
A cultura que segura o jogo
Por Bernardete B. Cerutti e Luciane Franke, professoras universitárias
|Postado em: 11/12/2025, 09:28:22
|Atualizado em: 11/12/2025, 09:34:23
Todo fim de ano parece final de campeonato: empresas entrando em campo cheias de promessas de que “agora vai”. Falam em revoluções, reposicionamentos radicais, mudanças de 180 graus. Trocam slogans, organogramas, tecnologias e, mais recentemente, buscam incorporar IA em tudo, frequentemente sem olhar para aquilo que realmente segura o jogo: a cultura que sustenta o jeito
como a empresa funciona por dentro.
A cultura de uma organização não pode ser tratada como algo descartável ou facilmente substituível. Ela é resultado de histórias, aprendizados, decisões acertadas e também erros que moldaram a identidade da empresa ao longo do tempo. Tentar romper com tudo o que foi construído, em nome de mudanças rápidas ou modismos de gestão, pode colocar a própria sustentabilidade do negócio em risco, levando a perdas financeiras, desmobilização das equipes e enfraquecimento da marca.
Um exemplo pode ser observado nos clubes de futebol: quando uma nova gestão assume, é comum surgir o desejo de promover mudanças amplas e rápidas, muitas vezes sob a ideia de “reinventar tudo”.
No entanto, a experiência mostra que, especialmente em momentos de instabilidade ou baixo desempenho, a recuperação costuma ocorrer por meio de estratégias que combinam renovação com o resgate de valores históricos do clube, conduzidas por profissionais que compreendem sua cultura. Esse movimento evidencia que a inovação, para ser efetiva, precisa estar alinhada à essência da organização e aos sinais do mercado, permitindo mudanças consistentes sem romper os fundamentos que sustentam a identidade institucional.
A cultura funciona como um pilar invisível que orienta decisões, comportamentos e relações internas. Ela oferece estabilidade em momentos de crise, reforça o senso de pertencimento e serve como referência para escolhas estratégicas. Quando bem compreendida, torna-se um ativo valioso, capaz de sustentar mudanças com segurança, pois oferece coerência entre o que a organização sempre foi e aquilo que precisa se tornar para seguir competitiva.
Em uma das cartas de Clarice Lispector à Tania Kaufmann, Clarice pontua sabiamente que: “Até cortar os próprios defeitos pode ser perigoso — nunca se sabe qual é o defeito que sustenta nosso edifício inteiro”. Da mesma forma, na cultura organizacional, dissolver sem conhecimento ou critério pode significar eliminar pilares invisíveis que garantem equilíbrio e continuidade. O papel da liderança, portanto, não é descartar a cultura existente, mas lapidá-la, preservando seus valores essenciais e adaptando práticas e processos para atender às novas demandas do mercado.
Assim, mudanças culturais bem-sucedidas são aquelas que respeitam a trajetória da organização e reconhecem o saber acumulado de suas pessoas. Inovar não significa negar o passado, mas construir sobre ele, aproveitando experiências, identidades e símbolos que fortalecem o engajamento das equipes e a solidez da empresa.
A evolução sustentável ocorre quando a gestão consegue equilibrar tradição e inovação, mantendo viva a essência da cultura enquanto impulsiona o desenvolvimento. Dessa forma, a organização avança com consistência, muda sem perder de vista quem é e evita que a busca por “transformação” derrube justamente os pilares que garantem seus resultados e sua longevidade.

