A estudante de mestrado Ândrea Pozzebon-Silva, do Programa de Pós-Graduação em Ambiente e Desenvolvimento (PPGAD) da Universidade do Vale do Taquari - Univates e o professor André Jasper embarcaram, no 27 de dezembro de 2024, para participar da XLIII OPERANTAR, a expedição científica brasileira à Antártica. Os dois retornam ao Brasil em meados de fevereiro de 2025.
Essa é a primeira vez que Ândrea, que é licenciada em Ciências Biológicas pela Univates irá ao continente gelado, enquanto Jasper já participou em duas oportunidades anteriores - a OPERANTAR XII - no verão 1993/1994; e a OPERANTAR XLII - no verão 2023/2024. A participação da jovem pesquisadora marca, também, a primeira vez em que um estudante da Universidade acompanha uma expedição ao continente.
Ao longo da viagem, e na medida em que possível, devido às condições extremas do continente em relação à comunicação, publicaremos relatos enviados por Ândrea.
Acampamento na Snow Hill Island
(Confira as imagens referentes ao relato na galeria na sequência deste texto)
04 de fevereiro de 2025 - Snow Hill Island, Antártica. Todo carregamento de neve da Antártica, talvez por um erro de logística, caiu em Snow Hill, que fez jus ao seu nome. No finalzinho de janeiro, dia 28, tivemos previsão de 29 cm de neve e vento forte. Tal quantidade surpreendente de neve nos fez ficar um tanto incrédulos. A madrugada foi difícil. Atrás da minha barraca acumulou-se 50 cm. Ela pendia a norte da ilha com o peso da neve e das rajadas de vento.
Me preparei como pude pra abandonar a barraca em caso de emergência. Mal sabia eu que, dois dias depois ao sair da barraca, as “casas” vizinhas viraram verdadeiros iglus, e que a minha na verdade era a menos pior das 3 barracas que ficavam na linha do vento. Um dia inteiro de trabalho para resgatar colegas soterrados (seria essa palavra usada também para neve?), não sem muita foto e muita risada. Apesar dos pesares, todas as barracas ficaram de pé, e os acampantes, bem. Teríamos uma janela meteorológica de dois dias para aproveitar organizar o que precisávamos para o nosso resgate cada vez mais próximo.
Não se assustem quando digo resgate, esse é o termo utilizado por aqui para o recolhimento dos acampamentos. No primeiro dia bom, faxina geral! Organizei todos os meus pertences e limpei a barraca com asseio. Depois de lavar o cabelo, as roupas foram lavadas e isso melhorou os ânimos. Como é bom se sentir limpa! O pessoal fez o mesmo. Todos de bom humor, planejamos utilizar nosso segundo dia bom para visitar o acampamento argentino situado mais ao sul da ilha.
O acampamento era composto por um time de arqueólogos, historiadores e um geólogo, e tinham como objetivo restaurar um abrigo argentino na costa norte da ilha frente a Marambio (ou ilha Seymour), e também restaurar uma cabana sueca histórica e fazer todo o trabalho de arqueologia (saudades, prof. Neli) de resgate de todos os vestígios deixados ali pelos antigos habitantes.
A cabana abrigou, em 1902, quatro cientistas: o chefe de expedição, Bodman, Ekeloff e o argentino Sobral; outros dois, Jonassen e Akerlund, eram responsáveis pela logística do acampamento. O objetivo dos expedicionários era estudar geomagnetismo, biologia humana e animal, meteorologia, e geologia do local e das cercanias.
Andaram mais de 600 km no gelo e na neve, onde na época, esse território jamais havia sido explorado. Por fevereiro de 1903, eles foram informados de que não seriam resgatados no tempo que haviam previsto (um pouco tenso lembrar dessa história antes do nosso próprio resgate…). Os suecos, junto com o argentino Sobral, prepararam-se para mais uma invernagem compulsória, caçando pinguins e focas para sobreviver.
O navio “Antarctic” que iria resgatá-los enfim, muito depois do tempo previsto, acabou naufragando no sudoeste das ilhas Paulet, apenas a 100 km de Snow Hill. Apesar do inverno rigoroso e da pouca esperança de voltar para casa, a equipe científica continuou seus trabalhos de pesquisa fervorosamente. O governo argentino enviou auxílio. A protagonista do salvamento foi uma corveta argentina chamada ‘Uruguay’, que resgatou os expedicionários. A corveta é a embarcação mais antiga da marinha argentina, e nos dias de hoje está ancorada nos subúrbios de Buenos Aires.
O trabalho de restauração dos hermanos argentinos é impressionante. Depois de uma bela visita guiada, sentamos em bancos improvisados e conversamos tarde adentro. O humor dos argentinos assemelha-se um tanto ao brasileiro, e com uma grande hospitalidade de nossos novos amigos, nos sentimos em casa. Bonito foi o retorno ao acampamento… Para chegar ao acampamento argentino, fizemos uma trilha (com aventuras) de 3,5km atingindo a praia, onde havia uma exposição linda de icebergs.
Para voltar, a história se complicou. O caminho mais seguro era pela costa, mas a maré subiu rapidamente. Precisávamos ir pela montanha. Que sorte que almoçamos com os argentinos! Em 4 horas, subimos 158 metros de montanha de rocha inconsolidada, o que significa que a cada passo acima, descíamos 3. Aventuras à parte, e depois de quase entrar em exaustão completa, chegamos ao topo. Olhar para baixo parecia inacreditável. Alguns lugares tinham 85 graus de inclinação, de forma que pouco conseguíamos ver onde começamos a andar. Que superação! Guardo a aventura e a hospitalidade dos argentinos com muito carinho. Ademais, acredito que o próximo diário será escrito já no balanço do navio. Acabamos os trabalhos por aqui, conseguimos boas amostras e muita história pra contar.
Até a próxima! Câmbio, desligo.
Ândrea Pozzebon-Silva
Confira aqui as outras partes do relato já publicadas
