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Responsabilidade social

Pesquisa com dados da Univates revela desafios na permanência de estudantes negros no ensino superior

Por Lucas George Wendt

Postado em 01/10/2024 11:05:56


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Um estudo conduzido na Universidade do Vale do Taquari - Univates destacou avanços e desafios enfrentados pelos estudantes negros na Instituição. A pesquisa, parte do Trabalho de Conclusão de Curso da estudante do curso de Odontologia Sèminvo Gloria Mirabelle Denami, sob orientação do professor doutor Maurício Fernando Nunes Teixeira, analisou a evolução no acesso e na permanência desses estudantes entre 2019 e 2023, revelando dados que apontam tanto para um crescimento nas matrículas quanto para taxas de evasão. Os dados compilados por Sèminvo refletem, na região, uma perspectiva que é nacional e um desafio mais amplo que se coloca à sociedade brasileira. 

Estudante e orientador no dia da defesa do TCC

Motivações para a realização da pesquisa 

“Como mulher negra na Univates, ao longo dos cinco anos que passei na Instituição, percebi que havia poucos negros aqui. Já na cidade de Lajeado, vejo muitos negros em idade de estar na universisade que não estão na Univates. Isso me despertou a pergunta: Por que esses jovens negros não estão na Univates? Essa pergunta foi o que me motivou a escolher esse tema de pesquisa”, detalha Sèminvo. 

Para a jovem, “as ações afirmativas ajudam a criar um ambiente no qual os estudantes negros se sentem reconhecidos e valorizados, o que aumenta o senso de pertencimento. Esse sentimento fortalece a identidade deles e os motiva a continuar seus estudos, reduzindo assim as taxas de evasão na universidade. Ao verem que há espaço para eles na instituição, pois se sentem mais representados, os estudantes negros se sentirão mais integrados e apoiados, o que é muito importante para a permanência deles no local de estudo”. 

Resultados

Entre 2019 e 2023, o número de estudantes negros ingressantes na Univates mais que dobrou, passando de 70 para 185. Esse crescimento sinaliza um avanço na inclusão e no acesso ao ensino superior por parte da população negra na região do Vale do Taquari. No entanto, os dados também mostram que a permanência desses estudantes na universidade é um desafio. As taxas de evasão nos cursos de Bacharelado e Licenciatura alcançam 74,4% e 71,3%, respectivamente, evidenciando a necessidade de políticas que garantam a continuidade dos estudos.

Seminvò quando chegou à Univates em 2020

A estudante revela que percebeu diferenças entre as taxas de evasão em cursos de diferentes áreas de conhecimento ou modalidades de curso. “Percebi maior taxa de evasão nos cursos de Bacharelado e Licenciatura do que nos cursos técnicos. As principais razões que eu encontrei na literatura foram as seguintes: o fato de os cursos técnicos serem mais acessíveis por serem de menor duração e consequentemente de menor custo faz com que tenha menos evasão neles. Também, os negros conseguem entrar com um pouco menos de dificuldade no mercado de trabalho após terem concluído os cursos técnicos. Já nos cursos de Bacharelado e Licenciatura, a dificuldade financeira, a duração maior do curso, a sensação de não pertencimento à instituição podem ser alguns motivos de evasão”. 

A pesquisa sugere que, apesar do aumento no número de ingressantes, a Univates precisa intensificar seus esforços em ações afirmativas e de suporte para que os estudantes negros possam concluir seus cursos com sucesso. A criação e a implementação eficaz dessas ações são um instrumento para combater as altas taxas de evasão e promover a equidade dentro da instituição.

Além disso, o estudo aponta para a necessidade de desenvolver novos trabalhos que explorem mais profundamente as razões por trás da evasão e as dificuldades enfrentadas pelos estudantes negros na universidade. Entre os fatores que merecem investigação estão as barreiras socioculturais que influenciam a autodeclaração racial e a não declaração racial, aspectos que podem ter um impacto na vivência acadêmica desses estudantes.

