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Além de uma duplicação

Postado em 03/03/2017 17h14min

Por Artur Dullius

Em 2010, o Departamento Nacional de Infraestrutura e Transportes (Dnit) dava início às obras de duplicação da BR-386. A ampliação do trecho de 33,5 km, entre Estrela e Tabaí, deve ultrapassar a faixa dos R$ 200 milhões em investimentos. Há dois anos a via já deveria ter quatro pistas, mas hoje, mais de seis anos depois, ainda restam cerca de 9 km para serem finalizados.
 
Sem recursos para a continuidade das obras, o empreendimento ficou parado por um ano e, além de adiar o desenvolvimento daquele que pode ser um dos escapes para o progresso do Vale do Taquari, influencia a rotina de famílias e empresários. Considerados por parte da população como um dos entraves para a conclusão das obras, os Kaingang, da terra indígena Jamã Tÿ Tãnh, de Estrela, são um dos públicos mais afetados com a ampliação da rodovia. 
 
“Eles jamais foram contrários à realização da duplicação, apenas buscaram assegurar a concretização das medidas compensatórias previstas no Estudo de Impacto Ambiental e Relatório de Impacto ao Meio Ambiente (EIA/Rima), que propõe uma série de condicionantes visando a minimizar os impactos decorrentes da duplicação da BR-386”, esclarece Juciane Sehn da Silva, mestra pelo Programa de Pós-Graduação em Ambiente e Desenvolvimento da Univates.
 
O assunto foi tema da dissertação de mestrado realizada pela pesquisadora. Segundo ela, o estudo, que contou com a orientação do professor Dr. Luís Fernando Laroque, buscou, dentre outros aspectos, discutir os impactos sociais, territoriais e ambientais decorrentes da implantação do empreendimento para a comunidade Jamã Tÿ Tãnh, assim como analisar o protagonismo indígena frente à duplicação da BR-386. “Para a região, se trouxe uma série de discordâncias ou pré-conceitos justamente porque muitas pessoas desconhecem a trajetória histórica e cultural dos Kaingang e as julgavam sem levar em consideração os aspectos culturais desse grupo indígena”, explica Juciane. 
 
Impactos
Dentre os impactos ambientais sofridos por essa comunidade destaca-se principalmente a supressão vegetal, que por ordem afeta o exercício dos valores tradicionais, expressos por meio da coleta de matéria-prima para produção do artesanato, da busca de plantas medicinais e para sua alimentação. “Hoje esses espaços de domínio federal se tornam uma extensão do seu espaço de coleta e sustentabilidade, porém, muitas vezes é difícil a sociedade entender”, explica a pesquisadora, atentando também para os impactos territoriais.
 
Conforme Laroque, para tratar o assunto é preciso voltar no tempo cerca de 50 anos, quando o grupo indígena realizou um processo de (re)territorialização e continuou a vivenciar as práticas culturais da tradição Kaingang aqui na região. “Eles sempre lutaram pelo reconhecimento das áreas conquistadas como território indígena e a duplicação reacendeu essa discussão antiga do grupo. Para eles, a luta pela terra se dá pelo futuro das crianças, para poder seguir com as culturas tradicionais, pois a terra é entendida como a mãe e, por isso, tem tamanha importância”, afirma.
 
Em complemento, a pesquisadora lembra que a duplicação atende, sobretudo, a uma demanda econômica da região, no entanto, considera também que precisam ser levados em consideração ou os aspectos culturais das comunidades afetadas pelo empreendimento. “Os indígenas têm outra forma de pensar e outra relação com o ambiente, que não é pautada pelo viés capitalista, mas sociocultural, e nesse contexto a terra é de fundamental importância para sua sobrevivência física e cultural”, pontua Juciane.
 
Medidas compensatórias
Pautados por princípios legais e culturais das medidas compensatórias (a compensação daquilo que será tirado), os Kaingang foram em busca de seus direitos e solicitaram providências. Em contrapartida aos impactos sociais decorrentes da implantação da obra, foram construídas 29 casas de alvenaria, um centro comunitário, uma escola e uma Casa de Artesanato, com investimento de cerca de R$ 8,5 milhões por parte do Dnit.
 
Conforme a pesquisadora, grande parte das medidas já foram atendidas, porém o processo foi marcado pela demora na concretização. “O projeto da nova aldeia só foi aprovado em março de 2012, ou seja, dois anos após a aprovação da duplicação, e as famílias Kaingang vieram a ocupar o novo espaço somente em 2015”, explica Juciane.
 
Segundo ela, o Relatório de Impacto Ambiental do Componente Indígena prevê a compensação de 120 hectares de terras, que, por decisão da liderança da terra indígena Jamã Tÿ Tãnh, foram divididos equitativamente entre as aldeias impactadas direta ou indiretamente pelo empreendimento. “Em Estrela, foram liberados mais 15 hectares por conta da supressão vegetal, o que totaliza 33 hectares de terras. Destes, já houve a compensação de cerca de 14 hectares, restando mais 19 para serem compensados”, pontua Juciane.
 
O estudo realizado esteve vinculado ao projeto de extensão “História e cultura Kaingang em territórios da Bacia Hidrográfica Taquari-Antas” e ao projeto de pesquisa “Sociedades indígenas Kaingang em territórios da Bacia Hidrográfica Taquari-Antas”, ambos da Univates.
 
Texto: Artur Dullius
Ainda restam cerca de 9 km da rodovia para serem finalizados

Acervo Projeto Kaingang 2017

Ainda restam cerca de 9 km da rodovia para serem finalizados

Acervo Projeto Kaingang 2017

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