Quem não lembra do passado está condenado a repeti-lo, já diziam por aí. Neste sentido, percebemos a importância de recordar que, no último mês de março, completaram-se 50 anos do início de um dos períodos mais tortuosos pelo qual o Brasil já passou, que resultou em 21 anos de repressão e autoritarismo. Conhecido como ?os anos de chumbo?, o período deixa suas marcas até hoje.
Conforme a professora e historiadora Silvana Rossetti Faleiro, a importância de se guardar a memória dessa época está relacionada com o próprio papel da História na vida das sociedades: um processo dinâmico que envolve um olhar do presente para o passado, com o objetivo de compreender o momento atual e agir sobre ele para criar um futuro melhor. Trazendo a discussão para a região do Vale do Taquari, a professora conta que a ditadura influenciou, principalmente, o âmbito político da região, na forma de disputas intensas entre emedebistas e arenistas, respaldados pelos governos do período.
Grandes obras brasileiras costumam ser atribuídas ao período da ditadura militar. Alguns exemplos são a Transamazônica, a Usina Hidrelétrica de Itaipu e a ponte Rio-Niterói. ?No Vale do Taquari, a Ferrovia do Trigo, a Barragem de Bom Retiro do Sul, a própria BR-386, que foi concluída durante o período, além do Porto de Estrela. Mas todas precisam ser entendidas no contexto da política econômica dos diversos governos militares, de Castelo Branco a João Baptista Figueiredo, passando pelos três gaúchos Arthur da Costa e Silva, Emílio Garrastazzu Médici e Ernesto Geisel?, comenta ela.
Além disso, as obras também devem ser atribuídas ao chamado ?milagre econômico? que permeou o pensamento político ditatorial, com o objetivo de levar o desenvolvimento para os quatro cantos do Brasil. ?O resultado? Sim, 'obras grandes' espalhadas pela nação, mas alimentando um processo de segregação em todos os sentidos?, ressalta Silvana. A professora define o período como uma época amarga, com soluções baseadas no uso da força, na tortura e na coerção.
O filósofo e professor Rogério Schuck relembra a época como um profundo desrespeito aos Direitos Humanos ? não somente no Brasil, mas em toda a América Latina. No entanto, esses impactos não foram sentidos da mesma forma por todos. ?Lembremos que no Brasil, em 1960, cerca de 55% dos habitantes vivia no meio rural e 45% no meio urbano. Nas pequenas comunidades, que tinham seu universo de informações restrito ao rádio e pouco ou nenhum acesso aos jornais, a vida seguiu num ritmo não muito diferente?, lembra.
Neste contexto, Schuck explica que é difícil desmistificar a impressão de que naquela época havia menos corrupção na política. ?Como bem sabemos, daquilo que não se sabe, não se pode falar. Logo, como não era possível divulgar qualquer notícia além daquela que condizia com os interesses do grupo dominante, tinha-se a impressão de maior lisura?, afirma o docente.
Ainda de acordo com o filósofo, para abandonar os resquícios deste período obscuro do país e seguir em direção a uma nação cada vez mais livre, precisamos fazer um debate sério sobre o valor da democracia. ?Precisamos também de muita responsabilidade da grande mídia que, não raro, hoje mais atrapalha do que ajuda, ao criar um clima de medo e insegurança na divulgação de fatos isolados, dando a impressão de que o todo é assim?, acrescenta Schuck.
Schuck percebe que precisamos mudar nossa perspectiva de como vemos o mundo, reaprendendo a nos contentar mais e viver bem com o que temos. ?Precisamos sempre mais valorizar o fato de termos hoje a liberdade de expressão, liberdade de ir e vir, sem termos que prestar contas ou pedir autorização. Enfim, talvez tenhamos que tomar uma espécie de 'choque de liberdade' e viver esta liberdade o mais intensamente possível, respeitando o processo histórico e desmistificando as falsas construções de estereótipos de todo tipo?, completa.
Esta matéria integra o Jornal da Univates - Julho/2014, que pode ser conferido clicando aqui.
