Pela primeira vez desde 1997, os Beatles venceram um Grammy. Na categoria Melhor Performance de Rock em 2025, "Now and Then" — citada como a canção final do grupo — superou The Black Keys ("Beautiful People (Stay High)"), Green Day ("The American Dream Is Killing Me"), Idles ("Gift Horse"), Pearl Jam ("Dark Matter") e St. Vincent ("Broken Man").
A faixa também estava listada na disputa por Gravação do Ano (Record of the Year), colocando o Fab Four no páreo por uma das categorias principais do evento pela primeira vez desde 1971. Todavia, foi derrotada por "Not Like Us", de Kendrick Lamar, em uma movimentação já aguardada nas previsões.
Fato é que a simples presença dos Beatles no prêmio — com direito a uma conquista — levou a uma discussão sobre uso de inteligência artificial. E é imprescindível não cometer confusão antes de debater um tema sério na indústria musical.
A composição inicial de "Now and Then" é de John Lennon e datada de 1977, quando a banda já não existia mais. Na década de 1990, os remanescentes Paul McCartney, George Harrison (falecido em 2001) e Ringo Starr tentaram desenvolvê-la junto de outras canções para o projeto Anthology, junto de "Free as a Bird" e "Real Love". Estas duas foram finalizadas, mas por questões técnicas ligadas à qualidade sonora da gravação, a faixa conhecida apenas em 2023 foi deixada de lado.
Beatles + inteligência artificial
Em agosto de 2023, os fãs se surpreenderam quando Paul McCartney anunciou ter feito uso de inteligência artificial para possibilitar uma música dos Beatles. Muitos sequer se atentaram ao que ele realmente disse.
Em entrevista ao programa Today da BBC Radio 4 (via site Igor Miranda), o músico disse que o cineasta Peter Jackson, responsável pela série documental The Beatles: Get Back e a restauração do filme Let It Be, trabalhou com a tecnologia para aprimorar a qualidade de som. Com a palavra, o Beatle:
"Ele (Peter) conseguiu extrair a voz de John de uma fita. Tínhamos uma música com a voz de John e um piano e ele separou as duas coisas por meio da inteligência artificial. Você controla a máquina dizendo 'essa é a voz e isso é um violão, tire o violão'. Então, quando fizemos a última música dos Beatles, fomos capazes de pegar a voz de John de uma demo e de extraí-la puramente pela IA. Isso te dá uma espécie de margem de manobra."
Esclarecimento
A fala não deixa dúvidas. Mesmo assim, vários fãs se deixaram levar por manchetes que indicavam uma nova canção dos Beatles "feita por IA". Não é por aí: não há um robô fingindo cantar como Lennon ou solando como Harrison.
Isso levou Sean Lennon, filho de John e Yoko Ono, a se manifestar pelas redes sociais:
"Tudo o que fizemos foi limpar o ruído da faixa vocal. As pessoas estão interpretando mal o que ocorreu. Sempre houve maneiras de 'reduzir o ruído' das faixas, mas a IA faz isso melhor porque aprende o que é o vocal e é capaz de remover com muita precisão tudo o que não é."
Paul, ciente da confusão, reforçou também pela internet:
"Foi ótimo ver uma reação tão empolgante ao nosso próximo projeto dos Beatles. Ninguém está mais animado do que nós para compartilhar algo com você no final do ano. Vimos alguma confusão e especulação sobre isso. Parece haver muito trabalho de adivinhação por aí. Não posso dizer muito nesta fase, mas para ser claro, nada foi criado artificialmente ou sinteticamente. É tudo real e todos nós tocamos nisso. Limpamos algumas gravações existentes - um processo que durou anos. Esperamos que você ame tanto quanto nós."
De fato, levou anos até que o projeto se viabilizasse. Após a desistência na década de 1990, Paul McCartney demonstrou interesse em retomar a canção em meados de 2007. A ideia era finalizar o trabalho com uma performance de arquivo de George Harrison, além de Ringo Starr na bateria e eventuais acréscimos na letra.
De novo, o material foi engavetado. Em 2021, nova tentativa: à New Yorker, o eterno baixista do Fab Four expressou sua vontade de finalizar a obra. A inteligência artificial, dominada por Peter Jackson e sua equipe, se mostrou fundamental para atingir tal objetivo.
O que dizem os envolvidos
Na época do lançamento de "Now and Then", os principais envolvidos com a iniciativa se manifestaram em comunicado. Confira a seguir.
Paul McCartney: "Lá estava a voz de John, cristalina. É muito emocionante. E todos nós tocamos; é uma gravação genuína dos Beatles. Em 2023, ainda estar trabalhando na música dos Beatles e estar prestes a lançar uma nova música que o público ainda não ouviu é algo emocionante."
Ringo Starr: "Foi o mais perto que chegamos de tê-lo de volta na sala de estúdio, então foi muito emocionante para todos nós. Foi como se John estivesse lá, sabe?"
Olivia Harrison (viúva de George Harrison): "Em 1995, depois de vários dias no estúdio trabalhando na faixa, George sentiu que os problemas técnicos da demo eram intransponíveis e concluiu que não era possível terminar a faixa com um padrão suficientemente alto. Se ele estivesse aqui hoje, Dhani (Harrison, filho) e eu sabemos que ele teria se juntado de todo o coração a Paul e Ringo para completar a gravação de 'Now and Then'."
Sean Ono Lennon (filho de John Lennon): "Foi muito comovente ouvi-los juntos depois de todos os anos que meu pai se foi. É a última música que meu pai, Paul, George e Ringo fizeram juntos. É como uma cápsula do tempo."
Fonte: https://www.terra.com.br/diversao/musica/