Com informações do APERS
Integrantes do projeto Brocantes: palavras e coisas da escola, desenvolvido pela Universidade do Vale do Taquari – Univates, realizaram uma visita técnica ao Arquivo Público do Estado do Rio Grande do Sul (APERS). A atividade, ocorrida no dia 30 de agosto, marcou um momento de aproximação entre a pesquisa acadêmica e uma das mais importantes instituições de custódia documental do Brasil, reconhecida por seu papel histórico na preservação e difusão de documentos administrativos, jurídicos e culturais.
A iniciativa da Univates insere-se em um esforço mais amplo de compreensão e valorização da documentação escolar como fonte de memória e objeto de estudo científico. Ao mesmo tempo, a visita trouxe a oportunidade de refletir sobre o papel dos arquivos no país e sobre a necessidade de criar pontes entre a produção documental contemporânea e os acervos históricos.
O Arquivo Público: mais de um século de preservação
O APERS foi criado em 1906, no contexto da reorganização política e administrativa do Estado após a Proclamação da República. Inspirado por ideais positivistas, o governo de Borges de Medeiros instituiu a Repartição de Arquivo Público, de Estatística e da Biblioteca do Estado, subordinada à Secretaria do Interior e Exterior. Sua função primordial era adquirir e conservar, sob classificação sistemática, todos os documentos concernentes à legislação, à administração, à história, à geografia, às artes e indústrias do Rio Grande do Sul.
A centralização de documentos na capital refletia a concepção de Estado forte e controlador que marcava a Primeira República gaúcha. Autos judiciais, processos cartoriais, inventários, registros civis e outros documentos foram sendo recolhidos e organizados, formando um acervo que, ainda hoje, é fonte de pesquisas em diferentes áreas. Em 1912, o Arquivo foi instalado em sua sede definitiva, na Rua Riachuelo, em Porto Alegre, espaço que posteriormente receberia ampliações em 1919 e 1950.
Ao longo do tempo, o APERS consolidou-se como guardião da memória administrativa e social do Rio Grande do Sul. Nas últimas décadas, sobretudo a partir da redemocratização, a instituição passou a valorizar não apenas sua função probatória e cartorial, mas também seu papel educativo e cultural. Projetos como “Por dentro do Arquivo” e “Documentos da Escravidão” aproximaram estudantes, professores e pesquisadores da riqueza dos acervos. Hoje, vinculado à Secretaria de Planejamento, Governança e Gestão (SPGG), o Arquivo Público é referência em gestão documental e preservação patrimonial.
O Brocantes: criando um arquivo da escola
Coordenada pela professora Angélica Vier Munhoz, a iniciativa proposta pelo Brocantes, criada em 2022, busca reunir, registrar e disponibilizar documentos escolares produzidos desde o início do século XX, criando um repositório público que permita compreender o que a escola produz, repete, abandona e ainda mantém ao longo do tempo. “O que produzimos documentalmente pela escola durante um século diz muito sobre nós, mas também sobre os contextos em que esses registros foram feitos”, afirma Munhoz.
“Nos interessa observar os indícios das condições de produção dos documentos escolares, pois eles são pistas para entender práticas, valores e transformações da educação.” O acervo já conta com 1.800 documentos catalogados, recebidos por meio de doações da comunidade em feiras Brocantes e via coleta virtual. Entre eles, há provas, trabalhos acadêmicos, materiais de estudo, artigos, boletins e documentos sem categoria definida. Muito além da quantificação, os pesquisadores ressaltam a importância qualitativa do material. “Esses documentos nos ajudam a pensar a escola como espaço de memória e de identidade coletiva”, explica a professora Fabiane Olegário, integrante do projeto.
Pesquisa colaborativa e rede acadêmica
O Brocantes é desenvolvido pelo grupo de pesquisa Currículo, Espaço, Movimento (CEM), vinculado ao Programa de Pós-Graduação em Ensino (PPGEnsino) da Univates, com a colaboração de pesquisadores da UFRGS, UFPR, UCS e Unisinos. A equipe reúne docentes com experiência consolidada em Educação, Arquivologia e Memória, além de bolsistas de doutorado, mestrado, iniciação científica e até ensino médio. O financiamento vem de programas como Prosuc/Capes, Pibic/CNPq e bolsas institucionais da Univates.
A visita técnica: aprendizados e conexões
Durante a visita ao Arquivo Público, os integrantes do Brocantes conheceram a estrutura da instituição, seus prédios históricos e os procedimentos técnicos de conservação, classificação e difusão documental. O encontro permitiu comparar metodologias e refletir sobre os desafios de constituir, em âmbito universitário, um repositório de memória escolar inspirado nas melhores práticas arquivísticas.
A experiência também revelou afinidades entre os dois projetos. Se o APERS nasceu com a missão de centralizar documentos administrativos e jurídicos para assegurar o funcionamento da máquina pública, o Brocantes busca ser um ponto de apoio a memória da escola, hoje dispersa em acervos pessoais e familiares. Em ambos os casos, trata-se de preservar, organizar e tornar acessíveis registros fundamentais da vida social.
Arquivos como espaços de futuro
A visita ao Arquivo Público não foi apenas uma ação de aprendizado técnico. Ela simbolizou um gesto de reconhecimento: os arquivos não são depósitos de papéis velhos, mas instituições vivas, que guardam e organizam a memória coletiva e, ao mesmo tempo, oferecem ferramentas para pensar o futuro.
Ao criar um arquivo da escola, o Brocantes inscreve-se nessa tradição e amplia seus horizontes. “Nos interessa tanto a documentação mais antiga quanto os registros recentes, porque todos eles falam sobre práticas escolares, sobre como nos relacionamos com a escrita, com a avaliação, com o conhecimento”, explica Munhoz. “Queremos que esses documentos estejam disponíveis para a comunidade, para pesquisadores e para qualquer pessoa interessada em compreender a escola.” Nesse sentido, a aproximação com o Arquivo Público do Estado é estratégica: ela fortalece a rede de instituições que, em diferentes escalas, trabalham para preservar e valorizar os documentos como patrimônios culturais.
Impacto e próximos passos
O projeto da Univates já tem se destacado no cenário acadêmico nacional pela originalidade e pelo alcance. A meta é expandir o repositório de documentos escolares, fomentar pesquisas derivadas dos acervos e, futuramente, consolidar uma plataforma digital aberta que funcione como referência em memória da educação.
Enquanto isso, ações de coleta continuam sendo realizadas em diferentes cidades do Vale do Taquari e de outras regiões. As feiras Brocantes, nas quais a comunidade é convidada a doar documentos escolares guardados em casa, têm se mostrado espaços potentes de sensibilização e engajamento.
A expectativa é que, ao longo dos próximos anos, o acervo cresça e permita análises mais abrangentes sobre práticas pedagógicas, mudanças curriculares e transformações culturais ligadas à escola brasileira.
