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Christian Holzinger/Unsplash

Ratos, formigas e gafanhotos: a influência dos animais na província jesuítica do Paraguay, entre os séculos XVII e XVIII, é tema de pesquisa

Postado as 18/07/2022 11:19:56

Por Lucas George Wendt

Recentemente, uma pesquisa conduzida pela doutoranda Tuani de Cristo, do Programa de Pós-Graduação em Ambiente e Desenvolvimento (PPGAD) da Universidade do Vale do Taquari - Univates, e pelo professor Dr. Luís Fernando da Silva Laroque analisou a influência das ações não humanas na província jesuítica do Paraguay entre os séculos XVII e XVIII. O artigo publicado faz parte do desenvolvimento da tese de doutorado de Tuani, orientada por Laroque. Tuani é graduada em História pela Univates e também mestra pelo PPGAD. 

O estudo tem relação com os projetos de pesquisa “Identidades étnicas e desdobramentos socioambientais em espaços de bacias hidrográficas” e “Sociedade e Cultura: História Ambiental, Etno-História e Cultura Material”, do PPGAD. A pesquisa foi publicada no periódico Fronteiras - Revista Catarinense de História e teve por finalidade apresentar a participação dos não humanos e os impactos causados por problemas ambientais na convivência entre os Guarani e os jesuítas nas Missões. 

Fonte: Maeder & Gutiérrez, 2009

Entendendo o estudo 

O Paraguay é uma denominação administrativa que abrangia territórios do Paraguai, Argentina, Uruguai e parte dos estados do Sul do Brasil: Paraná, Santa Catarina e Rio Grande do Sul.

O estudo utilizou documentos escritos pelos padres jesuítas, como cartas e diários, encontrados no Centro de Pesquisas Históricas da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUCRS), obras publicadas por Jaime Cortesão (1969), Hélio Vianna (1970), padre Antônio Sepp (1951) e bibliografias que abordam as missões jesuíticas e práticas indígenas. Os pressupostos teóricos se fundamentam em autores da História Ambiental, que auxiliam na compreensão do comportamento de determinadas espécies e dos impactos ambientais.

Os resultados apontam para ações de ratões, formigas e gafanhotos no cotidiano das missões jesuíticas, situações que geraram fome e cobranças dos indígenas para que os padres solucionassem os problemas. Com base na História Ambiental, demonstrou-se como os não humanos causaram constrangimentos e, ao mesmo tempo, impulsionaram ações por parte dos padres e também de lideranças xamânicas. 

A doutoranda Tuani explica que a História Ambiental ‒ conceito teórico no qual o PPGAD tem base ‒ busca demonstrar que o Homo sapiens não é uma espécie separada do meio onde vive, portanto sua existência depende das relações que estabelece com as demais espécies não humanas – plantas, animais, microrganismos, fungos, bactérias, vírus, entre outros –, assim como o clima e as características geográficas de cada ambiente também influenciam as ações humanas e são apropriadas pelas diferentes culturas. “O historiador, ao questionar o passado, parte de perguntas que o inquietam no presente, e as questões ambientais estão na agenda global desde o século XX. O que nos faz olhar para os documentos e questionar como eram as relações humanas com as demais espécies no passado. Os processos históricos estão repletos de exemplos de entrelaçamentos entre humanos e não humanos. A partir disso, o artigo buscou analisar a presença e as ações de espécies não humanas nas reduções jesuítico-indígenas erguidas em territórios da Província do Paraguay no período colonial”, esclarece. 

O estudo evidenciou que o modelo econômico implantado pelos jesuítas nesses espaços gerou transformações ambientais que impactaram o cotidiano missioneiro. A produção agrícola e a necessidade de gerar excedentes para alimentar milhares de indígenas, armazenar para o futuro e trocar por outros produtos no mercado colonial impactaram o solo e transformaram alguns ambientes. Como consequência, os padres registraram diversas situações em que formigas, gafanhotos e ratões, entre outras espécies, avançaram sobre as plantações, alimentando-se delas e causando períodos de fome para os humanos ‒ indígenas Guarani e jesuítas ‒ que viviam nas reduções.

