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Diário de bordo / Expedição à Antártica / Parte II

Postado as 12/12/2023 12:01:08

Por Lucas George Wendt

Divulgação/Acervo pessoal

O professor e pesquisador na Universidade do Vale do Taquari - Univates André Jasper embarcou, no dia 23 de novembro, em uma missão científica à Antártica como parte de projetos de pesquisa que integra. De lá, o Jasper narra a experiência em um Diário de Bordo. Confira o último relato na sequência e, aqui, leia a parte I do conteúdo enviado à Univates pelo pesquisador.

Inconstância das condições do clima e chegada à Ilha James Ross

Divulgação/Acervo pessoal

04/12/2023 - Hoje conhecemos a Estação Antártica Comandante Ferraz (EACF), localizada na Ilha Rei George, enseada Martel. Estação moderna e bem diferente daquela que conheci em 1993/1994 (destruída pelo incêndio de 2012). Reinaugurada em 2020, tem possibilidade de pesquisa com laboratórios avançados e alojamentos excelentes. Próximo à estação é possível visitar o relógio solar, lagoas de abastecimento de água, cemitério, resquícios da Estação G (britânica) e a baleia de Jacques Cousteau, esqueleto montando em 1972/1973 por ele e sua equipe para os seus documentários da série “Jacques Cousteau na Antártica”.

05/12/2023 - Uma frente de ventos fortes atingiu a área em que estamos fundeados na madrugada, obrigando o navio Ary Rongel a recolher âncora e começar a “quartear” na baía do Almirantado. Isto significa que o navio teve que se manter em movimento por boa parte do dia. Com os ventos fortes, as ondas também são mais altas e, como eu enjoo muito, passei boa parte do dia deitado na cabine. As notícias foram mudando ao longo do dia. Por volta das 11h, recebemos a notícia de que um navio de turismo havia reportado a morte de 6 filhotes de focas com suspeita de gripe aviária (H5N1) na Ilha Livingston. Isto colocou nosso Plano B de acampamento a pique, sendo que passamos um tempo tentando encontrar um outro ponto em outra ilha. Por volta das 16h fomos informados de que as condições de gelo nas proximidades de James Ross (nosso Plano A), melhoraram muito e que amanhã (6) iniciaremos nosso deslocamento para essa área. Assim, é provável que nosso acampamento seja lançado até sábado desta semana (9), o que é uma notícia boa. Aqui as coisas mudam muito e o clima é fundamental para a tomada de decisões. A segurança é prioridade, sempre! O vento parou faz umas 3 horas e o navio pôde ficar novamente fundeado em frente à EACF e eu posso andar pelo navio sem marear, o que também é uma notícia muito boa! Vamos ver o que acontece amanhã e como evolui a questão do gelo no mar de Weddell. Em tudo dando certo, é provável que no sábado já estejamos no acampamento.

06/12/2023 - Além de as condições climáticas alterarem constantemente por aqui, este ano, com El Niño forte, faz com que muito gelo esteja à deriva no mar. Isto torna necessária atenção redobrada por parte da tripulação pois, apesar de preparado para navegar aqui na Antártica, o navio Ary não pode se dar ao luxo de chocar com um iceberg. Ao final do dia de ontem (5) um desses blocos de gelo se aproximou muito do navio e foi necessário recolher âncora para quartear por alguns minutos. Ao longo do dia de hoje, o bloco de gelo (que tem aproximadamente umas 4 vezes o tamanho do navio) permaneceu parado e foi possível fundear novamente. Claro que há sempre alguém de olho no bloco para que, em havendo alteração, o navio se mova novamente. No restante, o dia foi tranquilo. Estamos aguardando melhores condições de gelo no mar de Weddell e na porção leste da península para nos deslocarmos para lá e finalmente sermos lançados nos acampamentos. A previsão é que, em não havendo alterações drásticas, zarpemos hoje à noite para lançamento no próximo sábado. Mas, como dito, as coisas mudam muito rapidamente aqui e saberemos somente mais próximo do momento. Preciso lembrar de contar para vocês sobre as acomodações aqui no navio, mas fica para amanhã.

Divulgação/Acervo pessoal

07/12/2023 - (~13h) Ary Rongel contornando a Ilha Anderson, na península Antártica, em direção a Ilha James Ross. Hoje o dia está sendo bastante agitado aqui. Na tentativa de lançar os acampamentos, o navio se deslocou para o sul, em direção ao lado leste da Península Antártica. Estamos todos de prontidão para a possibilidade de lançamento dos acampamentos. Há muitos icebergs na região e a navegação se tornou mais lenta do que o programado. Assim, por enquanto não há garantias de que seremos realmente lançados nos próximos dias. Estamos aproveitando uma janela de tempo bom que vai de hoje até amanhã (8).

