalhada quanto aos seus elementos e sua repercussão na sociedade. Criminologia é um nome genérico que para Shecaira (2014) foi designado a um grupo onde o estudo e a explicação da infração legal, os meios formais e informais que a sociedade utiliza para lidar com a criminalidade, além de como a sociedade se posta diante das vítimas desses crimes e o enfoque sobre o autor desses fatos desviantes, são temas estreitamente ligados. Para Teixeira (2012), o crime existe desde os primórdios da humanidade e dificilmente será eliminado das relações humanas. Porém, as variáveis do crime trazem consigo a marca do tempo e do lugar, e mesmo que a criminalidade tenha estado sempre presente, é recente o interesse em arraigar o objeto em questão, qual seja o crime. Sendo assim, fica completamente claro que as respostas quanto ao que é o crime e quais seus objetos estão ligadas ao momento e ao que se quer saber sobre o crime. 39 3.1.1 Crime/Delito É o doutrinador Barbosa Junior (2000, p. 41) quem expõe em sua obra as primeiras definições de crime/delito. Para ele, dentre as definições citadas, a que atingiu maior relevância foi a de Francisco Carrara: “A infração da lei, do Estado, ditada para garantir a segurança dos cidadãos, por atos de livre vontade, positivos ou negativos, moralmente imputáveis e socialmente prejudiciais.” No entanto, outros tantos doutrinadores deram distintas definições ao crime, a saber: Jimenez de Asúa disserta que o delito, materialmente indagado, é uma conduta considerada pelo legislador como contrária a uma norma de cultura reconhecida pelo Estado e lesiva aos bens juridicamente protegidos, procedentes de um homem imputável, que, com sua agressão, manifesta periculosidade social. [...] Grispini adverte que ‘O crime considerado no seu valor sintomático é sempre a revelação da personalidade psíquica e da periculosidade do sujeito; e, por conseguinte, o dizer que a sanção é proporcionada ao crime equivale a dizer que a mesma é proporcionada a personalidade psíquica do agente considerada como causa provável de crime futuro’ (BARBOSA JÚNIOR, 2000, p. 41). Barbosa Junior (2000) refere que, segundo Ferri, expoente positivista, a prática de um delito gera na consciência pública, formada por tradições e experiências, um duplo juízo; primeiramente dá-se conta de que a ação é antijurídica, ou seja, normativamente reprovável e por isso punida por lei, em seguida, percebe-se também que o delito indica uma ação amoral, praticada por um indivíduo com tendências antissociais17 e perigosas. Como nos ensina Baratta (2013), inicialmente a Escola Clássica pregou a ideia de que o delito ocorria pela única e exclusiva vontade de um “ser”, ou seja, pela história biopscicológica18 de um sujeito e que, em contrapartida, a Escola 17 Porém o que significaria dizer que um indivíduo é antissocial? Em resposta ao questionamento se posiciona Barbosa Junior (2000, p. 50). Que o conceito de antissocial de acordo com a Organização Mundial de Saúde “é um transtorno da personalidade, usualmente vindo de atenção por uma disparidade flagrante entre o comportamento e as normas sociais predominantes”. Esses comportamentos diferenciados podem ser caracterizados pela indiferença ao próximo, desrespeito por normas e regras, dificuldade em manter relacionamentos apesar da facilidade em fazê-los, incapacidade de reconhecer a culpa e crescer com ela e a grande tendência em culpar os outros ou achar desculpas pelo seu comportamento conflitante. 18 “O delito como ação é, para Carrara e para a Escola Clássica, um ente juridicamente qualificado, possuidor de uma estrutura real e um significado jurídico autônomo, que surge de um princípio por 40 Positiva viu uma nova maneira de considerar o delito, baseado num conceito naturalista de totalidade19. O crime é observado pela Criminologia como um fenômeno social, por isso exige uma atenção especial do pesquisador para que o entenda em seus variados aspectos. Preconiza Penteado Filho que a Criminologia não deve se satisfazer com o conceito jurídico penal de delito, “pois isso fulminaria sua independência e autonomia, transformando-se em mero instrumento de auxilio do sistema penal” (2010, p. 21). O autor não acredita que o crime possa ser apenas um desvio na conduta humana isolada “que foge ao comportamento padrão de uma comunidade” (2010, p. 21). O delito é visto como um dos objetos da Criminologia. Ao tentar estabelecer o conceito de delito, Schecaira (2014, p. 46) aponta que ele não é exatamente o mesmo para o Direito Penal e para a Criminologia: Para o direito penal delito é a ação ou omissão típica, ilícita culpável. [...] um puro juízo de