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A pesquisa em sala de aula pelos olhos de Pedro Demo

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Autor de mais de 90 livros, o conferencista Pedro Demo esteve na Univates em fevereiro para participar do Seminário Institucional. O evento, voltado a professores, teve como tema a pesquisa em sala de aula. PhD em Sociologia pela Universidade de Saarbrücken, Alemanha, e pós-doutor pela University of California at Los Angeles (UCLA), Demo atualmente é professor titular aposentado e professor emérito da Universidade de Brasília (UnB), no departamento de Sociologia.

A provocação que Pedro Demo trouxe aos docentes é a transformação da sala de aula em um ambiente de pequisa. Segundo o autor, a universidade moderna não transmite conhecimento, ela cria um ambiente para que o estudante produza o próprio conhecimento. A tendência é abandonar a abordagem de ensino e adotar a abordagem de aprendizagem. Para Demo, o conhecimento não é um pacote congelado que podemos repassar ano após ano. O conhecimento é dinâmico, se renova.

Para o conferencista, a ideia de autoria não pode estar dissociada do conhecimento. “Toda a aprendizagem só é aprendizagem se for autoaprendizagem. Só temos de fato a aprendizagem quando surge a figura do autor. A grande alfabetização é a que leva para a autoria. O Brasil tem um sistema educacional muito superado. Só transmite, treina para a falsa visão de que o conhecimento está pronto e congelado em apostilas. A ciência não precisa de tutor ou patrocinador, ela precisa da autoridade do argumento”, ressaltou Demo em sua fala aos docentes da Univates.

Confira a entrevista exclusiva que o professor concedeu à Revista Univates.

Como o senhor definiria para o leitor que não está familiarizado com as metodologias ativas a abordagem de ensino versus a abordagem de aprendizagem?
O ensino é uma atividade que vem de fora, de cima, de um terceiro, enquanto na aprendizagem é o terceiro que está envolvido que facilita, promove, instiga, faz mediação, mas o fenômeno se dá no estudante, na mente do estudante. Ela não é feita na aula, a aprendizagem acontece quando o estudante pesquisa, elabora, lê, estuda. A escola não deve dar aula, o papel do professor é outro, é orientar e avaliar a pesquisa, vai cuidar para que os estudantes estudem, pesquisem, produzam conhecimento. Esse acompanhamento, essa mediação, deve ser o principal papel do professor.

Provocar nos alunos a disposição de pesquisar, de ser autor e não somente copiar, colar e receber conhecimentos passivamente é um grande desafio para os professores. Como os professores, que também tiveram uma educação transmissiva, podem começar essa jornada?
Precisa cuidar do professor, todas essas grandes mudanças são mediadas pelo professor. Na Univates, vejo que existe essa preocupação: cuidar do professor, há preocupação pedagógica, chamar o professor para refletir sobre o tema. Não ser impositivo, mas dar oportunidade. O estudante aprende bem com o professor que aprende bem. Não podemos ter um professor que dá aula, temos que ter um professor que aprende bem. Só assim ele pode colocar o aluno para buscar seu conhecimento. O professor que pesquisou, que tem a experiência de autoria que os mestrados e doutorados exigem, sabe produzir conhecimento. Mas chega na sala de aula e parece que ele esquece isso. Um professor bem formado é um pesquisador. Ele tem que ser pesquisador e não um papagaio.

Qual o impacto para o desenvolvimento econômico, social e cultural da sociedade que a educação científica seria capaz de promover?
A ciência é móvel das mudanças, o móvel também do progresso. Há muitos problemas porque ela foi aprisionada pelo capitalismo, pelo mercado liberal, mas isso não tira o argumento. O grande fator de mudança hoje em dia no mundo é o científico, tanto para o bem quanto para o mal. O conhecimento tem que ser profundamente questionado porque ele é colonialista, ele é eurocêntrico, ele é machista, ele destrói os outros saberes, as outras culturas. Mas isso não retira o argumento. A grande virada da Europa foi com a vinda do método científico: caiu toda aquela visão do mundo, caiu o geocentrismo, entrou o heliocentrismo, os métodos de mensuração dos fenômenos, a construção dos telescópios para pesquisar os astros. Essa foi a grande virada tecnológica. A partir daí vieram as grandes tecnologias que mudaram nossas vidas. Agora, “mudar a vida” nem sempre é para todos. A gente vê que o grande progresso europeu é para uma parcela muito pequena da população. Hoje, 1% tem quase tudo e 99% têm quase nada. Isso é triste, mas não muda o argumento: o grande elemento transformador de tudo isso é o conhecimento científico, pela força abstrata e analítica dele.

O senhor cita em uma de suas falas uma máxima de Habermas: “a força sem força do melhor argumento”, argumentar sem ser dono da verdade. Como o senhor vê hoje, no Brasil, essa prática dentro das universidades?
Na verdade, seria um efeito esperado de uma boa pesquisa. Quando você é bom pesquisador, você logo descobre também que não tem a última palavra, que você vai também pescar o que os outros já disseram. Não adianta redescobrir a roda. Você se imbui de certa humildade que vem lá de Sócrates, da maiêutica. O conhecimento mais interessante é aquele que é modesto, que tem desconfiômetro. Aquele que sabe tudo o que não sabe. Mas, como o conhecimento se dá em sociedade, também se divide em hierarquias, se divide em propriedades. Há os donos da verdade e há aqueles que obedecem.

O que se espera de um professor em 2016, na era da sala de aula multitela e hiperconectada?
Entendo que essa juventude precisa de outras coisas, precisa de outros horizontes que nós não estamos, de modo geral, preparados para oferecer. Estamos muito voltados para a escola do século passado, reprodutiva, fazer provinha, fazer aula, e eles querem voar, querem ser cientistas, querem experimentar, estar na fronteira do conhecimento. Acredito que não estamos preparados para eles.

Essa entrevista faz parte da edição 1 da Revista Univates. A versão on-line pode ser conferida aqui.
 

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