Em consonância com o Objetivo de Desenvolvimento Sustentável 4 da ONU, que busca assegurar uma educação de qualidade inclusiva e equitativa, a pesquisa de Denami destaca a urgência de não apenas facilitar o acesso dos estudantes negros ao ensino superior, mas também de garantir que esses estudantes encontrem um ambiente acolhedor e propício para o desenvolvimento pleno de suas potencialidades. A permanência simbólica, caracterizada por um senso de pertencimento e identidade, é vista como importante para a conclusão bem-sucedida dos cursos, contribuindo para a construção de uma sociedade mais justa e igualitária.

Como a Universidade tem abordado o tema 

A vice-reitora e pró-reitora de Ensino, professora Fernanda Storck Pinheiro, destaca que, desde 2023, semestralmente a Univates oferece o Fórum Racismo Estrutural e suas Implicações no Ambiente Universitário, do qual participam professores e funcionários técnico-administrativos. “É uma oportunidade importante para colocar o tema no debate público e para refletir sobre certos comportamentos. Temos tido o cuidado de pautar a temática em eventos, como o Diálogos na Contemporaneidade, com especial atenção para pesquisadores, intelectuais e artistas negros, pois entendemos que a presença nestes espaços de visibilidade gera identificação”. 

A Instituição também criou uma Comissão de Heteroidentificação, responsável pelas análises dos candidatos ao preenchimento das ações afirmativas que a IES realiza a partir de então. “Da comissão fazem parte membros internos e externos à Univates e todos passam por uma qualificação para tanto. A partir de 2024, por meio do Programa Professor do Amanhã, também preenchemos mais vagas voltadas especificamente para alunos negros, além de LGBTQIAP+. Temos investido em pesquisas na área. Há o grupo de pesquisa Identidades Étnicas, coordenado pelo professor Luis Fernando Laroque, do qual faço parte, e outros trabalhos dos nossos mestrados e doutorados, a partir das quais temos dados que nos orientam, especialmente no contexto regional”, informa a gestora. 

“Temos no planejamento estratégico da Universidade a criação de uma Política de Ações Afirmativas, que neste momento está sendo analisada por diferentes colegiados e câmaras para posteriormente ser submetida à análise do Conselho Universitário. Será um instrumento importante que trará os compromissos da Univates com um ambiente acadêmico mais plural”, projeta Fernanda. 

A pró-reitora diz que “o trabalho da Glória é muito significativo, pois coloca uma lupa sobre nossas condições de acesso e permanência de estudantes negros. Embora haja um histórico de políticas institucionais em direção à pluralidade (vide a Política de Respeito às Individualidades, que é de 2016), o momento é oportuno para pensarmos em sua ampliação e fortalecimento. Nesse contexto, toda a comunidade acadêmica tem a ganhar”. 

Perspectivas

Este estudo abre caminho para futuras pesquisas que possam contribuir ainda mais para o desenvolvimento de políticas de inclusão e suporte aos estudantes negros, garantindo que a diversidade racial seja refletida não apenas nas matrículas, mas também na conclusão bem-sucedida dos cursos na Univates. Os resultados foram enviados ao Núcleo de Inclusão e Acessibilidade da Univates, para que possam ser pensadas em ações que possam melhorar o acesso e a permanência de estudantes negros na Univates. 

“Além disso, em conjunto com meu orientador de TCC, estamos nos organizando para publicar esses resultados”. Sèminvo também indica que outros temas podem - e devem - ser investigados em estudos futuros. Entre eles: raça e classe social; estigmatização pela autodeclaração; impactos da autodeclaração racial na hora da inserção no mercado de trabalho; racismo vivenciado após a autodeclaração. 

A estudante também sugere à Instituição propostas para melhorar o acesso e a permanência dos estudantes negros em seus cursos. Propõe inserir mais conteúdos sobre a história e cultura afro-brasileira nas aulas de todos os cursos da Univates, com o intuito de ensinar mais sobre esta cultura e assim fazer com que os estudantes negros se sintam pertencentes à instituição. Também indica a promoção de eventos que valorizem a cultura negra por meio de palestras, exposições e semanas temáticas relacionados ao tema. Ainda orienta a disponibilização de psicólogos que entendam as questões raciais para que o estudante negro se sinta mais à vontade, bem como a criação de projetos de extensão/pesquisa com temas relacionados à cultura africana e afro-brasileira e a criação de políticas de cotas raciais tanto para o acesso à Instituição quanto para vagas em projetos de extensão da Instituição. 

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