subsunção do fato à norma, juízo esse que é puramente individual. Para a criminologia, no entanto, como o crime deve ser encarado como um fenômeno comunitário e como um problema social, tal conceituação é insuficiente. Ademais, que fatores levam os homens vivendo em sociedade, a “promover” um fato humano corriqueiro à condição de crime? [...] Em outras palavras, o que se quer saber é: quais são os critérios ensejadores de cristalização de uma conduta criminosa? Na mesma obra o doutrinador explica que para que um fato venha a ser compreendido como crime em uma sociedade, ele precisa persistir às transformações temporais e espaciais de acordo com o desenvolvimento histórico de cada povo. A seu ver, e na mesma linha de pensamento que Sumariva, quatro eram os fatores necessários para que um fato viesse a ser compreendido coletivamente como crime. São eles: a incidência massiva na população; a incidência aflitiva do fato praticado; a persistência espaço-temporal do fato e o equívoco conceito a respeito das técnicas de intervenção. sua vez autônomo, metafisicamente hipostasiado: o ato da livre vontade de um sujeito” (BARATTA, 2013, p. 38). 19 “O delito é, também para a Escola Positiva, um ente jurídico, mas o direito que qualifica este ato humano não deve isolar a ação do indivíduo da totalidade natural e social”. (BARATTA, 2013, p. 38). 41 Afirmando o já postulado, Sumariva (2013), entende que o crime deve necessariamente preencher quatro requisitos: a) a incidência massiva na população: mesmo que certo fato tenha sido de grande relevância em alguma sociedade isolada no país, não necessariamente deve ser entendido como crime; b) incidência aflitiva do fato praticado: para que seja punível é necessário que cause dor, que haja uma incidência aflitiva tanto para a vítima quanto para a sociedade como um todo; c) persistência espaço-temporal do fato. Mesmo que o fato venha a ser massivo e aflitivo, não há que se falar em delito se ele não se disseminar por nosso território ao longo de um tempo juridicamente relevante, e por fim; d) que haja um inequívoco consenso a respeito de qual técnica de intervenção seria mais apropriada para pugnar o delito. Logo, é necessário que se compreenda o crime em seus vários aspectos para que se assimile a necessidade de transformar tal fenômeno social em um fato delituoso. Reforçando essa premissa, Castiglione (1962, p. 66) complementa: O que deve preocupar a criminologia é o conhecimento da etiologia, da terapêutica e da profilaxia da conduta antissocial do homem. Como nem tudo o que é antissocial entra na órbita da criminalidade, a criminologia deve investigar se há fatos que perturbam qualquer ambiente coletivo na civilização contemporânea. Um exame de todas as legislações, antigas e modernas, poderia mostrar quais as infrações penais que foram escritas em virtude de concepções religiosas, políticas ou jurídicas passageiras, e quais as que vão sobrevivendo e se impondo em todos os códigos sob a premência imperiosa de necessidades sociais irrenunciáveis. De acordo com Barbosa Júnior (2000, p. 42), como conceito dogmático, o crime é a ação (ou omissão) antijurídica e culpável, isso significa dizer que: Não há crime sem que o fato constitua ação ou omissão: sem que tal ação ou omissão correspondam à descrição legal (tipo) e sejam contrárias ao direito, por não ocorrer causa de justificação ou exclusão da antijuricidade. E, finalmente, nas palavras do insigne Heleno Cláudio Fragoso, sem que a ação omissão típica e antijurídica constitua comportamento juridicamente reprovável (culpável). No delito se faz valoroso verificar o grau de culpabilidade do indivíduo, pois ele aparece como principal fator de união entre o infrator e a aplicabilidade da pena. Conforme o autor acima, apesar de já ter sido decidido pelo Superior Tribunal de Justiça que a culpabilidade da vítima não compõe o delito, ela significa reprovação, 42 censurabilidade, juízo de valores, características essas que recaem sobre o indivíduo que praticou o fato típico. Na visão do doutrinador é importante que se estude um objeto, no caso o crime/delito de forma a apontar todas as suas miudezas, de maneira que fiquem claro suas diferenças para com os semelhantes, evitando assim confusões do tipo que nos leve a achar que o comportamento da vítima pode delimitar a ação do delinquente ao invés de apenas compor a ação delituosa. 