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Graduação

Pesquisa analisa preconceito linguístico e seu impacto na vida acadêmica de universitários

Por Lucas George Wendt

Postado em 25/04/2025 10:49:18


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Em um país marcado por uma rica diversidade cultural e linguística como o Brasil, o preconceito linguístico ainda é uma realidade que afeta milhares de pessoas, especialmente no ambiente acadêmico. Um estudo recente realizado por Karine Hendges, diplomada do curso de Letras da Universidade do Vale do Taquari - Univates, revelou como o preconceito linguístico impacta a interação e a autoestima de estudantes de graduação em uma universidade comunitária.

A pesquisa, orientada pela professora doutora Kári Forneck e desenvolvida como Trabalho de Conclusão de Curso (TCC), traz à tona discussões sobre a valorização das variedades linguísticas e o papel da educação na promoção da inclusão.  

O trabalho intitulado “O preconceito linguístico e seu impacto na interação de estudantes do Ensino Superior: um estudo de caso em uma universidade comunitária” teve como foco analisar como o preconceito linguístico influencia a vida acadêmica dos alunos. Além do trabalho de conclusão de curso, o texto que relata a pesquisa deu origem a um artigo científico em processo de avaliação por pares em um periódico da área. 

O problema central da pesquisa foi: “Como o preconceito linguístico impacta a vida acadêmica de estudantes de graduação de uma universidade comunitária do Vale do Taquari, no Rio Grande do Sul?”.   

A escolha do tema não foi aleatória. A região do Vale do Taquari tem uma forte influência de imigrantes europeus, especialmente alemães e italianos, o que resultou em variações linguísticas únicas, como o uso do “R” tepe (suave) no lugar do “R” vibrante (forte), comum em palavras como “rua” ou “carro”. Essas características, embora sejam parte da identidade cultural local, muitas vezes são alvo de discriminação.  

O estudo teve como objetivo geral verificar o impacto do preconceito linguístico na vida acadêmica dos estudantes. Para concretizar o estudo, Karine se propôs a investigar, por meio de um questionário estruturado, as percepções dos estudantes ao participar oralmente durante as aulas e analisar essas percepções com base nos conceitos de norma-padrão e nos fundamentos dos estudos sobre preconceito linguístico.  

A pesquisa foi embasada na Sociolinguística Variacionista, campo que estuda a relação entre língua e sociedade, destacando que a linguagem é dinâmica e heterogênea. Autores como William Labov, Maria Cecília Mollica e Marcos Bagno foram referências de Karine, reforçando a ideia de que não existe um “jeito certo” ou “errado” de falar, mas variações que refletem contextos sociais e históricos.  

O trabalho adotou uma abordagem qualitativa, utilizando o método de estudo de caso para investigar o fenômeno em seu contexto real. Os dados foram coletados por meio de um questionário, enviado por e-mail a alunos de graduação da Univates. O instrumento continha 15 questões e recebeu 205 respostas, das quais 185 foram consideradas válidas após a exclusão de participantes de cursos técnicos e ex-alunos, que estavam fora do escopo da pesquisa.  

A análise dos dados foi realizada com base na metodologia de Análise de Conteúdo, e seguiu três etapas: pré-análise, exploração do material e interpretação dos resultados. O estudo também foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa (Coep), garantindo o respeito aos princípios éticos.  

O preconceito linguístico na voz dos estudantes  

Apesar de 80% dos alunos afirmarem não ter sofrido preconceito linguístico diretamente, 59% relataram já ter presenciado situações de discriminação contra colegas por causa de seu modo de falar.  

“Eu me sentia constrangida por falar diferente”  

Um dos depoimentos mais marcantes veio da Aluna 135, que disse: “Logo que entrei para a faculdade, as pessoas achavam engraçado a maneira que eu falava. Eu me sentia constrangida por falar diferente”. Outro estudante, identificado como Aluno 105, compartilhou: “Por ser do interior, o meu sotaque e expressões são um pouco diferentes dos meus colegas e professores. Algumas vezes, imitaram meu jeito de falar de forma irônica”.  

Esses relatos ecoam as conclusões de pesquisas anteriores, que destacam a estigmatização de variantes linguísticas em comunidades bilíngues. A crença de que existe um “jeito certo” de falar ainda persiste, muitas vezes reforçada por visões homogêneas da língua.  

“Essa é a maneira como fomos ensinados a falar” 

Outro dado relevante foi a percepção dos estudantes sobre as variações linguísticas. Quando questionados sobre o uso do “R” tepe (como em “rua” pronunciado com som suave), 97% dos alunos disseram já ter ouvido alguém utilizando essa variante, e 63% afirmaram que ela está presente em suas famílias.  

A maioria dos estudantes (72%) não considera essa variação um erro, mas sim uma característica linguística. O Aluno 4 exemplificou: “Não, pois essa é a maneira como fomos ensinados a falar, de acordo com nossas origens e interações”. Já o Aluno 86 destacou: “Faz parte da variação linguística; é uma das partes mais bonitas da língua”.  

No entanto, 21% dos alunos ainda veem a variação como um “erro”, e 7% acreditam que isso depende do contexto. Essas respostas refletem a influência da norma-padrão, muitas vezes ensinada como a única forma “correta” de comunicação.  

Impacto 

A pesquisa demonstrou que o preconceito linguístico está presente nas relações acadêmicas e sociais, podendo causar constrangimento e até mesmo afetar a participação dos estudantes em sala de aula, gerando impactos negativos no ciclo de formação. No entanto, também houve sinais de conscientização e valorização das características linguísticas regionais.  

O preconceito linguístico se sustenta na ideia de que apenas a língua portuguesa ensinada nas escolas e reconhecida pelas gramáticas é válida. Essa visão ignora a riqueza das variações linguísticas, que carregam histórias, culturas e identidades.  

A maioria dos alunos acredita que a forma de falar pode influenciar oportunidades profissionais, especialmente em centros urbanos. Esse dado reforça a necessidade de iniciativas educacionais que promovam o reconhecimento e a valorização das variações linguísticas, desconstruindo o tabu entre “certo” e “errado”.  

O estudo de Karine Hendges encerra com reflexões sobre o papel da educação no combate ao preconceito linguístico. Entre as recomendações estão: a) promoção de debates e atividades que valorizem as variedades linguísticas em sala de aula; b) formação continuada de professores para que reconheçam e respeitem as diferenças linguísticas; e c) desconstrução da ideia de que existe uma única forma “correta” de falar.  

Julia Taubitz/Unsplash

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