A Amazônia, como bioma e território multicultural, sempre foi alvo de projetos abusivos, fantasias, engodos e ilusões. Isso se dá desde a chegada dos primeiros viajantes europeus. Muitas vezes, como fonte de riqueza territorial, mercantil e capital. Em outras, como lugar de criações delirantes, intempestivas e desastrosas. As riquezas, bem mais relacionadas com a madeira, as sementes, as mudas e a terra do que com os minérios e as pedras preciosas, foram transportadas, usadas e roubadas por séculos.
E até hoje acontecem em proporções ainda assustadoras, pois esse saque ainda persiste. O artigo publicado na Nature se trata de uma investigação arqueológica madura, com inúmeros pesquisadores do mundo todo e de grandes universidades e centros de pesquisas. No entanto, certo é que a arqueologia sempre foi uma ciência distante do nosso viver cotidiano. Por ser distante, encontra terreno fértil nas redes sociais para a criação de fantasias e de delírios que distorcem os dados científicos.
Nossos empreendedores e empresários poderiam ser mais cuidadosos e modernos com a ideia de progresso e de desenvolvimento e se atualizar em relação às perspectivas mundiais de turismo e cuidados com o patrimônio. Até se beneficiar com isso também, como em Barcelona, México, Londres, Buenos Aires, Montevidéu!
E meus colegas de Museus e Casas de Cultura! Todos, sem exceção, deveriam ser profissionais especializados na área e voltados à educação ambiental e patrimonial. Deveriam ser profissionais atualizados de longa duração em seus postos.
E, por fim, nós, os professores! Nossa responsabilidade nessa mudança de perspectiva e do fim ou pelo menos da amenização de informações mentirosas e de invencionices sobre nosso passado latinoamericano que correm soltas pelas redes sociais talvez seja exigir ou se aproximar mais das universidades e criar ações e programas com promoção das Prefeituras com ações educativas para nossos pequenos e jovens. Ações com profissionais da área. Por exemplo, conversar com os arqueólogos, chamar os historiadores profissionais para elaborar conteúdos sobre a nossa história mais antiga, regional, local. O ganho disso é que todos vão ver a olho nu que o trabalho dos arqueólogos não é o de buscar tesouros e lutar contra aliens e tampouco procurar cidades perdidas construídas por pessoas que povoam só o imaginário desses indivíduos sem informação.
O trabalho dos profissionais que levam anos, alguns mais de 30 anos, escavando no mesmo sítio arqueológico, como as equipes da Amazônia que escreveram o artigo, é tenso, longo e difícil. Mas, ao mesmo tempo, pensem conosco: o que leva jovens e pessoas maduras a ficar três a quatro meses em regiões de difícil acesso? Carregam equipamentos e são focados em técnicas de sondagens, prospecções, coletas de sedimentos, sementes, carvão, rochas e fragmentos de cerâmica e muito mais.
Estão lá com seus pincéis e espátulas, cansados, longe de suas famílias e do conforto do lar. Depois, quando voltam às universidades, ainda enfrentam a etapa mais difícil: vão precisar solicitar recursos para as datações e para as análises. E é quando começa o trabalho da escrita, reescrita, dezenas de idas e vindas de avaliadores de artigos e relatórios. Quando acontece a publicação do artigo é uma festa, uma alegria entre os arqueólogos e colegas, pois todos poderão conhecer um pouco mais sobre a história de civilizações antigas com estruturas sociais, políticas e projetos de crescimento e avanços, com tecnologias apropriadas ao seu tempo.
É a História Indígena que muitos insistem em inviabilizar e rejeitar. No fundo, o que o artigo trata é sobre isso: a História das Civilizações Indígenas que tinham um alto domínio tecnológico da terra, das matas, das florestas, das savanas, do pantanal, do cerrado, do litoral e de uma estrutura de poder e de avanço territorial político e ambiental. Infelizmente parece que, nesses poucos últimos quinhentos anos, cerramos os olhos e insistimos em negar essa história indígena milenar. Então, é sobre isso o artigo da Nature! Importante, mas discutido por pessoas sem informação básica.