3.1.2 Delinquente O enfoque quanto à pessoa do delinquente teve diversos momentos. Desse modo, estabelece Schecaira (2013) que inicialmente a Escola Clássica teria entendido que o criminoso era um pecador, optante entre o bem e o mal, e que, de acordo com Rosseau, em seu O Contrato Social, a sociedade havia consolidado um grande pacto, onde cada indivíduo abriria mão de parcela de sua liberdade, em prol do bem social: Por meio deste, as pessoas abriam mão de parcela de sua liberdade e adotavam uma convenção que deveria ser obedecida por todos. Como a premissa natural de todos quantos fizeram aquela avença era a capacidade de compreender e de querer, supunha-se que qualquer um que quebrasse o pacto fá-lo-ia por seu livre arbítrio (SCHECAIRA, 2013, p. 49). Com isso, quis o doutrinador demonstrar que todos aqueles indivíduos que fazem parte do contrato tinham condições e capacidade para compreender a ilicitude de seus atos e, se por ventura quebrassem o pacto por força do livre arbítrio, deveriam ser punidos20 pelo mal causado. Manifestando-se nessa mesma linha de raciocínio, leciona Molina (2013) que, em contrapartida à Escola Clássica21, a Escola Positivista acreditava que o infrator era patologicamente determinado. Nesse sentido, Sumariva (2013, p. 7), afirma que na visão da escola positivista: o criminoso era um prisioneiro de sua própria deformação patológica (caráter biológico) ou de processos causais alheios (caráter 20 “A punição deveria ser proporcional ao mal causado, a partir da lógica formulação dialética hegeliana segundo a qual a ‘pena era a negação da negação do direito’” (SCHECAIRA, 2014, p. 49). 21 Em outras palavras, a Escola Clássica preconiza que, “o criminoso era um ser que pecou, que optou pelo mal, embora pudesse e devesse escolher o bem” (PENTEADO FILHO, 2010, p. 21). 43 social). Para essa escola, em muitos casos, o indivíduo já nascia criminoso (caráter hereditário22)”. No entanto, é possível precisar, conforme defendido por Baratta (2011), que nos encontramos numa situação de “anomia”, ou seja, o desvio deve ser interpretado como produto da estrutura social23, onde o comportamento desviante tem função de desenvolver e equilibrar a sociedade, e apenas quando ultrapassados certos limites é que o delito se torna desfavorável para o desenvolvimento da sociedade. Preceitua ele, também, que, de acordo com Durkhein, a criminalidade é encontrada em toda sociedade e, em razão disso, não poderíamos considerar o delinquente como biopscicopatológico, pois isso seria dizer que a doença é algo fundamental do “ser” e não acidental. O delito faz parte, enquanto elemento funcional, da fisiologia e não da patologia da vida social. Somente suas formas anormais, por exemplo, no caso de crescimento excessivo podem ser consideradas como patológicas. Portanto nos limites qualitativos e quantitativos de sua função psicossocial, o delito é não só ‘um fenômeno inevitável, embora repugnante devido a irredutível maldade humana’, mas também ‘uma parte integrante da sociedade sã’ (BARATTA, 2011, p. 60). Conclui o autor que, de acordo com Durkhein, o delinquente não pode mais ser visto como um corpo estranho inserido no seio da sociedade, mas sim como um regulador social. Utilizando-se desse mesmo raciocínio, Schecaira apud Penteado Flilho (2010, p. 22) leciona que “o criminoso é um ser histórico, real, complexo e enigmático, um ser absolutamente normal, pode estar sujeito as influências do meio [...]”; e arremata: “as diferentes perspectivas não se excluem; antes, completam-se e permitem um grande mosaico sobre o qual se assenta o direito penal atual” (2010, p. 22). 22 Afirmando o posicionamento de Molina e Sumariva, acrescenta Schecaira (2014, p. 49): “Para eles o livre arbítrio era uma ilusão subjetiva, algo que pertencia a metafisica. O infrator era um prisioneiro de sua própria patologia (determinismo biológico), ou de processos causais alheios (determinismo social). Era ele um escravo de sua carga hereditária: um animal selvagem e perigoso, que tinha uma regressão atávica e que, em muitas oportunidades, havia nascido criminoso”. 23 Oportuno registrar, como bem lembrou Penteado Filho (2010) que o marxismo acredita que o delinquente não passava de uma vítima inocente da estrutura social. No entanto Schecaira (2014, p. 50) faz importante observação sobre Marx: “[...] jamais se debruçou sobre a matéria jurídica. Tinha sua atenção voltada para a explicação dos fenômenos associados ao modo de produção capitalista. Segundo sua visão, existia uma base de produção (ou infraestrutura) sobre a qual se assentava uma superestrutura”. 