O reconhecimento dos Direitos da Natureza vem ganhando espaço no debate ambiental global, especialmente a partir da inspiração em saberes ancestrais e de uma visão biocêntrica, que busca superar a tradicional perspectiva antropocêntrica. Em países da América Latina, como Equador e Bolívia, legislações já incorporaram essa concepção, garantindo status jurídico a rios, florestas e outros elementos naturais. No Brasil, no entanto, esse movimento ainda é incipiente e pouco sistematizado.
Com o objetivo de preencher essa lacuna, o Grupo de Pesquisa em Justiça Ambiental ASAS (Alimentos, Saberes, Sustentabilidade), vinculado ao Programa de Pós-Graduação em Ambiente e Desenvolvimento - PPGAD e ao Curso de Direito da Universidade do Vale do Taquari – Univates, lançou o Observatório dos Direitos da Natureza.
A iniciativa busca acompanhar, registrar e organizar de forma acessível a evolução das normas e da jurisprudência dos diferentes tribunais brasileiros que tratam do tema. O observatório funcionará como uma base de dados aberta, disponível na plataforma Notion, reunindo tanto leis, projetos e atos normativos quanto decisões judiciais que discutam a aplicação prática dos direitos da natureza.
Um repositório inédito no Brasil
Segundo os coordenadores do projeto, a dispersão de informações sobre leis e julgados no país motivou a criação do Observatório. A expectativa é que o banco de dados funcione como uma ferramenta de referência para pesquisadores, gestores públicos, organizações da sociedade civil e tomadores de decisão, permitindo compreender os diferentes horizontes interpretativos do Poder Judiciário e do Legislativo.
“O Observatório nasce com a missão de organizar dados que estavam pulverizados em diferentes fontes, criando um panorama confiável e acessível sobre como os Direitos da Natureza estão sendo discutidos no Brasil”, afirmam os pesquisadores do Grupo Asas.
Além de sua função acadêmica e de consulta, o Observatório tem o potencial de subsidiar a formulação de políticas públicas ambientais mais eficazes e fundamentadas em evidências, alinhadas ao que prevê o artigo 225 da Constituição Federal de 1988, que estabelece o direito de todos a um meio ambiente ecologicamente equilibrado.
Como funciona a base de dados
A construção do Observatório foi realizada a partir de uma metodologia própria, desenvolvida pelo Grupo Asas. A base de dados organiza os registros em duas grandes categorias: documentos normativos e jurisprudências.
No caso das normas, são catalogados itens como número do documento, data de publicação, ente federativo responsável, status (em vigor, pendente ou revogado), palavras-chave, tipo de norma e abordagem sobre os direitos da natureza. Cada registro traz ainda link para o documento original e um resumo com informações adicionais.
Já para as decisões judiciais, a classificação é detalhada e inclui dados como número do processo, tribunais de origem e de recurso, sujeitos protegidos (como rios, lagoas ou ecossistemas), tipo de ação, partes envolvidas, fundamentos normativos, resultado da decisão, além de links para os julgados e resumos analíticos.
A base é atualizada periodicamente por meio de consultas a bancos de dados de tribunais, artigos acadêmicos, notícias jornalísticas, sites de organizações da sociedade civil e mídias sociais. Também está prevista a participação colaborativa da sociedade: pesquisadores e interessados poderão sugerir casos ou documentos por meio de chamamentos públicos realizados nas redes sociais do grupo.
Critérios de inclusão
O Observatório deixa claro que não pretende esgotar todos os casos brasileiros relacionados ao meio ambiente. O foco está nas situações em que os Direitos da Natureza aparecem de forma central ou específica, contribuindo efetivamente para o debate. Casos em que o tema aparece apenas de maneira superficial não são incluídos na plataforma, justamente para assegurar a qualidade e relevância do material disponível.
O processo de inclusão de novos registros segue três etapas principais:
Levantamento dos documentos ou peças processuais nos tribunais ou bases oficiais;
Análise preliminar, para verificar a pertinência do caso segundo os conceitos de Direitos da Natureza;
Classificação e upload das informações na base de dados, conforme os critérios definidos pela metodologia do grupo.
Conexão entre pesquisa, sociedade e políticas públicas
O Observatório dos Direitos da Natureza se insere em uma agenda mais ampla de pesquisas conduzidas pelo Grupo Asas, que atua em temas ligados à justiça ecológica, sustentabilidade, segurança alimentar, governança ambiental, igualdade social, decolonialidade e direito ao futuro.
O lançamento da plataforma reforça a intenção do grupo de conectar o debate acadêmico com demandas concretas da sociedade, ampliando o acesso à informação ambiental e estimulando um diálogo entre diferentes atores – desde pequenos agricultores e comunidades tradicionais até órgãos do poder público e empresas.
Relevância internacional
Embora seja uma iniciativa sediada no Brasil, o Observatório poderá servir como referência também em âmbito internacional. A criação de um banco sistematizado de normas e jurisprudências abre caminho para comparações com outros países e para o diálogo com pesquisadores estrangeiros que investigam o avanço dos Direitos da Natureza em suas respectivas legislações.
Nesse sentido, o Observatório se alinha a um movimento global que busca repensar a relação entre humanidade e natureza, reconhecendo o ambiente como sujeito de direitos.
