Em setembro de 2023, a cidade de Lajeado foi seriamente afetada por enchentes que causaram a evacuação de centenas de famílias, exigindo respostas rápidas por parte do Poder Público. Diante dessa situação emergencial, o direito à alimentação tornou-se uma prioridade nas ações de assistência aos desabrigados, com a implementação de medidas para garantir o fornecimento de alimentos nos abrigos temporários.
O Trabalho de Conclusão de Curso (TCC) de Ligia dos Santos Camini, estudante do curso de Direito da Universidade do Vale do Taquari - Univates, buscou avaliar a efetividade dessas ações, analisando a atuação da Gestão Pública de Lajeado sob a perspectiva do direito à alimentação adequada. A pesquisa da acadêmica, orientada pelo professor Maurício Zanotelli, foi elaborada em formato de artigo científico.
Sabe-se que o direito à alimentação é um tema relevante, especialmente em situações de calamidade pública. Cabe às autoridades governamentais adotarem um conjunto de ações estruturadas e coordenadas, levando em consideração a urgência e a sustentabilidade das medidas. Ligia realizou entrevistas com uma assistente social e um promotor de justiça atuantes em Lajeado para compreender como foram organizadas as respostas à crise alimentar enfrentada nos abrigos municipais.
O estudo constatou que houve desafios logísticos, administrativos e sociais. A assistente social destacou que as barreiras logísticas decorrentes de bloqueios viários comprometeram a regularidade na entrega de alimentos. Segundo ela, essa dificuldade foi agravada pela dependência de fornecedores externos, resultando em atrasos e falhas no controle de qualidade, como a perda de temperatura dos alimentos.
Adaptar as refeições às necessidades específicas dos abrigados também não foi uma tarefa fácil. Essa complexidade foi justificada por aspectos como diferenças culturais, demandas nutricionais especiais e inadequação das porções para grupos etários e ciclos de vida distintos. O promotor de justiça enfatizou que a ausência de planejamento emergencial adequado e a magnitude inesperada do desastre sobrecarregaram os mecanismos de resposta, tornando as ações improvisadas e, em alguns casos, insuficientes.
A falta de protocolos claros corroborou para a desorganização nas ações de assistência alimentar. Verificou-se que o Plano de Contingências Municipal não foi plenamente aplicado. Além disso, a coordenação entre Defesa Civil e Assistência Social foi insuficiente, resultando na ausência de diretrizes padronizadas para o atendimento das demandas alimentares nos abrigos.
O promotor de justiça encerrou sua entrevista mencionando que “há muito a se aprimorar em termos de acolhimento, comunicação prévia, clareza de regras, respeito e envolvimento ativo (...)”. Nesse sentido, estudos como o de Ligia podem contribuir para melhorar as ações durante desastres, assegurando o direito das pessoas à alimentação.
Leia o artigo científico na íntegra clicando aqui.
Os bastidores da pesquisa
Nos depoimentos abaixo, Ligia e Maurício explicam as motivações que os levaram a aprofundar a temática da segurança alimentar em situações de calamidade pública, destacando a relevância jurídica da questão para a comunidade de Lajeado. Confira:
“Diante das enchentes que atingiram Lajeado em 2023, percebi de forma concreta como a insegurança alimentar se agrava em cenários de calamidade pública. Trabalhando diretamente com o atendimento às famílias afetadas, vi que a ausência de políticas estruturadas e contínuas voltadas à alimentação compromete não só a dignidade, mas também a saúde das pessoas em situação de vulnerabilidade. Isso me motivou a estudar mais profundamente o tema, buscando compreender o papel do Direito na proteção do direito social à alimentação.
Nesses contextos, a segurança alimentar não pode ser vista apenas como uma ação emergencial. Ela precisa ser pensada como uma política pública permanente, com respaldo jurídico e institucional. Em Lajeado, ainda estamos construindo esses mecanismos, e muito se tem avançado na elaboração e cumprimento dos protocolos emergenciais. Acredito que a articulação entre os diversos órgãos é fundamental para assegurar uma resposta rápida, justa e eficaz diante das situações de calamidade pública.” - Ligia dos Santos Camini
“O contexto em setembro de 2023, em Lajeado-RS, foi muito difícil e desafiador, sobrecarregando a gestão pública no desempenho da função administrativa que, por mais que tenha se esforçado ao máximo, não conseguiu atender com eficiência as necessidades tamanhas geradas pela calamidade. Automaticamente, refletiu-se na esfera jurídica a existência de lacunas parciais na efetivação de direitos fundamentais sociais, como o direito à alimentação, o direito à segurança alimentar, entre outros.
Assim, fica evidente que, ao pensar no Estado e em ações conjuntas e articuladas, devemos repensar como podemos alcançar maior e melhor efetividade nos protocolos e planos de ações nessas situações. Essa responsabilidade é de todos nós, cidadãos.” - Maurício Zanotelli