Divulgação/Acervo pessoal

Os resultados

Segundo a pesquisadora, a importância do estudo reside no fato de que é preciso que a humanidade perceba que nossa caminhada na Terra sempre ocorreu a partir das relações com as demais espécies não humanas. “Portanto, ignorar os processos de extinção gerados por ações antrópicas não pode ser uma opção e deve ser combatido, pois, como o Antropoceno tem evidenciado, as consequências serão sentidas por todos”, complementa. 

“Acredito que a grande contribuição do estudo é demonstrar que a história não pertence apenas aos homens, ela é repleta de não humanos que impactam o cotidiano, seja na escala local ou global, seja no social, político ou econômico. É isso que os historiadores ambientais têm almejado demonstrar”, revela Tuani. 

Os resultados da pesquisa demonstram que as transformações ambientais geradas pelo processo colonizatório e a mudança do modelo econômico e da organização social dos territórios geraram avanços de animais sobre as roças dos colonizadores, não sendo diferente nas reduções jesuítico-indígenas. Desde as primeiras décadas de atuação da Companhia de Jesus em territórios da Província do Paraguay, já eram registradas situações de adversidades ambientais. 

“Em Carta  nua de 1635-1636, os padres registram avanços de ratões às roças cultivadas na redução de Jesus Maria, situada na confluência entre os rios Pardo e Jacuí, no Rio Grande do Sul. O estrago causado pelos roedores aos cultivos gerou o abandono da redução por parte de diversas famílias Guarani”, exemplifica Tuani. 

Os avanços de nuvens de gafanhotos aos cultivos humanos não são uma característica apenas do século XXI, tendo também sido registrados pelos jesuítas nos séculos XVII e XVIII. “A redução de São Lourenço, um dos ‘Sete Povos das Missões’, também foi cenário de conflitos entre humanos e não humanos. Segundo os registros, as roças sofriam não apenas com a invasão desses insetos, mas também com a seca e as geadas, que eram um problema constante”, relata a doutoranda. 

As reduções jesuítico-indígenas também enfrentaram as denominadas “rainhas do Brasil” ou “donas da Paracuaria”: as formigas. Esses pequenos insetos geraram problemas gigantescos para os colonizadores portugueses e espanhóis, alimentando-se de seus cultivos, construindo túneis e habitações no solo de roças, invadindo as despensas e cozinhas, dentre outras diversas situações. “A redução jesuítica de São Miguel, um dos ‘Sete Povos das Missões’, teve o solo de suas roças invadido por formigas, impossibilitando o cultivo da quantidade de alimentos necessária para abastecer mais de cinco mil pessoas que viviam somente naquela redução. O avanço desses insetos foi tão problemático que foi um dos motivos da divisão da população de São Miguel e da construção de uma outra redução, a de São João Batista”, diz a pesquisadora. 

Petr Macháček/Unsplash

Os três eventos citados evidenciam que houve transformações ambientais nas reduções jesuíticas e que padres e indígenas missioneiros precisaram lidar com essas adversidades. Os avanços de animais aos cultivos geraram momentos de fome nas missões, e se não houvesse solução, os indígenas abandonavam o local e retornavam para as suas antigas aldeias, pois não ficariam passando fome depois de todo o trabalho que realizaram no plantio das roças.

Essas situações demonstram que os impactos causados por ações antrópicas geram reações das demais espécies, que consequentemente se convertem em problemas aos humanos que vivem no local. “A culpa não é das formigas, gafanhotos ou ratões, pelo contrário, estes tiveram o seu habitat impactado por humanos e precisaram se adaptar à nova realidade”, explica Tuani. Por outro lado, é preciso salientar que o Homo sapiens é uma das diversas espécies do planeta, portanto não somos invasores e não devemos ser tratados desta forma. 

“O que estudos históricos procuram evidenciar é que a sociedade ocidental precisa aprender com as sociedades tradicionais outras formas de viver e habitar a Terra sem destruí-la”, finaliza a doutoranda. 

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