Utilizamos cookies neste site. Alguns são utilizados para melhorar sua experiência, outros para propósitos estatísticos, ou, ainda, para avaliar a eficácia promocional do nosso site e para oferecer produtos e serviços relevantes por meio de anúncios personalizados. Para mais informações sobre os cookies utilizados, consulte nossa Política de Privacidade.

A complexa crise da pandemia

Postado as 07/04/2020 08:27:52

Por Prof. Dra. Júlia Elisabete Barden

A humanidade tem experimentado nos últimos meses com a pandemia da Covid-19 um dos seus maiores desafios. No ponto de vista econômico, o impacto mundial já se apresenta maior do que a crise financeira de 2008-2009 ou a de 2001, após os ataques de 11 de setembro. Sem ousadia, é a maior crise da economia mundial desde a Segunda Guerra.

O enfrentamento deste momento se tornou consenso entre os economistas, independentemente de escola econômica: deve-se fazê-lo com esforço de guerra. Essa guerra será vencida a partir do estabelecimento de duas frentes de batalha: saúde e economia, nesta ordem.

Inexiste o dilema saúde ou economia. As pessoas importam, condição sine qua non e indiscutível, e a economia também importa, pois dela provêm os recursos para a sobrevivência de todos (indivíduos, empresas e governo). Caso a batalha da saúde não seja enfrentada primeiro e com rigor (isolamento social), a batalha da economia poderá se estender muito além do que as economias possam suportar e levará a desdobramentos negativos muito maiores sobre ambas. Precisamos reunir todos os esforços para que os resultados dessas batalhas sejam um ganha-ganha. Qualquer outra combinação de resultados não interessa. Por outro lado, o uso do termo esforço de guerra neste momento se dá tendo em vista a complexidade e a extensão dos enfrentamentos que se fazem necessários. Quanto mais imediatas forem as intervenções, maiores são as chances de mitigação e reversão dos danos.

Em relação à crise econômica, os esforços se assemelham ao que a humanidade experimentou no período que sucedeu a Segunda Guerra Mundial. A partir da década de 1940, além das consequências da guerra, a economia mundial acumulava ainda os prejuízos advindos da crise financeira da Grande Depressão de 1929. A reconstrução do sistema capitalista somente foi possível devido à forte intervenção do Estado na economia. Até então, predominavam as ideias do liberalismo econômico. A grande lição que o sistema econômico liberal internacional aprendeu nesse período foi que, em momentos de crise, o mercado não assume os riscos nem o protagonismo para a restauração do equilíbrio. Cabe ao Estado desempenhar e coordenar as ações para que a economia retome a sua trajetória, o que, nesse quesito, inclui investir maciços recursos. 

Alguns mecanismos criados na época para auxiliar as economias capitalistas foram: Fundo Monetário Internacional (FMI), Banco Mundial, Banco Interamericano de Desenvolvimento (BIRD) e Acordo Geral sobre Tarifas e Comércio (GATT), que a partir de 1995 passou a ser denominado de Organização Mundial do Comércio (OMC). A fim de promover a cooperação internacional, foi criada a Organização das Nações Unidas (ONU). Sob o ponto de vista do investimento, o exemplo mais emblemático foi o Plano Marshall em 1948, plano criado pelos Estados Unidos com o montante de em torno de 14 bilhões de dólares na época para reconstruir os países aliados da Europa. Esses acontecimentos mudaram radicalmente a forma de atuação do Estado nas economias, trajetória que perdurou até o final dos anos 1970. Já nos anos 1980 as ideias liberais retomaram o protagonismo, porém revestidas do termo neoliberalismo e passaram a guiar a atuação estatal.

Desde então, a intervenção do Estado perdeu oficialmente o protagonismo para o neoliberalismo, porém, na prática, nunca desapareceu. Ao contrário, a intervenção do Estado assumiu diferentes formas e contornos, de acordo com as circunstâncias e os arranjos políticos institucionais de cada país.

 

E o que já aprendemos nesta crise da Covid-19? O enfrentamento da pandemia requer investimentos, seja na busca da estabilidade durante a pandemia, seja no período pós-pandemia para a retomada da atividade econômica. Sob o ponto de vista da condução econômica, até os maiores defensores dos ideais liberais, Estados Unidos e Inglaterra, já abandonaram o relativismo que atribuíam ao papel do Estado na intervenção na economia. Eles entenderam que, para as batalhas serem exitosas, é necessário criar mecanismos que permitam o êxito. Nesse caso, para as pessoas que não têm renda ou estão na iminência de perderem seus meios de subsistência, deve-se criar incentivos muito fortes para que permaneçam em isolamento social (garantir renda), além de mecanismos adicionais que impactem no financiamento do setor produtivo para manter e/ou alavancar a atividade econômica. Por outro lado, para além das medidas econômicas, os melhores resultados até então alcançados estão nos países asiáticos, independentemente do regime econômico, que têm forte atuação estatal.

Apesar desta crise apresentar elementos novos e muitas das medidas estarem sendo testadas no seu transcorrer, as experiências já têm apontado importantes direcionamentos: a necessidade de atuação do Estado de uma forma eficiente e eficaz; o inevitável aumento dos gastos públicos, a necessidade de um arranjo institucional que favoreça e garanta a implementação das medidas e, por último, mas de extrema relevância, a coesão social.

Diante desse contexto, como está o Brasil? No quesito riqueza, o país é uma das maiores economias do mundo. Dependendo da extensão da crise, poderia se valer disso para sair em uma condição não tão desfavorável. Contudo, a pandemia tem trazido à tona a divisão econômica e social que o País construiu ao longo de sua trajetória, o que faz requerer vultosos recursos para o enfrentamento deste momento. Aliado aos problemas sociais não resolvidos, há a polarização política e ideológica, que tem desviado a atenção da elite política e parte da sociedade para temáticas sem relevância neste momento, o que tem enfraquecido e retardado a adoção de medidas que são urgentes, tanto para a saúde como para a economia. E não menos importante, há um arranjo institucional que por vezes se apresenta enfraquecido diante da envergadura do que precisa garantir e/ou enfrentar.

Dessa forma, o cenário da pandemia no contexto brasileiro se torna bem mais complexo. A saída de uma crise dessa magnitude somente se dá de forma coletiva. Saídas individuais não dão conta. O engajamento dos indivíduos, das empresas, das instituições e da sociedade civil é uma condição necessária. Muitas iniciativas e ações têm ocorrido a partir da organização de entidades e governos locais, aspecto que precisa ser enaltecido e exemplo a ser seguido.

Estamos experimentando um momento singular que deverá servir para nos reposicionarmos enquanto sociedade, sobretudo para revermos nossos princípios e valores individuais e coletivos. Parafraseando o sociólogo Chomsky, neste momento a maioria das sociedades precisa seguir com o real isolamento social como uma medida emergencial de combate à pandemia, contudo torna-se urgente e necessário abandonar o isolamento social autoinduzido em que a sociedade se colocou ao longo dos tempos.
Prof. Dra. Júlia Elisabete Barden