Para o sábado há previsão de tempo encoberto e neve, o que impede o voo dos helicópteros. Ou seja, ou os lançamentos ocorrem entre hoje e amanhã ou ficam para segunda (11) ou terça (12) da próxima semana. A questão toda é que não é seguro o navio permanecer em uma área com muito gelo solto quando o tempo está instável. Assim, estamos todos na expectativa de como as coisas irão evoluir ao longo do dia de hoje e amanhã. O lema da Antártica é “…tudo pode acontecer, inclusive nada…”. Incluiu-se um adendo a este lema recentemente e agora ele é “… tudo pode acontecer, inclusive nada, ou não…”. É exatamente nesta situação em que nos encontramos no momento. Vamos ver como as coisas evoluem ao longo desses dois dias… (~22h20min) Ao fim e ao cabo, o processo de desembarque do acampamento dos nossos colegas está mais lento do que o previsto. Isto faz com que a previsão para o nosso lançamento esteja em suspenso. É muito provável que ainda seja necessária boa parte do dia de amanhã para a finalização do desembarque de Vega. Dependendo da evolução, pode ser que iniciemos amanhã, mas não há garantias. No momento o clima está excelente, sem vento e céu claro. Mas, como se diz por aqui, não confie em tempo bom pois a única possibilidade é que ele piore. Sábado está prevista uma alteração, o que pode impedir que sejamos lançados. Vamos ver como correm as coisas ao longo do dia de amanhã.

08/12/2023 - (~14h) Ary Rongel fundeado a leste de Vega. O processo de lançamento do acampamento de Vega continua hoje e há previsão de que iniciemos o lançamento do nosso em James Ross por volta das 17h. Em um primeiro voo irão o montanhista e meu colega de projeto que já acamparam aqui. A definição do ponto de acampamento é muito importante, pois ditará a nossa rotina nos próximos 30-35 dias. Uma fonte de água é importante e proteção contra o vento também. Além disso, é necessário não ficar muito distante dos pontos de coleta, pois longas caminhadas exigem muito esforço por aqui. À medida que nos aproximamos do lançamento (e nos deslocamos para o sul) a conectividade fica cada vez mais restrita. Mesmo o sistema por satélite do navio é lento e está condicionado à baixa cobertura por estas bandas. A ideia é utilizar um GPS Garmin com o sistema InReach. Ele se vale dos satélites Iridium e permite enviar e receber mensagens de texto. Lembro que, há 30 anos atrás este tipo de tecnologia não era de fácil acesso. No meu último dia no navio antes do lançamento, pude fazer uma ligação via rádio para meus pais lá em Imigrante, no Vale do Taquari. Minhas palavras foram “… Estou desembarcando, ficarei sem qualquer contato pelos próximos 35 dias, vou tomar cuidado e tudo vai dar certo, fiquem bem…”. E, foi exatamente isso que aconteceu! Espero que desta vez eu possa mandar e receber mais mensagens, mas minhas palavras são as mesmas para vocês aí! Uma coisa é certa, meu diário, em chegando até vocês em tempo real, será de menos palavras, pois o InReach tem um limite de caracteres por mensagem. (~21h30min) o lançamento do acampamento de Vega correu bem durante o dia de hoje e já foi possível fazer o voo de reconhecimento do nosso ponto de acampamento em James Ross. Nossa equipe é composta por 5 pesquisadores (somos 2 do PALEOANTAR + 2 TERRANTAR + 1 SAUDEANTAR) e 2 montanhistas. Ao que tudo indica, seremos lançados amanhã ao longo do dia. A partir daí a comunicação fica mais difícil e estaremos por nossa conta, pois o Ary Rongel retorna para Punta Arenas, no Chile. Prometo tentar mandar notícias desde o acampamento.

Ilha James Ross/Antártica, 8 de dezembro de 2023

André Jasper

Pesquisador do LPEB/MCN/PPGAD/Univates 

 

Reprodução/Google Earth

Saiba mais

Jasper, que trabalha com os temas da Paleobotânica e Paleoambientes, lidera o Laboratório de Paleobotânica e Evolução de Biomas (LPEB) do Museu de Ciências (MCN) da Univates, e é vinculado aos cursos de Ciências Biológicas e ao Programa de Pós-Graduação em Ambiente e Desenvolvimento (PPGAD). Sua visita ao continente gelado tem com objetivo a coleta de fósseis visando o desenvolvimento de estudos que contribuirão para o avanço da ciência e também para aprimorar o entendimento sobre as paleofloras de Gondwana (grande continente que incluía a maior parte das zonas de terra firme que hoje constituem os continentes do Hemisfério Sul) e o impacto dos paleoincêndios vegetacionais no Cretáceo (145 milhões e 66 milhões de anos). 

O pesquisador já havia participado da OPERANTAR 12, há 30 anos, como bolsista de Iniciação Científica (IC). Hoje, retorna como pesquisador. As investigações que desenvolve na Univates estão vinculadas aos cursos de graduação em Ciências Biológicas, ao LPEB, ao MCN e ao PPGAD. Jasper também é integrante da equipe do projeto PALEOANTAR, iniciativa sediada no Museu Nacional e vinculada ao Programa Antártico Brasileiro - PROANTAR que, anualmente, apoia, em média, cerca de 20 projetos de pesquisa em diversas áreas como oceanografia, biologia, glaciologia, geologia, meteorologia, entre outras. Os projetos são selecionados pelo Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq).

 

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