44 O delinquente teve seu máximo protagonismo durante o Positivismo, como demonstra Molina (2013). Por algum tempo, ele foi quase que o centro exclusivo dos estudos científicos. Porém, na Criminologia moderna, ele perde seu enfoque e seu estudo passa para segundo plano. Isso ocorreu em razão da evolução dos estudos criminológicos que trouxeram consigo a necessidade de superar enfoques individualistas. A partir de então, Molina (2013) explica que a atenção das investigações se volta para a própria conduta delitiva, para a vítima e para o controle social, ou em outras palavras, pode-se dizer que não basta estudar apenas o delinquente como unidade biopsicopatológica, mas sim com uma perspectiva biopsicossocial. 3.1.3 Vítima Além dos dois objetos anteriores, tem-se, ainda, a vítima, que na cronologia do tempo encontra três grandes marcos importantes na história. Segundo Schecaira (2014), em um primeiro momento, o que ficou conhecido como a “idade de ouro”, quando surge o processo penal onde o rei fazia a figura do “juiz”, e a vítima, que era vista como protagonista, passa a ter uma função secundária e ser tratada de forma indiferente. Já num segundo momento, surgiria o que ficou chamado de “neutralização da vítima”, a mesma deixa de fazer justiça com as “próprias mãos” e esse poder de repressão passa a ser do Estado, ficando assim esquecida como parte do delito. Quanto a esses dois momentos históricos iniciais, Sumariva (2013) pontua que a vítima ficou esquecida pelo Estado, pois não se buscava uma reparação justa em face do indivíduo que havia sofrido o crime, mas sim, uma punição para o indivíduo que havia cometido o delito. Nesse sentido, Molina (2013, p. 25) adverte que o abandono da vítima é um fato incontestável: “O abandono da vítima do delito é um fato incontestável que se manifesta em todos os âmbitos: no Direito Penal (substantivo e processual), na Política Criminal, na Política Social, nas próprias ciências criminológicas.” Ressalta ainda o doutrinador que a vítima acaba por desemprenhar um papel apenas de testemunha, pois a mesma caiu no ostracismo do Estado que acaba buscando como 45 retorno ao delito a “vingança”, ou seja, na sede de castigar o culpável acaba neutralizando a vítima sem que tenha uma reparação efetiva do dano (MOLINA, 2013). Sobre o terceiro momento histórico, leciona Sumariva (2013) que foi um momento de resgate da vítima no Direito Processual Penal. Este período ficou conhecido como a “revalorização do papel da vítima”. Menciona o estudioso que de acordo com Francesco Carrara seria amoral o Estado enriquecer a custa de multas relativas às penas de delitos que eles próprios não conseguiram evitar. Dito isso, partiremos para o próximo objeto, uma vez que o presente trabalho irá estabelecer as características mais aprofundadas da vítima, no próximo capítulo. 3.1.4 Controle social Por último, mas não menos importante, imprescindível se faz a análise do controle social, que é definido por Schecaira (2014, p. 55), “como o conjunto de mecanismos e sanções sociais que pretendem submeter o indivíduo a modelos e normas comunitários. Para alcançar tais metas as organizações sociais lançam mão de dois sistemas articulados entre si”. Destarte, consoante Sumariva (2013, p. 9), os sistemas de controle em uma sociedade podem ocorrer de duas maneiras: a formal e a informal. a) Controle social formal (aparelhagem política do Estado: Polícia, Judiciário, Administração Penitenciária, Ministério Público e etc.) com a conotação político-criminal. b) Controle social informal (sociedade civil: família, escola, igreja, clubes de serviço, etc.) com a visão claramente preventiva e educacional, isto é, operam educando, socializando o indivíduo. Dessa Forma, explicam Molina (2013) e Schecaira (2014) que os agentes de controle informais são responsáveis por doutrinar o indivíduo, que passa por um processo disciplinar que se inicia na família, se estende à escola, à profissão e atuam ao longo de toda vida da pessoa. Esse processo visa formar uma atitude conformista no indivíduo que acaba interiorizando o que seria uma conduta regrada ou não, indiferente da coerção estatal. Quando as instâncias informais frustram, é a vez das instâncias formais agirem, impondo sanções de forma coercitiva, agindo 46 assim uma de forma a complementar a outra. Aduzem, ainda, que nas sociedades menores o controle informal funciona melhor e, que, em épocas como a atual, os laços sociais estão enfraquecidos, o que acaba tendo por consequência um uso maior dos mecanismos de coerção, ou seja, do controle social formal. 3.1.4.1 Desde quando e porque deixamos de utilizar o controle informal, para emergirmos em um controle mais rígido? Bauman, para explicar como vive a sociedade nos tempos modernos, se utiliza de duas noções, a primeira delas é a do círculo aconchegante, que se refere a como as pessoas vivem em sociedade perante a instância informal : “Dentro do ‘círculo ac